DE ELECTIONIBUS: TIBI LOQUITUR COR MEUM
(sobre as eleições: meu coração fala com você)
Alcino Lagares Côrtes Costa 1
O Maniqueísmo explica a existência de dois deuses (nenhum deles todo poderoso): um é bom e criador de nossos espíritos; o outro é mau e criador de nossos corpos e do mundo físico. De acordo com tal doutrina, existe um permanente conflito no universo: de um lado, o bem; de outro, o mal. O maniqueísta “tem certeza” que representa o bem e que todo aquele que pensa diferente dele representa o mal...
Para Viktor Frankl (1905-1997, autor da “Análise Existencial”, a terceira linha vienense de psicoterapias), nós somos seres conscientes, livres e responsáveis; assim, o conceito de “psicologia profunda” (que, com Freud, seguiu o ser humano até as profundezas inconscientes dos instintos) “precisa agora ser retificado”, para que se possam investigar “as profundezas inconscientes do espírito”.
A ilusão gerada por discursos políticos às vésperas das eleições _ mormente para presidente _ faz com que pessoas se afastem de velhos amigos e até de familiares (quando estes não querem apoiar o “seu” candidato)... e, no domingo, dia 2 de outubro de 2022, haverá a votação do primeiro turno das eleições!
Neste momento político, redes sociais dividem a sociedade em “nós” e “eles”, com discussões estéreis sobre “ideologias de direita e esquerda” e dificulta que o povo perceba que, a partir de 1.º de janeiro, o governante não terá ideologias para discutir e, sim, graves problemas nacionais para resolver.
Passadas as eleições, poderão seguir-se desencanto e frustrações. E as amizades? Uma vez perdidas, talvez algumas nunca mais sejam retomadas e... “amigo é coisa pra se guardar” (como canta Milton Nascimento na “Canção da América”).
René Descartes (1596 - 1650) estabeleceu uma dúvida hiperbólica (ou seja, uma metódica dúvida exagerada) permitindo-se considerar a possibilidade de ser falso tudo que não pudesse provar ser verdadeiro.
Porém, ao considerar que tudo era falso, percebeu que _ tanto para duvidar quanto para ser enganado _ tinha de ser verdade que pensava; pois, ao mesmo tempo em que ele queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que ele, que pensava, fosse alguma coisa.
Quero, então, sugerir uma fórmula simples, capaz de preservar amizades e laços familiares e de demonstrar respeito pelo outro: convido os leitores a assumir a dúvida hiperbólica cartesiana em relação a tudo que, nas redes sociais, tenham lido ou ouvido sobre os candidatos e permitir que eles próprios expliquem o que têm a nos oferecer.
Vamos ouvir e assistir _ com isenção, maturidade e um olhar "de fora" _ o debate das ideias, formar um juízo sobre o que pode ser melhor para o povo brasileiro e evitar dizer ao amigo em quem ele deve votar.
Cada eleitor poderá (melhor: deverá) decidir quem será digno de receber seu voto secreto (a única forma de garantir a liberdade de escolha)2 e seu voto certamente será “o certo”... se estiver de acordo com a sua consciência.
E, para o bem da nação brasileira, esperemos que as eleições transcorram em ordem, que a vontade majoritária manifestada nas urnas seja respeitada e que as amizades sejam mantidas.
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1- Coronel veterano e presidente da Academia de Letras dos Militares Mineiros Capitão-Médico João Guimarães Rosa.
2- “A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.” (Artigo 3.° da Declaração Universal dos Direitos Humanos/ Assembleia Geral das Nações Unidas, 10/12/1948)
(artigo publicado pelo jornal "O Tempo" em 14/10/18 e em 19/09/22, precedendo as eleições)