Alcino Lagares*
No Rio de Janeiro, um homem de 40 anos, 1 metro e 85 de altura, formado em Educação Física e treinado no Exército por 11 anos, saiu de seu apartamento pilotando uma moto, numa manhã de julho de 1995. Antes teve o cuidado de se armar com uma pistola calibre 380 sob a jaqueta. Ao parar num semáforo, foi abordado por dois assaltantes.
Felizmente ele fez a coisa certa: entregou, sem reagir, a moto e a arma. Se tivesse reagido, provavelmente teria sido assassinado e a nação brasileira teria perdido seu potencial presidente. O homem era o deputado Jair Bolsonaro.
Na ilusão de que se defenderão de assaltantes, pessoas inocentes compram as armas que serão roubadas pelos bandidos; pois, estes não as compram em lojas.
O início do século XXI evidenciou ser crescente o número de crimes violentos no Brasil: em 2003, atingimos os absurdos 51.500 homicídios.
A resposta do Estado ao anseio de segurança da sociedade se fez com a Lei N.º 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento!
Seu artigo 6.º proíbe o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria. O artigo 35 dificultou ainda mais a aquisição desse instrumento letal: “Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.”
O número de homicídios começou a cair em todo o país: 48.900 em 2004 e 48.100 em 2005...
Mas, o legislador abrira mão de sua condição de “representante” ao devolver para os “representados” o poder de exercer diretamente a democracia, pois constara um parágrafo no artigo 35: “§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005” e o Senado Federal (decreto 780/2005) estabeleceu a pergunta que deveria ser feita: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?".
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (a meu ver) deveria explicar aos cidadãos brasileiros sobre o objeto do referendo, para que cada um decidisse o voto (“sim” ou “não”) de acordo com sua consciência. No entanto, o TSE baixou a Resolução 22.033 dispondo sobre a “propaganda” no referendo e dois deputados (um a favor do “sim”, outro do “não”) deixaram os eleitores ainda mais confusos.
O resultado do referendo foi de 59.109.265 de votos "não", enquanto 33.333.045 votaram pelo "sim".
Após o referendo, os homicídios voltaram a crescer no Brasil: 49.700 já em 2006, chegando a mais de 60.000 em 2018!
Em maio de 2019, o presidente Jair Bolsonaro _ coerentemente com sua promessa de campanha, mas contraditoriamente em relação à sua experiência pessoal de 1995 _ baixou os decretos 9785 e 9797, facilitando a livre circulação armas em todo o país.
Se algo não for feito pelos poderes legislativo e judiciário, muitos motociclistas terão suas motos e suas armas roubadas e os homicídios crescerão ainda mais!
___________________________
* coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br
Publicado no jornal "O Tempo" em 01/06/2019