QUEM DEVE PROTEGER QUEM?
Alcino Lagares*
O Estado é, por definição, “uma entidade soberana, instituída através de um governo, que exerce o poder político em um território”.
Se considerarmos que o exercício do poder político deve ser feito com fundamento na ordem jurídica, a Constituição Federal não pode ser ferida por uma lei ordinária, assim como um decreto regulamentar não pode dispor contrariamente à lei que ele próprio estiver regulamentando.
O artigo 144 da Constituição Federal assim está redigido: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.”
Em 1901, Edward Alswhorth Ross (1866-1961) publicou o livro “Social Control, a survey of the foundations of order” (“Controle Social, um estudo sobre as bases da ordem”), através do qual tornou-se formalmente o introdutor em Sociologia do conceito de “Controle Social”, este com tríplice função: “Conquista e manutenção da ordem social”; “eficiência social”; e “proteção social”.
Para que haja “proteção social”, cabe ao legislador definir:
1) “valores”: o quê deve ser protegido na sociedade;
2) “riscos”: quais ameaças põem em perigo a sociedade;
3) “autor”: quem deve proteger a sociedade;
4) “meios”: que recursos devem ser usados para a proteção social.
Ora, nos termos da Constituição Federal, os valores que devem ser protegidos são a ordem pública e a incolumidade das pessoas e de seu patrimônio e o autor dessa garantia necessariamente é o Estado.
Porém as leis não são, por si sós, suficientes para que o Estado proteja o povo: "Sem a espada, os pactos não passam de palavras, as quais não dão a mínima segurança a ninguém" (Thomas Hobbes, 1588-1679).
Segue-se que, para a segurança pública, “a espada” do Estado são as cinco entidades institucionais constantes do artigo 144.
Ensina Max Weber (1864-1920), que o Estado é uma comunidade humana à qual se atribui o “monopólio legítimo da violência física” nos limites de certo território.
É, portanto, da força deste todo poderoso Estado que dependem a segurança, a ordem pública e a paz entre os homens.
Mas, o presidente Bolsonaro (que tentara, confusamente e ao arrepio da ordem jurídica, revogar artigos do Estatuto do Desarmamento através de decretos facilitadores do porte de arma), em junho deste ano fez uma estapafúrdia declaração, ao visitar um quartel do Exército em Santa Maria, RS: “Defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”!
Ora, cabe ao Estado o “monopólio do uso da força” para proteger o povo e não o inverso!
Por se tratar de um “monopólio”, não pode o povo exercê-lo, nem pode o Estado omiti-lo.
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*Coronel da reserva e Presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais