Alcino Lagares Côrtes Costa*
O Brasil é um “Estado Laico” (conceptualmente oposto a um “Estado Teocrático”), uma vez que a Constituição Federal estabelece: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (inciso VI do artigo 5.º); e “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas” (inciso I do artigo 19).
O Estado laico não proíbe as religiões: impõe, como princípio da ordem social, a convivência pacífica de seus cidadãos, numa pluralidade de crenças que constitui um universo, no qual cada indivíduo pode não ter fé alguma ou exercer, livre e singularmente, a sua fé religiosa. Este Estado laico, portanto, veda a imposição de determinada crença, seja na existência, seja na inexistência da divindade em si.
No dia 22 de março de 2021, no grupo administrativo de WhatsApp do silogeu, um acadêmico postou um vídeo, no qual um sargento da PMMG, fardado, “instrui” uma companhia inteira de subordinados (também fardados) a se posicionar em decúbito ventral (posição de apoio frente ao solo para realizar flexões de braços) no pátio de um quartel para, a seu comando e de acordo com a sua particular fé religiosa, bradar louvores a Deus.
O vídeo é comentado por um “pregador” religioso, com a indagação “ELE SERÁ PUNIDO POR ISSO?”.
Nosso Estatuto (inciso IV do artigo 21) impõe como dever do associado “abster-se de polêmica sobre assuntos político-partidários, ideológicos e religiosos, no recinto da Academia ou durante atos por ela patrocinados ou celebrados sob sua responsabilidade”.
Por outro lado, a inteligência dos artigos 2.º (finalidade)¹ e 6.º (invocação acadêmica)² nos permite (e incentiva) a realização de saudáveis debates de ideias _ sem que se constituam em polêmica _, nos aspectos de política, de ideologia e de religião, desde que se encontrem relacionados com os objetivos institucionais e os valores da Força Pública de Minas Gerais.
Assim, para que não fique sem resposta a indagação do acadêmico, nem violado seu direito de introduzir para discussão um tema relacionado aos valores da Força Pública, devo dizer que, aparentemente (se verdadeiro for o vídeo), há, sim, em tese, uma violação às liberdades individuais de todos os integrantes daquela subunidade, um desvio de finalidade da função do sargento monitor (ou instrutor, conforme tiver sido a sua designação por seus superiores) e o (ab) uso da posição hierárquica deste para coagir subordinados a aceitar uma prática religiosa num local _ o pátio de um quartel _ que certamente não é destinado a cultos nem a liturgias religiosas e, também certamente, ao qual não compareceram espontaneamente aqueles soldados por terem sido “convidados”.
Quanto a ser, ou não, “punido”, não cabe a esta casa de letras se manifestar, uma vez que o assunto certamente será conduzido dentro das melhores letras jurídicas relacionadas à corporação por quem de direito.
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1- Art. 2º - A Academia tem por finalidade preservar e desenvolver a cultura nas instituições militares do Estado por meio da pesquisa e estudos de sua história, dos seus princípios doutrinários, de personalidades e temas relacionados aos seus objetivos institucionais.
2- Confiantes na força de nossos espíritos e na firmeza das decisões de nossas mentes, nós, Acadêmicos do Sodalício Rosiano, livremente nos reunimos a fim de contribuir para a preservação da grandeza intelectual da Força Pública de Minas Gerais e de seus valores.
* coronel da reserva e presidente da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: cellagares@yahoo.com.br