Alcino Lagares Côrtes Costa*
Na manhã do dia 05 de maio de 2021 _ perante ministros e parlamentares reunidos no Palácio do Planalto _ o presidente Bolsonaro manifestou sua contrariedade por ter o Supremo Tribunal Federal esclarecido que governadores, prefeitos e ele próprio (o Presidente da República) podem recomendar as medidas restritivas que forem necessárias para impedir a proliferação de um vírus mortal e, consequentemente, devem ser obedecidos.
Observando o artigo 18 da Constituição Federal, parece-me correta a hermenêutica do STF: “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (grifei)
Mas o presidente afirmou: “Eu posso baixar um decreto para fazer cumprir o artigo 5.º da Constituição Federal e garantir a liberdade. Se eu assinar, ele vai ser obedecido. Ninguém ouse desobedecer, porque não haverá tribunal de apelação”.
Considerando-se a impossibilidade de um decreto eliminar o vírus SARS-CoV-2 e libertar os brasileiros da Pandemia de Covid-19, parece que a “liberdade” que o presidente quer garantir resume-se à supressão das máscaras e do distanciamento social.
Há, porém, do ponto de vista jurídico, um equívoco (para não dizer “um erro”) no seu discurso. É que se entende por “ordem jurídica” a hierarquia existente na legislação, no ápice da qual encontra-se a Constituição Federal com suas emendas e, pela inteligência do artigo 59 da Constituição Federal, no “processo legislativo” do Brasil _ um Estado democrático! _, não há lugar para “decretos” do Poder Executivo entre as normas “constitucionais” e as “infraconstitucionais”:
“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.”
Decretos do Executivo são normas “infralegais”; ou seja, no ordenamento jurídico, colocam-se abaixo das leis e não podem, portanto, “regulamentar artigos da Constituição Federal”. Podem apenas _ sem inovar, nem contrariar _ regulamentar as leis infraconstitucionais.
Quando é autorizado pelo Congresso Nacional através de uma Resolução (com objetivo, prazo e limites definidos nos termos do artigo 68 da Constituição Federal), o Presidente da República pode editar uma “Lei Delegada”, com força de lei ordinária.
E o leitor poderia perguntar: “_ pode uma Lei Delegada versar sobre o artigo 5.º da Constituição?” _ Não.
O inciso II do § 1. ° do artigo 68 da CF proíbe expressamente que Leis Delegadas versem sobre o objeto desejado por sua excelência, os “direitos individuais”.
No Brasil, uma vontade particular (seja ela do presidente ou de qualquer pessoa que a ele peça, na rua, para assinar um decreto) não pode se colocar acima da Lei.
No dia 1.º de janeiro de 2019, perante a nação brasileira, o presidente fez o juramento contido no artigo 78 da CF: “manter, defender e cumprir a Constituição”.
Portanto, para honrar seu juramento, ele não vai substituir a Constituição Federal por um decreto.
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*Coronel QOR e Presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais