Alcino Lagares Côrtes Costa*
Ideologia significa um conjunto de ideias capazes de levar pessoas de uma sociedade a pensar de certo modo e a agir coerentemente com tais pensamentos.
A obra de John Locke (1632-1704) “Segundo tratado sobre o governo” reúne ideias que fundamentaram o “Liberalismo” (movimento social e corrente de pensamentos que deram origem ao capitalismo), o qual surgiu como consequência da revolta social contra a ordem jurídica feudal, em busca de livre desenvolvimento da economia e de participação política.
Nessa corrente de pensamentos, a “virtude burguesa” consistiria em “realizar a riqueza para o bem da sociedade”, o “homem de negócios” seria a “expressão de sucesso” e a “pobreza” representaria o “fracasso pessoal” e nunca culpa da sociedade.
Na história da humanidade, considerada pelos seus modos de produzir bens e serviços, a “maquinofatura” e a “mecanização” (surgidas com a descoberta da possibilidade do uso do vapor para movimentar máquinas) sucederam a “manufatura”, criaram a possibilidade de reunião dos operários num só local (a fábrica) e, ao posicionar em extremos opostos capitalistas e operários, estabeleceram um novo modelo de distância social: a sociedade de “classes”.
O alemão Karl Einrich Marx (1818-1883) e o economista Friederich Engels (1820-1895) teceram uma crítica rigorosa ao individualismo liberal e produziram uma teoria, segundo a qual o definitivo modo de produção da humanidade seria o comunismo, numa sociedade sem classes e sem governo.
Em 1917 (portanto, 34 anos após a morte de Marx), sob o comando de Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924), apelidado “Lênin”, ocorreu uma sangrenta revolução na Rússia (“Revolução Bolchevista”), sendo implantado ali o “Marxismo-Leninismo” e o comunismo expandiu-se para outros países através de governos ditatoriais.
No final do século XX fracassou o comunismo e, com a adoção generalizada da “Globalização” da economia, o capitalismo passou a reinar livre da alteridade que até então existira.
No Brasil, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia) divulgou que _ neste ano em que se comemoram 2022 anos do nascimento do mestre Jesus que ensinou: “ama teu próximo como a ti mesmo” e “trata os outros como gostarias de ser tratado” _ mais de 33 milhões de brasileiros estão passando fome.
Muitas são, consequentemente, as situações de famélicos brasileiros; mas, recentemente, um comovente fato despertou a atenção da mídia. Ei-lo:
No dia 04 de junho de 2022, em Santa Luzia (cidade da Região Metropolitana de BH) um jovem adulto roubou o celular de uma pessoa e foi _ ainda bem _ preso em flagrante.
Na tarde do dia 05, durante a audiência de custódia, por se tratar de pessoa sem antecedentes criminais e não haver necessidade de prisão preventiva, foi-lhe informado que seria colocado em liberdade. Naquele momento, porém, ocorreu algo que surpreendeu a juíza e o promotor de justiça: o jovem preso pediu para ficar na cadeia por mais algumas horas... porque lá poderia jantar!
Alguém poderia imaginar que o pedido de ser mantido na prisão e as informações (oficiais) do IPEA referentes à hipossuficiência financeira que leva milhões de brasileiros à fome retratem “falhas” do capitalismo; mas, não são falhas: as grandes desigualdades sociais acontecem exatamente quando o capitalismo está funcionando bem.
A Juíza, pessoa de “bom coração” _ ainda bem _ tranquilizou o jovem delinquente, dizendo-lhe que o “Alvará de Soltura” somente seria encaminhado após o jantar.
Thomas Morus (1478-1535, em “A Utopia”) criticou o rei Henrique VIII pela cruel insensatez de seu governo em relação à população:
"Abandonais milhões de crianças aos estragos de uma educação viciosa e imoral. A corrupção emurchece, à vossa vista, essas jovens plantas que poderiam florescer para a virtude, e vós as matais quando, tornadas homens, cometem os crimes que germinavam, desde o berço, em suas almas. E, no entanto, que é que fabricais? Ladrões, para ter o prazer de enforcá-los."
Ao invés de nos habituarmos a ser pessoas más, precisamos pensar numa ética pluralista a ser incluída no capitalismo para diminuir as desigualdades e criar oportunidades de educação e trabalho para todos.
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*coronel veterano e presidente da Academia de Letras dos Militares Mineiros “Capitão-Médico João Guimarães Rosa”. E-mail: cellagares@yahoo.com.br