ATENTADOS EM PARIS, UMA EXPLICAÇÃO DA LOUCURA JIHADISTA
Alcino Lagares*
As primeiras palavras do exórdio da carta encíclica “Fides et Ratio” (“Fé e razão”) do papa João Paulo II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) foram:
“Venerados Irmãos no Episcopado, saúde e Bênção Apostólica! A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. (...)”
Na sexta feira, 13 de novembro, simultaneamente, “jihadistas” do “Estado Islâmico” desferiram covardes ataques em Paris, e assassinaram 140 pessoas inocentes, a maioria delas numa casa de shows, “Le Bataclan”.
É necessário compreender, para não sermos injustos, que há grandes diferenças entre “Islamismo” (a fé muçulmana) e o “Jihadismo” (o uso de violência) do autodenominado “Estado Islâmico”.
Na Antiguidade (um período de 35 séculos, encerrado com a queda do império romano, no Séc. V da era cristã), os governos eram teocráticos. Os reis eram sacerdotes e os sacerdotes eram reis. Deus era colocado à frente da sociedade política e, consequentemente, havia tantos deuses quantos eram os povos e, em cada um desses, os deuses e suas leis eram uma só e a mesma coisa, unum et idem.
Nasceu nesse tempo _ no qual cada povo possuía seu culto e seus deuses _ a intolerância a um só tempo civil e religiosa. Portanto, as guerras eram políticas e teológicas e o povo vencedor impunha seus deuses ao povo vencido e, desta simbiose, teria nascido o politeísmo.
Foi Jesus (por volta de 34 a 38 d.C.) que, com seus evangelhos (mensagens), separou o poder teológico do poder político, ao propor aos habitantes da Terra um reino espiritual: "_ Meu reino não é deste mundo"!
O Islamismo é uma religião monoteísta, cuja história começa com a narrativa de Maomé (570-632) de ter, em 610, quando meditava numa caverna do monte Hira (região da Arábia Saudita), recebido a visita do “arcanjo Gabriel”, que lhe revelou a existência de um Deus único (“Allah”, em árabe) e o nomeou “profeta”.
Por ter Maomé passado a fazer pregações de natureza político-religiosas em Meca, sua presença começou a incomodar líderes locais e, no ano 622, sentindo-se ameaçado, fugiu para Medina (movimento denominado “Hégira”), onde se tornou chefe da primeira comunidade muçulmana, e donde passou a liderar vitoriosos anos de uma guerra civil entre os habitantes daquelas cidades e contra várias tribos árabes.
Maomé seria o autor do Alcorão (o livro sagrado do Islamismo), significando o termo “islã” “submeter-se à lei” (esta entendida como “a vontade de Allah”), e seus seguidores são os “muçulmanos”.
Em 632 (ano da morte de Maomé) praticamente todo o território árabe havia sido conquistado, e a todo o povo havia sido imposto o Islã. Afinal, como ocorrera na Antiguidade, novamente os reis eram sacerdotes e sacerdotes eram reis...
Iniciou-se uma disputa _ que permanece até os dias de hoje _ entre dois grupos que se apresentam como “legítimos” sucessores de Maomé em busca da liderança político-religiosa: “Xiitas” e “Sunitas”.
Os xiitas conservam antigas interpretações do Alcorão e da “Lei Islâmica” (a “Sharia”) e defendem a sucessão do califado pela hereditariedade, ou seja, pelos descendentes da família de Maomé.
Os sunitas, originalmente ligados a califas da família dos sogros de Maomé, defendem a atualização de tais interpretações através de conteúdos da “Suna” (livro onde estão compilados feitos e exemplos de Maomé).
Para ambos há um só ponto em comum: Maomé teria sido um profeta, o último e definitivo profeta.
Quanto às violências perpetradas em nome das religiões, foi a irracionalidade das históricas condições político-religiosas (em pelo menos três das cinco religiões que conseguiram reunir à sua volta milhões de crentes _ Judaísmo, Cristianismo, e Islamismo), que impôs ao “fiel” de cada uma dessas religiões, em dado momento, mais do que uma “aspiração por superioridade” (ao sentir-se “inferior”), a necessidade de converter ou eliminar o “infiel”, pelo receio de, inversamente, ser convertido por ele em razão da inveja que nasce da “liberdade de pecar” que “infiéis”, por definição, possuem e ostentam.
Assim, foi em nome de Jesus _ e contrariando seu evangelho _ que se deram na Idade Média as mais intolerantes manifestações políticas e teológicas de todos os tempos, as “Cruzadas” e a “Santa Inquisição”, perpetradas pelo Cristianismo.
O “Estado Islâmico (EI)” é um grupo “jihadista” que se desmembrou do “Estado Islâmico do Iraque” (uma extensão sunita iraquiana da Al-Qaeda), e passou a contestar a autoridade de seu chefe, Ayman al-Zawahiri. A “justificativa” para os atentados _ às pessoas e à cultura da sociedade civilizada _, no dizer daqueles loucos, seria:“_ São símbolos de idolatria. Somente Allah pode ser adorado!”.
Alguém poderia acreditar que atentados sejam atos de fé.
Alguém poderia acreditar que atentados sejam atos da razão.
Mas, os integrantes do “EI” buscam teimosamente apenas a dominação. Somente podem adotar a intolerância. Estão impedidos de aceitar o outro, porque têm medo de alguém que possa pensar de modo diferente.
Nesse intento, têm recrutado milhares de jovens em vários países.
Movidos pela etologia, somente podem adotar comportamento animal e vão, por aí, “marcando território”.
Indignos que são de abrigarem cérebros humanos em suas cabeças, contentam-se com uma medula espinhal.
Nem mesmo poderiam estar mentindo ao justificar pela fé as barbáries que praticam, uma vez que, até para mentir, precisariam ser dotados da razão.
Quais primatas destroem obras de arte e assassinam inocentes; e, quais papagaios, não falam; apenas imitam sons referentes a textos religiosos que ouviram alhures, sem jamais entender-lhes o significado.
E como acabar com isso?
Para que a humanidade possa livrar-se dessa barbárie, serão necessárias a compreensão universal da irracionalidade de imposição de condições político-religiosas e a adoção universal da reciprocidade de tolerância (respeito pelas pessoas que pensam diferente de nós e vice-versa).
Absurdamente, enquanto a mudança não acontecer, teremos de seguir, em pleno século XXI, apenas assistindo e sempre lamentando a prevalência da irracionalidade.
__________________
* Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras "João Guimarães Rosa" da Polícia Militar de Minas Gerais.
Contatos: cellagares@yahoo.com.br