DEUS (NÃO) ESTÁ MORTO
Alcino Lagares*
Deus existe? Quem sou eu? Por que estou neste mundo... e penso? O que acontecerá comigo quando morrer?
O filme de Harold Cronk, “God’s not dead” (“Deus não está morto”), tem atraído multidões à única sala de cinema na qual se encontra em exibição em Belo Horizonte, e coloca em evidência dois permanentes dilemas da humanidade.
O primeiro dilema dá-se entre o criacionismo (Deus existe desde sempre e nós somos Suas criaturas) e o naturalismo (A natureza existe desde sempre; somos uma parte dela, e não existe um deus).
Paradoxalmente, alguma coisa aconteceu; pois, o mundo existe e aqui estamos!
O segundo dilema (a partir de uma aparente contradição interna no Livro de Gênesis, no qual ora Deus constata que tudo que fez é bom, ora lamenta a criação) refere-se àquilo que, em filosofia, denomina-se “O problema do mal”, o qual pode ser assim enunciado: “Ou Deus é todo-poderoso, ou é bom. Se é bom, então não pode ser todo-poderoso”.
Mas, Nietzsche escreveu: “Deus está morto”.
É, a partir do sentido desta frase, que se desenvolve a estória do filme (embora o nome do filósofo não seja ali mencionado, apenas sendo perceptível por um olhar atento numa lista de “pensadores ateus” constante de um quadro mural).
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), alemão, era filho e neto de pastores protestantes.
Sua tese de doutorado de Filosofia _ sob forte influência de Arthur Schopenhauer (autor de “O mundo como vontade e representação”) _, “Os esquemas fundamentais da representação”, foi rejeitada pela universidade.
Ele tornou-se ateu, professor (de filologia, na Universidade de Basileia, na Suíça), filósofo, e escritor. Dentre suas obras, as mais conhecidas são: “Assim falou Zaratustra”; “A gaia ciência”; e “Ecce homo” (esta em publicação póstuma).
Nietzsche afirmou que a “força” (energia) que existe no universo é finita. O tempo é infinito (eterno) e, antes deste momento, houve uma infinidade de tempo. Seu raciocínio, afirmando a inexistência de Deus, implica que a matéria existe originalmente e aqui está desde sempre e, se houvesse outro estado a atingir, ela já o teria atingido.
Portanto, para Zaratustra (seu personagem filósofo), seres humanos encontram-se numa forma “transicional”, a meio caminho entre os macacos e o “Übermensch” (alemão: o “além-homem”, geralmente traduzido impropriamente em nossa língua como “super-homem”), que é aquele que já não necessita de um deus para se explicar e é impulsionado, por sua própria natureza, pela “vontade de poder”.
A “aspiração por superioridade” é, pela teoria de “psicologia de desenvolvimento individual” de Alfred Adler (1870-1937), a razão do sofrimento humano quando, ao sentir-se inferior, aspira por superioridade.
O “além-homem” de Nietzsche necessitaria tornar-se superior (não apenas dizer-se como tal). Porém, não encontrando superioridade num plano horizontal, somente poderia encontrá-la no plano vertical. Mas, que pode ele _ que nega um ser superior _ encontrar ao dirigir seu olhar “para cima”? _ Nada!
Seu “Übermensch” não é, portanto, demonstrável.
Em 1860, o bispo anglicano Samuel Wilberforce (1805-1873) debateu com Thomas Henry Huxley (1825-1895) entre “Darwinismo” e “criacionismo” na Universidade de Oxford. Wilberforce perguntou: “é através da sua avó ou do seu avô que você se considera descendente de um macaco?”. À ironia, Huxley respondeu: "entre ser descendente de um macaco ou de um homem que, tendo formação escolástica, emprega sua capacidade para o propósito de ridicularizar uma discussão científica, prefiro ser descendente de um macaco”. Huxley foi considerado vitorioso...
Em 1948, foi transmitido pela BBC de Londres um instigante debate sobre “A existência de Deus” entre o agnóstico Bertrand Russell (1872-1970) e o Padre Frederick Charles Copleston (1907-1994).
Houve argumentos inteligentes de ambas as partes (cada um dos debatedores acreditou-se “vencedor”).
Harold Cronk, em seu filme, conduz as atitudes dos personagens forçosamente para uma “vitória” do criacionismo.
Nos apontados dilemas, o debate do filme (embora recheado de rebuscados argumentos de intelectuais de um lado e de outro) somente pode ser sustentado no plano da irracionalidade, porquanto as duas hipóteses são (racionalmente) impossíveis.
Se a razão não puder aceitar que um criador espiritual e pessoal sempre tenha existido (sem ter, por sua vez, começado a existir), ela não poderá aceitar que a matéria do universo sempre tenha existido: a esta também será exigível um começo.
_ “O criacionismo é irracional! Ele somente se explica pela fé”. (Vai dizer o naturalista).
_ “O naturalismo é irracional: nega a fé e, ao mesmo tempo, defende a eterna existência da matéria; portanto, apoia-se na fé que nega!”. (Vai dizer o criacionista).
Caro leitor, cara leitora, faz parte do senso comum que o mundo físico existe.
Também é parte do senso comum que “alguma coisa” necessariamente deveria existir “antes”, para que outras coisas pudessem surgir “depois”.
O quê veio antes? Eis a questão.
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* Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras "João Guimarães Rosa" da Polícia Militar de Minas Gerais. Contatos: cellagares@yahoo.com.br