DISCURSO DE POSSE
Alcino Lagares Côrtes Costa, Cel QOR
11/12/2019
INTRODUÇÃO
(música: “Céu de Santo Amaro”)
Caros participantes deste admirável auditório,
Dizem-nos os astrofísicos, cosmólogos e astrônomos que a nossa galáxia (a “Via Láctea”) tem entre 100 e 400 bilhões de estrelas (ou sóis), cada uma dessas podendo ter um sistema planetário à sua volta, e que podem ser milhões as galáxias no universo! Como saber isso?
Para o início destas palavras sobre a finalidade deste nosso encontro aqui e agora, busco inspiração numa fantasia idealizada pelo filósofo norueguês Jostein Gaarder.
Aproprio-me de algumas ideias daquele filósofo _ que se tornou mundialmente conhecido por sua obra “Sofies verden, en roman om filosofiens historie” (no Brasil, “O mundo de Sofia”)_, e peço que cada um dos presentes se imagine, numa viagem extraordinária pelo cosmos, chegando à nossa Galáxia, a Via Láctea.
Você percorreu espaços imensos em milhares de anos luz numa nave com tecnologia necessária para observar estrelas e planetas... mas nada encontra além da solidão de mundos vazios.
Entediado, você está prestes a se retirar e voltar para casa, quando percebe um pequeno planeta azul e branco, pujante de vida.
Aproxima-se dele e, nesse momento, acorda... Era tudo um sonho!
Mas, ao despertar, percebe que o planeta ao qual chegara, no sonho, é exatamente onde já se encontra: a Terra, um lugar lindo, maravilhosamente cheio de vida e de inteligência!
Ao tomar o café da manhã, aquelas imagens ainda se encontram em sua cabeça, e você reflete sobre as razões pelas quais teria tido tal sonho...
Qual seria o seu significado (se é que existe um significado)?!
Ao ler, porém, as principais manchetes dos jornais do dia, seus pensamentos remetem-se à triste constatação de realidades contraditórias com tais maravilhas: armas atômicas e químicas, guerras, terrorismo, pobreza, absurdas desigualdades sociais, violência urbana, corrupção, crimes, destruição de florestas e de mananciais...
É, realmente, lastimável que o único ser que se diz “inteligente” neste lugar maravilhoso, seja o responsável por acontecimentos tão trágicos!
Precisamos, então, refletir sobre quais as perguntas que devemos fazer, quais as respostas que deveremos dar, e qual será a nossa contribuição para a humanidade nesta real e única viagem que fazemos_ enquanto nos encontrarmos nestes corpos _ neste planetinha azul e branco...
Dentre as perguntas que podem frequentar as nossas mentes em momentos assim singulares, destaco cinco.
Primeira: a partir de que momento a humanidade, ou certo grupo humano, passa de uma condição de inexistência de qualquer autoridade política à “civitas”, renuncia aos direitos anteriores a essa organização e se submete às suas leis?
Segunda: uma vez feita essa opção pelo “contrato social” _ considerando que isso acontece de modo diferente no tempo e em diferentes lugares do mundo _, qual deveria ser o critério para distribuição daquilo que irá constituir-se como “propriedade”, quer material, quer intelectual, quer privada, quer social ou pública?
Terceira: seria a fonte da liberdade humana material (consistindo na satisfação de uma necessidade do ser finito no mundo sensível) ou _ considerando que aqui não permaneceremos _, imaterial (atendendo às aspirações superiores do mesmo ser, no mundo inteligível, em busca de sua infinitude)?
Uma vez feitas essas três primeiras indagações, seguem-se duas que, a meu ver, sintetizam a existência humana percebida como um problema para si própria:
Eis a quarta: haverá um dia _ consequente de um processo civilizatório cada vez mais humanista _, em que os seres humanos se reconhecerão como irmãos ou, contrariamente, sobreviverá para sempre o medo que a humanidade tem de si própria?
E quinta: a circunstância de serem as coisas como são _ tais como as encontramos _, significa que devam continuar a assim ser?
Muitas podem ser as respostas. Uma das possíveis podemos encontrar socorrendo-nos nos autores Peter Berger e Thomas Luckmann, na obra “A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE” (em tradução de Floriano de Souza Fernandes, publicada pela Ed. Vozes, em 2008).
Podemos relacionar o conteúdo dessa obra com peças ficcionais _ da maneira como fazia nosso professor de “Sociologia da Religião”, o Dr. Pedro de Assis Ribeiro de Oliveira, em mestrado de Ciências de Religião na Pontifícia Universidade Católica, _ seja em torno do náufrago, “Robson Crusoé” (do escritor britânico Daniel Defoe) e, mais recentemente, “O Náufrago” (do escritor austríaco Thomas Bernhard), levada ao cinema com interpretação do ator Tom Hanks.
Sempre podemos imaginar um náufrago chegando a uma ilha, onde se esforçará para sobreviver primordialmente e vai: improvisar um arpão, fisgar um peixe, assá-lo na praia... depois, procurar uma fruta no mato... à noite, esquentar o que sobrou daquele peixe. Nos dias seguintes, repetirá aqueles procedimentos e pensará: “lá vou eu de novo”. Após algum tempo, nosso náufrago percebe que não está sozinho na ilha. Há outra pessoa. É uma mulher. Ela faz coisas parecidas: pesca, assa, busca uma fruta... Ele a observa e pensa: “Lá vai ela de novo”. Ela o observa e pensa: “Lá vai ele de novo”.
Vencido o receio da aproximação, começam a fazer essas coisas juntos: pescar... assar... buscar frutas... percebem, porém que não são necessárias duas pessoas para pescar um peixe, assar e buscar uma fruta e resolvem: ele vai pescar e ela vai assar. Ele vai buscar uma fruta e ela vai fazer uma salada.
Observem, amigos, que poderia ter sido o contrário, mas foi assim que fizeram (ele pescou e buscou as frutas!).
E pensam, a cada dia de repetição: “lá vamos nós de novo”.
Após algum tempo, chegam os filhos. Os filhos observam o pai e a mãe e pensam um pouco diferentemente do que pensaram os pais: “É ASSIM QUE SE FAZ: O HOMEM PESCA, A MULHER ASSA.” E, não tendo aqueles filhos _ e os filhos dos filhos _ participado das condições em que surgiram aqueles comportamentos, vão inventar “mitos” para explicar porque “as coisas são assim”, vão colocar o homem em posição superior, e _ a partir de um mito! _ vão discriminar socialmente a mulher e vão fazer com que, em pleno século XXI, em alguns lugares do mundo _ neste planeta azul e branco, cheio de vida e de inteligência! _, uma mulher, para sair de casa, tenha de cobrir o rosto e ser levada por um homem que se responsabilize por ela na rua, não possa trabalhar fora de casa e não possa frequentar uma escola.
É necessário refletir sobre a possibilidade de transformar esse lugar, de mudar algumas coisas e, corajosamente, fazer a pergunta: “POR QUE NÃO?”
Amigos, parece-me que a construção do verdadeiro implica, sempre, em transcender o mundo da experiência para encontrar respostas e atender à necessidade da parte superior desta dualidade humana.
Numa perspectiva cética, seríamos conhecedores apenas de aparências, o que invalidaria qualquer pretensão de afirmar ser verdadeira determinada proposição, senão de modo relativo e provisório.
A mudança de paradigmas faz o mundo diferente e nos ensina a pensar diferentemente. Exemplifico com o cintilar de uma nova estrela, em 1572, na Constelação de Cassiopéia, na condição de “visitante” naquele céu, até então considerado imutável. O céu era imutável e tinha de ser porque assim era o mito em vigor.
Aquela estrela (surgida 20 anos após a morte de Copérnico que escrevera “A revolução dos corpos celestes”) possibilitou, na Revolução Científica, um novo mundo, até certo ponto receptivo às teorias de Galileu Galilei. Digo “até certo ponto”, porquanto os paradigmas que alicerçavam a sociedade não acompanharam os lógicos e vice-versa: em 1632, Galileu foi julgado em Roma por ter demonstrado o “heliocentrismo” (colocando a Terra para orbitar em torno do Sol, demonstrando a razão de termos dias e noites e estações do ano) através do livro “Os dois máximos sistemas do mundo: Ptolomaico e Copernicano”. Galileu foi preso e obrigado a desdizer-se da ousadia de afirmar que a terra se move. Somente em 1992 a igreja se retratou daquela injusta condenação.
No século XX, parte considerável da humanidade conheceu uma triste prática ditatorial, originada da proposição encerrada na teoria do “materialismo históricocomo fundamento do socialismo científico” imaginado por Karl Marx no século anterior.
O mundo ficou bipolarizado: de um lado, o “capitalismo” decorrente do movimento intelectual denominado “liberalismo” (que colocava o indivíduo no ápice da sociedade), de outro o “comunismo”, que seria a expressão mais elevada do “socialismo” e dele decorrente.
Ideologias opostas, tinham essas um precário equilíbrio assegurado na “guerra fria” pelo permanente e mútuo receio da força das armas atômicas.
Eis que, no final do século XX, metaforicamente “uma nova estrela cintilou nos céus”: fracassou o comunismo, dissolveu-se a União Soviética, caiu o “muro de Berlim” e se espantou o mundo. Fomos colocados diante do fenômeno da “globalização” da economia.
Com o fracasso do comunismo, ficou o capitalismo liberado da alteridade que existia. A humanidade foi colocada diante da possibilidade daquilo que Thomas Hobbes advertiu em sua obra “Leviatã”: o desejo individual de progresso e acumulação materiais podem conduzir-nos à barbárie típica de um mero estado de natureza, “uma guerra de todos contra todos”, tornando-se o homem “o lobo do homem”.
Consequentemente, por ter sido implantada esta unicidade liberalista, é necessário que seja pensada, dentro do capitalismo, uma pluralidade ética que torne o mundo mais justo, a sociedade mais fraterna, menores as distâncias sociais e que possibilite não a igualdade social, mas, sim, a igualdade de oportunidades.
Caros amigos, caras amigas, ilustres convidados,
E que dizer da nossa contribuição?
Nesse universo, o quê é a Academia de Letras?
Ora, é um lugar em que se encontram o livro e a espada. Um lugar em que os versos de Castro Alves podem ganhar vida outra vez e aqui vão alguns:
“Duas grandezas neste instante cruzam-se!
Duas realezas hoje aqui se abraçam!...
Uma — é um livro laureado em luzes...
Outra — uma espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro de ombrear co'o sabre...
Nem cora o sabre de chamá-lo irmão...”
Se, frequentemente (ou, pelo menos às vezes), você se pega pensando em como tornar melhores os lugares que encontra pelo caminho, então você é idealista.
Mas... o quê são os ideais? Por definição, os ideais hão de ser inatingíveis. Os ideais representam o que os homens buscam e jamais o que possuem. Porém, ao extrapolar do que a sociedade é para o que ela deveria ser, os ideais poderão, sempre, nos levar em direção ao bem!
A Academia de Letras João Guimarães Rosa reúne idealistas, forjados nas escolas da Força Pública de Minas Gerais. É entidade sem fins lucrativos, na qual nenhum diretor pode receber honorários. Pelo contrário, todos nós contribuímos financeiramente com anuidades para suas pequenas e imediatas despesas, cabendo ao nosso benfeitor e mantenedor, o Clube dos Oficiais, arcar com as necessárias despesas de maior porte.
Que se registrem aqui, então, os nossos agradecimentos ao presidente do Clube dos Oficiais, coronel Edvaldo Piccinine Teixeira e ao vice-presidente, nosso dinâmico confrade, coronel José Guilherme do Couto, eleito para mandato que se iniciará em janeiro, os quais ora nos recepcionam neste tão agradável espaço. Obrigado.
Os versos da Canção da Polícia Militar (escritos pelo nosso saudoso confrade coronel Saul Alves Martins) trazem uma bela síntese do pensamento ético da Polícia Militar, porque o termo “doutrina” consiste num conjunto de princípios filosóficos e eles nos dizem:
“Filhos de Minas, erguendo a voz,
anos após anos lutaram
pelas doutrinas que eles sonharam (...)”
e, no refrão, encontramos:
“Os passos desses heróis são faróis
que segurança nos dão e razão, nós seguiremos
e cada vez mais paz queremos em Minas Gerais.”
Mas, amigos, o conceito de ética militar evidencia que existe um abismo entre os opostos conceitos do respeitável e desejável “espírito de corpo” e o condenável “corporativismo”.
O “espírito de corpo” refere-se à coesão da tropa, exteriorizada através do culto aos valores, constituindo-se em orgulho e vontade coletiva de cumprir o dever, mesmo com sacrifício da própria vida.
A tradição da Força Pública de Minas Gerais implica “espírito de corpo”, por ser esta uma entidade institucional de heróis, portanto seres humanos que cultuam a verdade.
A Força Pública abomina “corporativismo”, porque este pode significar apenas uma vil cumplicidade entre covardes que se desviam do dever, que se deixam corromper, ou que se servem da farda para satisfazer impulsos sádicos contra vítimas indefesas.
O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar são a Força Pública de Minas Gerais.
Sempre que penso nestas duas magníficas corporações, lembro-me de um dos famosos “Princípios de Peel” (referência ao Primeiro Ministro, Sir Robert Peel que, em 1829, fundou a Polícia de Londres), o qual assim diz: “O SERVIÇO DEVE SER PRESTADO IGUALMENTE A TODA A POPULAÇÃO SEM LEVAR EM CONTA SUA RIQUEZA OU POSIÇÃO SOCIAL”.
E por que percebo semelhança entre aqueles princípios e as prédicas institucionais da Força Pública de Minas Gerais? Porque esta cuida, protege e socorre igualmente a todos e não se divide, logo o seu todo não se fragmenta em “partidos”.
E, por ser a Polícia Militar a “entidade mãe” da Academia de Letras João Guimarães Rosa, nesta é dever de todo acadêmico, efetivo ou parceiro, nos termos estatutários, abster-se de polêmica sobre assuntos político-partidários, ideológicos e religiosos, tanto no recinto da Academia quanto durante atos por ela patrocinados ou celebrados sob sua responsabilidade.
Devo aqui ressaltar o brilho invulgar da equipe que trabalhou no triênio que ora se encerra ao lado desse grande oficial, coronel Klinger Sobreira de Almeida. Essa diretoria produziu frutos admiráveis tais como: homenagens à memória de grandes vultos do passado da Força Pública, premiação com a medalha Acadêmico Saul Martins e com o troféu capitão-médico João Guimarães Rosa e edição do livro “Encontro Rosiano em prosa e verso”. Recebam, com todos os méritos, nossas melhores homenagens! E recebam o nosso agradecimento. Obrigado.
Se “os passos desses heróis são faróis” _ e são! _, para o próximo triênio deveremos dar prosseguimento às ótimas realizações que aprendemos com estes que nos antecederam.
Para esta iniciada administração, sei que terei o apoio de 60 escritores do Sodalício Rosiano (eis que o nosso antecessor, coronel Klinger, trabalhou incansavelmente e conseguiu o feito de preencher todas as cadeiras areopagíticas do silogeu).
A par dos feitos que terão continuidade, deveremos buscar recursos e planejar concursos literários e apoio para lançamento de livros, ampliação do espaço físico do silogeu e obtenção de seu reconhecimento como pessoa jurídica, além de interagir com entidades congêneres, sempre com o essencial protagonismo da Força Pública de Minas Gerais.
Com este pensamento, mesmo sabendo que conduzir esta casa de cultura no próximo triênio será uma tarefa gigantesca, sinto-me seguro e sei que conseguiremos porque tenho ao meu lado seres humanos compromissados e que jamais fraquejaram diante de dificuldades, valorosos intelectuais que se dispuseram a trabalhar.
na diretoria
(coronel Lúcio Emílio do Espírito Santo; coronel Flávio Antônio Silva Augusto; coronel Sebastião Alvino Colomarte; tenente-coronel PM Gilmar Luciano Santos; tenente-coronel Mirian Assumpção e Lima; tenente Cícero Moteran Ramos),
no Conselho Superior
(coronel Álvaro Antônio Nicolau; coronel Amauri Meireles; coronel Edgar Eleutério Cardoso; coronel Euro Magalhães; coronel Klinger Sobreira de Almeida) e
no Conselho Fiscal
(coronel Ari de Abreu; coronel José Anísio Moura; tenente-coronel José Marinho Filho).
Caros confrades, ilustres diretores e ilustres conselheiros dos Conselhos Superior e Fiscal, inicialmente recebam a minha gratidão pela pronta adesão ao nosso convite para composição da chapa “AVANTE, CAMARADAS!” e que, a partir deste 11 de dezembro, em que somos diplomados e empossados, assumem as responsabilidades inerentes a cada cargo para a boa condução dos destinos de nossa academia castrense,
Conforme manifestei-me logo após os resultados da eleição, em razão da absoluta confiança que deposito nos senhores e na senhora, pretendo conduzir a nossa administração segundo a definição original de “leader” (a qual dá origem ao nosso termo “líder”, um anglicismo): “leader is a person who goes before, to guide or to show the way” (líder é a pessoa que vai à frente para guiar ou mostrar o caminho).
Noutras palavras, jamais podendo igualar-nos àquele que nos precedeu como presidente, o coronel Klinger, em mérito, experiência e brilho no exercício da presidência, evidentemente cônscio do caput do artigo 39, mas priorizando consequentemente seu inciso XV, pretendo “indicar caminhos” e reafirmar que cada um _ com a responsabilidade e a seriedade que demonstraram durante toda uma vida _ terá, além de plena liberdade, nosso incentivo para o exercício de sua missão estatutária. Que cada diretoria, respeitando as atribuições das demais, a um só tempo, some-se espontaneamente às outras para o objetivo comum.
Para finalizar, perante os representantes de sua excelência, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros e perante o representante de sua excelência, o comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais _ presidente de honra da Academia de Letras João Guimarães Rosa _, na certeza de contar com o seu apoio, reafirmo o compromisso do Sodalício Rosiano: contribuir para a preservação da grandeza intelectual da Força Pública de Minas Gerais e de seus valores.
A realização desta solenidade da forma tão organizada e bela não seria possível sem a participação dos (músicos, cadetes, equipe de cerimonial, anônimos funcionários do clube e os trabalhos do mestre de cerimônia, Ten. Cel. Eli). Recebam o meu agradecimento.
Salve João Guimarães Rosa, capitão da Polícia Militar!