Alcino Lagares*
“Todo o poder emana do povo (...)” (CF, Art. 1.º, § único)
Há poucos dias, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, declarou que o “nazismo é um movimento de esquerda”.
Teria sido sua intenção polemizar e confundir os jovens estudantes brasileiros? Inaceitável!
Eis a motivação para este artigo: o quê é isso “Direita e Esquerda”?
Na Europa, a partir do século XI, ao “Feudalismo” (aristocracia rural) seguiu-se o “Estamento” (uma aristocracia urbana), o qual impunha uma hierarquia com pouca mobilidade social (pela “divina vontade”, conforme a igreja católica ensinava ao povo).
No século XVIII, sob o reinado absolutista de Luiz XVI, havia na França três níveis hierárquicos: o clero, a nobreza e o povo (“terceiro estado” _ “Le tiers état” _ que trabalhava e pagava impostos aos primeiros).
A “Revolução Francesa” (1789) pôs fim ao regime absolutista e possibilitou o nascimento de novos modelos sociais, políticos e culturais (os quais se espalharam pelo mundo).
O povo reuniu-se numa “Assembleia Constituinte” para redefinir o destino do Estado francês.
No salão da reunião sentou-se do lado esquerdo, liderada por Robespierre, Danton e Marat, a “baixa burguesia” (parcela de trabalhadores, os “Jacobinos”, em busca de laicismo e soberania popular); do lado direito, liderada por Pierre Brissot, sentou-se a “alta burguesia” (parcela mais abastada, os “Girondinos”).
Das divergências entre “jacobinos” e “girondinos” nasceram os conceitos de “esquerda” e de “direita”.
Nos séculos XIX e XX, regimes “ditatoriais” mostraram-se como “de esquerda”, tal como o “comunismo” de Lênin (1870-1924) e de Stalin (1879-1953) ou “de direita”, tal como o “Nazismo” de Adolf Hitler (1889-1945).
No Brasil, no período do governo militar, iniciado em 1964, as ideias eram consideradas de “direita” (se estivessem em conformidade com a situação) ou de “esquerda” (se fossem de oposição ao regime imposto).
A “abertura” para a democracia em nosso país (1985) e, no mundo, a queda do “muro de Berlim” (1989) e a dissolução da União Soviética (1991) evidenciaram novos cenários políticos e os dois termos passaram a ser usados em diferentes contextos.
Políticos mal intencionados incentivam discussões estéreis sobre “direita” e “esquerda”, estigmatizam toda forma de solidariedade e se esforçam para “recriar” o passado em vez de planejar o futuro do país.
A democracia _ governo em que o povo exerce a soberania _ deve ser humanista: conciliar “direita” (livre iniciativa, privatizações, propriedade particular e leis de mercado) com “esquerda” (economia solidária, justiça social e taxação de grandes fortunas).
Durante a greve de caminhoneiros ocorrida no Brasil, em maio de 2018, em atitude “de esquerda” pessoas que se diziam “de direita” protestaram contra a “falta de solidariedade” de donos de supermercados e de postos de gasolina que aumentavam os preços dos escassos combustíveis e alimentos.
Eis aí um dos sinais de que o mundo evoluiu: as pessoas não querem mais ser comunistas nem liberalistas e, sim, humanistas!
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*coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais.
Publicado no jornal "O Tempo" em 05/04/2019.