(REFLEXÕES SOBRE O MASSACRE EM SUZANO)
Alcino Lagares Côrtes Costa*
Em Suzano, SP, os sinos dobram porque jovens foram mortos no dia 13 de março de 2019. Mas...
“Nenhum homem é uma ilha, (...) a morte de um homem qualquer me diminui, porque sou parte da humanidade e por isso nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne, 1572-1631, “Devotions”).
A existência do ser humano não se explica em termos de processos biológicos. Nosso período fetal estende-se por um ano após o nascimento e nosso organismo ainda está se desenvolvendo quando já se encontra em relação com uma ordem cultural e social.
Apenas o indivíduo solitário encontra-se no nível animal.
Embora tendo consciência de si como pensamento, o ser humano tem um corpo e convive com instintos egoístas. Assim como o Medo é a emoção principal relacionada ao instinto de sobrevivência, a Raiva a é em relação ao instinto de “conservação, ou expansão do ser” que contém reflexos inatos de “apropriação” (ter) e de “autoafirmação” (buscar aprovação e reconhecimento e temer a ironia, o ridículo e a má-fama).
A ordem social é uma progressiva produção humana e a nossa identidade é formada por processos sociais.
Mas, a “socialização” pode ser mal sucedida: uma criança (ou adolescente) que, em razão de sua aparência física, é considerada objeto de atos de violência física ou psicológica (“bullying”) na escola fica sem “defesa subjetiva”. Recebe a identidade estigmatizada que lhe é atribuída, sente-se “inferior” na relação social e reage ao seu “destino” com raiva, a qual a impele a buscar por “superioridade” de alguma forma.
Decorrente da raiva, a Inveja pode levar-nos a querer que o outro perca aquilo que não podemos ter, agredir quem tem, ou sentir-nos felizes com a desgraça alheia.
Após a violência ocorrida em Suzano, além de espanto, luto e tristeza, o medo passa a fazer parte do cotidiano de mães e pais. A principal pergunta que fazem é: como evitar tragédias dessa natureza nas escolas onde temos de deixar nossos filhos?
É necessário ensinar às crianças, em casa e nas escolas, que reciprocidade de tolerância implica em respeito pelas pessoas com diferentes atributos físicos, diferentes escolhas, ou pensamentos divergentes dos nossos e é inconciliável com atitudes de zombaria, de ameaças, ou de violência.
E quanto aos jovens em sofrimento mental?
Quem decide matar pessoas numa escola está decidido a se matar ou ser morto porque não está encontrando um sentido para a vida... e apresenta sinais: refere-se à escola ou a colegas com expressões grosseiras, não se enturma, conecta-se virtualmente _ depois, pessoalmente _ com desconhecidos igualmente frustrados, pesquisa, adquire e se fotografa com trajes, armas e explosivos.
Se, além de ansioso, estiver depressivo, pode apresentar-se desmotivado, incapaz de realizar afazeres habituais, com pensamentos pessimistas, desinteressado dos círculos de amizade e o foco de sua atenção é voltado para si próprio.
Viktor Frankl (1905-1997) acrescentou a “vontade de sentido” às enunciadas vontades “de prazer” de Sigmund Freud (1856-1939) e “de poder” deAlfred Adler (1870-1937) e criou a terceira linha vienense de psicoterapia, a “Análise existencial”.
Trata-se de levar a pessoa a encontrar um significado para a própria vida substituindo o “vazio existencial” por um “plano existencial”.
Professores, familiares e amigos devem estar atentos aos sinais e buscar ajuda profissional, sempre que essa for necessária.
A humanidade agradece.
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*coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br
Publicado no jornal "O Tempo" em 22/03/2019