PROPAGANDA DE ARMAS: DESRESPEITO ÀS FORÇAS ARMADAS
Alcino Lagares Côrtes Costa*
Devo muito da minha formação _ consequentemente da minha vida _ ao Exército Brasileiro. Afinal, foi na Escola de Educação Física do Exército que me formei em 1969. Sinto-me, portanto, indignado quando vejo sinais de desrespeito para com as Forças Armadas.
Por isso, lamentei quando o presidente da República comemorou, através de mídias eletrônicas, ter diminuído a competência do Exército Brasileiro ao ordenar a revogação das Portarias COLOG 46, 60 e 61 (de março de 2020), através das quais a força terrestre podia _ e agora não pode mais _ rastrear, identificar e marcar armas, munições e demais produtos controlados.
Charles-Louis de Secondat, baron de La Brède et de Montesquieu (1689-1755), no livro “O espírito das Leis”, criticou a monarquia absolutista que mantinha na França uma sociedade estamental e posicionava, no ápice, aqueles que não trabalhavam e recebiam impostos do povo (o clero católico e a nobreza) e, na base, o povo (que trabalhava e pagava impostos).
Nessa obra ele afirmou que “todo homem que tem o poder é tentado a abusar dele” e, para evitar arbitrárias decisões políticas e frear a ganância de governantes, disse: “(...) é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder”; ou seja, há necessidade de existência de outros poderes (Legislativo e Judiciário) para evitar o absolutismo e defendeu a teoria da “tripartição de poderes” _ já apresentada pelo filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) _ sendo necessário que os três permaneçam independentes entre si: o “Legislativo” na elaboração das leis, o “Executivo” na administração do Estado, em obediência às leis e o “Judiciário” na exigência do cumprimento das leis.
Nos termos do artigo 1º da Constituição Federal “A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”.
O quê significa isso?
Durante o antigo regime na França – absolutismo - o rei detinha poder e não precisava respeitar nenhuma lei do parlamento: “L'État, c'est moi” (o Estado sou eu, como dissera Luiz XIV).
O “Estado de direito” surgiu após Revolução Francesa, assinalando o fim do absolutismo e instaurando um governo parlamentarista no qual a Lei passou a ser soberana e mantida acima de todos (do povo e do governo).
Já o “Estado ‘democrático’ de direito” refere-se à soberania popular, ou seja, às leis que são criadas pelo povo e para o povo (diretamente, ou através de seus representantes no parlamento), cuja obediência deve ser exigida pelo Poder Judiciário, devendo prevalecer a separação dos Poderes e a harmonia entre estes.
Conforme o artigo Art. 142 da Constituição Federal, “As Forças Armadas constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica (...) destinam-se (...) à garantia dos poderes constitucionais (...)”.
Isso significa que, por serem três os Poderes da República Federativa do Brasil, é competência das Forças Armadas brasileiras _ e de ninguém mais _ evitar aqui o “absolutismo” (ou seja, uma “ditadura”).
Ocorre que um deputado federal apresentou o esdrúxulo Projeto de Lei número 5417/20 para liberar a propaganda de armas de fogo no Brasil sob uma espantosa justificativa: “possibilitar que empresas produtoras ou comercializadoras de armas possam fazer campanhas publicitárias de seus produtos para, assegurando o acesso do cidadão a armas de fogo, reduzir a possibilidade de que ditaduras sejam implantadas no país".
No Brasil, onde mais de 100 milhões de pessoas vivem com até R$413,00 mensais, mais de 14 milhões não conseguem se colocar no mercado de trabalho e 33 milhões estão passando fome, causa indignação que um deputado federal queira, ao invés de alimentos para o povo viver, mais armas para matar.
Esse Projeto de lei é, também, uma clara ofensa às Forças Armadas brasileiras; pois, insinua serem elas (Marinha, Exército e Aeronáutica) incapazes “a priori” de cumprir a sua missão constitucional de garantir os Poderes Constitucionais.
Esperemos que o Ministro da Defesa envie uma mensagem à Câmara Federal lembrando aos parlamentares o artigo 142 da Constituição Federal e que o PL 5417 se destine à lata de lixo: afinal, a quem interessa o esdrúxulo projeto?
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*Coronel veterano e presidente da Academia de Letras dos Militares Mineiros “Capitão-Médico João Guimarães Rosa”
Publicado no jornal "O Tempo" em 21/06/2022.