Ingressei na Polícia Militar de Minas Gerais há 58 anos. Ao fazê-lo, prestei o juramento de defender a pátria e proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos, se necessário “com o sacrifício da própria vida”. Ao fazê-lo, eu tinha consciência de que, para que existisse “segurança pública”, eu deveria defender a democracia (sem poder usufruir plenamente dela, enquanto estivesse “na ativa”) e aceitar, sem discussão, as bases institucionais de “hierarquia e disciplina”.
Neste ano eleitoral proliferam candidatos a cargos políticos, uns ávidos pela eleição, outros pela reeleição. Em busca de votos, alguns ignoram (ou desprezam) valores militares e convidam servidores da ativa para manifestações políticas, subversão da ordem e introdução de “democracia” nos quartéis.
Ocorre que democracia e militarismo são termos antitéticos. Naquela as pessoas fazem escolhas. Neste há uma relação de comando e obediência, eis que as bases institucionais das corporações militares são a hierarquia e a disciplina.
“Os chefes e os chefiados, para serem dignos do nome que levam, hão de querer aqueles mandar e estes obedecer.” (Platão, a República)
Da hierarquia e da disciplina, bases institucionais das organizações militares, emana a autoridade de um comandante, aquele que une o “poder de referência” ao “poder de especialista”. Tais bases são mantidas com fundamento na qualidade implícita do cargo que é ocupado pelo comandante em razão de seu posto ou graduação e, jamais, na quantidade dos subordinados:
“Non multa, sed mulltum!”
(Latim, com significado de “não quantidade, mas qualidade”).
O exercício do poder político se faz com fundamento na ordem jurídica, a qual insere, no ápice de uma “pirâmide de leis”, a Constituição Federal.
Na Constituição Federal, o artigo 9.º assegura o direito de greve aos trabalhadores e o artigo 37 (em seu inciso VI) estende ao “servidor público civil” (grifei) o direito à livre associação sindical; no entanto, “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve” (inciso IV do artigo 142). Somente ao “militar inativo” _ da “reserva” ou “reformado”, aquele que nem comanda nem tem mais a quem obedecer _ a Lei 7524 faculta opinar livremente sobre assunto político e externar pensamento ideológico.
Segundo a “teoria monística”, o Estado e o Direito são uma só realidade (“unum et idem”); pois, não existe lei sem o Estado, nem Estado sem a lei. É da força do todo poderoso Estado que dependem a segurança, a ordem pública e a paz entre as pessoas.
Porém, afrontando a lei, no dia 9 de março de 2022, incentivados por políticos profissionais, milhares de policiais militares juntaram-se a grevistas e manifestantes civis e estiveram nas ruas de Belo Horizonte tumultuando o trânsito, impedindo o direito de ir e vir dos cidadãos e, absurdamente, até explodindo bombas contra jornalistas que realizavam seu trabalho.
Em noticiários surgem, dentre outras, as expressões “lideranças dos manifestantes”. Ora, a única liderança admissível de militares é (e deve ser) a do seu comandante-geral. Só a ele cabe falar em nome da tropa e, se necessário for, acionar a justiça para defender direitos dos subordinados.
O modo _ único admissível _ da tropa apoiar seu comandante é mostrar-se disciplinada e cumpridora da missão de preservar a ordem pública.
Deputados que tiverem o honesto propósito _ louvável este, sob todo ponto de vista! _ de defender interesses coletivos de militares pelos quais acreditam ter sido eleitos, devem fazê-lo no parlamento (na Assembleia Legislativa). Inversa e evidentemente, é um desonesto propósito (quando não um crime) mobilizá-los em manifestações públicas para satisfazer seu interesse pessoal de angariar simpatia e votos.
Cabe aqui a advertência de Platão (427 - 347 a.C.) referente àqueles que têm o dever de proporcionar “Segurança Pública”:
“Se não conseguirmos que os guardiães sejam brandos no trato dos companheiros e ferozes ante o inimigo, não será necessário que o inimigo destrua a cidade porque eles próprios o farão!” (Platão, a República, Livro II).
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*Coronel QOR e Presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br