A FALÁCIA DA IGUALDADE
(BREVE DISCUSSÃO SOBRE O SER E O TER)
Alcino Lagares Côrtes Costa*
Hierarquia e igualdade são termos antitéticos: num mesmo tempo e lugar ou há hierarquia, ou há igualdade. Onde todos são iguais nenhuma pessoa pode ter poder sobre as outras; logo, se a hierarquia é a prática social consolidada, evidencia-se que a prédica da igualdade nada mais é do que uma falácia. Eis a motivação para o tema.
Agostinho de Hipona (“Santo Agostinho”, 354-430) sugeriu o dogma da igualdade para unir os cristãos pelo “voto de pobreza” numa ordem mendicante.
Fundamentava-se numa ética formulada pelo mestre Jesus através do “mandamento da caridade” e do “princípio da reciprocidade”, assim sintetizados: “ama teu próximo como a ti mesmo” e “trata os outros como gostarias de ser tratado”.
Livres dos desejos, ao renunciar à propriedade os frades seriam iguais; sendo todos filhos de um só Pai, seriam irmãos!
Nasceu assim, no Séc. V, a trilogia cristã “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Através da dialética torna-se possível estabelecer contradições empíricas em relação a princípios teóricos: no mundo da realidade extramental, o ser implica ter; ou seja, aqueles que “são mais” o são porque têm alguma coisa mais do que os demais, sob enfoque econômico, jurídico, político, ou religioso.
Sendo, porém, a quantidade de pessoas que têm infinitamente menor do que as que não têm, aqueles que buscam o poder necessitam fazer a maioria crer que participa de uma sociedade isonômica.
Para legitimar sua autoridade, começam por mencionar a vontade de um Ser Supremo que, sendo o Pai comum, a todos faz irmãos; mas _eis a dialética da contradição _, a um só tempo, estabelece que uns tenham tudo e outros nada possam ter.
Nasce assim o mito da fraternidade.
O principal componente de um mito é o simbolismo.
Na República de Platão, o “Mito dos Metais” mostra o que aquele que tem deve dizer ao povo que nada tem: “Sois todos irmãos, mas o Deus que vos formou não vos fez iguais. Misturou ouro na composição daqueles dentre vós que são capazes de comandar; prata na composição dos auxiliares; ferro e bronze na dos lavradores e dos artesãos.”
Na Idade Média, aqueles que trabalhavam, pagavam impostos e nada possuíam, pela “divina vontade” _ para merecer uma recompensa numa vida ulterior à morte do corpo _, deveriam servir aos privilegiados que recebiam impostos e não trabalhavam.
Foi assim que, em 1789, na França, ocorreu uma revolução, cujo primeiro ato foi a tomada da Bastilha.
Seguiram-se, em nome de uma ideia-força sintetizada na trilogia agostiniana (agora usada em sentido político) “Liberté, égalité, fraternité” (liberdade, igualdade, fraternidade), a instituição de uma assembleia constituinte e a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Muito estranha, porém, foi aquela “fraternidade de livres e iguais”; pois, muitos daqueles “irmãos” foram levados à guilhotina...
Há um belo enunciado:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. Seria um dogma agostiniano? Não.
Está no artigo 5.º da Constituição Federal da nossa democracia representativa, na qual o povo representado usufrui do “auxílio moradia”... através de seus representantes.
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*Coronel QOR e Presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais
Publicado no jornal "O Tempo" em 21/02/2019.