UM CAVALO NO SENADO ROMANO
O conceito de "senado" nasceu com a fundação de Roma, passou por mudanças no período pós-república (com o advento do Império Romano) e, ao longo dos séculos, aqui e alhures, foi mudando. Algumas vezes, percebem-se avanços daqueles que gostariam de dispor de "poder absoluto"...
Alcino Lagares Côrtes Costa*
“(...) Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. (...)” (Eduardo Alves da Costa, 1936 - ).
Talvez o sinal mais expressivo de democracia, quando a soberania não é exercida diretamente pelo povo, seja a possibilidade que este tem de escolher os seus representantes.
O inciso IV do artigo 52 da Constituição Federal de nosso país assegura privativamente ao Senado escolhido pelo povo brasileiro:
“aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente”. (grifei)
Então, o Senado brasileiro tem poder, deve ser e certamente será respeitado. Mas, como se originou o vocábulo “Senado”?
No século VIII a. C., era costume colocar no comando das primitivas famílias romanas figuras necessariamente masculinas, denominadas “pater famílias” (chefes, ou pais de famílias). Para a administração da vida em sociedade, organizava-se uma assembleia dos mais idosos (em latim: “senex, senis”; daí, “senatus”).
Cabia ao senado eleger um rei (“rex”). Quando esse morria, o poder voltava para o senado e, até que fosse coroado outro, um dos senadores (“interrex”) liderava a república.
Com o advento do império, o senado romano perdeu força.
Gaius Julius Caesar Germanicus (12 – 41 da era cristã) era filho do general Germanicus e, quando criança, por calçar botinhas (“caliga”, em Latim) semelhantes às botas de uniforme dos legionários subordinados ao seu pai, recebera destes o apelido de “Calígula”.
Aos 19 anos, Calígula foi adotado pelo imperador Tibério e, cinco anos depois, com a morte deste, tornou-se imperador.
Calígula era devasso, irascível, arbitrário, violento e presunçoso, tendo até mandado substituir, nas esculturas, cabeças de deuses pela sua e vestir-se com trajes semelhantes aos que se viam em pinturas referentes às divindades.
Ele parecia demonstrar afeto apenas por “Incitatus” (latim: “impetuoso”), o seu cavalo.
Como forma de humilhar os senadores e mostrar desrespeito por eles, Calígula nomeou para o senado nada mais nada menos do que o seu cavalo,destinando-lhe aposentos de mármore, mordomos e até uma guarda pretoriana para protegê-lo!
Na medida em que o senado se encolhia, Calígula se tornava mais arrogante. Ele até propalava que se deitava com as esposas dos senadores e tudo leva a crer que era verdade.
Destarte, numa conspiração de senadores e sua guarda pessoal, Calígula foi assassinado quando tinha apenas 29 anos.
Após a morte do dono, o cavalo Incitatus foi destituído do senado.
Eis a lição de como emergem ditadores: “(...) Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada.”
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*coronel da reserva e presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais.
E-mail: cellagares@yahoo.com.br