O presidente Michel Temer assinou o decreto 9.288 no dia 16 de fevereiro determinando a intervenção federal no Rio de Janeiro e, para interventor, nomeou o general de exército Walter Souza Braga Netto, cujas primeiras declarações foram: “o problema da segurança pública no Rio de Janeiro não é tão grave assim. Deve-se a muita mídia”.
Nos termos da Constituição Federal, a União pode intervir nos Estados membros para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” (inciso III do artigo 34) e decretar e executar a intervenção é competência privativa do presidente da república (inciso X do artigo 84). Nada obsta, portanto, que uma intervenção (que poderia afastar e retirar do governador Luiz Fernando Pezão toda competência) seja limitada à “segurança pública”, retirando dele “apenas” a autoridade sobre os órgãos do Estado encarregados pelos incisos IV e V do artigo 144 da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Afinal, quem pode mais... pode menos.
Até aí tudo parece bem, exceto que em 2016 o governador Pezão (diante da dívida do Estado com a União e bloqueio de contas) declarara que iria pedir intervenção federal no Rio de Janeiro. Razões econômicas. Nada a ver com a ordem pública!
Tendo por base a taxa de mortes violentas, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada _ IPEA _, órgão estratégico do governo federal, listou os 30 municípios mais violentos do Brasil em 2017: o primeiro deles é Altamira (PA), o último é Feira de Santana (BA) e não há qualquer município do Estado do Rio de Janeiro na lista. Aliás, da região sudeste (MG, SP, RJ e ES), apenas um município entra na aversiva relação: Serra (ES) e, mesmo assim, em 29.º lugar.
O que coloca o Rio de Janeiro no noticiário da violência não são índices de criminalidade e, sim, presença de crime organizado, milícias e confrontos entre quadrilhas com armas de guerra.
Desse material bélico, conforme uma CPI realizada em 2006, 5% desembarcam por mar, vindo de outros continentes, 8% vêm da Bolívia, 17% do Suriname e 68%, do Paraguai.
Então, mais do que a existência é a entrada dessas armas no Brasil que justificaria, em lugar de intervenção, a ação das Forças Armadas em sua missão constitucional de “Garantia da Lei e da Ordem” _ GLO _ (artigo 142 da C. F. e artigo 15 da Lei complementar 97/99).
Por outro lado, uma vez que (pelo § 1º do artigo 60) a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, pergunta-se: a fundamentação do decreto que impõe a intervenção até 31 de dezembro de 2018 no Rio de Janeiro _ é objetiva ou subjetiva?
Ao que parece, nem uma coisa nem outra; pois, numa de suas entrevistas após assinar o decreto, o presidente Michel Temer disse: "Ajustamos ontem à noite, (...) a continuidade da tramitação da reforma da Previdência. (...) No instante que se verifique que há condições para votação, reitero, farei cessar a intervenção."!
Ora, essa é uma contradição evidente. Ou existe fundamento para o decreto e ele não pode ser revogado senão após cessar o perigo motivador, ou não existe perigo algum e ele é apenas uma peça para atender a interesses não declarados.
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* coronel da reserva e presidente do Conselho Superior da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Polícia Militar de Minas Gerais.
E-mail: cellagares@yahoo.com.br
(Publicado no jornal "O Tempo" em 21/02/18)