A QUEM INTERESSA REDUZIR A MAIORIDADE PENAL?
Alcino Lagares*
Neste momento, a prioridade de fracassados “representantes” do povo brasileiro no congresso nacional consiste em discutir o modo mais fácil de punir menores, em busca de uma fórmula que legitime sua própria incapacidade de prevenir os atos antissociais, consequentes de uma generalizada omissão no cumprimento do dever moral e constitucional de garantir-lhes educação de qualidade. De que modo? Reduzindo-se, na lei, a idade de inimputabilidade penal!
Caros leitores,
Após a segunda guerra mundial, foram realizados diversos congressos internacionais para estudar a Defesa Social, a partir de teorias desenvolvidas no “Centro de Estudos de Defesa Social” em Gênova (Itália), pelo professor Fillipo Gramatica.
Tais estudos tinham o intuito de produzir uma “reação contra a repressão cega”, “humanizar as instituições penais”, e “assegurar a recuperação social” daqueles que se tivessem desviado para a delinquência.
Marc Ancel, em sua obra “A nova defesa social” (Editora Forense, tradução de Osvaldo Melo, 1979) apresenta-nos a dupla concepção de defesa social: uma “antiga”, e outra “moderna”.
Pela concepção antiga, a defesa social consistia em repressão criminal; ou seja, a punição dos delinquentes (“mais polícia”, “mais cadeia”, “flagelo público”, e “morte”).
A concepção moderna, coerente com a fórmula adotada pela ONU, em 1948 (quando foi criada a Seção de Defesa Social) baseia-se em “prevenção ao crime”, e “tratamento de delinquentes”.
Prevenção implica em “educação”; tratamento implica em “reeducação”.
A prédica de nossos “representantes” nos poderes da república (o modo como eles “dizem que pensam” em seus discursos) contrasta com sua prática, o modo como pensam verdadeiramente: as leis que criam, os tímidos programas governamentais, a situação _ em quantidade e em qualidade _ dos estabelecimentos (de educação e de reeducação) que um dos poderes faz... e os outros aceitam!
Ora, de acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação, além de colocá-los a salvode toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Por tais razões, o artigo 228 da carta magna estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, ficando eles, porém, sujeitos às normas da legislação especial (a lei 8069/90, Estatuto da criança e do adolescente _ ECA _, por exemplo).
Os nossos legisladores _ eleitos para “representar” o povo e para receber polpudas somas decorrentes de nossos impostos _, perdidos em meio à incapacidade (ou desinteresse) de analisar os problemas sociais, em vez de exigirem daqueles que são responsáveis pelos menores (os pais, a sociedade, e o Estado) que cumpram o seu dever mínimo de educar os jovens e de responder pelo comportamento deles, pensam apenas na citada e anacrônica “repressão cega”: responsabilizar os menores e reduzir, cada vez mais, a faixa etária daqueles que devem ir para a cadeia, onde poderão conviver com criminosos adultos e experientes, aprender com eles, e retornar à sociedade piores do que eram ao deixá-la!
Os menores são socialmente marginalizados pelo governo a fim de se transformarem em marginais da lei e, assim, serem atirados a essas “masmorras” perfunctoriamente edificadas pelos nossos “representantes” (“fazendo-se de conta” que elas não se encontram com excesso de adultos encarcerados, e “fazendo-se de conta” que estes estão passando por processos de recuperação social).
É uma relação de causa e efeito.
As palavras ditas, há 5 séculos, por Thomas More são plenamente aplicáveis hoje à realidade brasileira:
"Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude, e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam, desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los." (Thomas Morus, 1478-1535, em “A Utopia”)
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* Coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras "João Guimarães Rosa" da Polícia Militar de Minas Gerais.
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