"Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam, desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los." (Thomas Morus, 1478-1535, A Utopia)
Com este artigo quero afirmar que há dois equívocos que devem ser evitados:
(1) acreditar que a polícia consiga extinguir a criminalidade e a violência nalguma sociedade; e
(2) duvidar que a própria sociedade as possa extinguir.
Começo por uma constatação: em 2006, no Japão _ estou citando apenas um país; mas, há vários em análoga situação de harmônica convivência social _, houve 2 mortes por armas de fogo. Quando o número saltou para 22, no ano 2007, o fato foi considerado um “escândalo”.
No Brasil ocorrem mais de 50 mil mortes violentas por ano (a maioria de jovens entre 15 e 29 anos), fato que o coloca entre os 10 países mais inseguros do mundo!
Se há tamanha diferença comportamental entre os dois países _ e há _, é um absurdo aceitarmos tantas mortes violentas no Brasil, sabendo que teria sido possível evitá-las.
O primeiro dos deveres do Estado é prover a segurança de seu povo. Para tal, cabe a ele o “monopólio do uso da força” e esta deve ser exercida com fundamento na ordem jurídica.
As Polícias Militares (comandadas por coronéis com formação superior e duas pós-graduações em segurança pública), são instituições de ESTADO com atribuições (nos termos do §5.º do Art 144 da Constituição Federal) de “polícia ostensiva” e de “preservação da ordem pública”.
São instituições permanentes que têm o dever de proteger e socorrer o “TODO” da sociedade; portanto, nunca ligadas a ideologias, a partidos políticos ou a classes sociais. Mas (nos termos do §6.° do mesmo artigo), elas subordinam-se, nas respectivas unidades federativas, aos governadores, alguns dos quais se manifestam como se essa subordinação tivesse o dom de transformá-las em instituições de GOVERNO.
Os estarrecedores acontecimentos do dia 28 de outubro de 2025, no Rio de Janeiro, onde quatro inocentes policiais (2 civis e 2 militares, em serviço) e mais de 100 civis foram mortos, podem ter sido consequências dos equívocos apontados na parte exordial deste artigo.
Alguém, sarcasticamente, irá dizer ter sido uma “operação bem-sucedida”, tratarem-se as mortes de um “efeito colateral” e rirá, se ouvir de alguma pessoa equilibrada que essas mortes poderiam ter sido evitadas.
Governantes deveriam compreender que não existe “pena de morte” na lei brasileira e ser inadmissível a “morte sem pena”: matar alguém é crime!
A lei somente exclui a ilicitude se o ato for praticado em “Estado de necessidade”, em “Legítima defesa” ou em “Estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito” e, mesmo nessas 3 situações, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo que cometer.
Cada vez que uma pessoa for morta por outra, deverá ser feito um inquérito, seguido de um processo, de um julgamento e de uma sentença.
Para mudar o vergonhoso “status” brasileiro, é preciso entender ser falacioso o discurso segundo o qual, para que haja “segurança pública”, a polícia precisa “combater” o crime e “matar” bandidos, porque ninguém nasce bandido.
Em substituição a tal falácia, buscando eficiência social, governantes deveriam investir na prevenção de crimes e no tratamento penitenciário daqueles que se desviarem da ordem social.
E quanto à sociedade? Sua prioridade deve ser a educação das crianças, possibilitando que elas cresçam sabendo que armas de fogo são fabricadas com a finalidade de matar e, essencialmente, que é errado matar!
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*Coronel QOR e membro do Conselho Superior da Academia de Letras dos Militares Mineiros, capitão-médico João Guimarães Rosa