HABEMUS LEGEM
(A MAGISTRATURA ESTEVE CEGA POR 81 ANOS?)
Alcino Lagares1
Em razão de morte (ou abdicação de um papado), reúnem-se os cardeais da igreja católica em conclave² e elegem, dentre os cardeais, aquele que será o novo Papa e Chefe de Estado do Vaticano.
Cabe ao “protodiácono”³ anunciar, da varanda central da Basílica de São Pedro, no Vaticano, a eleição do novo pontífice com a fórmula “Habemus Papam!” (“Nós temos um papa!”).
Após o anúncio, o novo papa dá, daquela varanda, a sua primeira bênção “Urbi et Orbi” ("à cidade _ Roma _ e ao mundo").
No dia 05 de setembro de 2020, em Vitória da Conquista, Bahia, a atitude de um cidadão despertou a suspeita de policiais militares que o abordaram e procederam a uma busca pessoal sendo encontrada com ele abundante prova material _ dezenas de papelotes de maconha e de cocaína e uma balança digital. Em tese, existia crime de tráfico de drogas, sendo-lhe dada voz de prisão em flagrante.
A legalidade da ação policial foi reconhecida pelo Delegado de Polícia e pelo Ministério Público, sendo a prisão convertida em preventiva pelo Juiz de Direito.
A busca e a prisão tinham sido feitas nos termos dos artigos 240 e 244 da Lei 3689 (Código de Processo Penal) de 3 de outubro de 1941, nos seguintes termos:
“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
(...)
h) colher qualquer elemento de convicção. (grifei)
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras (...) e letra h do parágrafo anterior. (grifei)
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado (...) quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de (...) que constituam corpo de delito (...).”
A defesa pleiteou “reconhecimento de ilicitude das provas colhidas e o trancamento do processo”, argumentando que a busca pessoal realizada pelos policiais no réu constituía violação dos arts. 240, § 2º e 244 do CPP, por ter sido motivo da abordagem a “atitude suspeita” do cidadão.
Precedendo o exame de mérito pelo STJ, também o Ministério Público Federal apresentou parecer pelo não provimento do recurso da defesa.
No STJ, porém, contrariando o entendimento dos magistrados brasileiros e do Ministério Público durante os 81 anos de vigência do CPP (e da letra h do § 1º do art. 240), o ilustre ministro relator deu provimento ao recurso de Habeas Corpus:
“O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos – independentemente da quantidade – após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada suspeita” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. (...) À vista do exposto, dou provimento ao recurso para o fim de reconhecer a ilicitude das provas obtidas com base na busca realizada e, por conseguinte, trancar o processo penal instaurado em desfavor do recorrente.”
Foi mais longe: “Dê-se ciência desta decisão aos (...) Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que deem conhecimento do teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública federal, estadual e distrital.”
Eis o novo brado do “protodiácono”: abençoados sejam traficantes, ladrões, estupradores e sequestradores, que, doravante ficam livres de abordagens e buscas pessoais porque “Habemus Legem!”4.
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1- coronel da reserva e presidente da Academia de Letras dos Militares Mineiros "Capitão-Médico João Guimarães Rosa". Contatos: cellagares@yahoo.com.br
2- Conclave: do latim “cum clave” (“Com chave”). Trata-se de uma reunião em clausura, na qual os cardeais permanecem incomunicáveis com o exterior até que elejam o novo papa.
3- Protodiácono: um dos cardeais mais velhos (na ordem dos diáconos), que tem a incumbência de anunciar a eleição de um novo Papa.
4- Temos lei!