VIOLÊNCIA CONTRA NEGROS E VIOLÊNCIA POLICIAL?
Alcino Lagares*
O jornal “O Tempo”, dia 28 de abril de 2015, publicou o artigo “O extermínio de jovens negros do sexo masculino no Brasil”, assinado por uma médica (Fátima Oliveira), relacionando a “vitimização” de homens negros brasileiros à ação preconceituosa de policiais.
Escrevi-lhe o seguinte email:
Prezada doutora Fátima, boa noite!
O “phatos” _ despertado pelo espanto diante do que ignoramos _ impulsiona-nos em busca do inatingível saber que fundamenta toda filosofia.
Seu artigo “O extermínio de jovens negros do sexo masculino no Brasil” (O Tempo, pág.24, dia 28/04/15) despertou-me, mais do que curiosidade, uma necessidade de conhecer a verdade da violência no Brasil, a qual, pelo que se diz frequentemente, é predominantemente contra os negros. Tenho dúvidas.
Pouco ou quase nada se mostra sobre “as cores” dos autores da violência que é perpetrada contra as pessoas, independentemente da cor de suas vítimas.
Seria verdadeiramente o “fator racial” determinante quanto à violência (seja ela imposta, seja recebida)? Quais seriam as outras variáveis envolvidas?
Neste tema, seu artigo replica o que “pesquisadores” insinuam _ quando não afirmam categoricamente _ ser a violência contra os negros uma constante entre os policiais. O assunto é, consequentemente, tratado de forma preconceituosa.
Veja um exemplo: na pág. 24 do “BOLETIM DE ANÁLISE POLÍTICO-INSTITUCIONAL” do IPEA, sob o título “3- DISCRIMINAÇÃO RACIAL E ATUAÇÃO POLICIAL” (a fonte primária de seu artigo) encontramos: “Como mostra a Pesquisa Nacional de Vitimização, 6,5% dos negros que sofreram uma agressão no ano anterior tiveram como agressores policiais ou seguranças privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga), contra 3,7% dos brancos (IBGE, 2010)”. (grifei).
Ora, então 93,5% dos cidadãos negros que sofreram violência no mesmo período foram vítimas de outros cidadãos (não de policiais), e não houve o cuidado de se apresentar, no mesmo relatório, quais seriam os agressores quanto à profissão e quanto à cor da pele!
O assunto merece uma pesquisa; porém, uma pesquisa confiável.
Não confio nas “pesquisas” do IPEA (Instituto de pesquisa econômica aplicada) que você usa como referência, porque ele erra e erra muito quando trata de assuntos “não econômicos”.
Em março de 2014, o IPEA apresentou uma desastrosa pesquisa sobre “violência contra a mulher”. Escrevi uma crítica objetiva evidenciando os graves erros ali existentes (anexos dois artigos correlatos).**
O IPEA teve de voltar atrás. Em consequência, foi demitido o “Diretor de Estudos e Políticas Sociais” (Rafael Guerreiro Osorio).
Há que ser considerado também o percentual de distribuição da população por regiões: nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, aproximadamente 70% da população é negra; nas regiões Sul e Sudeste, os brancos são aproximadamente 70%.¹
Ao usar a expressão “criado pela ditadura” seu artigo gera uma confusão quanto ao objeto, não ficando claro se a referência é feita ao “auto de resistência” ou a um suposto “procedimento-padrão” do período que precedeu a abertura democrática ou a ambos “unum et idem”: “auto de resistência é procedimento-padrão criado pela ditadura: era legítimo matar de suposto bandido a comunista e alegar resistência à prisão”.
Sou oficial da reserva da Polícia Militar, em cuja situação já me encontro há 20 anos. Comandei, por quase 30 anos, desde pequenos efetivos até “Região” (esta _ no Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba _ envolvendo, dois batalhões de policiamento urbano para proteção e socorro do cidadão, unidades especiais de proteção à natureza, e unidades especiais de prevenção de acidentes rodoviários).
Os contingentes encarregados da proteção ostensiva nas cidades eram compostos de brancos, de negros, e de pardos; e todos recebiam a mesma formação e as mesmas instruções, segundo princípios éticos que devem permitir a “igualdade perante a lei”. A pessoa presa _ um cidadão sob custódia do Estado _ deveria ter assegurada sua integridade física e moral pelos policiais. Se houvesse resistência, nos casos de prisão, esta deveria ser vencida da forma como manda a lei (e, nesta hipótese, deveria ser lavrado o “auto de resistência à prisão” previsto no Código de Processo Penal, a ser subscrito também por testemunhas).²
Reafirmo, em conclusão: para que possamos conhecer a verdade sobre a violência no Brasil, há que ser feita uma pesquisa confiável, logo destituída de preconceito.
Atenciosamente,
Alcino Lagares
_________________
*Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais.
Contatos: cellagares@yahoo.com.br
1- TABELA DO IBGE
http://www.scielosp.org/img/fbpe/csp/v18s0/13793t1.gif
2- Decreto Lei 3.689 de 03 de outubro de 1941: “Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.”
**os artigos mencionados podem ser lidos nos links:
https://sites.google.com/site/peladiretaja/o-ipea-ve-mas-nao-sabe-o-que-esta-vendo-felizmente
https://sites.google.com/site/peladiretaja/ipea-assumiu-erro-mas-apenas-em-parte-infelizmente