No dia 05 de fevereiro de 2015, a psicanalista Simone Demolinari escreveu, no Jornal Hoje em Dia, o interessante artigo "SER BOM PODE SER RUIM" (o artigo encontra-se na sub página desta), a partir de sua refletida perplexidade sobre a aparente contradição existente em certas atitudes humanas, as quais podem ser percebidas como respostas em forma de premiação aos maus e de punição aos bons.
Enviei-lhe, por e-mail, a mensagem que se segue:
SER BOM PODE SER RUIM
Alcino Lagares*
Prezada senhora Simone, boa noite!
Inicialmente, devo cumprimentá-la pelo seu ótimo artigo “Ser bom pode ser ruim” (Hoje em dia de 05/02/15, página 30).
Em tempos remotos, os “distúrbios do corpo” _ considerados numa base orgânica _ eram tratados pelos médicos, consequentemente pela medicina; e os “distúrbios da mente” _ considerados “espirituais e morais” _ eram parte da ocupação dos religiosos, logo da igreja.
O surgimento da psiquiatria e as teorias da psicanálise foram importantes para a secularização dos transtornos mentais, ajudando a compreendê-los também anatomicamente, logo sob uma perspectiva psicobiológica.
Às teorias de Sigmund Freud e de Alfred Adler, Viktor Emil Frankl (1905-1997), psiquiatra austríaco, acrescentou o fundamento transcendental de um “inconsciente espiritual” e fundou a “Análise existencial”. Às “vontades” de “prazer” e de “poder” daqueles psicoterapeutas acrescentou a “vontade de sentido”.
Eis aí, a questão: eu, você, seu paciente, a mãe dele... todos precisamos encontrar um sentido para a existência (para a nossa... e para a do outro).
Segundo René Descartes, “o bom senso deve ser o atributo que Deus melhor distribuiu no mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de se contentar nas outras coisas não costumam desejar mais do que já têm.”
O bom senso é coerente com a sua dupla perplexidade (da “injustiça dos bons”, e da “insensibilidade” daquela mãe); mas, a julgar pelas atitudes mais frequentemente encontradas neste planetinha azul e branco, certamente, ela não é compartilhada pelo “senso comum”; pois, os “bonzinhos” são assaltados na esquina pelos maus; e todos nós agimos movidos pelo que parece ser o melhor a fazer em certo momento. Incluo aqui até Jesus Cristo.
Pelo menos é o que se pode depreender da “Parábola do filho pródigo” (narrada por Jesus em Lc 15, 11-32). Em resumo: o primogênito indignou-se pelo fato do pai ter matado um boi para festejar a volta para casa do perdulário e arrependido caçula, o qual esbanjara sua antecipada parte da herança com meretrizes e lazeres e, paradoxalmente, tal genitor nunca matara sequer um cabrito em homenagem a ele, o mais velho, que permanecera fielmente servindo-o!
Respondeu-lhe o pai que “era preciso que se regozijassem”, porque ele, o primogênito, sempre estivera com ele, mas o irmão mais novo “estivera perdido e foi (re) encontrado”.
Um dos permanentes dilemas da humanidade (a partir de uma aparente contradição interna no Livro de Gênesis, no qual ora Deus constata que tudo que fez é bom, ora lamenta a criação) refere-se àquilo que, em filosofia, denomina-se “O problema do mal”, o qual pode ser assim enunciado: “Ou Deus é todo-poderoso, ou é bom. Se é bom, então não pode ser todo-poderoso”.
Seu paciente repete o papel do “irmão mais velho” daquele esbanjador, e você desaprova o papel do pai deles...
Atenciosamente,
Alcino Lagares
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* Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras "João Guimarães Rosa" da Polícia Militar de Minas Gerais. Contatos: cellagares@yahoo.com.br