Alcino Lagares Côrtes Costa*
Logo após ter sido confirmada sua eleição, nosso próximo presidente, Jair Messias Bolsonaro, fez um pronunciamento à nação.
O tom conciliador que usou _ contrário aos seus discursos de campanha! _ desconcertou alguns eleitores que, influenciados (ou iludidos) pelas falas precedentes, encontravam-se, não apenas com espíritos armados, mas até se preparando para dar vazão a sádicos impulsos contra assustadas minorias, em razão da região de origem, cor da pele, gênero, orientações, ou convicção ideológica dessas.
Podemos esforçar-nos para compreender este momento pelos fundamentos da Sociologia, traçando um paralelo entre religião e política, a partir da obra “Do contrato social” de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): “No paganismo, (...) a guerra política era também teológica.”
Observando _ no cenário político-eleitoral brasileiro _ o surgimento de “atores religiosos especializados na produção de bens simbólicos” (citados como “tipos ideais” nas obras de Max Weber, 1864-1920 e de Pierre Félix Bourdieu, 1930-2002), destaco o “profeta” e o “sacerdote”.
O profeta é um líder que surge em situações de crise, na condição de “porta-voz” e “agente” de seu deus. Ele discursa sobre a necessidade de instauração de uma nova ordem simbólica.
O sacerdote é um “funcionário” de uma ordem religiosa. Cabe a ele o contínuo “trabalho religioso” de atender os leigos em suas demandas: de “legitimação” (para os que dominam) e de “salvação” (para os que são dominados).
Ordens religiosas tendem a cooptar o profeta e transformá-lo em “mais um” funcionário, ou a eliminá-lo. Por outro lado, se o profeta não é cooptado nem eliminado, ele institui uma nova ordem religiosa.
A ilusão gerada por discursos políticos antes das eleições e a divisão da sociedade entre “nós” e “eles” pelas redes sociais, com discussões estéreis sobre “ideologias de direita e esquerda”, dificultavam que os eleitores percebessem que a partir de 1.º de janeiro de 2019 aquele que fosse eleito não mais teria ideologias para discutir e, sim, graves problemas nacionais para resolver.
A democracia exige que as minorias sejam ouvidas. Foi de uma dessas _ o Partido Social Liberal (PSL), com pequeno número de parlamentares _ que emergiu o candidato que foi alçado, pela vontade majoritária revelada nas urnas, a presidente da República Federativa do Brasil!
Para poder manter a coerência (por ter sido o fato de integrar uma minoria que lhe possibilitou o salto qualitativo), a partir de 1.º de janeiro de 2019 será como “sacerdote” que o presidente discursará para proteger as minorias e unir a nação, a exemplo do pronunciamento que fez imediatamente após as eleições, do qual extraí:
“(...) Esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Liberdade é um princípio fundamental: (...) liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião. Liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas. Este é um país de todos nós, brasileiros (...). Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações.”
Passaram-se as eleições. Nós _ que aplaudimos ou repudiamos o profeta _ agora devemos nos somar ao sacerdote para que o Brasil “dê certo”. Eis aí a nova “ordem religiosa”!
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* Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br
PUBLICADO PELO JORNAL "O TEMPO" EM 08/11/2018