A jovem ninfa Eco amava os bosques, as montanhas e, especialmente, a sua própria lagoa.
Entrementes, por ser extremamente bem falante e estar chamando a atenção do deus Zeus, a esposa deste, Hera, movida pelo ciúme, puniu-a: em substituição à sua atraente fala, ela deveria sempre repetir os últimos sons que ouvisse (daí decorre a denominação, no campo da acústica, de “eco” ao retorno natural do som que fora diretamente emitido; ou seja, é uma consequência da reflexão da própria fonte do som, numa relação da distância entre os pontos de emissão e de reflexo e a velocidade de sua viagem).
“Eco”, obra do pintor francês Alexandre Cabanel (1823-1889)
Alguns dias antes do nascimento de seu filho, o deus dos lagos, Cefiso, e a ninfa Liríope consultaram um oráculo para saber qual seria o destino do menino.
O oráculo e vidente cego, Tirésias, revelou que ele teria uma longa vida; porém, com uma condição: nunca poderia ver sua própria imagem!
Quando o filho nasceu, deram-lhe o nome de Narciso e cuidaram para que ele jamais se visse num espelho.
O termo “Narciso” deriva de “Narké” (grego, significando “torpor”. De “Narké” deriva-se também a palavra “narcótico”).
“Narciso”, obra do pintor barroco italiano Caravaggio (1571-1610)
Ele cresceu e se transformou no rapaz mais bonito do mundo, razão pela qual era desejado por todas as mulheres. Até as ninfas _ filhas de deuses gregos _ se apaixonaram por ele; mas, ele a todas desprezava (e jamais se aproximou de nenhuma delas).
Eis que as moças _ as filhas dos homens e as ninfas _ que se sentiam desprezadas por Narciso, em vingança, pediram à deusa Afrodite que o matasse.
Afrodite atendeu ao apelo das desprezadas mulheres, e pôs em Narciso a maldição de experienciar o “pathos” _ grego: uma espécie de ansiedade que nos faz sofrer diante daquilo que ignoramos e nos impulsiona permanentemente em busca de um saber que possa aliviar tal sofrimento _.
Certo dia, para poder admirar às escondidas a beleza de Narciso, estando este passeando numa floresta, Eco o foi seguindo discretamente.
Porém, Narciso desconfiou estar sendo seguido e gritou, perguntando:
_ “Há mais alguém aqui?”, e ouviu: “... alguém aqui?”. Ele gritou de novo:
_ “Quem foge de mim?”, e ouviu: “... foge de mim?”.
Sua curiosidade foi crescendo, sua ansiedade aumentando, e ele gritou:
_ “Venha juntar-se a mim, aqui!”, e ouviu: “... a mim, aqui!”.
A angústia de ignorar donde vinha aquela voz fez com que o amaldiçoado Narciso fosse além e passasse a desejar tudo aquilo que não poderia ver (logo, a si próprio).
Em busca de alívio para tal sofrimento, e para que pudesse ver o reflexo da própria imagem, ele se dirigiu à lagoa de Eco.
Ele ficou encantado por sua própria beleza, apaixonou-se perdidamente por si próprio, sentou-se na margem da lagoa, e ficou ali, admirando-se... até morrer!
A deusa Afrodite transformou-o, então, numa flor, a qual recebeu o nome “Narciso”.
Frequentemente se fazem interpretações do “mito de Narciso” no sentido de se evitar o “excesso de vaidade”.
No entanto, a meu ver, ele pode (por conseguinte, deve) _ mesmo enquanto mito _ explicar na essência do ser humano a vontade inata de conhecer a verdade e de encontrar o sentido da sua própria existência.
________________________
*Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar
Contatos: cellagares@yahoo.com.br; lagaresimh@gmail.com