TEXTOS APROPRIADOS 02

Eremitismo na História do Brasil colônia

 

Em 1558, o irmão leigo franciscano Frei Pedro Palácios desembarcou no Espírito Santo com um painel de Nossa Senhora. Lá fundou o Santuário de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha.

 

O período áureo do eremitismo no Brasil foi durante o ciclo do ouro, ao final do século XVII. Eram leigos que buscavam uma vida ascética, vivendo em geral ao lado de uma ermida construída por eles. As autoridades eclesiais mantinham uma atitude de respeito em relação a este estilo de vida religioso durante o período colonial. Após a romanização do catolicismo brasileiro, o eremitismo leigo caiu no esquecimento.

 

Há documentação histórica sobre os seguintes eremitas no Brasil colonial:

 

· Antônio Caminha, construtor da ermida de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.

 

· Francisco da Soledade, introdutor da devoção a Bom Jesus da Lapa, às margens do Rio São Francisco.

 

· Félix da Costa, construtor da ermida de Nossa Senhora da Conceição em Macaúbas, às margens do Rio das Velhas, Minas Gerais.

 

· Feliciano Mendes, construtor do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas do Campo, Minas Gerais.

 

· Antônio Bracarena, construtor da ermida de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, Minas Gerais.

 

· Lourenço, construtor da ermida de Nossa Senhora Mãe dos Homens na serra do Caraça/MG.

 

· Joaquim do Livramento, que se distingue por diversas obras sociais, como orfanatos, hospitais e seminários. De Santa Catarina.

 

· João Maria é o nome pelo qual ficaram conhecidos dois monges-eremitas que passaram pela região sul do Brasil no final do século XIX e primeira metade do século XX. O primeiro deles, o monge Giovanni "João" Maria D'Agostini, era imigrante italiano e residiu em Sorocaba (São Paulo), mudando-se em seguida para o Rio Grande do Sul, onde viveu entre os anos de 1844 e 1848 nas cidades de Candelária, no morro do Botucaraí, e Santa Maria, no Campestre. Introduziu nessa região o culto a Santo Antão, que é considerado o “pai de todos os monges”, cuja festa continua até os dias atuais, comemorada em 17 de janeiro. A região do Campestre passou a ser chamada, desde então, de Campestre de Santo Antão. O segundo monge, João Maria de Jesus, surgiu também misteriosamente, no Paraná e Santa Catarina, tendo vivido entre os anos de 1886 e 1908, havendo, na ocasião, uma identificação com o primeiro, de quem utilizava os mesmos métodos, com curas por ervas, conselhos e água de fontes.

 

Conclusão

 

Escreve Dom Armand Veilleux, OCSO: “Na origem da fé cristã há um grupo de homens e de mulheres que, encontrando-se com Jesus de Nazaré, fizeram a experiência de Deus. Viram Jesus, ouviram-no, tocaram-no, admiraram-no e o amaram, e pouco compreenderam, e alguns dentre eles, o seguiram. Como encontraram Deus nele? Santo Agostinho tem a respeito uma bela resposta? "Viram o homem e creram em Deus". Sua experiência de Deus foi uma síntese -ativamente estabelecida e mantida- entre uma percepção humana de um lado, e de outro, uma fé que avançava bem para além desta percepção. Sua experiência de Deus não era o sentimento ou o conjunto de sentimentos que poderiam ter na presença de Jesus, mas a síntese destes sentimentos com sua fé. E esta síntese tinha efeitos profundos e permanentes em suas vidas”.

 

São Basílio Magno disse: "Não nos podemos aproximar do conhecimento da verdade, com o coração inquieto". Por isso nós devemos esforçar para evitar tudo o que agita o nosso coração, tudo que é causa de falta de atenção, de excitação, tudo o que desperta as paixões ou nos torna ansiosos. A espetacularização é algo abominável para vida eremítica. O falatório, aglomeração e o desequilíbrio não fazem parte do eremitismo. A meta radical é nos libertar do barulho, da agitação e da inquietação que se produzem por objetos sem importância. Pois, quando servimos a Santíssima Trindade devemos viver a calma na alma que tudo se acalma. A serenidade, a paciência o silêncio, a oração, a meditação e a vida amorosa são os nossos atributos.

 


Inácio José do Vale, CFC

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas

Fraternidade do Bem-aventurado Charles de Foucauld

 

Fontes:

 

http://www.eremitismo.com/eremitismo/dicionario-de-direito-canonico-os-eremitas/

https://eremitasdejesusmisericordioso.blogspot.com/p/gosta-deste-assunto-vai-gostar-deste.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Eremita

http://www.padresdodeserto.net/exper.htm

Vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=aA4sYBmD880

https://www.youtube.com/watch?v=6suDVUHKt3Y

 

ESPIRITUALIDADE PRESBITERAL

Leia também nesta página: A Decadência da Figura do Padre

 

Espiritualidade Presbiteral: nos caminhos de Charles de Foucauld (Pe. Daniel Higino)

A Igreja, em seus muitos caminhos, dá sinais de imensa vitalidade. Para alguns, ultrapassada, marcada por intenso rigor moral, distante do povo e manchada por escândalos. Outros a tem como refúgio das intensas tempestades da vida. Ambos os olhares escondem os valores presentes na sua essência. Urge mergulhar no vigor da sua gênese para entendermos o seu significado e importância. Na definição Igreja Povo de Deus do Concílio Vaticano II encontramos a chave para essa compreensão. Entender tal definição nos remete à comunidade de discípulas/os, anunciadores do Reino de Deus. Consequentemente, caracteriza-se por sua dimensão profética, missionária e comunitária. Sua doutrina se baseia na fé em Jesus Cristo e no aprofundamento do Evangelho. Por pertença a essa identidade cristã, necessariamente se coloca em diálogo permanente com o Outro e sabe reconhecer as diferenças.

Na vida cristã surgem várias oportunidades de alimentarmos a fé. Chamamos de caminhos de espiritualidade, facilitadores dessa busca de comunhão com Deus. A leitura orante da bíblia, o ofício divino das comunidades, as diferentes devoções, a participação nos sacramentos e demais celebrações comunitárias elencam as práticas mais comuns. Ao longo das minhas andanças, descobri a espiritualidade de Charles de Foucauld. Esta contribui para a experiência do encontro com Deus no meu dia a dia. Da experiência do encontro, não há como escapar do questionamento permanente sobre a coerência entre fé e vida. A arte de viver nos ensina a aprender a fazer rupturas. Quando essas rupturas originam-se da busca pela coerência, geram dor e prazer, e, por fim, edificam o ser humano.

Certa vez conversei sobre espiritualidade com D. Pedro Casáldaliga, poeta, profeta e “meu padrinho”. Lembrou-me da importância da oração diária, oração comunitária e da fraternidade presbiteral. Apresentou-me a espiritualidade de Foulcauld. No primeiro momento, acolhi com suspeita, sempre resisti à ideia de pertença a algum movimento. Ao mesmo tempo, fiquei com a memória do semblante místico de Ir. Genoveva Tapirapé1. Eu a conheci no mesmo período da conversa com D. Pedro. Resolvi, naquele ano de 1998, procurar informações a respeito. Veja só, ainda hoje participo. Digo a vocês, muitas das minhas decisões fundamentais na vida tiveram estreita relação com o caminho feito a partir dos meios da espiritualidade de Foulcauld.

Charles de Foulcauld pertence ao grupo dos místicos contemporâneos. De família aristocrata de Strasburgo, oficial do exército francês, indisciplinado, muitas vezes, e entregue a inúmeros sabores e prazeres transformou sua vida numa entrega total de amor ao “Bem Amado Senhor Jesus”. Em expedição realizada em Marrocos, aos vinte e poucos anos de idade, para exploração do território se confrontou com a fé. Não a cristã da qual fazia parte. Descobriu a Deus no testemunho de vida dos mulçumanos e na piedosa oração por eles praticada. A profundidade como levavam a sério o amor a Deus lhe comoveu profundamente. Ratifica-se a ideia do rosto do Outro como caminho para revelar nossa verdadeira imagem. Sua prima Maria de Bondy levará Carlos para encontrar-se com Pe. Huvelin. Este pediu ao jovem para se ajoelhar e confessar, daí nasce a vocação religiosa do Ir. Carlos no mesmo instante da sua conversão.

O mergulho espiritual desse rapaz o leva à busca de Nazaré. Experimentou a Trapa, viveu como Ermitão, trabalhou como jardineiro na casa das irmãs clarissas em Nazaré. Não desejava a ordenação. Na busca do último lugar, tornar-se padre parecia contradizer esse ideal. Aceitou mais tarde a ordenação, imbuído no profundo amor à Eucaristia e à missão. O sacerdócio ministerial daria condições de conduzir mais as pessoas a Cristo.

 A concepção missionária do Ir. Carlos se traduz em “gritar o Evangelho com a Vida”. Nada de pregação, discurso, catecismos ou doutrinas na evangelização. Para ele, vale o testemunho como caminho de sedução para as pessoas desejarem o conhecimento de Cristo. Ir. Carlos compreende a vida como entrega total ao absoluto de Deus. Desse modo, dedica-se cada vez mais a viver na pobreza e a compartilhar da vida com os mais pobres. Decide morar no deserto. Acolhe os tuaregues, migrantes, refugiados, soldados feridos, e tantos quantos precisassem. Morre assassinado aos 58 anos, no dia 1 de dezembro de 1916.

Enterrada a semente, ela cresceu e produziu seus frutos. Na época, tudo parecia fracassar. Ninguém aderiu à fé cristã, muito menos conseguiu formar comunidade; conheceu o abandono e experimentou a morte pelas mãos daquele a quem havia acolhido em sua casa. Com o passar dos anos, muitos buscaram sua inspiração. Diversas fraternidades se formaram. Comunidades religiosas, leigos/as, presbíteros alimentam-se da mística do Ir. Carlos para construir o caminho espiritual. Quais princípios norteiam tal espiritualidade? Simples! Viver o Evangelho. Implica viver com simplicidade; buscar a vida de Nazaré, ou seja, a busca do último lugar; fazer opção pelos pobres; construir solidariedade, a partilha e o bem viver. Para isso, sugerem-se alguns meios: leitura orante e diária da bíblia, adoração eucarística, revisão de vida, trabalho manual, dia da fraternidade e deserto mensal. Algo fundamental nessa caminhada acentua-se na discrição. Nada de ostentação ou ufanismos como se as fraternidades fossem o único caminho de salvação. Entende-se como meios possíveis de orientar a vida espiritual na caminhada de fé cristã. Na fraternidade sacerdotal afirmamos, sem desculpas, o caráter da nossa pertença ao presbitério local. Vive-se bem a espiritualidade do padre diocesano na fraternidade presbiteral em nossas dioceses.

Na família da espiritualidade de Foucauld surgiram congregações. Destacam-se as Irmãzinhas de Jesus e os Irmãozinhos de Jesus. O princípio básico dessas comunidades fundamenta-se em viver com os mais pobres do mesmo trabalho dos mais simples. Muitos padres e religiosas trabalham em fábricas, como varredores de rua, na limpeza de órgãos públicos, em circo, como cozinheiras/os, faxineiras/os em hotéis ou casa de famílias, em comunidades indígenas e ciganos. O último lugar de Nazaré se faz no lugar dos últimos de nosso tempo. Inaugura-se novo modo de vida contemplativa. Viver do trabalho sem desprezar a vida em fraternidade e oração. A obra literária que melhor traduz a mística da fraternidade chama-se Fermento na Massa de René Voillaume de 1956. Ao longo dos últimos 3 anos, leio e medito a obra.

Nos doze anos como padre, agradeço a Deus as inúmeras oportunidades. Santa Maria, a Faculdade dos Jesuítas, as comunidades mineiras e as de Sobradinho realizaram a minha vida presbiteral. Deus me conduz a uma nova missão. As minhas orações e inquietações iluminam novas perspectivas no ministério. Sem dúvida, geram crises e, com isso, rupturas. Incomoda-me, em alguns setores na Igreja, o afastamento das opções renovadoras do Concílio Vaticano II. Cresce o clericalismo e notamos certo fechamento ao diálogo com as diferenças. De outro lado, aumenta o desejo de inserir-se mais no mundo, aproximar-se das diferenças e conviver com excluídos. Continuo o meu ministério no aprofundamento mais radical da minha condição de batizado. Avalio como graça divina o atual momento da minha história eclesial. Rendo graças diariamente a Deus por esse momento da Arquidiocese de Brasília. A chegada de D. Sérgio a nossa Igreja particular sinaliza a vinda do tempo do “aggiornamento” de Brasília. Acredito chegar a hora da valorização dos inúmeros carismas, no fortalecimento das CEBs, na visibilidade eclesial dos grupos da caminhada, no amadurecimento da opção pelos pobres, no protagonismo dos leigos/as, no horizonte missionário da Igreja e na acolhida sempre mais misericordiosa e samaritana das pessoas em nossas comunidades.

Nos últimos meses, passei por uma revolução copernicana. Vocês devem se lembrar, nas minhas últimas cartas, dos problemas familiares e o surgimento da papelaria. Digo, dos desafios surgem as oportunidades. Resolvi, em acordo com o bispo, morar próximo da família. Nesse mesmo instante, Daniel Seidel, secretário da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST), cria nova subsecretaria para acompanhar a situação dos catadores de material reciclável no Distrito Federal. Surge o convite para eu participar desse projeto. Aceito. Com o devido diálogo com o bispo, inicio o trabalho. No início, com certo escrúpulo, mas inspirado no legado biográfico de D. Hélder (2) decidi enfrentar o desafio. Terei como missão, junto com a subsecretária Jaira Puppin e a Maria Paula, contribuir na organização dos catadores para a inclusão social dos mesmos, hoje em condições extremamente precárias.

No horizonte da nova missão, encontro respostas às buscas mais profundas na minha experiência de fé. Localizar-se mais no mundo. Exercer o ministério junto aos mais pobres. Conhecer de perto a vida dos trabalhadores. Aproximar-se do último lugar. Exercer a dinâmica da interação igualitária com as pessoas, no diálogo, na simplicidade e nos conflitos cotidianos. Conviver com outras crenças, filosofias de vida e indiferenças religiosas. Exige-se daí disciplina para o tempo da oração, do estudo, da dinâmica daquilo que é próprio do ministério. Procuro equacionar a responsabilidade e o compromisso assumido a evitar o mero ativismo sem consequências.

Com isso, tenho renunciado a outras oportunidades, como o aconchego diário das comunidades eclesiais, a contribuição nas assessorias, os encontros regionais e nacionais, os privilégios paroquiais, os elogios superficiais e outros benefícios clericais.

Nesse instante, torna-se difícil a presença nas reuniões e retiros do clero, a minha participação mais efetiva nos encontros da Fraternidade e retiros regionais e até mesmo o nacional. De outro lado, não abro mão da oração diária, da leitura orante, do ofício divino, da participação da Eucaristia e dos dias de deserto. Pareço estar próximo das intuições do Sodalício (3).

O ritmo de atividades exige a alvorada das 5hs e o recolhimento noturno das 22hs. Na semana, alterno a dedicação integral à luta dos catadores de material reciclável com as múltiplas reuniões de preparação do III Fórum de Teologia no Cerrado. Além do mais, acompanho, na medida do possível, as diversas atividades arquidiocesanas, tais como Rede Celebra, CEBs, CEBI, MAC, PJ, 5ª Semana Social Brasileira, Pastoral dos Migrantes e outras articulações. Nesse momento, inicia-se a preparação do Encontro Nacional de Fé e Política, previsto para novembro de 2013 aqui em Brasília. Além dessas atividades, acompanho a família no cuidado da saúde e na proteção integral de todos.

Texto longo e partilha verdadeira. Responde às perguntas de muitas pessoas quando me encontram. Trata-se de coerência de vida e espiritualidade. O Concílio abriu janelas e portas para pensarmos outros modos de exercer o ministério. Na Presbyterorum Ordinis (4) se diz: “Sejam ensinados também aos cristãos a não viverem só para si, mas segundo as exigências da nova lei da caridade, cada um, assim como recebeu a graça, a administre ao outro, e assim todos cumpram cristãmente os seus deveres na comunidade humana” (PO 6). 

E ainda: 

“Embora sejam devedores de todos, os presbíteros consideram como recomendados a si de modo particular os pobres e os mais fracos, com os quais o próprio Senhor se mostrou associado, e cuja evangelização é apresentada como sinal da obra messiânica” (PO 6).

Que a paz de Deus esteja em nossos corações e jamais percamos a esperança!

Fraternalmente:    Daniel Higino Lopes de Menezes

4 de agosto de 2012                   Dia do Padre

1 Ir. Genoveva pertence a congregação das Irmãzinhas de Jesus. Habita com os Tapirapés há 60 anos. A presença das irmãzinhas nessa comunidade indígena salvou os povos de extinção.

2 D. Hélder Câmara, na maior parte do seu ministério como presbítero, atuou como servidor público na secretaria de educação do Ceará e ministério da educação no Rio de Janeiro.

3 Sodalício pertence à família de Charles de Foucauld. Consiste na vivência das intuições do Ir. Carlos, com o mínimo de estruturas sem a exigência da vida comunitária no formato de Fraternidades.

4 Decreto do Concílio Vaticano II que trata sobre a vida e o ministério dos presbíteros.

 

A DECADÊNCIA DA FIGURA DO PADRE

Inácio Vale

 

Em Milão, o Papa Francisco  afirma que Igreja Católica tem de ser capaz de “encarar os desafios de frente”.

“A Igreja precisa sempre ser restaurada porque é feita de todos nós, que somos pecadores. Deixemo-nos sermos restaurados por Deus, por sua misericórdia. Deixemo-nos limpar nossos corações, disse o pontífice.Respondendo sobre a secularização e a sociedade multiétnica, multirreligiosa e multicultural de Milão, Francisco disse que uma das primeiras coisas que lhe vem em mente é a palavra “desafio”. Todas as épocas históricas, desde o início do cristianismo, foram submetidas a numerosos desafios, tanto na comunidade eclesial como na social. Não devemos temer os desafios, aliás, é bom que existam, porque são sinais de uma fé e de umas comunidades vivas que buscam o Senhor. Devemos temer quando uma fé não representa um desafio; elas fazem com que a fé não se torne ideologia. A Igreja, em toda a sua história, sempre teve algo para nos ensinar em relação à cultura da diversidade: as dioceses, os presbíteros, as comunidades, as congregações”, afirmou o Papa Francisco.(Milão, 25/03/2017).

Depois de Cinco Séculos Declina a Figura do Padre

"O declínio quantitativo das ordenações desenha, há dois séculos, uma curva descendente diante da qual se fecham os olhos, especialmente aqueles que estão sob uma mitra episcopal".

O comentário é de Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, em Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 22/03/2017. A tradução é de Ramiro Mincato.

Alguns grandes ciclos históricos terminaram com eventos estrondosos. Outros, ao contrário, encerraram-se quase despercebidamente, embora não menos importantes do que aqueles aos quais a ereção de um monumento ou uma linha de texto num manual escolar concedem eterna glória. No silêncio exauriu-se um grande ciclo: a do padre. Esta formidável invenção do século XVI, que moldou a cultura e a política, a psicologia e a vida interior, a arte e a teologia do Ocidente e das suas antigas colônias não desapareceu (são cerca de 420 mil padres no mundo), mas, há mais de três séculos, está em crise: na Itália, em noventa anos passamos de 15 mil para cerca de 2.700 seminaristas.

Claro que fatores extrínsecos têm algum peso: amanhã a desgraça da pedofilia que a lente da mídia faz parecer um crime específico dos padres; ontem, a preguiça das autoridades em discutir o celibato eclesiástico; hoje, a simonia soft que remunera presenteando dioceses - prêmios dados para quem "fabrica" padres numerosos ou vistosos. Conta ainda nesta fase histórica a reverberação sobre o clero da queda das qualidades intelectuais das classes dirigentes às quais pertencem tanto aqueles que escolhem o sacerdócio como aqueles que o conferem. A questão se encrava ainda mais profundamente na história.

O padre que conhecemos tem data precisa de nascimento: o Concílio de Trento, concluído em 1563. E o enorme esforço com o qual tentou marcar uma cesura (contestada pelos protestantes que, em vez, acusavam a Igreja Católica de continuidade com o abuso) da reforma de Lutero. Tarde, mas com coragem, o Concílio tentou inventar remédios desconhecidos: impôs, por exemplo, aos bispos a residência na diocese, impedindo-os de assídua frequência à corte papal. E inventou o padre: este, caçoado pela literatura e pelo cinema, o homem feito sábio somente pelos insucessos, santificado pelo peso institucional daquilo ao qual se doa.

O zelo eclesiástico em condenar tudo a que se pode colar o sufixo "ismo", empobrece suas leituras e torna-o estranho aos “seus”, que se tornam, de repente, "distantes". A perda do papel e a negligência afetiva o expõe ao pior: da insípida exaltação do celibato que aprisiona a sexualidade em busca de sublimação até atrair ao presbiterato pessoas não resolvidas, ou mesmo doentes. Sua qualificação torna-se o nome de um vício nunca combatido suficientemente: o clericalismo.

Solidão e Sexo Virtual

De acordo com o teólogo e psicoterapeuta Wunibald Müller, os padres se sentem cada vez mais sozinhos. Por isso, é justo que eles possam viver em uma comunidade, se se quiser ajudá-los.

Em uma carta aberta, alguns padres da diocese de Colônia, por ocasião do 50º aniversário da sua ordenação presbiteral, põem em discussão a obrigatoriedade do celibato para o clero católico. Um dos motivos citados por eles é a solidão. O Dr. Wunibald Müller se ocupou por 25 anos de padres em crise na Recollectio-Haus, em Münsterschwarzach. Ele explica como os padres vivem em solidão e as suas consequências. Diz ele: “Esse vazio, por parte de alguns padres, é substituído por um excesso de comidas e bebidas. Outra compensação é a do sexo virtual na internet, que, nos últimos anos, aumentou entre padres e colaboradores eclesiais”. (Reportagem de Christian Wölfel, publicada no site Domradio, de 15/01/2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto).

A Luta dos 90.000 Padres Casados da Igreja Católica

Dos sacerdotes casados no último meio século (desde o Concílio Vaticano II, em 1965), se disse que eram desertores. De uma década para cá aparecem como profetas. Em todo o mundo existem cerca de 90.000, dos quais pouco mais de 6.500 são espanhóis. São muitíssimos, se considerarmos que a Igreja romana tinha 413.418 sacerdotes (19.058 na Espanha) no ano passado, além de um grave problema de vocações. Com o número de católicos que conta o Vaticano (1,214 bilhão), a relação entre pastores e ovelhas (segundo a terminologia usual) é preocupante, de acordo com estimativas do próprio papa Francisco: 2.939 paroquianos por sacerdote e 236.555 por bispo. Essa é a primeira análise do Congresso Internacional da Federação Europeia de Padres Católicos Casados, que acontece neste fim de semana no centro de congressos Fray Luis de León, Guadarrama (Madri).

A Europa é o continente em que mais se vê a crise do catolicismo. “Uma vinha devastada pelos javalis do relativismo”, disse em 2010 o papa emérito Bento XVI. À diminuição das vocações sacerdotais, se junta um decréscimo de 9% dos padres ativos e o envelhecimento dos clérigos restantes (66 anos de média de idade). Os padres casados são a solução, ou melhor, a solução seria decretar o celibato opcional, não obrigatório, como fizeram outras religiões cristãs, e até mesmo abrir o sacerdócio para a mulher, como as igrejas protestantes? Francisco tem essas opções sobre a mesa. Ele mesmo reconheceu que a flexibilização das leis do celibato é uma porta aberta, descartando radicalmente, por outro lado, a ordenação de mulheres. Ele disse isso em abril de 2014, forçado por declarações prévias de seu secretário de Estado, o arcebispo Pietro Parolin, que haviam causado um curioso sobressalto midiático. “O celibato obrigatório não é um dogma da Igreja e pode ser discutido porque é uma tradição eclesiástica”, disse o primeiro-ministro do Papa. (Reportagem de Juan G. Bedoya, publicada por El País, 01/11/2015).

O sistema religioso vivido em nossa era é o mais terrível em toda história da humanidade. Provam o número de martírios, o terrorismo do fundamentalismo religioso, o ateísmo, a desconstrução do sagrado, o interesse econômico da teologia da prosperidade, e espetacularização de figuras religiosas nos palcos da luxúria, os cismas continuam e seus mentores excomungados, líderes religiosos ídolos do poder, tradicionalismo ante-evangélico e a patologia nos altares e nos púlpitos. A falta de amor e de comunhão  no campo eclesial é um câncer. No confronto dessa era tão tenebrosa e seus desafios, é importante a humildade, a ternura, a mente epistemológica, o coração tomado pelo fogo do Espírito Santo para construir soluções para o bem da Igreja, do seu clero, dos seus fiéis e da humanidade.

Frei Inácio José do Vale

 

25/12/17 

 

DOZE FRASES PARA MEDITAÇÃO

1- Parafraseando Descartes (Penso, logo existo): Tenho problemas, logo existo.

 

2- “À custa de tanto repetir que Deus necessita dos homens e que a Igreja necessita de militantes, eu acabei por acreditar nisso. Agia sempre às corridas, de uma ocupação a outra, de uma cidade a outra, de uma reunião a outra. A oração era apressada, as palestras agitadas, o coração ingrato. Após 25 anos, percebi que sobre os meus ombros nada se firmava e que a coluna era falsa, postiça, irreal, criada pela minha fantasia, pela minha vaidade. Tinha caminhado, corrido, falado, organizado, trabalhado, julgado suster alguma coisa; na realidade, todavia, não sustivera coisa alguma”. Carlos Carreto, Irmãozinho de Jesus de Carlos de Foucauld.

 

3-“ A pura vida contemplativa facilmente nos leva demais para a inatividade ou, o que falando nos devidos termos é ainda pior, a nos absorver com atividades objetivas e relativamente fúteis, ameaçando a perda de uma visão acurada. Por outro lado, uma vida puramente ativa nos leva, mas dia menos dia, à superficialidade e à ignorância e, finalmente, a um ativismo estéril”. Bernardin Schellenberger, monge trapista alemão exclaustrado e pároco de uma aldeia de periferia na Alemanha. 

 

4- “Eu não acredito que uma pessoa que passa horas a fio diante de uma tevê, possa ter disposição para se entregar à oração”. – René Voillaume, Irmãozinho de Jesus de Carlos de Foucauld. 

 

5- “As pessoas se entopem de barulho para não ouvirem seu coração”. J.Lechek.

 

6-“Quanto mais conhecemos os homens, menos os amamos. Quanto mais conhecemos Deus, mais nós o amamos”. Cura D’Ars

 

7- “Nossa Senhora e os anjos não podem consagrar a hóstia, nem nos absolver dos pecados. O padre pode”!- Cura D’Ars

 

8- “As palavras da Consagração que um padre pronuncia, de um pedaço de pão faz um Deus. É mais do que criar o mundo”! – Cura D’Ars.

 

9- “ O fio de cabelo que nos prende a Deus é a humildade “ – Santa Teresa de Jesus. 

 

10-“Contemplação e pobreza são inseparáveis”. Carlos Carreto.

 

11- “Se a uma Igreja lhe faltar a opção pelos pobres, essa Igreja não é mais Igreja de Jesus”.- D. Pedro Casaldáliga, sobre o ecumenismo. 

 

12- Seja qual for o desfecho de minha história atual, vou poder dizer, e isso é o meu consolo e minha única certeza: Deus sempre vai me amar!

 

OUTRAS FRASES DE DIVERSOS AUTORES PARA MEDITAÇÃO. 

        

As frases tiradas do ofício das leituras, podem ser encontradas no texto integral no site:

http://liturgiadashoras.org

1- Pe. Ponciano, de Aparecida - “A oração diminui e anula a distância entre nós e Deus.”

2-Sto Inácio de Antioquia (6ª. Feira da 17ª semana comum):

Sobriedade; tolerância; oração incessante; pedir mais sabedoria; vigiar; falar a todos a Palavra de Deus; suportar as fraquezas dos outros; não se cura a tudo com a mesma pomada; acalmar com os orvalhos os ímpetos febris; ser prudente e simples; ser sempre calmo.

3- Brasil Cristão – revista de dez. 2009, pág. 26: “Se você sabe que faz a vontade do Pai, nenhuma dificuldade tirará a sua paz!”

4- Teilhard de Chardin, do livro Hino do Universo, págs 16-17: “Do elemento cósmico em que se inseriu (pela transubstanciação na Consagração da Missa), o Vergo age para subjugar e assimilar a si todo o resto (...) A Hóstia é semelhante a uma fornalha ardente de onde sua chama se irradia e se espalha (...) A vontade divina só me será revelada à medida do meu esforço”. Como Jacó em Gn 32,27, só tocarei Deus se eu me deixar vencer por Ele. O egoísmo, a avareza, o individualismo, nos fecha a qualquer amorização.

5- Só é livre para fazer algo quem está livre de outras coisas.

6- Kant: “Só somos livres se nos dominarmos, se nosso espírito for livre”.

7- Sta. Rosa de Lima: “Sem cruz, não há caminho que leve ao céu”

8- Sto. Agostinho (of. Leit ofício da memória) “Não me mudarás em ti ao me receberdes em comunhão (diz Jesus), mas tu te mudarás em mim”.

9- Pe. Fernando Cardoso (03/09/2010)- Características de um padre:

1-oração

2-pregar sempre a si mesmo por primeiro

3- ser litúrgico

4- pregar a todos e desinteressadamente

5-Em primeiro lugar se “ALIMENTAR” de Deus para transbordar aos demais.(Ver no YouTube))

10- Medjugorje: “Somos apenas viajantes nesta terra”

11- Sobre a fantasia- ver na 4ª f. 4ª semana comum de Diádoco (neste site, nos textos ou no site da liturgia das horas).

12-Santa Faustina: Não adianta pensar no passado, nem se preocupar com o futuro. Só temos o momento presente.

13- Santo Agostinho (6ª f. 13ª Semana Comum,Of. Leit): Que fez esse homem para merecer “ser assim assumido na unidade da pessoa pelo Verbo coeterno como Pai e ser o Filho Unigênito de Deus? O que fez para merecê-lo? (...) Pela ação do Verbo, ao assumi-lo, este mesmo homem, desde que começou a existir, começou a ser o Filho único de Deus!” (ou seja, sem mérito próprio algum).

14- “A oração deve ser sem gritaria” (S. Cipriano, 11º domingo comum)   .

15-”Quando Deus for tudo em todos, não haverá mais desejos, pois Deus é tudo o que uma pessoa pode possuir “ (Ra f. Da 4ª semana da Páscoa,of. Leit.).

16- “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir, em cada rosto de pobre, à procura de teu rosto!” (Jeremias 20,7 e D. Pedro Casaldáliga).

17- Nossa oração incessante e contínua nos prepara para recebermos aquilo que pedimos (Sto. Agostinho, 29º domingo comum)

18- “É melhor mancar no bom caminho que correr fora dele” (Sáb 9ª sem. Comum, of. Leit).

19- “Estulto (bobo, idiota) seria o viajante que, detendo-se no caminho a contemplar as risonhas campinas, esquecesse o fim de sua viagem” (S. Gregório Magno, 4º dom. Páscoa of. Leit)

20-Falar várias línguas é ter várias virtudes, como a humildade, a paciência, a obediência (of. Leituras da festa de Sto. Antônio de Pádua,13 de junho)

21-Se não abandonarmos a vida reta, mesmo calados estamos orando (Sto. Agostinho, sáb. 5ª semana Páscoa, of. Leit.).

22-”Nós pedimos ao Pai:'Pelo vosso Filho Jesus Cristo'. Maria, porém pede : 'Pelo nosso filho Jesus Cristo', que faz toda a diferença no pedido! “ (Pe. Zezinho, 08/10/2010, TV Aparecida).

23- “Ostra feliz não faz pérolas” (Coletada por Rubem Alves. A pérola é consequência dos atritos que o grão de areia produz quando penetra na ostra).

24- Uma pessoa deu à sua inimiga uma lata de cocô. Esta lhe retribuiu com uma caixa de queijo, que ela fabricava em seu sítio, com um bilhete: “Cada um presenteia com o que tem de melhor! (Do livro de Rubem Alves)

25- Mais importante que a potência da lâmpada é o que ela está iluminando. Uma lâmpada de 100 watt pode estar iluminando um monte de esterco, e uma de 40 watt, um buquê de flores.(idem)

26- Ser absoluto nos faz obsoletos (Pe. Zezinho, em seu programa diário na TV Aparecida).

27- S. Cipriano, 1º sábado do Adv.- Não se deixar vencer, não desanimar da luta.

28- Pe. Fernando Cardoso: “Deus se deixa frustrar por um momento, mas não para sempre!”

29 -ALGUNS PENSAMENTOS do livro de Márcio Mendes “Vencendo Aflições, alcançando milagres”. Ed. Canção Nova, 30ª edição, fev. 2010.

pág.14: Deus não desistiu e nunca vai desistir de nós.

pág. 16: Às vezes jogamos fora coisas preciosas de nossa vida.

Pág. 22: Nunca devemos desistir, por mais impossível que pareça a solução dos problemas. Melhor do que falar de Deus, é falar COM Deus.

Pág. 24: Para rezar melhor, é preciso rezar mais.

Pág 27: A tristeza que agrada a Deus é a do arrependimento. “O sofrimento suportado com alegria é um poderoso exorcismo”.

Pág.56/57: Os pecados, mesmo perdoados, nos deixam profundas cicatrizes.

Pág. 61-65: Devemos arrancar sem piedade do coração tudo o que desagrada a Deus, ou seja:  para beber vinho, tire antes o chá ou o café que está no copo.

Pág. 71-72: Nunca devemos compactuar com pessoas que pecam, ou seja, nunca devemos aprovar o pecado alheio.

Pág. 114/115: Não se auto condene. Perdoe-se!

 30- “A grande traição ou tentação ao Evangelho, por parte dos seguidores de Jesus, é desbastar o Evangelho em suas exigências a tal ponto que caiba em todas as partes e se ajuste em qualquer projeto de vida” (“Vida Religiosa”, de Felicisimo Martinez Diez, pág. 93).

31- Todo vício tem o seu remédio e a virtude contrária (...) mas a vanglória (...) é a única que não tem virtude contrária que a combata. Ela se insinua nos atos mais santos; e até na própria humildade, se não se estiver prevenido, ergue, soberba, a sua tenda (...) A vanglória é chamada pelos santos “o caruncho da santidade.” (São Padre Pio de Pietrelcina).  

32- O Deus dos excluídos é o Deus dos que vivem nas condições mínimas de liberdade, ou por não exercer, dadas as condições restritivas do uso do seu sentido e significado na determinação de sua própria existência “ ( “A Revelação de Deus a partir dos excluídos” , Pe. Vítor C. F. Pág. 112).

 

VERSÍCULOS BÍBLICOS INTERESSANTES    

 

   1-Jer 7,11- Vocês pecam, matam, e depois vêm ao templo oferecer sacrifícios e voltam para casa, achando que podem continuar a pecar!

2- Mc 11,24- “Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já o recebestes e assim será para vós.”

3- Mc 11,25- “Quando estiverdes orando, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe, para que também vosso Pai que está nos céus vos perdoe as vossas ofensas”.

4- Gn 18,37- Se Abraão tivesse continuado a oração, talvez Deus perdoasse a cidade mesmo que lá não houvesse 10 justos. Em Jer 5,1, pede para tentarem achar em Jerusalém um só justo e Deus perdoaria a cidade.

5-Lucas 11,10: Quem pede, recebe.

6- João 14,6: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”

7- Isaías 49,15-16:- “Eu nunca te esquecerei”, diz o Senhor.

8- Provérbios 15,17:- “Mais vale um prato de verdura com amor do que um boi cevado com ódio”.

9- Mateus 12,30:- “Quem não está comigo, está contra mim”.

10- Eclesiástico 2,1-6:- “Se te ofereceres para servir o Senhora, prepara-te para a prova (...) não te apavores (...) une-te a Deus e não te separes (...) Aceita tudo o que te acontecer (...) sê paciente nas humilhações (...) o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho da humilhação. Conserva tua confiança na doença e na pobreza. Confia no senhor e Ele te ajudará. Endireita teus caminhos e espera nele”.

11- Oséias 2,16-17: “Vou levá-la ao deserto e aí lhe falarei ao coração. Aí lhe devolverei as videiras, e o vale das desgraças se transformará em portas de esperança.

12- Miquéias 7,19- Deus jogará no mais fundo do mar os nossos pecados.

13- Salmo 138,8-9:- “Completai em mim, Senhor, a obra começada! Vossa bondade é eterna!”

14)- Mateus 20, 1-16:- O dono do campo deu uma moeda para cada um, no final do dia: o amor de Deus é infinito e pleno, não faz diferença entre uma pessoa e outra: Deus nos ama por igual e infinitamente. Vamos continuar, no céu, a intensidade de amor com que o amamos aqui na terra. Aí é que está a diferença: no nosso amor por ele, e não no amor dele por nós.

15-Jeremias 12,5b- Se não nos sentirmos em segurança no nosso dia a dia, muito menos a sentiremos nos dias de tribulação!

16- Eclesiástico 3,20 (grego 18):- “Quanto maior fores, mais humilde deves ser”

17- Salmo 61 (62), 2-3:- “Só em Deus minha alma tem repouso”.

18- Tiago 2,13:- “ A misericórdia triunfa sobre o juízo” (ou seja: se tivermos misericórdia, o juízo final vai ser mais ameno para nós).

19- Provérbios 16,20: 'Quem escuta a Palavra do Senhor com atenção, encontra a felicidade”.

20- Provérbios 17,22:- “Coração alegre, corpo contente; espírito abatido, ossos secos”.

21- Eclesiástico 30,22-27- (Grego 21-25): A alegria é a vida do homem e aumenta a sua vida.

22- 1Coríntios 10,13: “Deus não permitirá que sejais tentado acima de vossas forças”.

23- Salmo 94,11:- “Deus conhece os nossos pensamentos”.

24- Colossenses 2,15-3,4: Muitos ensinamentos não são divinos, mas humanos.

25- 2Cor 2,12-3,6: Somos o perfume de Cristo.

26-2Cor 9,1-15:- “Deus ama quem partilha com alegria.

27- Sofonias 1,1-7:- “Silêncio diante do Senhor Deus!”

28- Isaías 56,10: Não devemos ser sentinelas cegas, nem cães mudos! S. Gregório desenvolve esse tema no ofício das leituras do 27º domingo comum (ver site no início desta página)

29- Lucas 11,24-26 – O recalque é como esses sete demônios que voltam à pessoa com maior força.

30_ 1 Pedro 5,8:- É impossível ser glutão e homem de Deus ao mesmo tempo! Santo Antão viveu no deserto, penitente, e morreu com 104 anos!

31- Romanos 8, 17-18:”Os sofrimentos da vida presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós”. E 2Cor 4,17: “A presente tribulação é momentânea”.

32- Sabedoria 11,24-25:- Se Deus odiasse algo, não o teria criado!

33- Efésios 1,4:- Deus nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis.

34- Salmo 55,9:- “De minha vida recolheste cada lágrima”. Vers. 4:- “Quando o medo me invadir, ó Deus Altíssimo, porei em vós minha confiança!”.

35- Isaías 65, 17: “Jamais lembrarei as coisas passadas!”

36-"Deus enxugará toda lágrima dos nossos olhos".(Apoc 21,4)

 

    Trechos selecionados por assunto:

 

1- SOBRE A SANTIDADE

 

“Sede perfeitos (...) como o Pai celeste é perfeito”. (Mt 5,48)

“Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lev 19,2; Lev 11,44; Lev 21,26; Lev 20,7;Êx 22,30; 1ª Pd 1,16; )

“Para que o sirvamos em santidade e justiça” (Lc 1,75)

(Deus, o Pai) “Nos escolheu em Cristo, antes da construção do mundo, para sermos em amor, santos e imaculados a seus olhos” (Ef.1,4)

“A vontade de Deus (...) é a vossa santificação (...) Deus não nos chamo à impureza, mas à santidade” (Tess 4,3.7).

(...)”Vai e de agora em diante não pequeis mais”(João 8,11)

“Filho, dá-me teu coração e faze que teus olhos aprovem e gostem dos meus caminhos” (Prov. 23,26).

“Na Cidade Celeste não entrará coisa alguma impura nem quem cometa abominações e diga mentiras, mas somente os que estão escritos no livro da vida do Cordeiro” (Apoc 21,27)

“Por isso, caríssimos, vivendo nesta esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre imaculados e irrepreensíveis na paz” (2ª Pd 3,14)

“O Senhor (...) usa de paciência convosco. Não deseja que ninguém pereça. Ao contrário, quer que todos se arrependam” (2ª Pd 3,9)

“Vigia, (olha) por ti mesmo e pela instrução dos outros com insistência. Assim fazendo, hás de salvar a ti mesmo e aos que te ouvirem”.(1ª Tim 4,16).

“E disse para ela: Os pecados te estão perdoados(...) A tua fé te salvou, vai em paz!” (Lc 7,48.50).

 

2- ACEITAR-SE

 

“A verdade vos libertará” (João 8,32).

(...) “Deus é Deus de lealdade e não de falsidade” (Dt 32,4).

(...) “Justos e verdadeiros são teus caminhos, ó Rei das Nações!” (Isaías 11,5).

“A justiça será o cinto de seus quadris e a fidelidade (A verdade), o cinto de seus rins” (Isaías 11,5)

“Estas são as coisas que deveis fazer: falai a verdade uns com os outros”.(Zc 8,16).

“Por isso renunciai à mentira. Cada um diga a verdade ao próximo” (Ef.4,25)

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (João 14,6)

 

3- TRECHOS SOBRE A ORAÇÃO

 

“Para mostrar que é necessário orar sempre, sem nunca desanimar, Jesus contou uma parábola.(...) Digo-vos que em breve (Deus) lhes fará justiça (àqueles que pedem com fé). Mas quando vier o Filho do Homem, encontrará fé na Terra?” (Lc 18,1.8)

O amigo importuno :- se um amigo vier lhe pedir pão de madrugada e insistir, você acabará lhe dando o pão só para que ele não o importune mais, se não for por causa da amizade. Se isso acontece entre pessoas humanas, quanto mais Deus não nos dará o que lhe pedimos com insistência, se o que lhe pedimos for para o nosso bem? (Lc 11,58)

O fariseu e o publicano: O publicano nem entrou no templo, pois era considerado impuro pelas autoridades, mas apenas ficou na porta, humildemente, implorando o perdão de seus pecados, de cabeça baixa. O fariseu, imponente, rezava julgando o publicano, “fazendo média” com ele. Jesus disse que o publicano saiu perdoado, mas o fariseu, além de não ter sido perdoado, saiu com um pecado a mais. A oração deve, pois, ser insistente, mas humilde e confiante. (Lc 18,9-14).

“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas e tu não quiseste! Tua casa ficará deserta! “ (Mt 23,37-38).

“ Ó Deus(...) a ti procuro, de ti tem sede minha alma; minha carne por ti anseia, como a terra ressequida, sedenta, sem água!” (Sl 63(62),2

“O Senhor é meu Pastor: nada me falta! Em verdes pastagens me faz repousar, conduz-me às fontes tranquilas e reanima minha vida” (Sl 23(22) 1-3a).

“O homem que confia no Senhor será como uma árvore plantada junto da água, que lança suas raízes para a corrente; não teme quando chega o calor; sua folhagem permanece verde; num ano de seca não se preocupa e não pára de produzir frutos" (Jer 17,8 e Salmo 1).

"Mesmo que alguma mãe se esquecesse do filho que gerou, eu não te esqueceria! Eu e tatuei na palma de minhas mãos!" (Is 49,15-16)

"Eu nunca te esquecerei!" (Is 44,21c)

"Eu te amei com um amor eterno, por isso conservei meu amor por ti!" (Jer. 31,3)

"Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos juntos" (Apoc 3,20).

"Eu te aconselho a comprares meu ouro provado no fogo, para te enriqueceres, e vestes brancas, para te vestires e não aparecer a vergonha de tua nudez, e colírio, para ungir teus olhos, a fim de poderes ver. Eis que venho como um ladrão. Feliz quem  vigia e guarda suas vestes para não andar nu e não serem vistas suas vergonhas". 

 

Papa Francisco: a homilia não deve ter mais de dez minutos.

 

Cidade do Vaticano (Quarta-feira, 07-02-2018, Gaudium Press)

Plenitude do diálogo entre Deus e seu Povo

O diálogo entre Deus e o seu povo, que tem lugar na Liturgia da Palavra, alcança a sua plenitude na proclamação do Evangelho, que é precedida pelo canto do Aleluia ou, na Quaresma, por outra aclamação, na qual "a assembleia dos fiéis acolhe e saúda o Senhor que está para falar no Evangelho", recorda o Papa.

 

O Papa Francisco explicou que o Evangelho, de fato, é a luz que ajuda a entender o sentido dos demais textos bíblicos proclamados na Missa; por isso é objeto de uma veneração particular: somente um ministro ordenado pode proclamá-lo, que ao final beija o livro.

 

"Os fiéis ficam de pé para escutá-lo e fazem o sinal da cruz na testa, na boca e no peito. As velas e o incenso honram Cristo que, mediante a leitura evangélica, faz ressoar a sua eficaz palavra". Com estes sinais, "a assembleia reconhece a presença de Cristo que dirige a "boa nova" que converte e transforma".

 

Continuou o Pontífice: "É um discurso direto aquele que acontece" como comprovam as aclamações com que se responde à proclamação: "Graças a Deus" e "Glória a vós Senhor".

 

"Nós nos levantamos para ouvir o Evangelho, mas é Cristo que nos fala ali. E por isto nós estamos atentos, porque é uma conversa direta. É o Senhor que nos fala":

 

"Portanto, na Missa não lemos o Evangelho - estejam atentos a isto - para saber como foram as coisas, mas ouvimos o Evangelho para tomar consciência que aquilo que Jesus fez e disse uma vez, e aquela Palavra é viva, a Palavra de Jesus que está nos Evangelhos é viva e chega ao meu coração. Por isto escutar o Evangelho é tão importante, com o coração aberto, porque é Palavra viva".

 

Santo Agostinho

 

Como dizia Santo Agostinho, "a boca de Cristo é o Evangelho Ele reina no céu, mas não deixa de falar na terra".

 

"Se é verdade que na Liturgia "Cristo anuncia ainda o Evangelho, então, participando da Missa, devemos dar uma resposta. Nós ouvimos o Evangelho e devemos dar uma resposta na nossa vida", diz o Santo Padre.

 

A homilia

 

"Vivamente recomendada desde o Concílio Vaticano II como parte da própria Liturgia, a homilia está longe de ser um discurso de circunstância, tampouco uma catequese como esta que estou fazendo agora, nem uma conferência, nem mesmo uma aula. A homilia é outra coisa. O que é a homilia? ", pergunta o Papa, para logo responder:

 

É "retomar aquele diálogo que já está aberto entre o Senhor e seu povo, para que encontre cumprimento na vida. A exegese autêntica do Evangelho é a nossa vida santa!"

 

E, para fazer chegar a sua mensagem ao seu povo, Cristo também se serve da palavra do sacerdote durante a homilia.

 

Foi por esse motivo que Francisco recordou o que havia dito na última catequese: "a Palavra do Senhor entra pelos ouvidos, chega ao coração e vai até as mãos, às boas obras. E também a homilia segue a Palavra do Senhor e também faz este percurso para nos ajudar para que a Palavra do Senhor chegue às mãos, passando pelo coração".

 

Homilia: longa, não focada, incompreensível e... o preconceito

 

"Eu já tratei do tema da homilia na Exortação Evangelii Gaudium, onde recordava que o contexto litúrgico "exige que a pregação oriente a assembleia, e também o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia que transforme a vida":

 

"Quem profere a homilia deve realizar bem o seu ministério. Aquele que prega, o sacerdote, o diácono, o bispo, oferecendo um real serviço a quem participa da Missa, mas também aqueles que ouvem devem fazer a sua parte. Antes de tudo prestando a devida atenção, assumindo, isto é, as justas disposições interiores, sem pretensões subjetivas, sabendo que cada pregador tem méritos e limites".

 

"Se às vezes existem motivos para aborrecer-se pela homilia longa ou não focada ou incompreensível, outras vezes é, pelo contrário, o preconceito a ser o obstáculo".

 

O Papa sublinhou que quem faz a homilia, "deve estar consciente de que não está fazendo uma coisa própria, está pregando, dando voz a Jesus. Está pregando a Palavra de Jesus":

 

"E a homilia deve ser bem preparada, deve ser breve, breve! Um sacerdote me dizia que uma vez havia ido a outra cidade onde viviam os pais. E seu pai lhe disse: Sabes, estou contente, porque com os meus amigos encontramos uma igreja onde tem Missa sem homilia!".

 

O Pontífice ainda observou que "quantas vezes nós vemos que na homilia alguns dormem, outros conversam ou saem para fumar um cigarro. Por isto, por favor, que seja breve a homilia, mas que seja bem preparada".

 

Como preparar uma homilia

 

E o Papa pergunta e, em seguida, responde: "E como se prepara uma homilia, queridos sacerdotes, diáconos, bispos? Como se prepara?".

 

"Com a oração, com o estudo da Palavra de Deus e fazendo uma síntese clara e breve, não deve ir além de 10 minutos, por favor".

 

Ouvido, coração, mãos

 

Francisco recordou também, ao concluir, que na Liturgia da Palavra, por meio do Evangelho e da homilia, Deus dialoga com o seu povo, que o escuta com atenção e veneração e, ao mesmo tempo, o reconhece presente e operante.

 

Assim, se nos colamos na escuta da "boa notícia", por ela seremos convertidos e transformados, portanto, capazes de mudar nós mesmos e o mundo. Por que? Porque a Boa Nova, a Palavra de Deus entra pelos ouvidos, vai ao coração e chega ás mãos para fazer as boas obras". (JSG)

 

(Da Redação Gaudium Press, com informações Vatican News)

Conteúdo publicado em gaudiumpress.org, no link http://www.gaudiumpress.org/content/93031#ixzz570m9v21t

 

Mensagem da Ampliada Nacional das CEBs às comunidades

 

Janeiro é um mês especial para as CEBs de nosso país: dezenas de pessoas vindas de todas as regiões do Brasil se encontram para colocar em comum e avaliar a caminhada das CEBs nos diferentes contextos brasileiros, para fortalecer a articulação das CEBs dos 18 Regionais em que o país está dividido, para refletir sobre a realidade sociopolítica e cultural e, também, para dar passos na preparação dos Encontros Intereclesiais.

Desta vez a reunião da Comissão Ampliada Nacional das CEBs do Brasil foi realizada em Cuiabá-MT, e participaram 67 pessoas. Durante os dias em que o grupo esteve reunido aconteceu o rompimento da Barragem do Feijão, em Brumadinho-MG, deixando um rastro de morte e destruição por onde a lama se espalhou. Mais um crime socioambiental da empresa Vale, que expressa bem um modelo de desenvolvimento que coloca o lucro à frente da vida das pessoas e do meio ambiente.

Leia abaixo a carta que a Ampliada enviou às Comunidades Eclesiais de Base do Brasil e a Mensagem às vítimas do rompimento da barragem.

 

CARTA ÀS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE DO BRASIL

 

“Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65,17)

Nos dias 24 a 27 de janeiro de 2019, a Ampliada Nacional das CEBs se encontrou no Centro Nova Evangelização – CENE, em Cuiabá para a reunião anual. Participaram articuladoras/es e assessoras/es dos 18 Regionais da CNBB, a Equipe Colegiada de Assessoria Nacional, representantes do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, do Conselho Nacional do Laicato no Brasil – CNLB, da Rede Eclesial Pan-Amazônica-REPAM, da Articulação Continental, do Secretariado Provisório do 15º Intereclesial  juntamente com o Bispo anfitrião, Dom Juventino Kestering; o Bispo Referencial das CEBs do Brasil, Dom Giovane de Melo; o presidente do Regional Oeste 2, Dom Neri José; Dom Protógenes José Luft, Bispo de Barra do Garças; Dom Derek John Christopher Byrne, Bispo de Primavera do Leste/Paranatinga; e outros convidados da Diocese de Rondonópolis/Guiratinga – MT.

Nas reflexões, nas celebrações e nos cantos, fizemos memória da caminhada de nossas comunidades e de nossos mártires. Carregamos nos ombros a esperança e o sonho de Jesus de Nazaré, de Vida plena para todas e todos.

Nosso olhar se voltou para o momento atual do nosso Brasil. Percebemos que estamos numa crise civilizacional. Há um modelo econômico que gera exclusão e morte; aumenta o empobrecimento e a concentração de riquezas e da terra; degrada o meio ambiente, como vimos acontecer em Mariana e, nestes dias, em Brumadinho no estado de Minas Gerais. Este modelo suprime os direitos dos mais frágeis, como os povos indígenas, os camponeses, as mulheres, as crianças e os jovens… Assistimos ao desmonte do Estado brasileiro colocando em risco a vida e a dignidade humana.

Frente a tantos desafios ousamos sonhar “um novo céu e uma nova terra”. Damos os primeiros passos rumo ao 15º Intereclesial, e nos comprometemos a realizar um processo metodológico participativo, ressignificando a caminhada das CEBs, buscando fortalecer as Comunidades Eclesiais de Base. Tudo isso deve ser feito articulando o local com o global, a fé e a vida.

Assumimos como tema para o 15º Intereclesial: “CEBs: Igreja em saída na busca da vida plena para todos e todas” e como lema: “Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65,17ss).

Reforçamos a convicção de que somos portadoras e portadores de um novo jeito de ser Igreja. Acompanhados pela bênção do Deus da vida e da esperança, e animados/as pelo testemunho dos mártires, pela presença amorosa de Maria, mãe de Jesus de Nazaré e companheira da caminhada, voltamos para nossas comunidades em busca da construção de uma sociedade do Bem Viver. Amém! Axé! Awerê! Aleluia!

Cuiabá-MT, 27 de janeiro de 2019.

 

Mensagem da Ampliada Nacional das CEBs às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minérios em Brumadinho – MG.

 

Nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida (DAp 471)

A Ampliada Nacional das CEBs, composta por representantes dos 18 Regionais da CNBB, reunida em Cuiabá-MT, em preparação para o 15º Intereclesial de CEBs, que acontecerá em Rondonópolis-Guiratinga-MT, em julho de 2022, recebe com profundo sentimento de indignação, a triste notícia do rompimento da barragem de rejeitos de minérios da Mineradora Vale, no município de Brumadinho – MG, ocorrido neste 25 de janeiro de 2019.

Diante deste triste fato, a Ampliada Nacional das CEBs vem de público afirmar que isto não se trata de tragédia, nem de acidente e, muito menos, uma fatalidade, mas um crime sócio ambiental, plenamente previsível e anunciado, pois sabemos que as Mineradoras, movidas pela ganância e lucros desenfreados, são capazes de devorar e destruir nossas montanhas, florestas, aquíferos, rios, fauna, flora, patrimônios históricos e culturais e de ceifar a vida de tantas pessoas.

Denunciamos a Mineradora Vale que, em nosso país e além fronteiras, invade territórios, destrói modos de vida e maneiras tradicionais de conhecimento e sobrevivência de muitos povos, com um discurso de desenvolvimento e progresso, iludindo-os com falsas promessas e ameaças.

Afirmamos nosso compromisso em defesa dos bens da criação, nossa Casa Comum, e que estes bens não podem ser apropriados por mineradoras em nome de um modo de produção, distribuição e consumo concentrador da riqueza e do poder, destruidor do meio ambiente, excludente e violento.

Fazemos nossas as palavras do Papa Francisco:

Os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética (Laudato Si, 56).

Alertamos para o risco eminente de rompimentos de outras barragens da Vale, tanto em Minas Gerais como em Parauapebas-PA.

Diante dos danos sócio ambientais provocados pela Mineradora Vale, apoiamos o processo em andamento que requer a revogação de sua privatização.

Conclamamos que as autoridades competentes façam a devida justiça perante as vitimas e suas famílias.

Solidarizamo-nos com as vítimas deste crime, seus familiares, seus territórios e com toda a criação divina, que mesmo no luto, na lágrima e na dor, mantenhamos confiantes nossa fé e nossa solidariedade, acreditando que o Senhor enxugará toda lágrima e destruirá nosso luto.

Que Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Minas Gerais, seja nossa companheira nesta travessia de dor e de esperança.

Cuiabá – MT, 26 de janeiro de 2019.

 

 

Material publicado no site CEBs do Brasil: http://www.cebsdobrasil.com.br/2019/01/28/ampliada-nacional-envia-carta-as-comunidades-eclesiais-de-base-do-brasil/

 

CARTA DA ASSEMBLEIA AMPLIADA DAS CEBs A TODAS AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE DO BRASIL 

“Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65,17) 

Caros Irmãos e Irmãs da caminhada, 

Na alegria e compromisso que o evangelho de Jesus Cristo nos suscita, durante o período de 23 a 26 de janeiro do corrente ano, na Diocese de Rondonópolis-Guiratinga MT, nós articuladores e articuladoras e assessores e assessoras, representantes dos 18 Regionais da CNBB, a Equipe Colegiada de Assessoria Nacional, representante do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, do Secretariado do 15º Intereclesial  juntamente com o Bispo anfitrião, Dom Juventino Kestering, o Bispo Referencial das CEBs Dom Gabriel Marchesi e o Presidente da Comissão Episcopal para o Laicato da CNBB, Dom Giovane Pereira de Melo e convidados da Diocese anfitriã, nos reunimos na Ampliada Nacional das CEBs do Brasil para refletir a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base e a preparação do 15º Intereclesial das CEBs. 

Principiamos nosso trabalho com um olhar sobre a realidade atual que desafia nosso modo de viver a fé em Jesus. Vivemos um Tempo Histórico permeado de contradições políticas, econômicas e sociais, em que a natureza, dádiva de Deus, tornou-se objeto de disputas e de comercialização e os povos que nela habitam são tidos como meros instrumentos para execução do modelo neoliberal que devora a natureza e as pessoas, especialmente os mais pobres. Desafia a fé que professamos, o avanço do agronegócio, a primazia do latifúndio, o descaso com a agricultura familiar, o desmonte das culturas dos povos tradicionais, a instrumentalização da religião e a relativização dos valores de justiça socioambiental e da solidariedade.

 Frente a esse cenário desafiador, ousamos continuar a sonhar e manter vivo nosso compromisso na construção de “um novo céu e uma nova terra” que começa entre nós. No anseio de animar, motivar, fortalecer e avivar as comunidades, apresentamos uma série de indicações e propostas para os regionais e dioceses. Dentre diversas ações, escolhemos o cartaz e definimos aspectos importantes para o próximo Intereclesial e assinamos o pacto pelo cuidado com a Casa Comum. Manifestamos, através de uma carta, nosso apoio ao papa Francisco e ao seu projeto de Igreja e de sociedade em defesa dos pobres e do cuidado com a nossa Casa Comum. Acolhemos e agradecemos o apoio carinhoso que nos chegou da Pastoral da Juventude do Brasil que se reconhece como “filhos e filhas da mística profética das CEBs” e também nos interpelam a “olhar com carinho para as juventudes”. 

Nesse sentido, reiteramos nossa acolhida e disposição a caminhar juntos, também através da carta-resposta escrita pela Ampliada, pois os jovens sempre terão o seu lugar entre nós. Neste momento tão dramático de nossa história, sentimos e reafirmamos que as CEBs são missionárias e continuam sendo um instrumento eclesial e social indispensável para o resgate da humanização e solidariedade frente ao capitalismo que desumaniza. Confiantes no Ressuscitado, trazemos sempre diante de nós a profecia: “O povo que andava na escuridão, viu uma grande luz... pois, o jugo que oprimia o povo, a carga sobre seus ombros, o orgulho dos fiscais, tu os abateste”. (Is. 9,1.3) 

 

Rondonópolis/MT, 26 de janeiro de 2020 

 

Amém! Axé! Awerê! Aleluia! 

 

OS GRANDES MESTRES DA ESPIRITUALIDADE FOUCAULDIANA

(Do boletim comemorativo, 126, 2016)

Henri Huvelin, (7 de outubro de 1830 - 10 julho de 1910). Foi o diretor espiritual que mostrou ao jovem Carlos de Foucauld que não era possível crer sem desarmar-se, sem submeter-se a Deus, abaixar-se diante dele e confessar os pecados. Como um excelente diretor, acompanhou e orientou toda a trajetória espiritual do Irmão Carlos e ajudou-o a discernir os sinais de Deus e a vontade de Deus em sua vida.

Louis Massignon (25 de julho de 1883 - 31 de outubro 1962). Era um estudioso Católico do Islã e um pioneiro do estudo católico-muçulmano de compreensão mútua. Ele era uma figura influente no século XX no que tange a relação da Igreja Católica com o Islã. Massignon não conseguiu viver o estilo de vida do irmão Carlos, mas além de segui-lo durante toda a vida, foi o executor do seu legado espiritual: o Diretório, a regra para a fundação dos Irmãozinhos de Jesus, que Louis Massignon devidamente viu na publicação em 1928, depois de uma longa hesitação por parte das autoridades da Igreja sobre o imprimatur.

René Bazin, (26 de Dezembro de 1853 - 20 de Julho de 1932). Foi um escritor francês, professor, advogado, romancista, jornalista, historiador, e autor de livros de viagem. Depois de uma licenciatura em Direito em Paris, fez doutorado na Universidade Católica Angers (1877). Em 1876 casou-se com Aline Bricard. Em 1915 foi eleito presidente da Corporação de Publicitários cristãos, que também é chamado de União dos jornalistas franceses, e em 1917 fundou o Gabinete de Imprensa Católica.

A pedido de Louis Massignon, René Bazin escreveu o livro: “Charles de Foucauld, explorador no Marrocos, eremita no deserto do Saara” (1921). A vida escondida de Foucauld não ficou oculta por muito tempo, pois esta biografia inspirou alguns jovens a segui-lo. A primeira Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus se organizou em 1933 na borda do Saara, mas foi somente depois da Segunda Guerra Mundial que começaram a florescer seguidores da espiritualidade foucauldiana em toda parte do mundo.

Albert Peyriguère, (28 de setembro de 1883 – 26 de abril de 1959) foi um eremita religioso católico francês que viveu em Marrocos. Após ler a biografia de Carlos de Foucauld, escrita por René Bazin em 1921, decidiu dedicar a sua vida ao ideal de Padre de Foucauld, do qual se tornou um dos primeiros discípulos, juntamente com Charles Henrion e Charles-André Poissonier. Eles passaram a usar o hábito ornado com o Sagrado Coração, que o Padre de Foucauld usava. Peyriguère escreveu muitos artigos que publicava no jornal Maroc Catholique, com o apelido de Paul Hector. Ele tornou o irmão Carlos conhecido, pois nestes artigos apresentava o resultado de suas pesquisas sobre o verdadeiro pensamento do Padre de Foucauld. Sem deixar sua vida contemplativa e monástica, também fazia muitas palestras e conferências sobre irmão Carlos.

René Voillaume (19 julho de 1905 - 13 de maio de 2003), sacerdote e teólogo francês, fundador dos Irmãozinhos de Jesus. Aos 17 anos, lendo a biografia de Carlos de Foucauld, escrita por René Bazin, finalmente dirige a sua vocação monástica, sacerdotal e missionária, com a fundação da Congregação para a qual Charles de Foucauld tinha desenhado uma regra: a vida contemplativa de clausura, muito pobre, dedicou Adoração do Santíssimo. Sacramento e missionária através da irradiação de uma vida evangélica da caridade. Escreveu o livro “Fermento na massa”. Em 1947, em Aix en Provence, com o apoio do arcebispo Dom Charles de Provenchères, ele fundou a primeira comunidade contemplativa na ação.

Os irmãos viviam centrados na adoração ao Santíssimo Sacramento e viviam misturados com o mundo dos pobres com quem partilham a condição do trabalho assalariado. Daí surge em 1956, os Irmãozinhos do Evangelho e, em 1963, as Irmãzinhas do Evangelho. Também foi o exemplo para a fundação das mulheres seculares e da Sociedade Sacerdotal (atual Fraternidade Jesus Caritas).

Carlo Carretto, (02 de abril de 1910 - 4 de outubro de 1988). Membro da Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus e militante da Ação Católica, ajudou os leigos a encontrarem seu espaço de oração silenciosa mesmo no meio de obrigações urgentes, mesmo em meio ao ruído do barulho da cidade, mesmo no meio da pobreza e do sofrimento cheio de alegria. Ensinou também que uma verdadeira vida de oração não nos alivia de uma paixão pela justiça social e de um espírito de solidariedade para com o menor dos nossos irmãos e irmãs.

Arturo Paoli (30 de novembro de 1912 - 13 de julho de 2015). Nasceu Lucca, Itália, e alí viveu sua infância e adolescência. Em 1936, graduou-se em Letras pela Universidade Católica de Milão.

Arturo foi um padre e missionário italiano, que pertenceu à Congregação dos Irmãozinhos de Jesus, inspirada em Charles de Foucauld e fundada por René Voillaume. Ele ficou muito conhecido pelo seu compromisso religioso e social em prol dos pobres. Ele viveu mais de 45 anos na América Latina. Destes, 14 viveu na Argentina, de 1960 até 1974, quando conheceu o Padre Jorge Bergoglio, então Provincial dos Jesuítas. Deixou depois o país, sob o regime peronista, e se transferiu para a Venezuela onde ficou até 1985; veio para o Brasil e viveu aqui até 2005, quando retornou à Itália.

Paoli, já adulto, ingressou no seminário de sua diocese em 1937, e foi ordenado sacerdote em junho de 1940. Seu ministério sacerdotal não se limitou apenas à esfera religiosa. Nos anos da Segunda Guerra Mundial, destacou-se participando na Resistência Italiana, a partir de 1943, passou a ser perseguido pelos nazistas porque apoiava os judeus.

Magdeleine Hutin (26 de Abril de 1898 - 6 de Novembro de 1989). Irmãzinha Madalena de Jesus é uma freira católica. Ela descobriu a vida de Carlos de Foucauld em 1921, no livro de René Bazin, e decidiu continuar o trabalho do Irmão Carlos.

Foi morar na casa das Irmãs Brancas de Argel. Fundou uma nova congregação religiosa inspirada na espiritualidade de Carlos de Foucauld, as Irmãzinhas de Jesus, passou a usar o nome Irmãzinha Madalena de Jesus, e abriu uma casa em Touggourt. Muitas irmãs se juntaram a ela e, em 1949, já existem mais de cem freiras seguidoras da sua congregação. Em seguida, fundou um acampamento entre os pigmeus, no oeste do Congo Belga. Em 1952, estabeleceu nas Américas pequenas comunidades nas favelas do Rio de Janeiro, nas tribos amazônicas, e em muitos outros lugares “escondidos”.

Em 1953, irmãzinha Madalena visitou a Indochina, a África do Sul e Chile, em busca de fundar comunidades. Em 1959, a congregação é composta de mais de 800 membros. Hoje as Irmãzinhas de Jesus são cerca de 1.350, espalhadas em pequenas fraternidades em todos os continentes.

Dom Paulo Ponte (24 de junho de 1931 - 15 de março de 2009). Fez parte da Fraternidade dos pequenos Bispos e muito ajudou na difusão da espiritualidade foucauldiana no Brasil. Ele abandonou-se totalmente nas mãos de Deus, buscando a conversão permanente, a busca do último lugar, o Evangelho da cruz e a Eucaristia como o centro da sua vida e da sua ação evangelizadora. Procurou, acima de tudo, seguir o exemplo do Irmão universal Carlos de Foucauld, e proclamar o Evangelho com sua própria vida.

Dom Antônio Fragoso, (10 de dezembro de 1920 – 12 de agosto de 2006). Foi o Bispo de Crateus – CE e era membro da Fraternidade dos Pequenos Bispos de Carlos de Foucauld, grupo formado durante a participação no Concílio Vaticano II. Dom Fragoso acolheu na Diocese de Crateús por mais de vinte anos a Fraternidade dos Irmãozinhos do Evangelho através do Irmão e padre italiano Geraldo Fabert, e muitos outros irmãozinhos que passaram por esta Fraternidade.

Dom Waldyr Calheiros Novaes (29 de julho de 1923 – 30 de novembro de 2013). A vida de Dom Waldyr foi de constante envolvimento com as causas sociais, participação que começou durante o período da Ditadura Militar, em especial na defesa do trabalhador. Nos 34 anos à frente da diocese, participou de atos públicos contra a violência e condenou a impunidade e a tortura. A luta por justiça e igualdade lhe rendeu homenagens de grupos ligados à defesa dos direitos humanos. Dom Waldyr ficou, até a morte, com título de bispo emérito da diocese.

 

ALEGRIA NA MISSÃO “AD GENTES”

do boletim 126, especial 2016

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A espiritualidade do Irmão Carlos é força para os missionários que atuam em terras africanas. Viver como pobre nas periferias entre os últimos, numa atitude de escuta e exercendo o apostolado da amizade e bondade foi seu grande legado missionário. Antecipou as intuições do Concílio Vaticano II de abertura e diálogo com o mundo, as religiões e as culturas.

Seu percurso espiritual é marcado por inquietações e buscas pelo amor a Jesus, escuta aos Evangelhos, deserto, adoração eucarística, silêncio, experiência da gratuidade do amor de Deus, fraternidade universal e proximidade com os mais afastados.

Seu percurso se tornou um paradigma missionário para padres diocesanos, leigos e leigas, religiosos e religiosas que se põem no caminho de seguimento a Jesus de Nazaré. Cito algumas intuições do irmão Carlos para nossas práticas missionárias:

* Missão que brota do encontro. Seu processo tem a marca de várias conversões. Foi entendendo que a missão parte de Deus. Desde o seu primeiro encontro com Jesus, nunca mais parou de mover-se. Buscava entender a vontade de Deus e se abandona em Suas mãos. Evangelizou mais pela vida e testemunho, transbordando a experiência de ser amado e perdoado.

* Missão como presença, ou seja, mais importante do que fazer coisas na missão o importante é ser testemunho e gritar o evangelho por um estilo de vida simples.

* Missão com diálogo. O missionário ad gentes que entra na casa do outro, sua primeira atitude é pedir licença. Apreender a escutar as diferenças e dialogar, sem impor costumes e tradições.

* Missão inculturada. Quando chegou no Saara, começou apreender o idioma dos Tuaregues, chegando a escrever os evangelhos em sua língua. O missionário, ao chegar, necessita primeiro apreender a nova língua e a nova mentalidade que encontra.

* Missão sem espetáculos. Irmão Carlos optou por estilo de missão com meios pobres e seguindo o caminho de Jesus em Nazaré numa vida oculta de trabalhador, valorizando a presença de Deus no cotidiano, sem fazer barulho de eventos e espetáculos.

* Missão como entrega total. Se fez pobre, dependente e frágil. Deixou-se cuidar e ser amado pelo tuaregues no momento de doença.

O caminho de conversão de Carlos de Foucauld ensina um modelo de missão inserida em realidades exigentes, com poucos recursos e estilo de vida com meios pobres. Neste ambiente o missionário é chamado a dar testemunho de vida despojada e alimentada por meios que o sustente. Entre estes meios destacamos: oração e contemplação; vivência fraterna entre missionários e com o povo; desapego das coisas materiais e de si mesmo; pobreza material com a busca do último lugar; ter coragem, confiança, ajudar e se deixar ser ajudado. Não ser exigente, mas se contentar com o pouco. Ter espírito de serviço e doação. Sentir o sofrimento do povo, ser presença gratuita. Não ter medo das doenças e inseguranças. Ter disposição para viver o inesperado, o diferente. Ter consciência que estamos na casa dos outros, assim somos hóspedes que se deixam acolher.

A primeira atitude do missionário ad gentes, que entra na casa do outro, é pedir licença.

Apreender a escutar as diferenças e dialogar, sem impor costumes e tradições.

Nessa vivência fraterna, no contato com as pessoas, se procura escutar, ver, cheirar, tocar, sentir. Aprende-se grandes lições de vida. Pe. Camilo narra um fato que marcou sua vida. “Visitando as comunidades do interior, num dia de muito calor onde ultrapassava os 40 graus, tudo estava seco, pois fazia seis meses que não chovia. Só desejava encontrar uma sombra para descansar. Eis que no caminho surge uma bela mangueira, estava verde, pois suas raízes são profundas e encontram água. “Ali vamos descansar”, me disse o companheiro. Quando chegamos na mangueira, estávamos suados e sedentos. Por acaso vimos num grande pote de barro e do lado uma cabaça de coco. Olhamos dentro e lá no fundo havia um pouco de água fresca. Tomamos e nos refrescamos. Logo em seguida chegou uma mulher que vivia cerca de 100 metros dali. Cumprimentamo-nos e partilhamos as novidades. Perguntei a ela: “Como esta água chega aqui?” Ela me disse: “Eu e minha filha saímos de madrugada e andamos cerca de duas a três horas, até uma baixada. Lá ainda tem um pouco de água. Abastecemos nossas latas e trazemos em nossas cabeças. Uma lata para as necessidades de nossa casa e a outra para abastecer este pote. Assim as pessoas que passam por aqui, tomam, descansam e se refrescam e depois continuam o seu caminho”. Ainda lhe perguntei se as pessoas retribuíam alguma coisa por este serviço. Ela me disse: “Simplesmente sinto alegria em oferecer um pouco de água e também porque gosto de ouvir novidades dos que vem e andam”. Foi uma grande lição de vida.

Assim o missionário que se dispõe ir numa missão em meio a um povo carente, como na África, ganha e aprende com os mais pobres. Vários padres ligados as fraternidades sacerdotais Jesus Caritas já viveram estas bonitas experiências de ser missionário no meio ao povo africano.

Eis abaixo alguns deles que missionaram no Projeto Além Fronteiras: Nordeste IV e V (Maranhão e Piaui) e Lichinga (Moçambique): Pe. Gildo Nogueira Gomes, da Diocese de Barra do Piraí - Volta Redonda e o Pe. José Eugênio Fávero, da Arquidiocese de Campinas. Outros cinco missionaram na África pelo Projeto Sul III e Nampula (Moçambique): Pe. Carlos Alberto Lira e Pe. Luis Cardalda Nuñes, ambos da Diocese de Goiás, Pe. Camilo Pauletti, da Diocese de Caxias do Sul, Pe. Maurício da Silva Jardim, da Arquidiocese de Porto Alegre e o Pe. Badacer Ramos de Oliveira Neto, da Diocese de Itabuna.

O forte e líder aristocrata francês fez a experiência do fracasso, e no final morreu tragicamente vítima de um projétil em tempos de guerra no dia 1º de dezembro de 1916. Deixemo-nos conduzir pelo espírito de Jesus Cristo, a exemplo de Irmão Carlos, modelo de missionário.

Este texto foi escrito a várias mãos por alguns daqueles que percorreram territórios de missão, pelos Pe. Maurício Jardim, Pe, Camilo Pauletti, e depois foi completado pelo Pe. Gildo Nogueira Gomes.

 

30 anos do Movimento Fé e Política 

Marcelo Barros 

 

Neste final de semana (de 12 a 14 de julho), no encontro nacional que se realiza em Natal, RN, o Movimento Fé e Política celebrará os seus 30 anos de vida e de atuação no caminho da transformação da sociedade e da proposta de espiritualidade libertadora. 

 

Para quem viveu no Brasil nesses últimos 30 anos sabe o que significa de vitória o fato do Movimento estar vivo, forte e fiel às propostas iniciais. 1989 foi o ano da eleição vencida por F. Collor, derrotando a esquerda por meio de uma campanha midiática enganadora. Sofremos também a derrota política e de credibilidade da Frente Sandinista na Nicarágua. Por fim, foi o ano da queda do muro de Berlim , que marcou o desmoronamento do socialismo soviético no leste europeu. 

 

O Movimento Fé e Política já nasceu com o desafio de distinguir o que não deu certo nas experiências ditas socialistas e a utopia de um novo Socialismo, que radicalize a democracia e una a luta pelos direitos humanos, individuais e coletivos ao Bem Viver de todos os seres vivos e cósmico. 

 

Nesses 30 anos, cada encontro, seminário de estudo ou retiro que se faz, de âmbito nacional ou local, é sempre experiência marcante que sinaliza uma profecia encantadora. O mais impressionante é que o Movimento Fé e Política faz tudo isso com pouca estrutura e sem dinheiro. Assim, tem formado lideranças jovens e dado apoio a companheiros e companheiras que, a partir da fé, se engajam nos diversos campos da Política: parlamentar, executivo, sindical, de movimentos sociais, ONGs e outros. Parabéns a todos os companheiros e companheiras que iniciaram esse movimento e a todos/as os/as que mantêm seu espírito profético. 

 

Trinta anos é a idade com a qual, conforme a tradição, Jesus iniciou sua missão pública de profeta e testemunha da realização revolucionária do reino de Deus no mundo. Sem dúvida, muitos de seus contemporâneos esperavam que ele liderasse uma revolta política contra o Império Romano. No entanto, mesmo assumindo muito da causa zelota, a atuação de Jesus foi em um plano mais profundo e mais amplo. Na sociedade da época, Jesus propôs uma transformação radical na forma de crer e de falar de Deus. Ele demoliu a figura de um Deus todo-poderoso que legitimava os poderosos. Apresentou Deus como Amor, portanto, como Anti-poder. Tirou Deus da gaiola na qual as religiões o colocam ao aprisioná-lo nos templos, como objeto de culto e sacrifício. Chamou-o de Paizinho. Ensinou os discípulos a orar na natureza e sem cerimônia, simplesmente entrando no mais íntimo de si mesmo e invocando-o carinhosamente como Pai Nosso. 

 

Essa revolução na forma de crer e de falar de Deus dá o testemunho de que sagrada é a Vida, humana ou de outro tipo. Revela que Deus está em nós. Como no século IV, dizia Santo Agostinho: “mais íntimo a nós do que nós mesmos”. Essa presença amorosa do Espírito em cada pessoa e no universo possibilita a liberdade em relação às instituições ao mesmo tempo que une intimidade divina e cuidado com a natureza. Esse princípio divino do Amor em nós não deve ser um intimismo que resvala para o individualismo. Precisa expressar-se social e politicamente: a revolução interior produzida em cada um só se realiza quando nos colocamos no serviço uns dos outros e no esforço comunitário por transformar o mundo. 

 

A dimensão social libertadora da fé e da espiritualidade é a espinha dorsal do Movimento Fé e Política. Ela não se desliga da busca de relação direta com Deus, mas, conforme o evangelho, a antecede. De acordo com a carta de João, quem não ama o seu irmão a quem vê não pode amar a Deus a quem não vê. O próprio Jesus falou claro: “O que, em meu nome, fizerdes a um desses pequeninos é a mim que fazeis”. Essa dimensão do amor solidário não consiste apenas na compaixão por quem sofre. Trata-se de uma liga essencial que faz de seres diferentes uma só unidade. 

 

Mais ainda do que em 1989, a complexidade social e política do mundo pluralista em que hoje vivemos exige de nós ação conjunta e com a característica de diálogo intercultural e inter-religioso. Mesmo se nem todas as religiões e tradições espirituais usem o termo fé, o Movimento Fé e Política lembra que todas nasceram a partir da preocupação do amor social e da solidariedade, como caminhos de intimidade com o Divino. 

 

Por isso, o caminho é buscar unir Igrejas, religiões e mesmo as pessoas que buscam o Amor fora das estruturas religiosas. Além de ser exigência da conjuntura social e política, a preocupação de ultrapassar as fronteiras de uma Igreja e mesmo de uma religião é o próprio coração da espiritualidade sócio-libertadora. É sua dimensão fontal: é intrínseca e essencial a essa espiritualidade ser saída ao encontro do outro, porque é a abertura e a experiência de alteridade que a alimenta. 

 

O papa Francisco propõe uma Igreja em saída. Isso só se realizará em cada comunidade eclesial e no próprio Movimento Fé e Política quando esse “em saída” se tornar modo de viver a fé e de expressar a espiritualidade. A espiritualidade será em saída quando for plena e radicalmente ecumênica. Mesmo no dia a dia corriqueiro de cada pessoa e grupo eclesial (por exemplo, quando formado somente por católicos) busque-se sempre e cada vez mais que cada expressão da fé se enriqueça com elementos de outras Igrejas e outras expressões religiosas. A perspectiva não é apenas a unidade das Igrejas e sim o ecumenismo do reino de Deus, ou seja, a construção no mundo do projeto divino da paz, justiça e comunhão com o universo. É o que no século XVII, o filósofo judeu-evangélico Baruch Spinoza chamou de “comunismo do espírito” (Cf. Donati Caleri, Spinoza e Zen Budismo, Ed. 7 Letras, 2019, p. 125). 

 

NATAL PARA O POBRE LÁZARO

Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp

 

O Evangelho de São Lucas (16,19-31) apresenta um rico opulento e um pobre, chamado Lázaro, que mendigava à sua porta. O texto diz que o miserável homem alimentava-se das migalhas que caiam da mesa do rico. Sabemos que o nome Lázaro significa “Deus ajudou”. Na verdade, Lázaro representa aqueles que são desfrutados, esquecidos, que não são vistos, que já não têm força para trabalhar (o pobre estava sentado no chão), são aqueles transformados por nós em personagens banais, ou seja, nós os vemos, mas são indiferentes ao nosso olhar. Lázaro neste mundo está realmente sozinho, sem eira nem beira.

 

No entanto, não podemos dizer o mesmo em relação a preocupação de Deus para com ele. Trata-se de uma outra lógica. Vamos usar nossa imaginação e refletir que toda iniciativa divina consiste em libertar o homem de sua condição lazarenta. Toda a história de salvação segue esta dinâmica. Assim, feito escravo no Egito, ao pobre Lázaro (os hebreus) lhe restou apenas a força para gritar. Seu grito chegou aos ouvidos de Deus, e este desceu para libertá-lo do maldito fardo que pesava sobre os seus ombros, através da guia de Moisés. Tantas vezes na dureza do deserto, Lázaro duvidou desta libertação e buscou outros amores. Mas o Amado o conduziu outra vez ao deserto (Os 2,14) para falar-lhe ao coração, como esposo que não quer ser mais traído por sua esposa.

 

Lázaro está vulnerável não apenas à fome, à sede, ao sol, à chuva, mas, sobretudo, à maldade sem limites dos impérios deste mundo. Assim foi em relação a Babilônia, no exílio. Contudo uma coisa é certa: o pobre massacrado pela bota dos grandes aprendeu a colocar a sua esperança na chegada do dia de Deus. Os profetas já o anunciavam. Foi esperado como dia glorioso, onde todos comeriam juntos, sem desigualdades, seria de plena harmonia e, sobretudo, de Justiça e de Paz.

 

Passaram-se séculos até que todas as profecias se cumprissem. E o próprio Deus, para subverter os sábios e inteligentes deste mundo, escolheu assumir uma vida lazarenta  para estar ao lado de todos os lázaros da história. Exatamente, foi pela via da contramão que aconteceu o total aniquilamento e Kénosis divina: Deus feito homem. Mas tudo com um único objetivo: para elevar os Lázaros. Quem podia imaginar isso? Mas foi assim mesmo: não veio pelos palácios nem em berço de ouro, não foi em nenhuma loja com pisca pisca, nem foi trazido por nenhum velhinho de barba branca. O certo é que os pagãos, aqueles que não pertenciam a casta dos doutores religiosos, e um grupo de pastores tidos como homens de mã fama (também lázaros) foram os primeiros a procurá-lo guiados por uma estrela para adorá-lo.

 

No grande centro do poder estava Herodes preocupadíssimo com toda esta história. Quando não satisfazia seu egocentrismo apelava para a morte violenta e assim muitos morreram sem merecer. Não foi a toa que Flávio Josefo o descreveu como impiedoso também com seus soldados. O mesmo historiador acrescenta que todo seu ódio incontrolável lhe custou um tumor no estômago. Quem diria que Lázaro, fedorente e faminto, poderia incomodar tanto os poderosos que sempre lhe humilharam com os grandes banquetes e com as altas taxas de impostos?

 

Natal sem Lázaro não passa de um conto de fadas. Deus se aniquilou para redimir toda vida lazarenta da história. Mesmo que não queiramos admitir, mas esta é a pura verdade: o nascimento de Jesus foi primeiramente para os lázaros que estão caídos pelo chão, nos porões escuros da humanidade.

 

Chegamos a nosso século e, infelizmente, estamos ainda presenciando uma vida lazarenta porque não fomos suficientemente colaboradores fiéis de Deus. Herodes continua com seus herdeiros: fechando as fronteiras para humilhar os imigrantes, propagando ameaças aos povos nativos com a calúnia de serem terroristas. Sem contar a persistência por um discurso de ordem e progresso sem o respeito pelas diferenças lazarentas. A herança de Herodes parece avançar sem piedade. Onde será que Lázaro nascerá primeiro? Quem terá a alegria de escutar seu choro na noite? Seriam os herodes nos seus palácios que vomitam de tanto comer? Seriam os protagonistas de uma religião burguesa que se reúnem para trocar presentinhos, mas não abrem as portas para levantar o pobre Lázaro do chão? Duvido que isso seja Natal!

 

Chegou o tempo de sermos mais humildes. Reconhecermos nossa condição lazarenta para sermos mais solidários e humanos. Abrir as nossas portas, darmos o melhor espaço a Lázaro e empenharmo-nos por um mundo sem Herodes. Isso sim nos fará rejubilar de esperança quando ouvirmos mais uma vez a Palavra de Deus: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo (Lázaro!) Senhor” (Lc 2,10).

 

Tenhamos todos um feliz natal, mas sem esquecer dos lázaros!

 

O BAIXO NÍVEL DA TV.

 

D. Henrique Soares, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Aracaju -SE (Fal. 2020)

A situação é extremamente preocupante: no Brasil, há uma televisão de altíssimo nível técnico e baixíssimo nível de programação. Sem nenhum controle ético por parte da sociedade, os chamados canais abertos (aqueles que se podem assistir gratuitamente) fazem a cabeça dos brasileiros e, com precisão satânica, vão destruindo tudo que encontram pela frente: a sacralidade da família, a fidelidade conjugal, o respeito e veneração dos filhos para com os pais, o sentido de tradição (isto é, saber valorizar e acolher os valores e as experiências das gerações passadas), as virtudes, a castidade, a indissolubilidade do matrimônio, o respeito pela religião, o temor amoroso para com Deus.

 

Na telinha, tudo é permitido, tudo é bonitinho, tudo é novidade, tudo é relativo! Na telinha, a vida é pra gente bonita, sarada, corpo legal… A vida é sucesso, é romance com final feliz, é amor livre, aberto desimpedido, é vida que cada um faz e constrói como bem quer e entende! Na telinha tem a Xuxa, a Xuxinha, inocente, com rostinho de anjo, que ensina às jovens o amor liberado e o sexo sem amor, somente pra fabricar um filho… Na telinha tem o Gugu, que aprendeu com a Xuxa e também fabricou um bebê… Na telinha tem os debates frívolos do Fantástico, show da vida ilusória… Na telinha tem ainda as novelas que ensinam a trair, a mentir, a explorar e a desvalorizar a família… Na telinha tem o show de baixaria do Ratinho e do programa vespertino da Bandeirantes, o cinismo cafona da Hebe, a ilusão da Fama… Enquanto na realidade que ela, a satânica telinha ajuda a criar, temos adolescentes grávidas deixando os pais loucos e o futuro comprometido, jovens com uma visão fútil e superficial da vida, a violência urbana, em grande parte fruto da demolição das famílias e da ausência de Deus na vida das pessoas, os entorpecentes, um culto ridículo do corpo, a pobreza e a injustiça social… E a telinha destruindo valores e criando ilusão…

 

E quando se questiona a qualidade da programação e se pede alguma forma de controle sobre os meios de comunicação, as respostas são prontinhas: (1) assiste quem quer e quem gosta, (2) a programação é espelho da vida real, (3) controlar e informação é antidemocrático e ditatorial… Assim, com tais desculpas esfarrapadas, a bênção covarde e omissa de nossos dirigentes dos três poderes e a omissão medrosa das várias organizações da sociedade civil – incluindo a Igreja, infelizmente – vai a televisão envenenando, destruindo, invertendo valores, fazendo da futilidade e do paganismo a marca registrada da comunicação brasileira…

 

Um triste e último exemplo de tudo isso é o atual programa da Globo, o Big Brother (e também aquela outra porcaria, do SBT, chamada Casa dos Artistas…). Observe-se como o Pedro Bial, apresentador global, chama os personagens do programa: “Meus heróis! Meus guerreiros!” – Pobre Brasil! Que tipo de heróis, que guerreiros! E, no entanto, são essas pessoas absolutamente medíocres e vulgares que são indicadas como modelos para os nossos jovens!

 

Como o programa é feito por pessoas reais, como são na vida, é ainda mais triste e preocupante, porque se pode ver o nível humano tão baixo a que chegamos! Uma semana de convivência e a orgia corria solta… Os palavrões são abundantes, o prato nosso de cada dia… A grande preocupação de todos – assunto de debates, colóquios e até crises – é a forma física e, pra completar a chanchada, esse pessoal, tranquilamente dá-se as mãos para invocar Jesus… Um jesusinho bem tolinho, invertebrado e inofensivo, que não exige nada, não tem nenhuma influência no comportamento público e privado das pessoas… Um jesusinho de encomenda, a gosto do freguês… que não tem nada a ver com o Jesus vivo e verdadeiro do Evangelho, que é todo carinho, misericórdia e compaixão, mas odeia o fingimento, a hipocrisia, a vulgaridade e a falta de compromisso com ele na vida e exige de nós conversão contínua! Um jesusinho tão bonzinho quanto falsificado… Quanta gente deve ter ficado emocionada com os “heróis” do Pedro Bial cantando “Jesus Cristo, eu estou aqui!”

 

Até quando a televisão vai assim? Até quando os brasileiros ficaremos calados? Pior ainda: até quando os pais deixarão correr solta a programação televisiva em suas casas sem conversarem sobre o problema com seus filhos e sem exercerem uma sábia e equilibrada censura? Isso mesmo: censura! Os pais devem ter a responsabilidade de saber a que programas de TV seus filhos assistem, que sites da internet seus filhos visitam e, assim, orientar, conversar, analisar com eles o conteúdo de toda essa parafernália de comunicação e, se preciso, censurar este ou aquele programa. Censura com amor, censura com explicação dos motivos, não é mal; é bem! Ninguém é feliz na vida fazendo tudo que quer, ninguém amadurece se não conhece limites; ninguém é verdadeiramente humano se não edifica a vida sobre valores sólidos… E ninguém terá valores sólidos se não aprende desde cedo a escolher, selecionar, buscar o que é belo e bom, evitando o que polui o coração, mancha a consciência e deturpa a razão!

 

Aqui não se trata de ser moralista, mas de chamar atenção para uma realidade muito grave que tem provocado danos seríssimos na sociedade. Quem dera que de um modo ou de outro, estas linhas de editorial servissem para fazer pensar e discutir e modificar o comportamento e as atitudes de algumas pessoas diante dos meios de comunicação…

 

E se alguém não gostou do que leu, paciência! 

 

O PACTO DAS CATACUMBAS

DO BOLETIM 145 DE 2013

Dom Hélder Câmara

 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

(disponível em www.unisinos.br/ihu/index.php)

 

No dia 16 de novembro de 1965, poucos dias antes da clausura do Concílio Vaticano II, cerca de 40 Padres Conciliares celebraram uma Eucaristia nas catacumbas de Domitila, em Roma, pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Após essa celebração, firmaram o “Pacto das Catacumbas”.

 

O documento é um desafio aos “irmãos no Episcopado” a levarem uma “vida de pobreza”, uma Igreja “servidora e pobre”, como sugeriu o papa João XXIII. Os signatários - dentre eles, muitos brasileiros e latinoamericanos, sendo que mais tarde outros também se uniram ao pacto – se comprometiam a viver na pobreza, a rejeitar todos os símbolos ou os

privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. O texto teve forte influência sobre a Teologia da Libertação, que um dos signatários e propositores do Pacto foi Dom Hélder Câmara, cujo centenário de nascimento é celebrado neste sábado, dia 

 

PACTO DAS CATACUMBAS DA IGREJA SERVA E POBRE

 

(Publicado no livro “Concílio Vaticano II”, Vol. V, Quarta Sessão,Vozes, 1966, organizado por Boaventura Kloppenburg. p. 526-528).

 

Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:

 

1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20.

 

2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de

matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro nem prata.

 

3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19- 21; Lc 12,33s.

 

4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At. 6,1-7.

 

5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome

evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15. 

 

6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.

 

7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.

 

8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At 18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27.

 

9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s. 10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf.At. 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tim 5, 16.

 

11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da humanidade - comprometemo-nos:

 

– a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;

– a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho,como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.

 

12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:

 

– esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;

– suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns chefes segundo o mundo;

– procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...;

– mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34s; At 6,1-7; 1Tim 3,8-10.

 

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.

 

AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.

 

Nota sobre os participantes da celebração do pacto das catacumbas, na catacumba de Santa Domitila - Roma - 16 de novembro de 1965, por José Oscar Beozzo - São Paulo, 26-06-2009.

 

Na verdade, tive acesso a duas listas de presença, em diferentes momentos do Concílio (1962 e 1964) dos bispos que participavam do Grupo “Igreja dos Pobres”. Essas listas encontravam-se entre os papéis

do Cardeal Lercaro, depositados no Instituto per le Scienze Religose de Bologna.

 

Não tenho, porém, a lista daqueles 39 bispos que estiveram na celebração da missa na Catacumba de Santa Domitila no dia 16 de novembro de 1965, quando foi firmado entre eles o Pacto das Catacumbas.

 

Quiseram fazer uma celebração discreta, longe da imprensa, com poucos bispos (inicialmente devia ser para 20 apenas), para evitar que seu gesto de despojamento e compromisso pudesse ser interpretado como uma “lição” aos demais bispos. Tanto assim que a primeira notícia da celebração só apareceu numa nota de Henri Fesquet no Jornal Le Monde, mais de três semanas depois, no dia de encerramento do Concílio, a 8 de dezembro de 1965, sob o título “Un groupe d’évêquês anonymes s’engage

à donner le témoignage extériieur d’une vie de stricte pauvreté”, (Henri Fesquet, in Journal du Concile. Forcalquier: Robert Morel Editeur, 1966, pp. 1110-1113). A notícia não citava nomes.

 

Existe a lista dos que participaram naquela celebração. Ela se encontra entre os papeis de Mgr. Charles Marie Himmer, bispo de Tournai na Bélgica, que presidiu a concelebração daquela manhã e pronunciou a homilia. Trata-se do documento 80 dos “Papiers Himmer” depositado no Arquivo do Vaticano II na Universidade de Louvain. Não tive acesso a esse documento, mas é possível solicitá-lo à universidade, se Jon Sobrino ou o site da PUC-Rio se interessam. M. Lamberigts, professor de História em Leuven e Claude Soetens, também historiador em Louvain-la-Neuve poderiam eventualmente localizar o documento.

 

Posso dizer que 

do Brasil, participaram da celebração, Dom Antônio Fragoso de Crateús CE, Dom Francisco Austregésilo Mesquita Filho de Afogados da Ingazeira, PE, Dom João Batista da Mota e Albuquerque, arcebispo de Vitória, ES, o Pe. Luiz Gonzaga Fernandes que estava para ser sagrado bispo auxiliar de Vitória, dias depois, lá mesmo em Roma, Dom Jorge Marcos de Oliveira de Santo André, SP, Dom Helder Camara, Dom Henrique Golland Trindade, OFM, arcebispo de Botucatu, SP, Dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba, PB.  

 

De outros países, 

Mgr. Georges Mercier, bispo de Laghouat no Sahara, Mgr. Hakim, bispo melquita de Nazaré, 

Mgr. Haddad, bispo melquita, auxiliar de Beirute, Mgr. Gérard Marie Coderre, bispo de Saint Jean de Quebec do Canadá,

Mons. Rafael Gonzalez Moralejo, auxiliar de Valencia na Espanha,  

Mons. Julius Angerhausen, auxiliar de Essen na Alemanha;

da França, Mgr. Guy Marie Riobé, bispo de Orleans, Mgr. Gérard Huyghe de Arras, Mgr.Adrien Gand, bispo auxiliar do Cardeal Liénart em Lille; 

da Itália, Mons. Luigi Betazzi, naquela época auxiliar do cardeal Lercaro emBologna; 

da África, Dom Bernard Yago, arcebispo de Abidjan na Costa

do Marfim, Joseph Blomjous, bispo de Mwanza, na Tanzânia;

da Ásia,  Mons. Charles Joseph de Melckebeke, belga, mas bispo de Ningsia na China, expulso e morando em Singapura.

 

Havia também bispos do Vietnã e Indonésia. 

De outros países da América Latina, participavam do grupo Igreja dos Pobres, Mons. Manoel Larrain de Talca no Chile, Mons. Marco Gregorio Mc Grath do Panamá (diocese de Santiago de Veraguas),

Mons. Leonidas Proaño de Riobamba, Equador; 

da Argentina, Mons. Alberto Devoto da diocese de Goya, Mons. Vicente Faustino Zazpe da diocese de Rafaela, Mons. Juan José Iriarte

de Reconquista; 

do Uruguai, Mons. Alfredo Viola, bispo de Salto e seu

auxiliar, Mons. Marcelo Mendiharat;

 da Colômbia, Mons. Tulio Botero Salazar, arcebispo  de Medellín e seu auxiliar, Medina;  Muñoz Duque de

Pamplona, Raúl Zambrano de Facatativá e Mons. Angelo Cuniberti, vigário apostólico de Florencia.

 

Esses eram os mais fieis do grupo, mas para saer se estavam lá na Missa, é preciso verificar na lista daquele dia. Sei que também Paul Gauthier e Marie Thérèse Lescaze, os dois franceses, mas vivendo na Palestina e animadores da Fraternidade de Jesus Charpentier em Nazaré e do Grupo Igreja dos Pobres, no Concílio, participaram da celebração.

 

Um momento mais público do Grupo “Igreja dos Pobres” aconteceu na terceira sessão, em que dois documentos ali preparados, em novembro de 1964, recebeu a adesão de mais de 500 padres conciliares:  Simplicitas et paupertas evangélica (Simplicidade e pobreza evangélica) e Ut in nostro ministério primus locus pauperum evangelizationi tribuatur (Para que em nosso ministério [episcopal], se dê o primeiro lugar DO RETIRO)

 

ORAÇÃO CONTEMPLATIVA-o que é?

 

03/10/2018 

 

Do Pe. Freddy Goven, Alagoinhas BA-

 3ª meditação do Retiro de jan. 2018, DO BOLETIM 156.

 

A nossa vida cristã está, necessariamente, marcada pela vida de oração. 

 

Em todos os mestres espirituais encontramos sempre, de diferentes formas, a mesma verdade: A oração é indispensável para o cristão. O próprio Senhor nos convida a “orar sem cessar”. Definir o que é a oração, no entanto, pode ser ao mesmo tempo simples e confuso. Por um lado, podemos dizer que rezar é, simplesmente, falar com Deus. Mas, todos os que já tiveram uma pequena experiência de oração sabem que, embora essa definição seja verdadeira, ela precisa ser melhor detalhada, se queremos ter uma ideia mais exata do que se trata. 

 

Quando buscamos entrar um pouco mais nas formas e métodos para rezar, parece comum encontrar a contemplação como um ápice dessa vida. Mas, do que se trata a contemplação? 

 

Seguindo os passos de um mestre dominicano, podemos entender a contemplação, de modo geral, como a resposta que dá o nosso espírito a um grandioso espetáculo que chama poderosamente a nossa atenção. É, de alguma maneira, olhar um objeto com admiração. Por exemplo, constatar uma realidade, como também podemos deixar que isso de alguma forma toque o nosso interior e que nos “fale” e que nos “questione”. Talvez possamos distinguir aqui a diferença entre um mero olhar e o contemplar. 

 

Podemos contemplar não só uma flor, mas também o mar, uma cadeia de montanhas, uma bonita cachoeira ou uma bela obra de arte. No entanto, em todos esses casos estamos falando de uma espécie de contemplação que podemos chamar de natural. A contemplação cristã é sobrenatural e foi definida de muitas formas. Santo Agostinho disse que “a contemplação é uma deliciosa admiração da verdade resplandecente”. São Francisco de Sales, por sua vez, disse que ela “não é mais que uma amorosa, simples e permanente atenção do espírito às coisas divinas”. Uma característica dessa contemplação é que ela é infundida em nós, ou seja, que uma luz superior (de Deus) nos ilumina com essas verdades que contemplamos. 

 

Podemos entrar em muitos outros detalhes referentes à contemplação e, ao final, chegar à seguinte definição: “É uma simples intuição da verdade divina procedente da fé e ilustrada pelos dons do entendimento, sabedoria e ciência, em estado perfeito”. Talvez não seja uma definição tão bonita quanto a de Santo Agostinho ou São Francisco de Sales, mas ilustra bem como contemplar é um dom de Deus ao homem que tem fé. 

 

Na vida de Charles de Foucauld, o protagonista que deve sempre mais aparecer e agir através do discípulo, é o próprio Deus. Charles emprestou sua própria vida a Deus, uma vida não retida, mas doada. Quem guarda a própria vida para si, este a perde, mas quem a entrega, este a ganha. 

 

A decisão que levou Charles de Foucauld a viver junto com os tuaregues, os pobres do deserto, é a condição de um caminho místico e contemplativo. O amor radical nasce dessa entrega. 

 

Neste caminho está o processo de contemplação: antes de contemplar, é necessário amar. Antes de proclamar as palavras e anunciar a mensagem, é preciso vivê-la, sem arrogância nem orgulho, na própria vida. 

 

De tudo isso, pode vir a sensação de que a contemplação é algo muito elevado, só para alguns escolhidos, para terem revelações místicas, e não para todas as pessoas. Entretanto, os mestres espirituais insistem que todos nós somos chamados a percorrer a senda da vida de oração até chegar a essa contemplação. Acho que para isso vale a pena entender que não existe ninguém incapaz de contemplar, porque a santidade à qual estamos chamados é sempre nova, única, reflexo da grandiosidade infinita e bela de Deus. Nós não somos chamados para a passividade. Somos chamados, sim, para sermos santos e contemplar a face de Deus cara a cara, em sua Glória (cf. Mt 5,48). 

 

Com esta pequena meditação nem chegamos a “arranhar” a superfície da realidade da oração de contemplação. Há muito, ainda, para aprofundar e crescer! Que possamos, ao menos, fazer como Maria, quando contemplou a mensagem de Deus por meio do Anjo: deixar que Deus infunda em nossos corações sua Verdade para que, contemplando-a, nos coloquemos ao seu serviço, nas diversas realidades em que vivemos (Confira e reflita Lucas 1,26-38). 

 

APROFUNDANDO UM POUCO MAIS 

 

Existe uma ferramenta poderosa que pode incrementar a sua vida de oração e vida espiritual. Muitos de nós, em nossa busca incessante pelo Senhor, temos o hábito de orar bastante. São orações de intercessão, agradecimento, petições, entrega etc. Mas, infelizmente, assim que oramos por todas as nossas necessidades e pelas necessidades dos outros ao nosso redor, e mesmo pelas necessidades do mundo inteiro, simplesmente dizemos “amém” e seguimos a nossa jornada diária. Não desmereço aqui o valor dessa oração, pelo contrário. Contudo, existe um passo adiante... 

 

Existe um lugar que poucos se atrevem a alcançar. Lá, precisamente quando seu coração está “queimando” na presença de Deus, quando você termina a sua oração “formal”, é exatamente nesse instante que devemos nos calar e simplesmente contemplar a sua beleza. Muitos falam de níveis de oração. Alguns dizem que num primeiro momento, quando começamos a orar, a nossa carne luta para permanecer em oração, mas, quando atingimos a dimensão do Espírito, torna-se difícil sair dela. Este é o início da oração contemplativa. (Nota nossa: a carne luta contra o fato de permanecermos em oração). 

 

A oração contemplativa não substitui a formal. Ela a complementa e nos leva a lugares mais altos, à intimidade com Deus. A oração contemplativa consiste em simplesmente “estar ali”. Não é o caso de pedir algo. É o caso de apenas estar com o coração no Senhor, simplesmente porque você o ama por aquilo que Ele é. Palavras, algumas vezes, tornam-se desnecessárias ali, no santo lugar onde ele se revelará intimamente a você. Algumas pessoas tentam ficar em silêncio nesse momento e, após poucos minutos, se não ouvem nada, simplesmente dizem “amém”, levantam-se e partem para o seu dia. Mas o Senhor procura aqueles que ficarão naquele lugar secreto por amor a Ele. Não pelo que Ele pode te dar, não pelo que ele pode te falar, mas por quem Ele é! 

 

De uma maneira prática funciona assim: chegue à presença do Senhor com toda a verdade de sua vida, o coração cansado e abatido (Ele não o desprezará). Peça perdão, misericórdia. Peça a Ele que cuide de suas necessidades e das dos outros. Entregue-se, adore-o... e assim que o seu “repertório” terminar, caso seu coração estiver “queimando”, caso sua mente esteja concentrada na beleza e grandeza do Senhor, cale-se e simplesmente desfrute, em espírito, a presença desse Deus maravilhoso. Passe cada vez mais tempo. Talvez seja bom colocar um fundo musical suave, de louvor, enquanto você ora. Alegre-se no Espírito. Você vai descobrir as delícias daqueles que gozam da intimidade Dele. Você terá, com o tempo, seus ouvidos espirituais abertos e ouvirá Sua voz doce e gentil. Dons começarão a se manifestar, ainda que você não peça. 

 

A oração contemplativa é descrita na Palavra de Deus e, mesmo por vários de seus servos, ao longo dos séculos. Martinho Lutero, por exemplo, passou vários anos de sua vida clamando a Deus que o visitasse, abrisse os céus e se revelasse a ele, e nada acontecia... até que, um dia, ele descobriu que tudo o que ele precisava já estava dentro dele. Assim também foi com nossa querida Madre Teresa de Calcutá... 40 anos de ausência de qualquer manifestação de Deus (a noite escura!). 

 

Lembre-se: “Deus é Espírito”. A oração contemplativa, durante abençoados minutos de silêncio, fará você voar nas asas do Espírito e você chegará ao alto monte onde conhecerá Deus face a face, na intimidade com Ele. 

 

Charles de Foucauld escreveu: “Logo que descobri que existe Deus, entendi que não podia mais fazer outra coisa a não ser viver por ele. Minha vocação religiosa começa no exato momento em que despertou a minha fé”. Desde aquele momento, Charles se esvaziava de tudo o que não era o Evangelho, “porque há uma grande diferença entre Deus e tudo aquilo que não é Ele”. 

 

No silêncio, no abandono e na contemplação, mergulhe no essencial. “O nosso aniquilamento é o meio mais poderoso que temos para nos unir a Jesus e fazer o bem”. Quando ainda estava no mosteiro trapista e decidiu a deixá-lo, Carlos escreveu: “No mosteiro passei seis anos e meio; depois, desejando querer me assemelhar a Jesus, fui autorizado a viver como alguém desconhecido, vivendo do meu trabalho cotidiano”. O coração de Charles se alargava numa dimensão universal, exatamente porque se tornou pequeno, escondido, participante da humildade do Senhor.

 

O QUINTO EVANGELHO

 

Do quinto evangelho: proclamação do Cristo do Corcovado

Leonardo Boff  Teólogo/Filósofo 

 

Naqueles dias, ao se completarem 80 anos de existência, o Cristo do Corcovado estremeceu e se reanimou. O que era cimento e pedra se fez carne e sangue. Estendendo os braços, como quem quer abraçar o mundo, abriu a boca, falou e disse:

“Bem-aventurados sois todos vós, pobres, famintos, doentes e caídos em tantos caminhos sem um bom samaritano para vos socorrer. O Pai que é também Mãe de bondade vos tem em seu coração e vos promete que sereis os primeiros herdeiros do Reino de justiça e de paz.

Ai de vós, donos do poder, que há quinhentos anos sugais o sangue dos trabalhadores, reduzindo-os a combustível barato para vossas máquinas de produzir riqueza iníqua. Não serei eu a vos julgar, mas as vitimas que fizestes atrás das quais eu mesmo me escondia e sofria.

Bem-aventurados sois vós, indígenas de tantas etnias, habitantes primeiros destas terras ridentes, vivendo na inocência da vida em comunhão com a natureza. Fostes quase exterminados. Mas agora estais ressuscitando com vossas religiões e culturas dando testemunho da presença do Espírito Criador que nunca vos abandonou.

Ai daqueles que vos subjugaram, vos mataram pela espada e pela cruz, negaram-vos a humanidade, satanizaram vossos cultos, roubaram-vos as terras e ridicularizaram a sabedoria de vossos pagés.

Bem-aventurados e mais uma vez bem-aventurados sois vós, meus irmãos e irmãs negros, injustamente trazidos de Africa para serem vendidos com peças no mercado, feitos carvão para ser consumido nos engenhos, sempre acossados e morrendo antes do tempo.

Ai daqueles que vos desumanizaram. A justiça clama aos céus até o dia do juízo final. Maldita a senzala, maldito o pelourinho, maldita a chibata, maldito o grilhão, maldito o navio-negreiro. Bendito o quilombo, advento de um mundo de libertos e de uma fraternidade sem distinções.

Bem-aventurados os que lutam por terra no campo e na cidade, terra para morar e para trabalhar e tirar do chão o alimento para si, para os outros e para as fomes do mundo inteiro.

Maldito o latifúndio improdutivo que expulsa posseiros e que assassina quem ocupa para ter onde morar, trabalhar e ganhar o pão para seus filhos e filhas. Em verdade vos digo: chegará o dia em que sereis espoliados. E a pouca terra da campa será pesada sobre vossas sepulturas.

Bem-aventuradas sois vós, mulheres do povo, que resististes contra a opressão milenar, que conquistastes espaços de participação e de liberdade e que estais lutando por uma sociedade que não se define pelo gênero, sociedade na qual homens e mulheres, juntos, diferentes, recíprocos e iguais inaugurareis uma aliança perene de partilha, de amor e de corresponsabilidade.

Benditos sois vós, milhões de menores carentes e largados nas ruas, vitimas de uma sociedade de exclusão e que perdeu a ternura pela vida inocente. Meu Pai, como uma grande Mãe, enxugará vossas lágrimas, vos apertará contra o seu peito porque sois seus filhos e filhas mais queridos.

Felizes os pastores que servem, humildemente, o povo no meio do povo, com o povo e para o povo. Ai daqueles que trajem vestes vistosas, se envaidecem nas televisões, usam símbolos sagrados de poder, exaltam o Pai Nosso e esquecem o Pão Nosso. Quantos não usam o cajado contra as ovelhas ao invés de contra os lobos. Não os reconheço e não testemunharei em favor deles quando aparecerem diante do meu Pai.

Bem-aventuradas as comunidades eclesiais de base, os movimentos sociais por terra, por teto, por educação, por saúde e por segurança.

Felizes deles que, sem precisar falar de mim, assumem a mesma causa pela qual vivi, fui perseguido e executado na cruz. Mas ressurgi para continuar a insurreição contra um mundo que dá mais valor aos bens materiais que à vida, que privilegia a acumulação privada à participação solidária e que prefere dar os alimentos aos cães que aos famintos.

Bem-aventurados os que sonham com um mundo novo possível e necessário no qual todos possam caber, a natureza incluída. Felizes são aqueles que amam a Mãe Terra como sua própria mãe, respeitam seus ritmos, dão-lhe paz para que possa refazer seus nutrientes e continuar a produzir tudo o que precisamos para viver.

Bem-aventurados os que não desistem, mas resistem e insistem que o mundo pode ser diferente e será, mundo onde a poesia anda junto com o trabalho, a musica se junta às máquinas e todos se reconhecerão como irmãos e irmãs, habitando a única Casa Comum que temos, este belo e irradiante pequeno planeta Terra.

Em verdade, em verdade vos digo: felizes sois vós porque sois todos filhos e filhas da alegria pois estais na palma da mão de Deus.

Amém”.

 

Dois textos sobre o mesmo assunto, ambos do boletim 151, de 2015. O segundo texto é do Pe. João Rocha: Como Jesus, no último lugar, trecho do seu livro.

 

BUSCANDO SEMPRE O ÚLTIMO LUGAR

Pe. Orlando de Almeida Alves – Diocese de Assis - SP

 

Buscando sempre o último lugar, Charles de Foucauld (1858-1916), padre francês que escolheu viver seu ministério entre os mais afastados, morreu solitário no deserto argelino em meio ao povo tuaregue. "Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto"(Jo 12,24). A partir da realização desta passagem bíblica em sua vida surgiram muitos frutos, um dos quais as fraternidades sacerdotais. 

Assim, todos os anos os membros das fraternidades sacerdotais espalhadas pelo Brasil e o mundo encontram-se para participarem do retiro anual. Desse modo, de 06 à 13 de Janeiro deste ano 74 participantes entre padres, bispos, diáconos, seminaristas, leigos e leigas estiveram presentes no retiro que realizou-se na Comunidade Bethânia, na cidade de São João Batista - SC. A realização do retiro na Comunidade Bethânia, uma das casas de acolhida de dependentes químicos fundadas pelo Pe. Léo, proporcionou a rica experiência da interação com os membros acolhidos que travam violenta luta para superarem o calvário da dependência química.

D. Eugênio Rixen, Bispo de Goiás, o pregador do retiro, preparou as colocações a partir dos escritos de S. Bernardo e Santa Teresa D`Ávila, fontes nas quais bebeu Charles de Foucauld. Pontuado pelos traços marcantes da vida espiritual do "irmão Carlos" -despojamento, silêncio, deserto, trabalho manual, adoração eucarística-, paulatinamente o retiro foi encaminhando-se para seu momento central: o dia de deserto. Assim, na sexta-feira, logo ao raiar do dia, em meio à natureza exuberante da mata atlântica que por si só proporcionava o encontro com Deus, cada um saiu silenciosamente para o seu encontro pessoal com o Senhor, voltando somente ao cair da tarde para a Celebração Eucarística e a partilha do deserto.

O legado deixado por Charles de Foucauld, o irmão universal, muito em sintonia com as inspirações do Papa Francisco, tem cada vez mais se configurado como uma resposta segura para os anseios da busca de uma espiritualidade consistente que responda ao pragmatismo, relativismo, consumismo, individualismo, sentimentalismo, enfim, ao vazio interior, aspectos marcantes dos tempos de hoje que inclusive permeiam nossas vidas e, por conseguinte, nossas paróquias, comunidades, seminários e presbitérios, numa palavra, nossa Igreja.    

 

COMO JESUS... NO ÚLTIMO LUGAR

João Rocha – Irmãozinhos da Divina Ternura – Guarapuava – PR

Trecho do Livro Como Jesus... no último lugar – p.2.8-11

 

INTRODUÇÃO

 

Estamos no ano 1886 em Paris, na Igreja de Santo Agostinho. Pe. Huvelin prega e Carlos de Foucauld ouve, como em Filipos, Paulo falava e Lídia escutava (Atos, 16,14). Num momento de lírica inspiração, Pe. Huvelin comenta a vida de Jesus de Nazaré e os anos de escondimento, no último lugar, na última aldeia, na última profissão...  por 30 anos! A palavra do pregador penetra no coração do ouvinte. Mas de todo o sermão uma frase ficará para sempre ecoando na vida do jovem oficial. Por 30 anos Carlos de Jesus tentará vivenciá-la. “Jesus tomou o último lugar, tão último que até agora ninguém conseguiu roubá-lo”.

Na nossa vida sempre há um antes e um depois e, no meio, o evento que marcou, tocou, transformou.

É o evento que muda o rumo de uma vida: nunca mais seremos os mesmos.

Nós, cristãos, chamamos este evento de “Graça”- luz e energia- luz que ilumina e energia que fortalece. Carlos de Foucauld resolveu: “Eu quero tomar, como Jesus, o último lugar”. E foi o maior desafio e o melhor projeto de vida. Após uma juventude dissipada no vício, a Graça de Deus tocou o neo convertido no mais íntimo do seu ser, não no verniz, mas na raiz. Para todos há o momento da luz e da Graça de Damasco (a Graça relâmpago), como Paulo, que caiu na estrada. Francisco encontrou e beijou o leproso. Inácio de Loyola começou a enxergar na gruta de Manresa. Dom Bosco se comoveu numa prisão de menores. Teresa de Calcutá viu o gemido do povo num vagão de trem dos pobres.

Todos procurando o último lugar: Francisco deixa a rica mansão do pai, D. Bosco renuncia ao rico salário de pedagogo, Teresa sai do rico colégio para enterrar-se nas favelas. É a caça ao último lugar. O testemunho de Carlos de Jesus é luz para a nossa geração na obsessão dos primeiros lugares, nos meios de comunicação.

 

PRELIMINARES PARA O ÚLTIMO LUGAR

 

1) VINTE SÉCULOS DE CORRIDA

De São Pedro de Betsaida até hoje, poderíamos percorrer estes vinte séculos como uma corrida para alcançar o primeiro lugar. O Evangelho relata a corrida dos Doze para o primeiro lugar, corrida que continua até nas altas lideranças da Igreja, até provocar repetidos apelos recentes dos Papas para desenraizar todo carreirismo eclesiástico. Poderíamos percorrer esta corrida de vinte séculos nas suas formas mais dramáticas e até cômicas. Contudo, preferimos apresentar apenas dois quadros: um edificante e outro preocupante.

“Um duelo feroz” é assim que gostaria de apresentar o conclave mais conflitado após o Concílio de Trento. O Papa a ser eleito tinha que assumir, com vigor e rigor, as orientações do Concílio. Dois nomes apareceram: o arcebispo de Milão, Carlos Borromeu, e o inquisidor dominicano Miguel Ghislieri. O duelo chegou até ao cômico: ambos lutavam pela candidatura do outro. Carlos se tornou o grande eleitor de Miguel e vice-versa. Enfim, Carlos “ganhou” a corrida para o último lugar, pois conseguiu convencer os eleitores que Miguel teria sido o melhor Papa, tornando-se Pio V, São Pio V. O duelo feroz entre dois santos se repetiu mil vezes na história da Igreja. O pintor Beato Angélico, já nomeado arcebispo de Florença, conseguiu convencer o Papa para colocar o confrade Antonio Pierozzi (Antoninho) na Cátedra Episcopal Florentina.

Os santos são todos iguais: caçadores humildes dos últimos lugares. Mas, na história, temos também lamentáveis vaidades. Antes do Concílio Vaticano II, o profético padre Riccardo Lombardi escreveu um livro que abalou o mundo eclesiástico. “Um Concílio para a caridade”. Sem rodeios, denunciou, numa linguagem explícita, o carreirismo dos altos prelados da Cúria Romana. O sábio Papa João XXIII, que via no livro não só a fotografia, mas até a radiografia do mundo curial, interveio pedindo a suspensão da divulgação e da venda da publicação. Foi um momento de sofrimento para todos. Pe. Lombardi pediu perdão da audácia provocatória e mandou retirar as cópias da obra. O Pe. Jesuíta, fundador do Movimento “Mundo melhor”, tinha apenas denunciado um crônico câncer que penetra em toda a Igreja: a luta feroz para o poder e os primeiros lugares.

 

2) POR QUE TANTA SEDE DE PODER?

Os homens e as mulheres querem ser reis e rainhas, os reis e as rainhas querem ser deuses [...]. O nosso Deus se fez homem!

No mais íntimo da pessoa humana há uma insaciável sede de poder. É um impulso desordenado e irracional, consequência do pecado original. Dois são os legítimos desejos humanos: ser estimado com saudável desejo de fama e autoestimar-se com sadio direito a autovalorização. Infelizmente, estes dois desejos tendem à insaciabilidade. Não foi Nietzsche que criou a teoria do super-homem.

O orgulho desmedido do homem, seja entre os grandes, como entre os pequenos Sempre existiu, na história dos povos e da civilização. Diógenes fingindo mexer em ossos humanos, chamou a atenção de Alexandre Magno. “O que procuras?”, perguntou. O sábio, ironicamente, respondeu: “Não consigo separar e distinguir entre os ossos de teu pai Felipe com os de seus escravos.” E o pedagogo Aristóteles ao seu antigo aluno Alexandre fez um alerta: “Tu és escravo dos meus escravos, pois eu dominei os meus vícios e tu te deixas dominar por eles.” Diógenes e Aristóteles continuam a nos questionar, mas é sobretudo o nosso Mestre Jesus que nos destrona: “Quem se exalta, será humilhado.” Maria tinha orado: “Ele dispersa os soberbos... Ele derruba do trono os poderosos.”

 

3) SER ESTIMADO E AUTOESTIMAR-SE

Ninguém, como Jesus, nos desestrutura. À nossa sede de auto-estima JESUS responde: “Quando convidado [...] fica no último lugar” (Lc 14,8). Bom é a auto-estima, mas não demais.

E à nossa sede de populismo demagógico e de fama, Jesus adverte: “Quando queres convidar alguém a um banquete, convida os excluídos... não convides os grandes, os poderosos, os líderes bajulados.... mas os últimos.”

Podemos sintetizar:

Quando convidado, esconde-te no último lugar.

Quando convidas, escolhe os últimos.

Nossa sede de aparecer é insaciável. Os psicólogos, após vasculharem nos vários complexos, tentam passar para uma sadia autoestima. Sentimos como até de um complexo de inferioridade, há sempre uma boa dose de vaidade inconsciente. As mil declarações - “Eu não sou nada” - sempre escondem outra mensagem: “Por favor, olhem para mim!”

No mundo eclesiástico circula uma irônica anedota.

Na Missa, o bispo sempre ora: “Por mim, teu indigno bispo”. Um padre teve a ousadia de orar: “Pelo nosso indigno bispo”. Na sacristia, o bispo chamou a atenção do padre: “Eu posso dizer indigno, não você!” Ao que o padre replicou: “O senhor diz indigno sem convicção. Eu, em vez, digo indigno com convicção.”

Ainda criança, participei de uma recepção a um grande político. Os líderes locais se apinhavam em redor do poderoso visitante para a fotografia oficial. No jornal, a fotografia revelou um bando de “girafas”. Cada líder tinha esticado o pescoço para aparecer mais perto do grande político. Só mais tarde, ou talvez só agora, descobri que todos, eu incluído, somos insaciáveis caçadores dos primeiros lugares para aparecer.

 

4) UM CENTENÁRIO: TITANIC (1912) E  REI CONCORDIA (2012)

Ao ver o rei do Mediterrâneo afundar eu orei assim: “Senhor, que afunde toda a nossa falta de solidariedade. Senhor, enterra todo o meu egoísmo. Senhor, preencha o abismo entre pobres e ricos. Senhor, seja um apelo para vivenciar mais a solidariedade. Senhor, neste rei do Mediterrâneo, um exército de pobres serviam os ricos. A desgraça os irmanou. No navio tinha os turistas, os mais ricos; e os servos da tripulação, os mais pobres, os últimos. Senhor, que a igualdade reine para sempre. Amém”.

O famoso Costa Concórdia, em poucas horas afundou. Outros fizeram altos comentários, eu comparei o luxo do Rei do Mediterrâneo com a miséria e a fome de muitos. Logo um formigueiro de quadros vividos reapareceu: Aqui luxo, lá miséria. Somente a solidariedade, o apoio sólido, poderá formar um só povo (Atos 2,42-47).

Quinze debutantes me convidaram-me para uma Missa de Ação de Graças, seguida pela viagem nos Estados Unidos, em Miami, com a despesa individual de dois mil dólares. Eu propus um dízimo para construir 15 barracos na “toca da onça”, a favela mais abandonada de Guarapuava. As debutantes limitaram-se a insignificantes migalhas.

Um empresário convidou-me a benzer um palacete construído em cinco anos com o sangue de centenas de funcionários, com salários de fome. Como podia benzer com água o que foi construído com sangue?

Estava em reforma a minha Igreja, e, ao mesmo tempo, a mansão de um paroquiano. A reforma da mansão, bem mais cara que da Igreja, saiu rápida. Os meus pacatos convites a colaborar na obra da Igreja, só recebiam um estribilho: “Agora não... mais tarde!” E o mais tarde foi tarde demais. O paroquiano entrou na Jerusalém Celeste.

No final do retiro do clero sobre a espiritualidade de Carlos de Foucauld propus ao um colega: “Poderias renunciar às férias na praia para ajudar nas despesas de uma cirurgia de um miserável”. A reposta foi um meio sorriso irônico.

Completo o elenco dos contrastes, com um quadro trágico-cômico. Todo dia umas crianças me pediam tocos de velas. Por ironia da sorte eram os favelados de um punhado de barracos construídos debaixo da estação de luz Copel. Lá em cima holofotes, dentro dos barracos tocos de velas fumegantes. Uma criança completou: “Para fazer as tarefas da escola muitas noites tenho que ficar fora do barraco à luz dos holofotes da estação!”. Se os cristãos soubessem repartir, muitos irmãos seriam atendidos.

 

OS JOVENS E A FRATERNIDADE 

Muito obrigado por incluir-me no número de pessoas com quem você compartilha seus escritos. Certamente, como tão bem você diz, desde o encontro na Venezuela, há quase três anos, os laços entre Venezuela e o Brasil foram aprimorados. Esse, sem nenhuma dúvida, foi um dos frutos desse encontro.

Eu também agradeço muitíssimo por você compartilhar suas memórias sobre o evento das Assembleias Internacionais. Todos talvez estejamos de acordo de que pouco ou nada tenho a dizer sobre elas, visto que minha participação na fraternidade data de apenas quase cinco anos, desde meados de 2013.

No entanto, a reunião de 2015 apresentou-me à experiência de fraternidade, dando-me, posteriormente, a possibilidade de relacionar-me com cada um de vocês e com minha própria fraternidade de uma forma mais íntima e, portanto, mais formativa. 

Eu gostaria de focalizar principalmente o ponto 6 de seu escrito em relação aos jovens. Eu, pessoalmente, creio que o protagonismo dos jovens deve ser já e agora. Não ficar esperando pelos próximos anos, porque até que decidamos fazer isso, já não seriam tão jovens. 

Na Venezuela nós almejamos um encontro ou reunião de jovens da região, encontro que nos permitisse reconhecermos, descobrirmos, saber quem éramos, que fazíamos, como vivíamos, os valores da fraternidade. Lamentavelmente não foi possível. Por quê? Por muitos motivos. Conseguimos realizar um belo encontro no Brasil, e soube que no Chile também se fez algo parecido. Surgiu um importante grupo na Costa Rica, seguidos pela Laura, André e outros da Argentina, por minha pessoa, de uma ou de outra forma, mas, ainda assim, seguimos sem articularmos, sem conhecermos e sem saber como tem sido nossas experiências nas diversas fraternidades. Agora eu e esses jovens estamos três anos mais velhos e ainda não nos reunimos. É tão importante reunir-se? Vocês sabem, melhor do que eu, o que torna coeso e forte os membros de um grupo: ver seus pares e iguais em opções e caminhos de outras latitudes. Isso causa uma espécie de fogo...

A Assembleia Geral está próxima e me pergunto como e de que modo nós, jovens, vamos participar dela encarando o futuro. Eu sugeriria que se criasse um mecanismo de visibilidade desse rosto jovem da fraternidade. Também me ocorre que algum jovem deveria assistir a Assembleia Geral por região e eu me atreveria a propor Laura, sem consultá-la (perdão). Ou que cada país que assista, faça isso por meio de um jovem, de maneira tal que se envolva na dinâmica universal da fraternidade e tenha essa dimensão tão necessária para um posterior trabalho de animação na região. Que se lhe dê responsabilidade e presença. Qualquer um? Não. Vocês, com sua experiência, deverão filtrar e escolher jovens mais idôneos para isso. Façam uma lista das pessoas de 18 a 30 anos de seus países que estejam animados com a fraternidade e envolva-os, deleguem a eles responsabilidades, que eles sejam protagonistas. Estou certo de que ao menos mais de cinco nomes surgirão, e nos daremos conta de que há jovens, mas que não devemos deixar passar muito tempo porque, como o tempo, a juventude deles também passará e, com ela, também passará seu interesse.  

Yonar, da Costa Rica, e seu grupo, estão ansiosos para que nós, jovens, possamos nos reunir. Mas, para isso, precisamos do apoio e do estímulo de vocês, que têm em suas mãos esse tesouro. 

Bem, fico por aqui e peço desculpas, mas o motivo é que o discurso do Papa aos jovens no Chile me deixou emocionado. 

Bryan, Venezuela, do Boletim da Fraternidade Leiga

 

PADRES, PERDOEM OS BISPOS!

por Dom Redovino Rizzardo, cs

 

"Não se fazem mais bispos como antigamente!"

 

É o lamento que, de vez em quando, se ouve de padres e, sobretudo, de religiosas, que se sentiram cativados pelas figuras de Hélder Câmara, Paulo Evaristo Arns, Pedro Casaldaliga, Ivo e Aloísio Lorscheider, Mauro Morelli, Luciano Mendes de Almeida, Tomás Balduino e outros prelados que honraram a Igreja do Brasil nas últimas décadas do século XX.

 

A fidelidade ao Evangelho os levou a enfrentar as injustiças cometidas contra a população brasileira por expoentes de governos ditatoriais e neoliberais que dirigiram os destinos do país a partir de 1964. Assumindo a defesa dos direitos humanos e dos pobres, lutaram por um novo estado de coisas. E, graças a Deus e a uma multidão de padres, religiosos e leigos que seguiram seu exemplo, seus esforços colaboraram para implantar a democracia que o povo sonhava. Para tanto, alguns deles apoiaram a criação de um partido político, que nasceu com o propósito de fazer seus os ideais que a Igreja buscava, mas tardava em concretizar. Em resumo, uma época gloriosa, que deixou saudades e granjeou as simpatias até mesmo de pessoas distantes da Igreja.

 

Mas, agora, tudo isso terminou. Uma nuvem escura paira sobre o episcopado, arrefecendo sua profecia no campo político, social e econômico da nação. Os bispos atuais preferem ocupar-se com problemas de liturgia e de pedofilia. O que lhes interessa é a estrutura e o bom nome da Igreja. Sentem-se mais à vontade com os movimentos eclesiais e as novas comunidades do que com as pastorais sociais e as CEBs. Diante dos graves problemas sofridos pelo povo, o medo e o silêncio lhes impedem uma tomada de posição firme e corajosa.

 

A verdade, porém, é diferente. Para só ficar no campo social – que é o aspecto que mais se questiona –, estou convencido que a totalidade dos bispos do Brasil renova, a cada dia, sua opção evangélica e preferencial por todos os que se sentem distantes e excluídos. Sou agradecido a Deus por ter, como irmãos no episcopado, pessoas que, ainda hoje, sofrem perseguições pela justiça e pela verdade. É o que acontece com Erwin Kräutler, Luiz Flávio Cappio, José Luís Azcona Hermoso, Esmeraldo Barreto de Farias, Moacyr Grechi e outros, de quem a imprensa pouco ou nada se interessa.

 

Se é verdade que, com a subida ao poder do partido que parte da Igreja ajudou a nascer, começaram a ser implantadas, em todo o território nacional, as reformas sociais e econômicas solicitadas pelos líderes da teologia da libertação, das CEBs e do próprio episcopado, então os bispos atuais agradecem a Deus (e ao governo?!) por disporem de mais tempo para se ocuparem com a missão que lhes é específica, assim delineada pelo Documento de Aparecida: "Os bispos, como pastores e guias espirituais das comunidades a nós encomendadas, somos chamados a fazer da Igreja uma casa e escola de comunhão.

 

Como animadores da comunhão, temos a missão de acolher, discernir e animar carismas, ministérios e serviços na Igreja. Como pais e centro de unidade, nos esforçamos por apresentar ao mundo o rosto de uma Igreja na qual todos se sintam acolhidos como em sua própria casa. Para todo o Povo de Deus, em especial para os presbíteros, procuramos ser pais, amigos e irmãos, sempre abertos ao diálogo".

 

Nessa mudança de época em andamento, talvez tenha chegado o momento em que, mais do que a grandeza e a atuação deste ou daquele bispo, se deva incentivar a ação de um episcopado unido e concorde. É o que também pensava Chiara Lubich, ao afirmar que a humanidade de hoje é mais sensível ante uma santidade coletiva e popular, do que diante de pessoas que brilham quais estrelas de primeira grandeza num firmamento distante.

 

Fala-se que esse período opaco do episcopado brasileiro tenha começado há dez anos, o que coincide com o início de minha atividade episcopal. Se eu tivesse colaborado para essa "apatia" – mas não me atribuo tamanha importância! –, estaria longe do ideal deixado pelo fundador do Instituto religioso em que me formei, o bispo João Batista Scalabrini, para quem «o cristianismo não é apenas uma verdade teológica, mas também social, política e econômica.

 

Dom Redovino Rizzardo, cs - Bispo de Dourados.

Assunto: Padres, perdoem os bispos! - fonte: Jornal o Progresso de MS

 

O Beato Carlos de Foucauld escreveu a Henry de Castries, em 14/08/1901, dizendo que “essa paz infinita, essa luz radiosa, essa felicidade permanente que eu gozo há 12 anos” se deve a três coisas:

 

1- rezar muito;

2- escolher um bom confessor e seguir com cuidado seus conselhos;

3- ler, reler, meditar o Evangelho, esforçando-se em praticá-lo.

 

Quero lembrar a todos que o Beato Irmão Carlos de Foucauld havia sido, em sua juventude, uma pessoa entregue aos prazeres da vida. Bebia bastante, fazia banquetes frequentes e tinha uma amante francesa, chamada Mimi, ao lado de uma considerável riqueza.

Tudo isso não lhe trouxe paz nem felicidade. Ele só as encontrou justamente renunciando a tudo isso e abraçando uma vida pobre, ao mesmo tempo de eremita e de apóstolo, no meio dos tuaregues, no deserto do Saara.

 

No deserto sua vida era  bem pobre e sacrificada. Rezava oito horas por dia, fazia muitos jejuns (mesmo não querendo fazer jejuns lá não havia facilidade em conseguir comida) e trabalhava afincadamente, sobretudo na confecção do dicionário da língua tuaregue.

 

Talvez possamos meditar esta página aplicando-a à nossa vida, sobretudo aumentando o nosso tempo de oração, pois, quem reza, tem a orientação plena de Deus.

 

PEDAGOGIA DA ORAÇÃO

 

Orai sem cessar (1Ts  5,17). Atitude piedosa na prática do amor para com Deus e para o bem da humanidade.

 

Lugar, tempo, literaturas (principalmente a Bíblia), silêncio, deserto, meditação, símbolos, música e a direção espiritual. A pedagogia da oração é progressiva e abissal. Jamais se deve aprisionar por disciplinas rígidas, frias, letras mortas, ritos e liturgias espetaculares, no entanto, sem a luz e o fogo do Espírito Santo, tudo se torna teatro. Se educar na pedagogia da oração é viver a mais alta ciência da alma na felicidade imanente e transcendente. “A oração é algo que requer aprendizado e disciplina”, escreveu o renomado mestre da espiritualidade cristã Henri Nouwen (*).

 

Oração, adoração, coração e razão são conexões que fundamentam a qualidade de vida: psíquica, física e espiritual. Antes de qualquer ensino ou prática sobre a oração, sabemos radicalmente que o Emanuel está sempre conosco. Em tudo prevalece  a sua onipotência diante da nossa impotência. Do Senhor Deus recebemos o dom graça e a fé para o diálogo de amor, fortaleza e numa amizade sem fim.

 

“Peço-vos, por favor, que façais esta experiência: todos os dias uma oração”.  “Assim se vence, deste modo iremos por este caminho da santidade e da perfeição”, disse o Papa Francisco na visita à paróquia romana de Santa Maria Josefa no bairro de Castelverde, domingo, 19 de fevereiro de 2017.

 

Orar sempre e nunca desanimar

 

A oração é uma das principais formas de desenvolver intimidade com Deus. A oração de um justo é poderosa e eficaz, e ela é uma das principais armas de todo aquele que crê. Nosso Pai celestial deseja derramar sobre nós a plenitude de Suas bênçãos. É nosso privilégio beber em grande medida da fonte de amor ilimitado. Está escrito em Hebreus 4,16: “Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno”. O bom Deus está atento à oração dos seus filhos. Somos abençoados e felizes porque Deus sempre ouve a oração daqueles que se aproximam com humildade e todo seu ser entregue a Ele.

 

Medite nesses versículos:

 

“Ó tu que ouves a oração, a ti virão todos os homens” (Sl 64,1-3).

 

“Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e àquele que bate, a porta será aberta” (Mt 7,7-8).

“E tudo o que pedirem em oração, se crerem, vocês receberão” (Mt 21,22).

 

“Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tg 5,16).

 

Então Jesus contou aos seus discípulos uma parábola, para mostrar-lhes que eles deviam orar sempre e nunca desanimar. Ele disse: “Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus nem se importava com os homens. E havia naquela cidade uma viúva que se dirigia continuamente a ele, suplicando-lhe: 'Faze-me justiça contra o meu adversário'. "Por algum tempo ele se recusou. Mas finalmente disse a si mesmo: 'Embora eu não tema a Deus e nem me importe com os homens, esta viúva está me aborrecendo; vou fazer-lhe justiça para que ela não venha mais me importunar' ". E o Senhor continuou: "Ouçam o que diz o juiz injusto. Acaso Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Continuará fazendo-os esperar? Eu digo a vocês: Ele lhes fará justiça e depressa. Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18,1-8).

 

Conclusão

 

Santo Agostinho pode nos ajudar: “Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo, ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de louvá-lo, quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas se nunca te desviares do bom caminho, ainda que a tua língua se cale, tua vida proclamará; e o ouvido de Deus estará perto de teu coração. Porque assim como nossos ouvidos escutam nossas palavras, assim os ouvidos de Deus  escutam nossos pensamentos”.  (Liturgia das Horas  II, p. 779-780).

 

Há várias modalidades da pedagogia da oração.  A oração monástica é, sem dúvida, em nossa Igreja, a mais viva e a mais abissal. Muitos mestres de oração foram surgindo na História da Igreja como: Santo Antão, São Bento, São Basílio Magno, São João Crisóstomo, Santo Agostinho, Santa Mônica, São Bruno, São Francisco de Assis, Santa Clara, Santa Catarina de Sena,  Santa Teresa d’Àvila, São João da Cruz, Santa Margarida de Alacoque, Santa Teresinha do Menino Jesus, Beata Elena Guerra, Bem-aventurado Charles de Foucauld e São Pio de Pietrelcina. Não poucos de nossos contemporâneos redescobriram a oração através do Movimento da Renovação Carismática, Oficina de Oração, Centro de Meditação Cristã e Casas de Retiros Espirituais.

 

A Palavra de Deus é cheia de narrativas que descrevem o poder da oração em várias situações. O poder da oração vence os inimigos (Sl 5,9-12), venceu a morte (2 Reis 4,3-36), trouxe a cura (Tg 5,14-15) e derrotou demônios (Mc 9,29). Deus, através da oração, abre os olhos, transformam corações, cura as feridas e dá sabedoria (Tg 1,5). O poder da oração nunca deve ser subestimado porque ela se sustenta da glória e do poder do Deus  infinitamente onipotente! Daniel 4,35 declara: “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?”. ”

 

A pedagogia da oração dá sentido à vida e a  plenitude na caminhada para eternidade.

__________________________

(*) Nouwen, Henri. J.M. Direção espiritual: sabedoria para o caminho da fé. 2ª. Ed. Petrópolis, RJ. Voves, 2008, p. 93.

 

RECOLHER OU ACOLHER?

Do Pe. Anchieta

 

Recolher ou acolher? 

 

Essa é a indagação que o padre Renato Chiera, fundador e diretor da Casa do Menor, faz a toda a sociedade diante da problemática da dependência química, principalmente do crack. Aos 70 anos de idade e 26 deles dedicados ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de risco, o religioso tem acompanhado de perto o drama das cracolândias, em especial nas áreas de Manguinhos e do Jacarezinho. Com um grupo de voluntários da Casa do Menor e de outras instituições, o padre visita os dependentes químicos que agora se concentram no que ele chama de “cracolândia volante”, formada na Avenida Brasil e na entrada da Ilha do Governador. 

 

Padre Renato encaminhou uma carta à ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, em que denuncia a realidade sobre a remoção dos moradores de rua e cobra uma solução que devolva a dignidade a essas pessoas. 

 

Jornal Testemunho de Fé – Qual sua análise sobre as políticas governamentais de combate às drogas? 

 

Padre Renato Chiera – O problema das drogas, que considero a doença do século, está sendo colocado como prioridade pelos governos, mas é preciso preparo e profissionalismo. Despertou-se, de repente, para este problema por um simples motivo: mostrar uma cidade maravilhosa e segura para eventos importantíssimos. Por causa disso, se justifica, então, uma limpeza étnica e social? Espero que não seja dessa forma e que, no Rio, possa nascer algo de referência para o Brasil. 

 

TF – Como o senhor avalia, em específico, o trabalho de combate ao crack no Rio? 

 

Padre Renato – O governo do Rio está de parabéns em encarar esta tragédia. Porém, ele não está preparado, pois não conta com estruturas de apoio necessárias. Não se começa uma ação com esta complexidade sem programar antes uma metodologia, os passos a serem dados e as estruturas indispensáveis para sua realização. Não se começa uma guerra (contra o crack) sem os soldados, sem os equipamentos e sem retaguarda. Não se recolhe uma pessoa, se acolhe uma pessoa. O resto é superficialidade inadmissível e irresponsabilidade. 

 

TF – Qual é sua opinião sobre a instalação de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para controlar o tráfico nos morros? 

 

Padre Renato – Em 2010, começou-se a entrar nas favelas, o que diminuiu a visibilidade das armas dos traficantes, mas aumentou a visibilidade de armas dos policiais, dando a dura sensação de áreas de guerra. O aumento da violência em São Paulo e a violência que retorna ao Complexo do Alemão deveriam ensinar: não se resolve violência com violência. O estado usa a mesma violência dos bandidos, ou mesmo maior. 

 

TF – Houve redução no tráfico após as UPPs? 

 

Padre Renato – As UPPs diminuíram o tráfico ostensivo nas favelas, mas não a organização do tráfico, que migrou para outros lugares, se espalhando pela Baixada Fluminense e pelo Brasil afora, aumentando assustadoramente a violência. O tráfico continua, mas em formas mais disfarçadas, nas mesmas favelas, encobertado agora por parte da polícia, ou assumido pelos milicianos, que são piores de que os traficantes. Eles contam com a cobertura da polícia e até do governo, que ainda não invadiu nenhuma favela ocupada pelos milicianos. Sabemos que os milicianos estão impondo uma verdadeira máfia e terror, com aparência de uma falsa paz e libertação do tráfico, agora controlado por eles. 

 

TF - Como é o trabalho que o senhor realiza nas cracolândias? 

 

Padre Renato – Há mais de um ano, estamos visitando as comunidades de Manguinhos e Jacaré, cemitérios de vivos que esperam a morte e se juntam para superar a solidão, a rejeição, o abandono e se consolam queimando pedras. Entramos nestes lugares de morte e de desespero para levar esperança, simplesmente ouvindo e partilhando seus sofrimentos, para mostrar que elas são muito amadas por Deus e por nós, que têm direito a uma vida digna, e que nós estamos à disposição para ajudá-las. Sem recolhimento compulsório ou presença maciça de guardas e policiais, um bom número de homens e mulheres já conseguiu sair deste inferno, através de nossa presença silenciosa e sem armas. 

 

TF – Durante essas visitas, quais os relatos que se escuta com mais frequência? 

 

Padre Renato – São muitas histórias de abandono por parte dos pais, violência doméstica e sexual, falta de amor, de atenção, de emprego, falta de perspectiva futura de vida. Confesso que é difícil falar com estes meninos que parecem loucos atrás de pedras. Quando eu perguntava se alguém já tinha entrado lá para encontrá-los e simplesmente ouvir o sofrimento que os levaram a entrar nesta vida escrava, a resposta era: “não padre. Aqui só entra a polícia para dar tiros na gente. Não se vê médico, nem assistência de qualquer tipo. Muita gente, lá fora, quer mesmo que morramos”. Nunca na minha vida vi realidades tão horrorosas e desumanas, piores que os campos de concentração nazistas que já visitei. 

 

TF – Tem-se realizado diversas ações de recolhimento e internação compulsória nas cracolândias. Qual sua visão sobre essas ações? 

 

Padre Renato – Iniciou-se este processo antidroga na pior das formas: expulsando com violência e tirando os usuários compulsivamente das ruas. Eles não são criminosos, mas doentes, excluídos em mil formas, rejeitados, não amados, fruto e retrato de uma sociedade que gera, mas não cria, não educa e, sobretudo, não ama. Uma sociedade que os criminaliza e quer eliminar para calar a boca de quem nos acusa e interpela. Eles expressam um sofrimento do qual não são os culpados; entram nas drogas para preencher carências, rejeições, abandonos, perdas e para suportar dores infinitas. São violentos porque não são amados. A maior violência é não ser um filho amado. Ao grito por presença e por amor, que não queremos escutar, respondemos com violência, desprezo e punição, e queremos que eles ainda nos agradeçam, pois os salvamos do crack. São eles que devem nos dizer o que precisam para sair do crack. Sem esta percepção e consciência fundamental, não iremos para canto nenhum e não encontraremos soluções. 

 

TF – Qual seria, então, a melhor saída para esta problemática? 

 

Padre Renato – Acredito nas boas intenções, mas é estranho que um governo que deseja resolver problemas tão complexos e difíceis não preparou nada ou quase nada, a não ser o aparato militar para expulsão. Pela nossa experiência, precisa-se de espaços para acolhimento e recuperação da identidade e reestruturação da pessoa, infraestrutura sanitárias, centros de desintoxicação, comunidades terapêuticas, pessoas com vocação e preparo profissional, capazes de amar e acolher e perspectivas concretas de futuro. É estranho que estas ações e decisões não tenham sido vistas e partilhadas com a sociedade e segmentos mais experientes neste campo. Nossos deputados nunca se debruçaram para ajudar a encarar a problemática e encontrar soluções verdadeiras. Agora, todos estão de acordo com o recolhimento de qualquer jeito. Temos medo dos filhos que geramos e os demonizamos para nos sentirmos inocentes. 

 

TF – Quais os fatores que contribuem para o aumento do consumo de crack no país? 

 

Padre Renato – O crack não é só caso de polícia, mas é problema de saúde, de políticas públicas que visem às famílias dessas pessoas; é problema de perdas de valores na sociedade, nas famílias e nas escolas (“estado” laicista, não leigo, que quer banir a religião com seus valores); é problema de rejeição e falta de amor, de educação e de escola; é problema, no primeiro momento, de desintoxicação, de tratamento e recuperação em comunidades terapêuticas e, depois, de escolarização, de profissionalização, de inserção na sociedade e no mercado de trabalho. Precisa-se, nisso tudo, de pessoas “vocacionadas”, capazes de escutar, acolher e amar. Além disso, ao invés de insistir em políticas ineficazes, precisa-se investir em prevenção, tratamento e reabilitação. A internação compulsória é condenada internacionalmente como ineficiente, estigmatizadora e que viola os direitos humanos. É preciso ousadia e criatividade para explorar novas soluções. Ainda temos esperança. 

  

Fonte: jornal Testemunho de Fé - Rocélia Santos 

 

Salvar vidas não é crime

 

Refugiados: "Um dia vamos ter de explicar por que deixamos morrer milhares de pessoas"

 

Miguel Duarte

voluntário português do navio de resgate "Iuventa" 

acusado pela lei italiana de auxílio à imigração ilegal

 

A reportagem é publicada por Agência Ecclesia, 09-07-2019.

11 Julho 2019

 

Voluntário português Miguel Duarte que enfrenta lei italiana por auxílio à imigração ilegal, critica "duplo discurso" do Ocidente que vende armas e fecha fronteiras a quem foge da guerra

A crise humanitária dos refugiados é para Miguel Duarte, voluntário português do navio de resgate "Iuventa" acusado pela lei italiana de auxílio à imigração ilegal, a crise da atual geração e que anos mais tarde “terá de prestar contas”.

 

“Um dia mais tarde vamos ter de explicar aos nossos netos como é que deixamos morrer dezenas de milhares de pessoas ao longo de cinco, seis, ou sete anos e eu sei de que lado é que quero estar”, afirma à Agência Ecclesia, Miguel Duarte, atualmente com 26 anos.

Foi por assistir a esta “crise humanitária” e se considerar um privilegiado que não conseguiu ficar sossegado e, em 2015, procurou organizações que aceitassem voluntários para auxiliar os milhares de pessoas que arriscavam a sorte para, em barcos, atravessar o mar Mediterrâneo para procurar asilo e uma vida melhor para si e para os seus filhos.

 

Miguel Duarte participou em quatro missões, cerca de três semanas cada, ao longo de um ano e conta que ele e a tripulação do "Iuventa" salvaram 14 mil pessoas durante esse período.

“Vejo esse número mais com indignação do que esperança, na verdade. Se uma equipa de 15 voluntários, de cada vez, consegue resgatar 14 mil pessoas ao longo de um ano, alguma coisa está fundamentalmente errada no que está a ser feito para que estas pessoas não percam a vida”, sublinha.

Apesar das vidas salvas, o voluntário português pensa mais nas que não conseguiu resgatar.

“Inevitavelmente há sempre um sentimento de responsabilidade, ficamos sempre a pensar que podíamos ter sido mais rápidos, podíamos ter feito mais”, lamenta.

 

Os 84 dias no mar Mediterrâneo, não hesita, foram os “mais úteis” da sua vida.

“Não há nada propriamente que nos prepare para o que vamos ver ali, para a emoção, para o sofrimento humano e para as situações que encontramos de fato quando nos encontramos frente a frente com essas pessoas. Uma coisa é ver os vídeos e ler as notícias, outra é estar ali, e ser propriamente a ponte que liga estas pessoas à vida. Nós fomos a única barreira entre eles e a morte, isso é uma responsabilidade enorme e penso que me mudou a vida pelo sentimento de utilidade que tive”, garante.

Miguel fala numa “obrigação moral” da União Europeia na ajuda aos refugiados que chegam à procura de condições de vida.

 

“Antes de falar de ajudas para o desenvolvimento temos que conversar sobre a venda de armas em situações de conflito. Não podemos estar a lucrar com a venda de armas em países. Estas pessoas estão a fugir das bombas que são criadas em solo europeu e nos Estados Unidos da América, não podemos fechar-lhes as portas quando estão a fugir de armas produzidas por nós”, esclarece o jovem português.

 

O trabalho de resgate, esclarece, foi feito em “coordenação com as autoridades italianas”: “A esmagadora maioria dos casos que atendemos, as pessoas eram passadas para bordo de navios italianos, que os levavam depois a terra italiana; não éramos nós que tínhamos essa decisão, a decisão era das autoridades italianas que tinha a responsabilidade de coordenar o resgate marítimo”.

A enfrentar a lei italiana, por auxílio à imigração ilegal, Miguel Duarte é perentório: o foco não é ele nem a ação judicial que o tirou do anonimato e fez protagonista de uma campanha de crowfunding  "Salvar Vidas não é crime".

“Nós que enfrentamos uma possibilidade de 20 anos na prisão por ajuda humanitária ainda conseguimos ser os privilegiados no meio desta situação, porque há pessoas que todos os dias arriscam a vida simplesmente à procura de segurança e é nessas pessoas e situação que temos de nos focar. E é com isso que temos de nos indignar mais”, indica.

Tendo recolhido entre a sociedade civil portuguesa e algumas instituições um massivo apoio, “consensual” até sobre o problema, Miguel Duarte sublinha haver um dever de informação e indignação que não deve cessar na opinião pública.

 

“É (preciso) continuar a se indignar. Informar-se criticamente sobre esta situação, sobre as migrações e não só, e é preciso fazer pressão sobre as entidades que têm poder para fazer alguma coisa em relação a isto. É preciso garantir que os nossos representantes sabem que estamos atentos e que a forma como a UE está tratando os migrantes e refugiados não é aceitável, e nós não aceitamos isso num estado democrático”, sublinha.

 

Sem querer porta-voz, “nós queríamos resgatar pessoas, não fazer comunicação”, esclarece, Miguel Duarte voltava amanhã para o mar Mediterrâneo.

“Acho que vivi o melhor e o pior da vida no mar Mediterrâneo. Tive muito em contacto com o desespero das pessoas, mas também com a esperança e entreajuda; vi atos de heroísmo que não pensei que fossem possíveis. Vi pessoas a por em risco a sua própria vida para salvar outras e isso já ninguém me tira”, recorda.

https://youtu.be/ycnem4uXRHY

 

 

SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS PRESBÍTEROS

 

Dor institucional.

(Paulo Sérgio Carrara1 Email: pecarrara@terra.com.br)

 

William Cesar Castilho, doutor em psicologia, psicanalista, analista institucional, é professor de psicologia na PUC-Minas; tornou-se conhecido por suas obras, artigos e conferências, sobretudo na área da psicologia da vida religiosa e presbiteral, à qual dedicou seus últimos trabalhos. Seu livro sobre a formação para a vida religiosa: “A formação religiosa em questão”, publicado pela Editoria Vozes, obteve grande aceitação e está na segunda edição. O livro sobre o sofrimento psíquico dos presbíteros nasceu de um longo trabalho com presbíteros de todo o Brasil. Para além de seu trabalho junto aos padres, o livro é fruto, também, como se constata por sua leitura, de longos anos de cuidadosa pesquisa sobre esse delicado assunto: o sofrimento psíquico dos presbíteros.

 

No primeiro capítulo, o autor apresenta detalhadamente o referencial teórico de sua análise do sofrimento do presbítero: a “síndrome de burnout”. O termo burnout designa a síndrome que extrai as forças, o envolvimento pessoal e a satisfação no exercício da profissão. A síndrome foi estudada preferencialmente nas categorias de profissionais que desenvolvem uma tarefa de ajuda. São numerosos os sintomas da síndrome de burnout: tristeza, vazio interior, despersonalização, alterações de comportamento, depressão, esgotamento, stress, insatisfação, recalque de conflitos internos etc. Embora haja abordagens teóricas diferentes sobre a síndrome, os autores são unânimes quanto aos seus traços característicos e sua repercussão negativa na vida profissional. O autor mostra, no entanto, que se há consenso quanto ao diagnóstico, não o há quanto à profilaxia e identifica duas propostas de tratamento.

 

A primeira se define como clínica disciplinar individual. Nesse caso, dá-se atenção aos sintomas e se ignora os fatores desencadeantes da síndrome, que se torna um problema do individuo, a ser tratado com medicamentos, sobretudo antidepressivos e ansiolíticos que aliviam a sensação de esgotamento. Associa-se ao tratamento medicamentoso a terapia individual, visando à elaboração pessoal dos sintomas. Não se questiona, pois, a instituição à qual o profissional pertence e sua implicação no seu processo de adoecimento psíquico. Uma segunda proposta de tratamento se define como clínica psicossocial institucionalizada, cuja abordagem da síndrome parte de uma epistemologia interdisciplinar. Os aspectos da existência humana são diversificados. O homem se constitui como ser psíquico, biológico, social. Seus problemas se compreendem à luz de sua inserção numa realidade concreta que envolve suas relações. Portanto, a clínica psicossocial institucionalizada, sem negar a necessidade de tratamento medicamentoso e psicoterápico para a síndrome de burnout, inclui na sua abordagem a análise das organizações e instituições, em vista de chegar à causa do problema, que nunca se encontra somente no indivíduo, mas na teia de relações estabelecidas dentro da instituição. A intervenção para solucionar a crise chega, pois, à instituição. Se também essa não for devidamente tratada, o profissional não supera satisfatoriamente a síndrome de burnout. Aqui o trabalho se torna mais exigente, porque envolve todos os membros da instituição.

 

No segundo capítulo, o autor faz um longo estudo da síndrome de burnout entre os presbíteros, que se define como “síndrome do bom samaritano desiludido por compaixão”. Os presbíteros relatam os mesmos sintomas da síndrome descritos por profissionais de outras áreas: cansaço, tristeza, desilusão, esgotamento, perda de motivação para o trabalho, despersonalização, mudanças de humor e comportamento, depressão, vazio existencial etc. Tais sintomas se relacionam, no entanto, com o exercício do ministério presbiteral. Concretamente, os presbíteros reclamam de uma sobrecarga de trabalho, muitas vezes burocrático e repetitivo, com pouco retorno afetivo. Denunciam frustrações graves no contato com os paroquianos e insucessos pastorais. Há, ainda, dificuldades de convivência entre os próprios presbíteros, marcadas por rivalidades explícitas ou camufladas, busca de prestígio e de paróquias ricas. A distribuição de cargos e funções na diocese nem sempre se baseia no princípio da justiça. Muitos relatam perda da busca da intimidade com Deus na oração, com queda no nível da espiritualidade e despersonalização. Permanece certa desconfiança da instituição. Alguns lamentam o recente retrocesso na inclusão dos leigos na vida da Igreja. A multireferencialidade atual faz o presbítero se questionar sobre sua identidade presbiteral, marcada por perda de status e privilégios numa sociedade mais secularizada e socialmente menos cristã. Tudo isso provoca baixa autoestima e enfraquecimento do sentimento de pertença ao presbitério. Muitos enfrentam sérias dificuldades para suportar a solidão, a qual se acrescentam os problemas de ordem afeito-sexual, de manejo nem sempre fácil do ponto de vista psicoespiritual. O autor, além de mostrar, com pesquisas confiáveis, as causas do sofrimento do presbítero hoje, faz uma longa análise da situação da Igreja antes de depois do Concílio Vaticano II, enfatizando as consequências das mudanças socioculturais e históricas na vida da Igreja e na sua organização hierárquica. De fato, a Igreja ressente ainda hoje a mudança de paradigma de uma sociedade pré-moderna (cristandade) para uma sociedade moderna e pós-moderna. A passagem de uma unidade forte, centralizadora e rígida para a fragmentariedade frágil, o diálogo e a democracia fez emergir desafios de difícil solução. Do ponto de vista histórico, a síndrome de burnout desponta como consequência de profundas mudanças de paradigma na filosofia, nas ciências humanas e na cultura, com as quais a instituição nem sempre lida de modo satisfatório.

 

No terceiro capítulo, o mais denso do livro, o autor se debruça sobre a análise dos sintomas da síndrome de burnout entre os presbíteros e o faz a partir de um sólido referencial teórico, que leva em consideração aspectos sociais e psicológicos, sobretudo psicanalíticos. Procura mostrar os impactos da pós-modernidade sobre a vida presbiteral. Na verdade, profundas mudanças socioculturais estão na origem da síndrome do bom samaritano desiludido. Uma vez que a vida dos presbíteros está imersa na sociedade, não se pode negar a influência que novos paradigmas sócio-históricos exercem sobre ele. O referencial do autor, no entanto, não se restringe a análises meramente teóricas, mas inclui seu longo trabalho com presbíteros de diversas dioceses. Sua abordagem une a teoria com longa escuta dos problemas dos presbíteros. A temática do capítulo se revela vasta, complexa e até polêmica. O autor trata da espiritualidade do presbítero, mostrando-a como lugar de unificação do exercício do ministério com as demandas subjetivas. Muitas vezes, a ausência do cultivo da espiritualidade desencadeia desilusão, tristeza e perda de motivação. Partindo de um estudo das motivações vocacionais, William analisa o imaginário vocacional do jovem, marcado por idealizações e fantasias que se chocam com uma realidade institucional complexa. Normalmente, as vocações nascem nas famílias rurais, ainda bastante tradicionais, que normalmente apoiam a vocação do filho. Outros se descobrem vocacionados através da pastoral de juventude paroquial. Uma vez no Seminário, tendem a uma relação de submissão à autoridade, em vista da conquista do objetivo. No discernimento vocacional, há sempre o latente e o manifesto, como esclarece a psicanálise. O latente costuma emergir depois de o seminarista ter se tornado padre, a não ser que a formação esteja aberta para acolher a verdade conflitiva do jovem e para ajudá-lo a fazer um caminho de crescimento psicoespiritual.

 

Os relatos dos presbíteros revelam algumas insatisfações com a convivência no presbitério, marcada por disputas, desavenças e, às vezes, desconfiança. Nem sempre os presbíteros sentem que sua relação com o bispo e com os colegas se realiza dentro de um equilíbrio sadio. Há rivalidades, busca de paróquias mais rendosas e de maior prestígio na diocese. Por outro lado, o modelo paroquial tradicional atravessa uma crise, causada pela emergência de um modelo midiático de evangelização, que diminui o sentido de pertença a uma paróquia territorial e confunde os paroquianos. A pluralidade de movimentos, espiritualidades, estilos e modos de anunciar a evangelho deixa a sensação de certa falta de rumo. A relação entre padres e bispos não permanece imune ao processo das transferências. A relação com a autoridade conjuga sempre amor, ódio e outros sentimentos. Muitos presbíteros falam da solidão como um desafio. Embora necessária para o processo de individuação e para a relação saudável com o outro, quando não é bem elaborada, causa muitos transtornos afetivos.

 

Nesse capítulo, o autor ousa abordar o tema da afetividade e da sexualidade do presbítero. Seu discurso não se prende à frieza acadêmica, mas nasce da escuta profissional e comprometida dos presbíteros. De fato, a questão se revela espinhosa, a sexualidade permanece, muitas vezes, no âmbito do latente e a pressão institucional exerce certo controle dessa dimensão da vida do presbítero. No entanto, os temas da sexualidade, mormente da homossexualidade, emerge com força em conversas informais entre os presbíteros. Seus testemunhos são contundentes e alguns verbalizam, inclusive, uma divisão entre presbíteros homossexuais e heterossexuais, que disputam poder e prestígio. O autor analisa, ainda, a questão da pedofilia e da efebofilia, apresentando suas causas e possíveis tratamentos. Avalia também a questão do poder e do dinheiro na vida do presbítero.

 

O quarto capítulo aborda alternativas para a superação da síndrome de burnout a partir da pastoral presbiteral. O enfoque do autor se apoia nos dispositivos da clínica psicossocial, que envolve os presbíteros e a instituição Igreja na solução de conflitos. A pastoral presbiteral inclui três dimensões importantes: eclesial, espiritual e pastoral. Sua concretização supõe a criação de grupos terapêuticos onde os problemas sejam tratados de forma transparente e respeitosa. A clínica, nesse caso, não se define como lugar de pessoas doentes, mas lugar de cuidado com a saúde, em todos os seus níveis. Seu ambiente é agradável e democrático. Propõe-se a “fala” como excelente método de cura das questões pessoais, pastorais e relacionais. O que não pode ser falado, também não pode ser curado. O autor quis fornecer, ainda, material metodológico em vista da viabilização da pastoral presbiteral nas dioceses, a ser alavancado pelos próprios presbíteros, vistos como protagonistas de seus saberes, de sua produção e capazes de criar instrumentos para solucionar conflitos e problemas pessoais e pastorais. William oferece uma série de propostas de encontros nos quais os padres verbalizam seus desafios e, juntos, organizam soluções possíveis. O objetivo final da pastoral presbiteral é dar mais qualidade à vida espiritual, psíquica e pastoral do presbítero, melhorando suas relações com o Bispo, com os outros presbíteros, com os fiéis e com ele mesmo. A pastoral seria uma forma saudável de lidar com os impactos negativos da pós-modernidade na vida do presbítero.

 

William nos brindou com um texto profundo e consistente sobre a síndrome de burnout entre os presbíteros. Seu trabalho se mostra pioneiro no contexto da Igreja no Brasil. Partindo da análise sociocultural, histórica e psicanalítica, apresenta ao leitor um livro maduro e equilibrado, que ousa enfrentar temas delicados, como o sofrimento psíquico do presbítero, de maneira discreta e respeitosa da instituição. Sua abordagem corajosa da questão da sexualidade, sustentada não só na teoria psicanalítica da sexualidade, mas na experiência da escuta e do trabalho com os presbíteros, reclama respeito. Hoje muito se escreve sobre a crise da instituição e do exercício do mistério presbiteral. Mas poucos autores têm a segurança, a experiência e a “neutralidade” do professor William. Ele não faz críticas gratuitas à instituição, seu objetivo se resume no desejo de ajudar os presbíteros e a Igreja no manejo de suas delicadas crises atuais. Seu trabalho evidencia grande conhecimento da situação hodierna dos presbíteros, em suas dimensões mais cruciais. E o melhor é que William não somente aponta problemas, conflitos e desafios, mas investiga minuciosamente suas possíveis causas, evitando soluções prontas e apontando caminhos possíveis em vista de soluções reais e não ideais, a partir da pastoral presbiteral, alicerça no trabalho da clínica psicossocial. Seu livro se destina a todos os estudiosos da análise institucional e, é claro, aos presbíteros e aos bispos abertos à discussão sobre os problemas que afligem a Igreja e a vida dos presbíteros. Sua leitura ilumina, enriquece, faz despontar horizontes novos de compreensão da realidade atual e deixa o grande desafio da pastoral presbiteral como caminho possível de cura e de prevenção de conflitos psíquicos, espirituais e pastorais.

 

Paulo Sérgio Carrara1

 

Email: pecarrara@terra.com.br

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1 Doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (FAJE). Professor de Teologia no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e na FAJE, em Belo Horizonte.

O livro Sofrimento Psíquico dos Presbíteros: Dor Institucional, de autoria do professor William César Castilho Pereira, já esta disponível, pela editora Vozes.