Alcino Lagares Côrtes Costa*
No Rio de Janeiro, na manhã do dia 04 de julho de 1995 (conforme consta na folha 5 do jornal “A Tribuna da imprensa”, edição de 05 de julho de 1995) um homem de 40 anos, 1 metro e 85 de altura, formado em Educação Física e treinado no Exército por 11 anos, saiu de seu apartamento pilotando uma moto Honda 94. Antes teve o cuidado de colocar, escondida sob a jaqueta, uma pistola Glock calibre 380.
Quem em sã consciência, perguntaríamos nós, ousaria abordar alguém com tais atributos? Porém, ao parar num semáforo, no bairro de Vila Isabel, foi assaltado por dois bandidos jovens.
Ele fez a coisa certa: sem reagir, entregou-lhes a moto e a arma. Foi a uma delegacia de polícia no bairro Grajaú, onde registrou a ocorrência declarando: “mesmo armado me senti indefeso”. Se tivesse reagido, poderia ter sido assassinado e a nação brasileira teria perdido seu potencial presidente. O homem era o deputado Jair Bolsonaro.
O início do século XXI evidenciou ser crescente o número de crimes violentos no Brasil: em 2003, atingimos os absurdos 51.500 homicídios.
A resposta do Estado ao anseio de segurança da sociedade se fez com a Lei N.º 10.826/2003, o “Estatuto do Desarmamento”!
Seu artigo 6.º proíbe o porte de arma de fogo em todo o território nacional e o artigo 35 dificultaria ainda mais a aquisição desse instrumento letal, por proibir “a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional (...)”.
O número de homicídios começou a cair em todo o país: 48.900 em 2004 e 48.100 em 2005.
Mas, o legislador constara um parágrafo no artigo 35: “§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005” e o Senado Federal (decreto 780/2005) estabeleceu a pergunta que deveria ser feita: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?".
O TSE baixou a Resolução 22.033 dispondo sobre a “propaganda” no referendo e dois deputados (um a favor do “sim”, outro do “não”) deixaram o povo ainda mais confuso.
O resultado do referendo foi de 59.109.265 de votos "não", enquanto 33.333.045 votaram pelo "sim".
Após o referendo, os homicídios voltaram a crescer no Brasil: 49.700 já em 2006, chegando a mais de 60.000 em 2018.
Em maio de 2019, o presidente Jair Bolsonaro baixou decretos duplamente contraditórios _ em relação à sua experiência pessoal de 1995 e por estar regulamentando um estatuto de “desarmamento” _ facilitando a livre circulação de armas no Brasil (os quais foram rejeitados pelo Senado).
No Brasil somente é permitida, sem uso de armas de fogo e mediante autorização pelo IBAMA, a caça ao Javali; para uso de armas é necessário obter, no Exército, o Certificado de Registro de Caçador.
O general Edson Pujol, comandante do Exército Brasileiro, declarou em novembro de 2020 que “o Exército é instituição de Estado, não tem partido e não é de governo”.
Pois, na manhã de 13 de fevereiro de 2021, em redes sociais, o presidente da República divulgou novos decretos, reduzindo o poder de controle de armas e munições pelo Exército Brasileiro, permitindo ampliar a quantidade dessas e até as ampliando também para “atividades de caça”, embora, pelo artigo 29 da lei 9.605/98, no Brasil seja crime caçar “espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória (...)”, com pena de detenção de 6 meses a 1 ano e multa.
Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (relatório do “Fórum Brasileiro de Segurança Pública”), houve 25.712 vítimas de assassinatos no Brasil de janeiro a julho de 2020: um aumento de 7% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na ilusão de que se defenderão de bandidos, pessoas inocentes compram as armas que serão roubadas pelos assaltantes, restando-lhes apenas dizer nas delegacias que, mesmo armadas, se sentiram indefesas.
Esperemos que esses novos decretos sejam rejeitados pelo poder legislativo; caso contrário, outros motociclistas terão suas motos e suas armas roubadas e os homicídios crescerão ainda mais. Afinal, não parece ser razoável distribuir mais caixas de fósforos para piromaníacos como estratégia de redução de incêndios.
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* coronel QOR e presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br