Alcino Lagares1
Senhores deputados, no Brasil, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia) divulgou que _ neste ano em que se comemoram 2022 anos do nascimento do mestre Jesus que ensinou: “ama teu próximo como a ti mesmo” e “trata os outros como gostarias de ser tratado” _ mais de 33 milhões de brasileiros estão passando fome.
49,6% da riqueza nacional pertence a apenas 1% da população (a parcela mais rica do Brasil); 29,6% dos brasileiros têm renda familiar inferior a R$497,00 mensais e 16,5% vivem com menos de R$289,00 por mês.2
Nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o poder é exercido pelo povo (“por meio de representantes eleitos ou diretamente”), assim se caracterizando o nosso “Estado democrático de direito”.
Quando o poder é exercido através de representantes eleitos, pressupõe-se que estes devem defender o “interesse público” e nunca beneficiar um grupo de privilegiados.
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) é um tributo estadual e sua alíquota é definida em cada Unidade Federativa.
Trata-se de imposto que incide sobre produtos (ou serviços) que circulam entre cidades, Estados, ou entre pessoas jurídicas e pessoas físicas (por exemplo, quando uma loja vende uma geladeira ou fogão para uma dona de casa).
Seguem algumas informações sobre o ICMS em Minas Gerais (conforme se vê, quanto mais supérfluo é o artigo, mais alta é a alíquota cobrada pelo Estado):
1) alíquota de 12% sobre arroz, feijão, fubá e farinha;
2) 23% sobre cervejas e chopes;
3) 25% sobre cigarros e outras bebidas alcoólicas, embarcações de recreação, perfumes, joias, armas e munições.
Algumas movimentações _ a meu ver, plenamente justificáveis, considerando-se seus fins sociais _ são isentas do ICMS. Eis 2 exemplos: a circulação de livros e o comércio de veículos adaptados para pessoas com deficiência física. Até aqui, parabéns ao legislador mineiro!
Façamos uma breve viagem no tempo e no espaço: no final do século XVIII, na França, o “absolutismo” reinante escalonava a sociedade em 3 estamentos abaixo do rei: o clero e a nobreza (eram “privilegiados”: não trabalhavam e não pagavam impostos) e o povo (terceiro estamento _ “Le tiers état” _: era obrigado a trabalhar e pagar impostos).
Foi ali que, seguindo-se à tomada da Bastilha, a “Revolução Francesa”, fortemente influenciada pelo pensamento de Jean-Jaques Rousseau (1712-1778) sobre a “vontade geral” _ significando a parte comum a todos que estiver contida nas diversas vontades individuais de um povo _, criou a possibilidade de “liberdade política” para o ser humano, sendo-lhe apresentado o “Estado democrático”, no qual “soberana” tornava-se somente a lei e, sob esta, todos _ governantes e governados _ deveriam ser colocados.
Ocorre que, conforme noticiário jornalístico, a Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou no dia 18 de outubro de 2022, um projeto de lei que isenta Caçadores, Atiradores desportivos e Colecionadores (CACs) de pagar o ICMS na compra de armas de fogo e munições.
Ora, isentar de impostos os ricos (para que comprem mais armas e munições e se divirtam dando tiros à vontade) e cobrar ICMS sobre arroz e feijão dos pobres que precisam de alimentos para continuar trabalhando é uma escolha contraditória, profundamente injusta e remete nosso pensamento ao triste período vivido pelo povo francês antes da tomada da Bastilha!
Senhores deputados, nesse tempo que antecede a submissão do projeto à votação em plenário, convido-os a uma reflexão.
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1- coronel reformado e presidente da Academia de Letras dos Militares Mineiros Capitão-Médico João Guimarães Rosa. E-mail: cellagares@yahoo.com.br
2- Dados disponibilizados pela “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC)”, do IBGE.
A carta aberta foi publicada pelo jornal O Tempo no dia 25/10/2022.