Tente imaginar duas situações:
Situação A, um paciente sendo submetido a uma intervenção cirúrgica reclama de dor intensa, chora em tom de desespero, grita e clama por socorro. Situação B, outro paciente sendo submetido à mesma intervenção cirúrgica, porém sem esboçar nenhum incômodo.
É certo afirmar que na situação A o paciente sente mais dor? Muitos afirmariam que sim, pelo simples motivo de o paciente B não ser barulhento. De fato, é difícil para algumas pessoas conseguir perceber a dor por trás do silêncio. Enxergar apenas o óbvio e inverter os valores parece ser mais comum do que se imagina.
Certa vez atendi um paciente que sofria por se sentir excluído no seu ambiente familiar. Ele se queixava de que a mãe implicava com ele e o criticava constantemente, porém tratava os irmãos de forma doce e amável, deixando nítida a falta de afinidade com ele. O pai evitava tomar partido e mantinha-se na neutralidade, o que o incomodava bastante.
Com o passar dos anos, esse filho se tornou o mais bem-sucedido dos irmãos. Os outros, inclusive o mais velho, continuavam a mudar de curso na faculdade e sem trabalhar, enquanto ele já era executivo de uma grande empresa com alto grau de responsabilidade.
Tendo em vista esse cenário, os pais continuavam a ajudar financeiramente os filhos que não trabalhavam e insinuavam que ele também fizesse o mesmo. Ele não concordava, mas oscilava entre o sentimento de raiva e culpa por não sucumbir ao desejo da mãe.
Certa vez, já se sentindo esgotado emocionalmente, ele desabafou. Falou claramente da sensação de injustiça que sentia há anos. Ao ouvi-lo, a mãe repetiu a frase dos que bebem na fonte da insensibilidade: “eu exijo mais de você porque sei que você é mais forte”.
Ser mais fraco, nesse caso, talvez fosse mais vantajoso.
No começo da minha carreira profissional trabalhei em uma empresa onde o diretor dava privilégios para o funcionário que estava em último lugar com as metas, alegando incentivo.
Ele dizia que os “últimos” precisavam de algo que os motivassem a um dia almejar o primeiro lugar. E assim, durante o tempo em que eu estive lá, o presenciei confortando os funcionários ruins e deixando furiosos os bons.
Confesso que sempre achei essa “motivação” um equívoco. Um gesto assistencialista que desconsiderava o esforço de quem fez por merecer.
No campo da amizade isso também acontece. Amigos pacíficos e compreensíveis costumam ser preteridos em detrimento dos mais exigentes sob a justificativa de que eles, os pacíficos, são tão legais que não ligam para coisas pequenas. Com isso, sacrificam os bons amigos e atendem as regalias dos mais afetados.
Outro cenário que dá para perceber claramente a inversão de valores é o político. Enquanto trabalhadores de bem que pagam os impostos, altíssimos por sinal, vivem acuados pela violência urbana, assaltantes que ganham a vida roubando e matando quando viram presidiários têm direito à bolsa-reclusão.
Estariam os pacientes silenciosos, os filhos bem-sucedidos, os funcionários que batem as metas, os amigos compreensíveis e os trabalhadores honestos fadados à injustiça dos bons?