CABE AO COMANDANTE MOSTRAR O CAMINHO
Alcino Lagares Côrtes Costa*
PRÓLOGO
(Acho que o Sol se move sobre a Terra plana...)
No Livro dois da República, Platão escreveu:
“Sócrates: _Disseste que, se a cólera e a invencibilidade estiverem presentes, o espírito que as possui será agressivo, forte e destemido. São estes, pois, os atributos que os guardiões da cidade-estado devem ter?
Glaucon: _ Sim.”
Platão denomina “Doxa” (opinião) a esse tipo de conhecimento vulgar obtido pelas impressões sensíveis e mostra a superioridade da “Episteme” (conhecimento inteligível do “real e verdadeiro”) sobre aquele:
“Sócrates: _ Mas sendo assim, Glaucon, os guardiões não serão ferozes uns com os outros e não se voltarão contra o próprio povo?
Glaucon: _ Por Zeus! Só poderá ser dessa maneira!
Sócrates: _ Entretanto, é preciso que eles sejam brandos no trato com o povo e ferozes contra os inimigos; caso contrário, não esperarão que outros destruam a cidade-estado: eles mesmos a destruirão!”
EPÍTASE
(Começo a perceber, com Galileu Galilei, que a Terra se move... )
Mas, leitoras e leitores, “Episteme” não está prevalecendo sobre a “Doxa”: espantados, assistimos pela TV que _ após 4 dias de manifestações populares (incluindo incêndios em delegacias e em viaturas policiais) _, na sexta-feira, dia 29 de maio de 2020, foi preso por homicídio nos Estados Unidos da América um policial de Minneapolis (Minnesota) que, na presença de 3 outros policiais e de testemunhas que imploravam que ele se apiedasse, ajoelhara sobre o pescoço de um cidadão jogado no chão (já algemado) e este morreu. Os policiais se mostravam absolutamente indiferentes às súplicas da vítima e das testemunhas.
Pessoas descompensadas deveriam ser controladas, não abatidas. Por tal razão, os comandantes recomendam equilíbrio e polidez a seus comandados e, sobretudo, que evitem qualquer forma de violência desnecessária.
Contraditoriamente, porém, manuais de “Defesa pessoal policial” são elaborados com técnicas extraídas de modalidades de esportes de combate, as quais incluem _ pasme leitor! _ ajoelhar sobre o preso e aplicar socos, pontapés e estrangulamentos e assim tais agentes são treinados. Li alhures que o manual da polícia de Minnesota orienta como comprimir o pescoço do preso com um joelho como opção de “força não-letal”.
A sociedade pode perceber toda uma instituição a partir da brutalidade (ainda que isolada) de um só de seus representantes, a exemplo do que ora ocorre nos EUA. Ao adotar um manual contraditório em relação aos objetivos institucionais para o treinamento de seus subordinados o comandante assume o risco do resultado!
EPÍLOGO
(A Terra gira em torno do Sol)
Como evitar, neste hemisfério, que um policial seja gerador de situações semelhantes àquelas ocorridas nos EUA?
Bem... em nosso cérebro, bilhões de neurônios interligam-se, quais “caminhos”: caminhos neurais.
A cada nova percepção, estabelecemos ligações neurológicas e criamos um novo caminho neural. Nas próximas vezes que tivermos a mesma percepção, nosso cérebro reacessará aquelas ligações neurológicas e, cada vez que nossos comportamentos se repetirem, serão reforçadas as ligações neurológicas associadas e acessaremos o “caminho” com mais facilidade.
Associação é, portanto, o resultado do estabelecimento de relações neurológicas entre dois ou mais distintos atos mentais, tornando-os neurologicamente semelhantes, através de processos de condicionamento e de reforço (já ensinava Ivan Pavlov, Prêmio Nobel em 1904).
A doutrina da Força Pública de Minas Gerais _ expressada na vontade dos comandantes e levada à tropa para assegurar a integridade física de uma pessoa (mesmo infratora), quando colocada sob custódia do Estado _ levou-me a pesquisar uma forma de controle de gestos agressivos humanos que seja coerente com tal conjunto de princípios filosóficos.
Minhas pesquisas levaram-me não às lutas de competição, os “esportes de combate” (que têm como objetivo “derrotar o outro”) mas, sim, a uma filosofia de proteção do ser humano (inclusive do agressor), fundada pelo filósofo japonês Morihei Ueshiba (1883-1969), a qual inclui uma prática marcial denominada “Aikido” (significando “o caminho da harmonia”), substitui a competição pela cooperação e objetiva a construção de seres humanos participativos numa sociedade sem conflitos.
Através de ascese filosófica e treinamento adequado os policiais adquirem um perfil de protetores e jamais vingadores da sociedade. Cabe ao comandante mostrar-lhes este caminho.
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* coronel da reserva e presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar.