Uma criancinha, ainda com a boca e as mãos respingadas de chocolate, nega veemente para a mãe ter sido ela que mexeu nos doces... num presídio condenados violentam um preso, por ouvir dizer que se trata de um estuprador... transeuntes, aos gritos de “pega-ladrão”, perseguem e lincham um famélico que furtou um sanduíche num bar... um jovem adulto assassina uma adolescente que não o aceitou como namorado... um grupo de pessoas comemora com fogos de artifício e gritos de alegria a condução pela polícia de um político algemado... um homem divorciado assassina a ex-esposa porque a viu com um namorado... numa “sala vip” de aeroporto um homem dirige palavras ofensivas a uma pessoa pública acusada de corrupção... outros comemoram tal feito e propagam festivamente as imagens através de redes sociais...
Pode parecer loucura; mas, guardadas as proporções, esses acontecimentos são uma só e a mesma coisa!
Como assim?!
O filósofo Aristóteles (384 a 322 a.C.) definiu o ser humano como “animal racional”.
Por termos corpos, convivemos com instintos egoístas. Um desses instintos é o de “conservação, ou expansão do ser” e este contém reflexos inatos de “apropriação” (desejar ter e temer perder) e de “autoafirmação” (buscar aprovação e reconhecimento e temer a reprovação, a ironia, o ridículo e a má-fama).
A sociedade é um sistema de “papéis sociais” e nós somos os “atores”. É ela que nos faz _ a partir de nossos reflexos inatos _ “agir” e até “pensar” e “sentir” de certo modo.
Podemos entender que é num primordial, instintivo e frágil esforço de “parecer ser diferente” _ mais do que para os outros, para si próprias! _ que as pessoas agem dos modos descritos no início deste texto.
Pessoas cometem erros.
Na língua alemã _ e nos demais idiomas germânicos, bem como em várias línguas não germânicas _, não há um verbo para expressar "ser" e outro para "estar". Em alemão, para significar as duas coisas, o único verbo é “sein” (pronuncia-se “Zain”). No francês o verbo “être” e, no inglês, o verbo “To be” representam as duas ideias.
Mas, para todo mundo que se comunica em português existe uma grande diferença entre ser e estar...
Ótimo! Se apenas “estamos” podemos mudar!
Com este artigo convido os leitores à reflexão para que sentimentos altruísticos predominem sobre os instintos egoísticos. Não precisamos seguir os instintos. Podemos reforçar a crença de que existem em nós, igualmente inatos, conceitos tais como: a “justiça em si”, a “beleza em si”, a “verdade em si” e o “bem em si” para que possamos nos “sentir”, em vez de sadicamente alegres, humanamente tristes pela fragilidade das pessoas que cometeram aqueles mencionados erros e _ por que não? _ pelas punições que elas deverão receber através _ mas somente através _ da justiça.
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* coronel da reserva e presidente do conselho superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar
(publicado pelo jornal "O Tempo" em 05/05/18)