DOIS PODERES MÁGICOS PARA O REI
Alcino Lagares
Conforme a narrativa de Heródoto (480-425 a.C.), o rei Polícrates era, por volta do século VI a.C., o famoso Tirano de Samos (esta uma ilha no Mar Egeu).
Polícrates, em grego, significa “muito poderoso”...
Ele ficou famoso em toda a Hélade (o nome que era dado à Grécia naquele tempo), uma vez que promovia muitas guerras contra os povos vizinhos, nas quais sempre saía vencedor. Ele tornava escravos os povos derrotados, e acumulava riquezas, tornando-se, a cada dia, mais e mais poderoso. Sua força de guerra era representada por cerca de mil arqueiros, e cem navios de cinquenta remos (navios de cinquenta remos eram naves de guerra, movidas a remo, portanto com esforço de igual número de remadores, usual naquele século, mas pouco disponíveis nos diversos reinos).
Como todo tirano que se preza, não hesitava em mandar matar quantos ousassem desobedecê-lo, ou até mesmo emitissem alguma opinião diferente da sua própria.
Pois bem: certa vez, num dos raros momentos de paz, Polícrates sentia-se entediado, e começou a refletir a respeito de sua própria existência... Ele começava a se perguntar se era feliz, se poderia ser feliz para sempre, e como faria para controlar a própria felicidade...
Convocou, então, os sete sábios de Samos e disse-lhes o seguinte:
_ “Os problemas relacionados à riqueza de Samos, e às guerras de conquistas são resolvidos por mim e, sem falsa modéstia, devo dizer que os resolvo maravilhosamente bem! Mas, existem problemas que eu não consigo resolver, já que são problemas que afligem a minha própria mente. Ora, vocês são sábios e vivem em Samos, onde sou o rei; portanto, têm de apresentar-me a solução. Pelas estórias que me eram contadas quando eu era criança, existem objetos com poderes mágicos, tais como “varas de condão”, entre outros... Então, quero que me tragam um objeto com exatos dois poderes mágicos, quais sejam: sempre que eu estiver triste, ao olhar para ele, deverei ficar alegre; e sempre que eu estiver alegre, ao olhar para ele, deverei entristecer-me.”
Os sábios entreolharam-se, atônitos e com certa apreensão a respeito do que lhes reservava o futuro próximo, já que, à primeira vista, aquela seria uma missão fadada ao fracasso, e quem fracassava numa missão dada por aquele tirano...
O mais idoso dentre eles, bem sabendo que não poderia contrariar o rei e dizer-lhe simplesmente da impossibilidade de atendê-lo, teve uma “brilhante ideia” e, prudentemente, disse: “_Alteza, vamos ter todos os cuidados necessários para encontrar tal objeto mágico. Certamente, Vossa Excelência entende que um objeto de tal importância deve ser extremamente raro. Precisamos, consequentemente, de um pequeno prazo _ digamos assim _ de uns trinta a cinquenta anos para procurá-lo...”
Polícrates poderia ter muitos defeitos; mas, certamente não era um tolo que pudesse ser enganado assim tão facilmente. Então, irado, deu um murro sobre o encosto de braço do seu trono (tiranos gostam muito de dar murros sobre a mesa, ou sobre o encosto do braço), e bradou:
_ “Vocês são sete sábios. Então, sete serão os dias que lhes concedo para trazer-me o objeto mágico. Agora, partam daqui, antes que eu perca a paciência!”
Dessa maneira, cabisbaixos, partiram os sete sábios já antevendo o que o destino lhes reservava... E começaram a procurar, e a procurar... Leram os livros dos povos antigos... Organizaram-se em equipes para as pesquisas (essas coisas que os sábios fazem), etc. Mas, decorridos quatro dos sete dias do prazo, o que haviam eles encontrado? Nada!
Angustiados, decidiram voltar à presença daquele tirano para _ quem sabe? _ abrandar seu coração e fazê-lo compreender que não eram culpados da inexistência de tal objeto com poderes mágicos assim tão específicos.
Ao entrar na sala do trono, e ante a figura brutal de Polícrates, não puderam evitar que um tremor perpassasse-lhes inteiramente os minúsculos corpos. Mas, aproximaram-se, cheios de mesuras _ os tiranos gostam que as pessoas se aproximem deles de cabeça baixa, em atitude humilde, e subserviente _, e o mais idoso dos sábios disse:
_ “Alteza, estamos muito empenhados em cumprirmos a missão que vossa excelência nos ordenou. Lemos todos os livros que ensinam sobre poderes mágicos, examinamos todos os elementos disponíveis dos reinos mineral e vegetal, interrogamos bruxos, magos, e ilusionistas, analisamos cristais e pedras em geral... e chegamos à triste constatação de que, talvez... _ você já percebeu que, quando uma pessoa quer, prudentemente (e, na situação dos sete sábios, era muito justificável aquela “prudência”, para não usarmos os termos “pavor”, “pânico”, ou simplesmente “medo”...), deixar uma possibilidade em aberto, usa o termo “talvez”? _ “... talvez tal objeto não exista...”
Nesse momento, Polícrates interrompeu aquela fala que tanto o desagradava, aos berros _ outra característica dos tiranos é esta: gostam de gritar com as pessoas, para humilhá-las __:
_ “Vou dar-lhes um ótimo estímulo para motivá-los a procurar com mais eficiência: vocês já perderam quatro dos sete dias concedidos, e nada fizeram. Faltam, pois, três dias. Se, ao cabo desse prazo, não me trouxerem o objeto com os dois poderes mágicos que desejo, mandarei que os sete sejam decapitados! Agora, fora daqui, e não voltem sem o meu objeto mágico!”
Assim, tristemente, seguiram os sete sábios para sua sala de estudos, onde todos eles acreditavam que seria sua derradeira reunião. O mais jovem dentre eles sugeriu:
_ “E se, ao cair da noite, fugíssemos de Samos numa das embarcações?”
Não foi, porém, necessária qualquer resposta de seus colegas. Bastou ver-lhes o olhar de incredulidade para ele perceber que falara uma tolice. Como poderiam fugir de Polícrates? Não haveria lugar algum que pudessem alcançar que fosse suficientemente escondido para não serem descobertos. Além disso, seria impossível até mesmo iniciar uma fuga uma vez que, naqueles dias, tinham a desagradável impressão de que estavam sendo permanentemente observados por alguns dos guarda-costas do tirano (Ah! Ia-me esquecendo de mencionar que todo tirano que se preza sempre anda cercado de guarda-costas, por razões óbvias...).
Assim, envergonhado com a pobreza intelectual da ideia sugerida, e buscando freneticamente em sua mente alguma outra que pudesse redimi-lo aos olhos de seus pares, veio-lhe à lembrança a imagem de um antigo anel atlante que, embora para desonestos propósitos, tão bem servira a Giges (um pastor de ovelhas que, servindo-se da invisibilidade que o anel lhe dava, assassinou um rei, seduziu a rainha, e apoderou-se do reino). Aquele anel, onde quer que se encontrasse em tal momento, certamente há muito tempo teria perdido seus poderes originais; mas, quem sabe lhe tivesse restado algum poderzinho que pudesse salvar-lhes o pescoço (de preferência, o poder de fazer alguém “ficar alegre, ou triste”...) ?
Embora sem muita convicção, mas sabendo ser aquela sua última esperança, lançaram-se os sete sábios em diferentes direções, para um desesperado esforço de encontrar, custasse o que custasse, aquele único objeto que tivera verdadeiros poderes mágicos, pelo que lhes era dado saber e... ao término do sexto dia daquele prazo fatal, o velho anel foi encontrado... Ufa!
Não pense que foi fácil achá-lo. Foram muitas as buscas, as investigações, as viagens, as perguntas aqui e ali... até que um deles “deu de cara” com o objeto.
Evidentemente, já não se apresentava com as mesmas características: nem aquelas relacionadas aos poderes _ estes estavam mesmo perdidos para sempre _ nem materialmente (já que, decorrido tanto tempo e considerando-se que, quando morrera Giges,há muitos anos, este foi enterrado com o anel no dedo e, naturalmente, haviam ocorrido desgastes em alguns pontos daquela peça metálica, faltando-lhe até mesmo a pedra preciosa. Contudo, como não havia qualquer alternativa, trataram de levá-lo a um ourives para dar-lhe uma melhor aparência e incrustar-lhe uma nova e bela gema, sempre naquela esperança de que, após tais cuidados e, ficando tão bonito, mesmo destituído de qualquer poder, pudesse o anel fazer enternecer o coração de Polícrates e salvar-lhes a vida. Isso, sim, é que seria uma mágica...
Desnecessário dizer que os sete permaneceram ao lado do ourives durante todo o trabalho deste, como forma de assegurar que não haveria qualquer mudança em seu plano. Por fim, o anel ficou pronto. Lindo! Reluzente! ... Mas, sem qualquer poder mágico. Aliás, se os sete sábios já estavam tristes, ao olharem esperançosamente para o anel, sentiram-se ainda mais tristes (uma evidência de que ele não trazia em si nem um pouco daqueles poderes tão cobiçados pelo tirano de Samos). Tudo levava a crer que seriam punidos pelo rei... e, que punição terrível os esperava!
Despediram-se, portanto, os sete sábios naquela noite com um forte e emocionado abraço (talvez o último entre aqueles amigos). Combinaram de encontrar-se na manhã seguinte (o sétimo dia!) para levarem, juntos, o anel a Polícrates, ficando a joia sob a guarda do mais idoso e mais sábio entre eles. Este, já sem a presença dos colegas, ainda teve o cuidado de providenciar a gravação de uma pequena mensagem, no interior daquele belo ornamento digital.
Na manhã seguinte, dirigiram-se juntos até o palácio de Samos, onde Polícrates, já descrente, se encontrava ao lado de um de seus carrascos (um brutamonte com a cabeça coberta por um capuz e que segurava, com ambas as mãos, um pesado e afiado machado). O quadro não poderia ser mais aterrador!
E foi nesse pavoroso ambiente que os setes sábios de Samos se aproximaram de Polícrates que, apenas por mera formalidade (uma vez que já estava decidido a ordenar a execução da pena capital) indagou sarcasticamente:
_ “E então, trouxeram-me o objeto com os poderes mágicos recomendados?”
O mais idoso daqueles sábios, em postura altaneira (enquanto seus jovens colegas permaneciam cabisbaixos) avançou firmemente um passo, olhou o tirano nos olhos, e respondeu:
_ “Missão cumprida, majestade. Aqui está o objeto: trata-se de um anel, com as duas propriedades mágicas! Sempre que vossa excelência olhar para ele, se estiver alegre, deverá entristecer-se; e, se estiver triste, certamente alegrar-se-á!”
Dizendo isto, estendeu a Polícrates o estojo, contendo o anel.
O tirano abriu o estojo (já planejando ordenar ao carrasco que os executasse sumariamente) e olhou o lindo anel. Era bonito; mas, parecia ser exatamente aquilo que era: um anel comum, com uma linda pedra incrustada. Portanto, os seis sábios mais jovens permaneceram naquela triste e temerosa atitude _ embora boquiabertos _, não entendendo como pudera seu vetusto colega ter-se atrevido a afirmar a existência dos dois desejados poderes mágicos naquele objeto.
Qual não foi o espanto geral (excetuando-se o idoso sábio, é claro), quando Polícrates, examinando atentamente aquela joia, teve sua expressão carrancuda imediatamente suavizada e bradou, entre sorrisos:
_ “Pelos deuses! Declaro que vocês sábios cumpriram a missão! Estão livres!”
Os seis jovens sábios, entre sorrisos e abraços festivos, em meio àquela comemoração, e não conseguindo entender o que ocorrera, indagaram do criativo colega:
_ “O que fizeste ao anel que lhe possa ter conferido os dois poderes mágicos? Como será possível que, estando alegre, Polícrates se entristeça e, estando triste, se alegre ao olhar para ele?”
Ele modestamente respondeu:
_ “Na face interna do anel, gravei o seguinte”:
"TUDO PASSA. ISTO TAMBÉM VAI PASSAR."