Alcino Lagares*
Se alguém nos perguntasse “através de qual sentido podemos distinguir o azul do vermelho?”, sem dúvida nós responderíamos prontamente: “a visão”; mas, já não seria fácil responder se a indagação fosse: “...e como podemos distinguir o bem do mal?”.
Em textos de Platão (428-348 a. C.), através da “teoria da reminiscência”, Sócrates ensina que nossas almas são eternas e guardam, adormecida na memória e precedendo qualquer percepção, a lembrança do “Bem em si”. Uma coisa será um bem particular somente se se identificar com o bem em si, despertando em nossas almas a recordação deste.
O Masdeísmo (religião existente na Pérsia entre os séculos VII e VI a. C.) tinha como deus do bem e da luz, “Ahura-Mazda” e, como deus do mal e das trevas, “Arimã”.
Veio Jesus e, em sua prédica, separou o mundo físico do espiritual: “...meu reino não é neste mundo”; e “... o espírito está preparado, mas a carne é fraca”.
Com um sincretismo religioso, o profeta persa Mani (216-276) fundou o Maniqueísmo, cuja doutrina explica a existência de dois deuses: um é bom e criador de nossos espíritos; o outro é mau e criador de nossos corpos e do mundo físico, ensejando um permanente conflito no universo (de um lado, o bem; de outro, o mal).
Mas, “o bom senso deve ser o atributo que Deus melhor distribuiu no mundo; pois, as pessoas acreditam ser tão bem providas dele que, mesmo as mais difíceis de contentar em qualquer outro aspecto, não costumam desejar tê-lo mais do que já têm.” (René Descartes,1596-1650).
Tendo adquirido sentido político, o maniqueísmo mostra-se fundamentalista, fazendo com que entre duas ideias divergentes somente uma possa ser boa: o maniqueísta “tem certeza” de representar o bem e, em consequência, “sabe” que todo pensamento diferente do seu é necessariamente mau.
Do mesmo modo que, nos palcos, quando um “mágico” se prepara para fazer algo aparecer (ou desaparecer) precisa desviar a atenção dos espectadores para alguma outra coisa, o maniqueísta necessita iludir o povo para que esse não perceba para onde é levado o seu pensamento.
Ele realiza sua “mágica” prendendo a atenção do povo em estéreis discussões sobre uma invenção humana, inexistente por natureza _ a “ideologia”! _ e, nesse momento, se coloca como o “bem” que pode salvá-lo do “mal”.
Sabendo-se que, para podermos explicar o bem (e, a partir da compreensão deste, perceber que a sua ausência é o mal) necessitamos de conceitos da filosofia, inversamente, para manter a “mágica”, é necessário manter o povo incapaz de perceber o equívoco ao qual foi levado, limitar seu desenvolvimento intelectual e mostrar-lhe a “inutilidade” da filosofia.
Porém, para desconforto dos maniqueístas políticos, o papa Francisco (um humanista) tem se colocado contra toda ideologia, seja ela de “direita” ou de “esquerda”. Eis as suas palavras: "Nenhuma ideologia é boa. As ideologias sempre acabaram em ditaduras. Pensam pelo povo e não deixam o povo pensar.”
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*Coronel da reserva e Presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais