ADEUS ÀS ARMAS
Alcino Lagares Côrtes Costa*
O presidente Bolsonaro assinou o Decreto 8695/2019 para facilitar a compra de armas de fogo e agradar seus fabricantes.
O texto dissimula “em todas as cidades”, com a proposição analítica “nas áreas urbanas em unidades federativas com índices anuais acima de 10 homicídios por 100 mil habitantes no ano 2016”.
Vai enlutar milhares de famílias por ser de evidência cartesiana que o aumento de disparos letais _ logo de vítimas _ será proporcional ao aumento da quantidade de armas.
Segundo dados de uma pesquisa realizada pelo “Institute for Health Metrics and Evaluation” (da Universidade de Washington), entre 1990 e 2016 o Brasil foi o país que apresentou o maior número de mortes por armas de fogo no mundo!
No extremo oposto, encontra-se o Japão, cuja polícia precisou disparar apenas 6 tiros em todo o país em 2015 e onde se podem comprar apenas espingardas de ar comprimido e de caça.
"Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam, desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los." (Thomas Morus, 1478-1535, A Utopia)
Os ideais são utopias: representam o que os homens buscam e jamais o que possuem.
Acredito na humanidade em si; logo, no processo civilizatório que faz prevalecer o simbolismo altruístico sobre instintos egoísticos.
No plano das ideias, as utopias nos permitem extrapolar do que a sociedade é para aquilo que deveria ser e perguntar: “Por que não?!”
Com relação à prevenção da violência e dos crimes, o presidente Bolsonaro está incorrendo em 2 graves erros de julgamento: ele duvida que a sociedade possa _ como valor social _ extinguir a violência e o crime e acredita que armas de fogo nas mãos das pessoas possam evitar mortes violentas entre elas, o que é um paradoxo.
O Estado é, por definição, uma entidade soberana, instituída através de um governo, que exerce o poder político em um território. O primeiro de seus deveres é prover a segurança do povo, o que deve fazer com fundamento na ordem jurídica e não armando a população.
A sociedade sustenta com seus impostos as Forças Armadas, a Polícia e a Justiça para receber proteção social; portanto, um governante não pode declarar-se “incompetente a priori” para proporcionar segurança, dizendo ao povo que compre armas de fogo para se proteger; pois, cabe ao Estado o monopólio do uso da força.
Ao invés, devemos evitar que haja armas de fogo nos lugares onde já há muitas mortes com uso delas. Afinal, não é dando caixas de fósforos para piromaníacos que vamos evitar incêndios.
Para reduzir a violência, a prioridade de governantes _ para serem dignos do nome que levam! _ deve ser a educação, para que as crianças cresçam sabendo que armas de fogo são fabricadas para matar e, essencialmente, que é errado matar.
Podemos dar adeus às armas. Por que não?
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*Coronel QOR e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais
- Publicado no jornal "O Tempo" em 17/01/2019