TRIVIUM ET QUADRIVIUM II
(O Brasil de volta à Idade Média)
Alcino Lagares*
Albert Einstein é o autor do livro “Mein Weltbild” (“Minha visão de mundo”). Qual deveria ser a “visão de mundo”, partindo de um físico de tal nível?
Certamente _ nós poderíamos imaginar _, a “única possível” seria aquela que se derivasse de uma necessária relação entre o sujeito que observa e o objeto observado.
Ora, o “objeto” observado por Einstein foi o “quadridimensional mundo físico” (evidenciado em sua teoria sobre a “Relatividade Geral”).
No entanto, eis uma surpresa: dos 5 capítulos do livro por ele escrito apenas o último trata de “Estudos científicos”. Einstein dedicou os quatro primeiros a reflexões de natureza filosófica em torno da humanidade e a angústia que nos envolve a todos em face das contradições existentes entre aquilo que a sociedade é e o que ela deveria ser!
Em 14 de dezembro de 2018, o jornal “O Tempo” publicou o artigo “Trivium et Quadrivium”, através do qual comemorei ter sido arquivado em 11 de dezembro, por falta de quorum e sem parecer, o projeto de lei denominado “Escola sem Partido”. Na oportunidade, alertei para o risco de ser o mesmo reapresentado por seus preconceituosos autores na legislatura que se iniciaria em 2019.
Devo relembrar aos leitores que, na Idade Média (do Séc. V ao Séc. XV), o “conhecimento” (baseado em dogmas, línguas antigas e literatura clássica) era propriedade da igreja. Ela decidia qual seria a grade curricular e, nesta, quais seriam os conteúdos programáticos acessíveis ao ser humano: “Trivium” (Gramática, Retórica e Lógica) e “Quadrivium” (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música).
Aquele tipo de ensino passou a ser questionado a partir de descobertas científicas, das revoluções industrial e francesa e da publicação dos livros de Pestalozzi (1746-1827), Charles Darwin (1809-1882) e Piaget (1896-1980).
Nessa marcha civilizatória, nos países mais evoluídos as pessoas hoje têm direito ao conhecimento que lhes permite raciocínio lógico, juízo crítico e autonomia.
Mas, no Brasil, autoridades pouco ou nada letradas confundem “conhecimento” sobre política, religião, sexo e gênero com adoção de “ideologias” e sentem seu poder ameaçado se os estudantes _ livres de “Trivium”, “Quadrivium” e de preconceitos fundamentalistas que predominaram na Idade Média _ puderem estudar sociologia e filosofia: na Sexta-feira (26), no “twitter”, o presidente Bolsonaro escreveu que o ministro da Educação "estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia" e que “a função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício”.
Em seu livro, Einstein também escreveu: “não merece um cérebro humano aquele que se satisfaz com a medula espinhal.”
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Coronel QOR e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar. E-mail: cellagares@yahoo.com.br
Publicado no jornal O Tempo em 11/05/2019.