A ESPADA DE DÂMOCLES
Alcino Lagares Côrtes Costa*
Ser governante num regime político democrático, implica respeitar os outros poderes e ser capaz de sorrir diante da liberdade que os cidadãos têm de se expressar contra planos e decisões do governo.
No dia 16 de maio, em Dallas (Estados Unidos) onde se encontrava para receber uma homenagem, inversamente o presidente Bolsonaro mostrou-se descompensado. À pergunta de uma repórter de jornal sobre o “corte” (ou “contingenciamento”) na educação que na véspera gerara grandes manifestações nas capitais brasileiras, ao invés de responder cavalheirescamente, vociferou, ofendendo-a: “_ Você deveria voltar para uma faculdade que presta e fazer bom jornalismo”.
O político e orador Marcus Tullius Cicero (106-43 a.C.) fazia referências a um apotegma conhecido como “Espada de Dâmocles”, o qual, porém, não sabemos se é fantasioso ou histórico. O aforismo envolve Dionísio e Dâmocles. Eis a sua síntese:
“A Espada de Dâmocles”
(pintura de Richard Westall, 1765 a 1836)
Dionísio era o rei de Siracusa (na Sicília). Rico e poderoso, servido por belas mulheres, governava com tirania e era invejado por muitos.
Dâmocles, tido na corte como falastrão, dizia aos quatro ventos que o rei era homem de muita sorte; pois, tinha tudo que se pode desejar!
Sabendo disso, Dionísio mandou buscá-lo naquela noite e lhe disse estar decidido a transferir-lhe o poder na manhã seguinte, com uma única condição: dormir no trono por uma noite e, ao amanhecer, ainda desejar ser rei.
Sentou-se então no trono o potencial monarca e ornaram-lhe a cabeça com áurea coroa. Belas jovens lhe serviram vinhos e guloseimas, ao som de lindas músicas. Dâmocles sentia-se o mais feliz dos homens e preparado para cumprir a mais fácil das tarefas: dormir! Mas, ao recostar-se no trono, seu olhar voltou-se para o alto... e teve um tremendo sobressalto: bem acima de sua cabeça, amarrada apenas por um fio de rabo de cavalo, estava uma grande e pontiaguda espada!
Dâmocles empalideceu. Sem ousar desviar o olhar daquela arma mortal, foi se esgueirando tremulamente, temendo que até mesmo um vento repentino fizesse partir-se o fio que o mantinha vivo. Como poderia dormir?!
Dionísio, então, lhe teria dito: “Viver como rei é estar sob uma espada pendente. É temer uma revolta popular, a usurpação do trono, ser assassinado e muitos outros perigos”.
Impulsionados pelos instintos, desejamos ter o que não temos e _ quais reis e rainhas _ tememos sair da “zona de conforto” onde nos colocamos e perder o que quer que acreditemos possuir.
É-nos possível (e também ao nosso presidente) afugentar esse metafórico medo?
Bem, uma boa pista pode ser encontrada no “Livro I” de “Odes”, nas palavras do poeta Quintus Horatius Flaccus (65 a 8 a.C.), quando este aconselha sua amiga Leucone com a frase: “...carpe diem, quam minimum credula postero", a qual, em tradução livre, pode assim ser entendida: “...aproveite o momento presente e espere pouco do futuro”...
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*Coronel QOR e Presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais
Publicado no jornal O Tempo em 19/05/2019.