RETIRO 2012- IRMÃZINHAS

RETIRO DO BOLETIM 143, DE JANEIRO DE 2012, OCORRIDO NA CASA DE RETIROS FREI LEOPOLDO, EM HIDROLÂNDIA, GOIÁS, DIRIGIDO PELAS IRMÃZINHAS DORINHA E DULCITA.

1. IRMÃO CARLOS - CHARLES DE FOUCAULD: UMA HISTORIA DE CONFIANÇA

Na minha vida com quem posso contar? Com quem posso fazer aliança? O que faço com a minha força? E com meus limites? Será que tenho medo dos meus limites?

Ou será que a minha fragilidade abre os meus braços para acolher? Será que os meus limites abrem o meu coração?

Irmão Carlos como você viveu a confiança? A confiança em Deus? A confiança nos outros, tuas irmãs, teus irmãos?

Irmão Carlos um homem com um desejo ilimitado e um homem limitado, que se entrega a Deus. Que amou a Jesus apaixonadamente. Um homem a quem Deus tocou, não nos seus êxitos, mas no coração de seu fechamento. Um homem imperfeito e sempre a caminho. Para ele amar a Deus e abrir-se à fraternidade foi cada vez mais forte e levou-o longe.

Carlos de Foucauld nasceu em Strasburgo em 1858 no seio de uma família aristocrata. Antes de completar seis anos morrem sucessivamente seu pai e sua mãe.

“Meu Deus, que vossa vontade seja feita” é o que Carlos vai ler sobre o túmulo de sua mãe. Muito tempo depois esta expressão se tornará o centro da sua oração, o coração de sua relação com Deus.

No momento em que ficam órfãos Carlos e a sua irmã, são amparados por sua família, sendo confiados aos avos maternos. Carlos apega-se muito ao seu avô e a sua prima que olha como a uma irmã e uma mãe.

Em 1870 começa a guerra e a destruição. É preciso fugir de Strasburgo para ir a Nancy. Desde então Carlos ficará ferido em seu sentimento nacional. Mais tarde ele terá um vivo desejo de Fraternidade Universal. Nesse contexto histórico não será algo banal, mas um verdadeiro trabalho.

Adolescente, Carlos lê muito. Busca a verdade e não a encontra em lugar nenhum e perde a fé. Torna-se preguiçoso e o seu comportamento é inadequado. Aos 17 anos é expulso da escola Santa Genoveva onde estuda.

Após o segundo grau ele entra na escola Saint Cyr, para se tornar oficial, mas tudo o desgosta. Seu avô morre e ele vive um vazio imenso, tem a impressão de que nunca mais poderá ser feliz. Não tem mais nenhum ponto de referência, nem freio. De temperamento excessivo se joga numa vida de desordem. Oficial em Saumur esbanja sua herança. Organiza festas. Mais tarde escreve se dirigindo a Jesus: “Eu me afastava cada vez mais de você meu Senhor e minha vida… E minha vida começava a ser uma morte. E nesse estado de morte você me conservava ainda, você me fazia sentir um vazio doloroso, uma tristeza profunda. Meu Deus como você é bom!”

Aos 22 anos é enviado à Argélia junto com seu regimento. Lá se junta com uma jovem e é mandado embora. Vai a Evian viver com ela uma vida de prazer. Mas logo fica sabendo que seus companheiros partem em expedição e pede para ser reintegrado.

É o primeiro sinal de vida! O fogo da ação o faz revelar-se a si mesmo. Uma vez terminada a batalha volta à guarnição e outra vez sente uma profunda tristeza.

Sente um amor pelas viagens e o gosto pela aventura. Deixa de ser militar. Descobre as populações do Magreb, as aprecia, estima, deseja conhecê-las e aprende a sua língua. Parte em exploração ao Marrocos, nesse momento fechado em grande parte aos europeus. No caminho ele toca de perto a morte e são os muçulmanos e os judeus que o salvam. Começam a cair seus preconceitos. É principalmente o deserto e a oração regular dos muçulmanos que despertam nele uma grande sede de Deus.

Na volta redige seu livro “Reconhecimento do Marrocos”. É a glória. É reconhecido, reabilitado juntos dos seus. Mas o que habita agora ele é essa oração:

“Meu Deus, se você existe faça com que eu te conheça”

Em Paris, sua prima o acolhe como ele é e se sente tocado pela profunda fé dela, pela sua bondade e a sua discrição. A maneira como ela vive o interpela e lhe dá vontade de CRER. Ela conhece bem o Pe. Huvelin e Carlos vai encontrá-lo, esperando poder falar com ele de religião. Mas o padre pede de se colocar de joelhos confessar-se e comungar. Carlos aceita de abrir-se no lugar de querer “conquistar”. Deixa entrar Aquele que vem procurá-lo e nesse instante é a alegria no coração.

É como pobre e pecador que Carlos descobre Deus e é esta experiência de Deus como bom Pastor, que traz de volta a ovelha perdida, ferida, que vai marcá-lo para sempre. E agora a vida brota em abundância, pois ela vem de Outro.

“Com todo o amor do meu coração receber Senhor o teu perdão e avançar rumo à felicidade. Teu Amor só pode ser Dom”

Carlos deseja viver só para Deus. Mas onde? Como?

Durante uma peregrinação a Terra Santa, é seduzido pelo rosto humilde de Jesus, em Nazaré. O Altíssimo, o Todo poderoso é um aldeão, no meio dos outros. Na simplicidade de Jesus em Nazaré encontra-se todo o seu Mistério. Deus veio na nossa casa, recusou honras e poder. Carlos quer ser pobre como Jesus foi pobre. Seu desejo de imitar Jesus por amor é extremo.

“Jesus quando eu vivo o cotidiano da vida como você viveu, você está lá?”

Pobreza, oração, trabalho simples… para imitar Jesus em tudo isso Carlos entra na Trapa de Nossa Senhora das Neves aos 31 anos. Deixar sua querida família foi uma separação dolorosa, mas ele pensa que para provar a Jesus seu amor deve estar longe de todos aqueles que ama. É a maneira que ele encontrou de se entregar completamente a Deus.

No entanto procura uma pobreza ainda mais radical. É enviado à Trapa de Akbés, na Síria, mas no fundo dele mesmo, ainda não está satisfeito. Aspira a uma forma de vida religiosa mais simples, mais parecida a das famílias mais pobres dos arredores. Pede para deixar a Trapa, mas seus superiores o fazem esperar vários anos.

Aprende assim, de uma maneira rude a deixar sua própria vontade e entregar-se à vontade de Deus. Em fim aos 39 anos, é autorizado a instalar-se em Nazaré. Pobre ermitão numa cabana, próxima do convento das Clarissas. Durante três anos impregna-se da Palavra de Deus. Através do Evangelho entra na intimidade de Jesus. Compreende nesse momento que para imitar Jesus de Nazaré não pode isolar-se, mas se tornar próximo dos mais abandonados.

Volta na França para ordenar-se sacerdote, em Viviers, em 1901, tinha 43 anos. Parte para o Saara, não para encontrar o silêncio, mas para tornar-se próximo daquelas/daqueles que não conhecem Jesus.

Instala-se em Bèni Abbès, nas proximidades da fronteira do Marrocos. Sua vida de oração ainda é marcada pela vida monástica. Mas o Mistério da Visitação ilumina o de Nazaré. Trata-se de levar Deus a partir do mais profundo de si mesmo. Levar Deus a todas/os. Àqueles que estão na necessidade: os pobres, os pecadores. Jesus abre seus braços a todas/os. Gostaria ser um Evangelho vivo, legível, ser sinal Dele, concretamente com toda a sua vida. Quer ser irmão de todos: “Irmão universal”.

Reage contra a escravidão que era tolerada pelos franceses, resgata alguns escravos. Acolhe pobres, soldados, escravos e nômades que chegam pedindo alimentação, asilo, roupa, medicamentos.

Espera que cheguem companheiros e escreve uma Regra de vida, muito monástica. Porém ele mesmo tomará distância em relação a essa regra, pois a caridade o empurra sempre a outra coisa.

Laperrine, um amigo oficial, o convida a ir mais ao sul do país para as populações ainda mais isoladas. Carlos hesita. Tem medo de perder seu estilo de vida monástica. Mas é como que empurrado irresistivelmente. Em 1904, finalmente, se une a um destacamento militar. Nessa época é a única possibilidade de ir ao sul. Desejaria que a colonização fosse mais humana, mais respeitosa, porém sendo um homem de seu tempo não a coloca em questão.

O caminho para o sul é longo. Caminho muito simbólico. Fora de uma vida contemplativa protegida e fora de comportamentos paternalistas. Sem descanso a vida o leva a ultrapassar todas as barreiras.

Meu Deus você faz caminho também comigo?

Com minhas estreitezas, minhas exagerações, todos os meus limites?

1905, para instalar-se no Hoggar, escolhe Tamanrasset. Mas onde? Sozinho e tranqüilo numa colina? Ou mais próximo da vida do povoado? Parece-lhe que Jesus responde: “É o Amor que deve recolher-te em mim e não o afastamento de meus irmãos. Vê-me neles”

A casa que faz construir é simples à imagem da presença dele. Ele arde por fazer conhecer aquilo que o faz viver, mais frequentemente, só pode ser no silêncio, deixando-se tomar ele mesmo por Jesus.

Isso muda uma certa maneira de conceber a missão: não tanto converter a/o outra/o mais sim, converter-se, fazer-se pequeno e ousar o encontro.

Transcreve a poesia dos Tuaregs e interessa-se pela historia deles. Escreve o primeiro dicionário Tuareg-Francês.

Esse interesse pela cultura do outro não está desligado da sua paixão pela Eucaristia. Carlos contempla o Cristo que se dá “até o fim” e o contempla em todo ser humano. Permanece com o Cristo, mesmo quando a oração é árida, austera. Torna-se próximo do Amigo que lá permanece.

“Que eles sejam um, como nós somos um” Jo 17,21

“Sejam tudo para todos, com o único desejo no coração, aquele de dar Jesus a todos/as” irmão Carlos

Fim 1907 vive um período de esgotamento. O companheiro que ele tinha não dá conta de permanecer. O País é assolado pela fome e ele mesmo ficou esgotado por um grande trabalho e adoece. Até esse momento ele queria ser pequeno e abordável, mas ainda era ele que dava. Agora é ele o pobre. Os Tuaregs o salvam com o que eles tinham de mais precioso: um pouco de leite de cabra.

Desejava assemelhar-se a Jesus pobre e experimenta essa semelhança de uma maneira inesperada: abandonando-se a Deus e também aos outros. E é o mesmo movimento. Carlos acolhe a vida de Deus, aprende a acolhê-la de toda pessoa que ele encontra.

“O dom de Deus não nos espera fora de nossa fraqueza, mas no interior dela”(Monsenhor Boulanger)

A vulnerabilidade abre a porta a uma amizade mais verdadeira. Há muita mais reciprocidade. Ele tinha pensado em tornar-se “Irmão universal”. A própria vida o leva a tornar-se concretamente irmão de alguns. Fazer-se irmão, fazer-se pequeno diante do outro é o fruto de um grande desejo e de um longo caminho.

Em 1914 explode a guerra. No Saara a insegurança cresce, Carlos gostaria de ir encontrar na Europa aqueles que defendiam sua pátria. Os velhos rancores nacionais não se esquecem facilmente, mas a população de Tamanrasset é pobre e sem defesa. Na hora do perigo não quer abandoná-los. Por seus amigos Carlos permanece e constrói um forte.

Em 1916 os Tuareges lhe pedem de vir habitar no forte para estar mais perto deles.

Primeiro de dezembro de 1916 ele tinha 58 anos. No transcurso de uma emboscada feita por um bando inimigo, pedem para que ele saia do forte e nas horas a seguir um adolescente apavorado dispara. Carlos morre vitima da violência, como tantos/as outros/as, durante esses anos de guerra.

“Quanto mais abraçamos a cruz, mais estreitamos Jesus que está nela pregado” Irmão Carlos.

Ele tinha se preparado para essa morte. Desde antes tinha unido o dom da sua vida ao dom de Jesus. Campeão da organização havia entregado tudo a Deus, mesmo o seu desejo de amar. E quando o amor cai na terra é para germinar nas mãos de Deus.

Carlos escreve: “Sentimos que sofremos, nem sempre sentimos que amamos. Mas querer amar é amar”

“Se o grão de trigo não morre permanece sozinho, mas se ele morre produz muito fruto” Jo 12,24

“Não amaremos jamais o suficiente”

“Não tem como imitar Jesus até o fim”

“Jesus tomou o último lugar e ninguém pode arrebatar – lhe”.

“Deus nos ama e nos acolhe como nós somos”.

“Meu Pai, eu me abandono a Ti. Faz de mim o que te agrada”

“A partir de então não é mais nós que vivemos, mas ELE que vive em nós”.

“Nossos atos não são mais nossos, são os Dele, divinamente eficazes”.

“Por que eu te amo e que Tu me amas”.

“Entregar-me a Ti, sem medida”.

“Entre tuas mãos que semeiam, tornando-nos grãos, entre teus dedos”.

O grão caído na terra deu fruto. Hoje, muitas/os são atraídos por esse mesmo caminho, por amor a Jesus. Leigas/os, padres, religiosas/os. Cada grupo com suas nuances próprias. Além desses grupos, outros.

Nazaré hoje, em todos os países. Companheiras/os de Jesus, na confiança, no meio de um cotidiano ordinário, no seguimento de Jesus que recusou o poder. Entrar na vida pela porta pequena a mais simples e talvez a mais bela!

Deixar as seguranças. Ousar as diferenças, no seguimento de Jesus que se arriscou na nossa carne, descobrir Deus na vida que toma corpo. Fazer corpo com outras/os. Inventar a Fraternidade, com laços de amizade simples, tecer o corpo de Cristo hoje.

Nazaré: uma vida como o pão partilhado com outras/os e entregue por elas/eles e com elas/eles, nas mãos do Pai.

É aí Senhor, na simplicidade de toda minha humanidade e mesmo no que em mim está ferido, limitado ou em crise, que eu posso te acolher?

Abre meus olhos, Senhor, à tua presença escondida. Dá-me teu olhar e esta confiança a toda prova, que Tu das aos pequenos.

“E uma necessidade de amor entregar-me em tuas mãos porque Tu és meu Pai”

2. IRMÃZINHA MADALENA de JESUS: UMA AVENTURA DE ESPERANÇA

Experiência de um Deus que se aproxima…

Tantas diferenças… Diferenças… sem encontros? Deus e as nossas diferenças? Em tudo isso onde está Deus?

Ele se faz pequeno e aproxima-se.

Madalena Hutin toma consciência muito jovem das divisões e fronteiras que separam os povos.

A mais jovem de seis filhos, nasce 26 de abril de 1898 em Paris, mais as raízes dela estão na Lorraine no leste da França. Sendo criança passa o tempo do verão na casa da avó, numa cidadezinha a 40 km da fronteira com a Alemanha. Essa região será particularmente tocada pela primeira guerra mundial e a avó será massacrada.

Durante esse período perde também todos seus irmãos e irmãs. No final da guerra com 20 anos se encontra sozinha com os pais dela.

Fraturas, divisões… que esperança?

Desde pequena Madalena tem o desejo de dar a vida a Deus. Conserva do seu pai, que era médico militar na Tunísia, o seu amor pela África e pelos Árabes.

Aos 23 anos descobre a vida do irmão Carlos, através da biografia escrita por René Bazin. Sente-se profundamente tocada e encontra aí todo o ideal do que ela sonha:

Jesus-Amor, o Evangelho vivido.

Charles de Foucauld. Quem ele é? Sua juventude foi louca e aventureira. Durante 12 anos viveu dando as costas a Deus. Aos 28 anos descobre maravilhado que Deus do seu lado não deixou de esperá-lo e procurá-lo para abrir-lhe os seus braços.

Dois anos depois fazendo uma peregrinação na Terra Santa, caminhando nas ruas de Nazaré se sente transtornado por outro encontro: Deus, o totalmente Outro se faz próximo ao ponto de tornar-se um de nós: Jesus de Nazaré.

Desde esse momento procurar o rosto de Deus é para Carlos pôr concretamente os seus passos nos passos de Jesus. Descer com Jesus a Nazaré, para deixar-se conduzir até o Pai.

Esse caminho jamais terminado, o conduze pela solidão e pela oração ao encontro de Deus, numa vida cada vez mais misturada com as populações mais isoladas do Saara.

Descobre progressivamente que esse rosto de Deus que ele tanto buscou revela-se no mais pobre e nos pequenos. Toda a sua vida é unificada e pacificada por uma fé viva nessa dupla presença: Jesus apaixonadamente procurado e a escuta no silencio e na vigília de longas horas de adoração. Jesus apaixonadamente amado no seu caminho de humanidade, próximo e solidário dos mais abandonados.

Madalena está convencida de que o Senhor a chamou a tornar-se uma dessas irmãzinhas que o Irmão Carlos tanto desejou, mesmo se isso parece humanamente irrealizável devido à precariedade do seu estado de saúde. Com 37 anos ela sofre de uma artrite deformante e frente à evolução rápida da doença o diagnóstico é que vai ficar completamente entrevada, a não ser que vá viver num país totalmente seco, onde não caia nem uma gota de água, como no Saara. Para o padre que a acompanha é o sinal esperado e diz para ela: “vá embora rápido o bom Deus vai tomar você pela mão e você vai deixar que Ele a conduza. É porque humanamente você não é capaz de nada que eu digo a você que é para partir. E se você faz alguma coisa será Deus que terá feito tudo, porque sem Ele você não poderia fazer nada, absolutamente nada”.

“Ele me tomou pela mão e cegamente o segui” Irmãzinha Madalena

Aos 38 anos parte para Argélia com a mãe idosa e Ana, uma jovem que partilha as suas aspirações. Lá um padre pede para ela ajudá-lo para começar uma obra social chamada casa do Pe. de Foucauld em Boghari nas altas planícies da Argélia, no meio de um bairro árabe.

No coração desta vida dada e muito ocupada, Madalena atravessa um período de obscuridade, onde tem o sentimento que a miséria dela a torna indigna de se aproximar de Deus e é nesse momento que vê no que ela chamará: “um bom sonho”: Jesus pequeno nos braços da Virgem Maria que se aproxima dela e que Jesus se joga nos braços dela.

Alguns anos mais tarde escreverá: “por um excesso de amor o Cristo, Filho de Deus, quis passar pelo estado de impotência de uma criança, o único estado que coloca o ser humano entre as mãos dos outros, num total abandono”.

“Não tenhas medo das tuas falhas. Toma-O com você e você verá!” Irz. Madalena

Enquanto isso a atividade desbordante da vida em Boghari deixa Madalena insatisfeita. Sente que lhe falta alguma coisa essencial: a dimensão contemplativa. Para pedir luz, parte em peregrinação a El Golea até o túmulo o irmão Carlos e lá encontra pela primeira vez o Pe. Voillaume, que fundara fazia pouco tempo os irmãozinhos de Jesus, seguindo uma regra escrita pelo irmão Carlos. O bispo do Saara do seu lado propõe a Irz. Madalena e a Ana de fazer um tempo de formação religiosa com as irmãs Brancas. Isso permitirá poder acolhê-las na diocese dele como religiosas e pede também a Madalena que escreva a regra das futuras irmãzinhas de Jesus. E o 8 de setembro de 1939, alguns dias depois da declaração da segunda guerra mundial, Irz. Madalena pronuncia os seus primeiros votos: é a fundação da fraternidade das irmãzinhas de Jesus.

Desde outubro Irz. Madalena vai ao encontro de um grupo de nômades perto de Touggourt, Oasis situado em pleno deserto a 600 km ao sul de Alger. Encontra-se completamente sozinha no meio dos seus amigos, trabalhando duro com eles e confiada de certa forma a eles.

Essa experiência única de respeito, de confiança e amizade recíproca, deixou para sempre a sua marca na Fraternidade. Irz. Madalena sente-se confirmada nessa certeza: “pode existir uma amizade verdadeira, um caminho profundo entre pessoas que não são nem da mesma religião, nem do mesmo povo, nem do mesmo meio social”.

E se o Altíssimo nos espera-se no coração de nossas diferenças?

Desde 1940 jovens começam a chegar para seguir esse novo caminho no seguimento de Jesus.

É necessário ocupar-se da formação delas antes de chegar ao Saara. Será no Tubet, lugar perto de Aix en Provence, numa casa oferecida pelo arcebispo.

Irz. Madalena escreve um livrinho (Boletim Verde) dirigido as jovens que desejam viver essa vida, ele terá uma grande repercussão. Nele expõe o seu pensamento: “como Jesus viver pobre no meio dos pobres, misturadas na massa humana, como o fermento na massa”.

Trata-se de uma vida contemplativa no meio do mundo, os olhos e o coração fixos em Jesus o modelo único. Deus feito homem no meio das/dos humanas/os

Em 1946 em El Abiod na Argélia, Madalena faz uma experiência mística da paixão de Jesus. Conservará nela como uma ferida no coração, como uma imensa compaixão frente a todo sofrimento. Uma força irresistível vai levá-la até os extremos do mundo, para testemunhar esse amor, em todos os lugares onde reina a violência, a opressão e o ódio.

Irz. Madalena tem a certeza de que a Fraternidade, que até esse momento estava totalmente consagrada às populações do Islã, deve estender-se ao mundo inteiro, tornar-se universal. Porém ela não quer abandonar o mundo muçulmano, é lúcida e sabe das dificuldades a serem vividas nesses países e sente também a necessidade de levar um testemunho de amor e doçura.

A cruz à luz do presépio…

As trevas rasgadas por uma criança!

As fraternidades se multiplicam, monsenhor de Provenchers, arcebispo de Aix en Provence segue atentamente esse caminho e encoraja as diferentes fundações e a expansão delas: fraternidade operaria, nas Igrejas Orientais, com os ciganos, no circo, com os nômades na tenda, com os doentes da lepra…

No contexto da época querer ser “um deles”, partilhar a vida dos mais abandonados, isso parece impensável para religiosas.

O que preocupa Irz. Madalena é poder permanecer atenta as novas formas de pobreza e de marginalização, numa sociedade que evolui rapidamente.

Para poder consagrar-se mais livremente ás fundações renuncia ao cargo de responsável geral. No natal de 1949 entrega essa tarefa a Irz. Jeanne.

Irz. Jeanne conta: “O que foi muito marcante durante toda a vida dela é que tinha uma chama interior que a animava e a impulsionava sempre a ir adiante apesar do cansaço, dificuldades e contradições e eu acho que isso vinha de um imenso amor a Jesus que estava no mais profundo dela mesma e esse amor a Jesus estava ao mesmo tempo unido a um grande amor ao mundo inteiro”. Ela dizia: “o Senhor me persegue com essa frase: “os enviou dois a dois aos povoados…” e eu vejo irmãzinhas vindas de todos os lados ao mesmo tempo, semeando uma pequena chama de amor apesar dos seus limites e de suas misérias”

“Vejo-me eu mesma espalhando a chama que o Senhor me confiou”.

“Não existe nada de bom em mim, porém há uma chama, uma tocha acesa e é necessário que eu a leve comigo a todas as partes, ela se reanimará e intensificará transmitindo-se”.

Numa carta ao Pe. Voillaume, ela escreve: “Desde que o Senhor me tomou pela mão, nunca pensei nem uma vez só, que eu era importante, você sabe que eu não sou importante, porém o mundo inteiro me chama, o Senhor me empurra para ir em todo canto plantar irmãzinhas, de lutar contra o mal que eu encontro, de não ter medo de dizer a verdade aos grandes desta terra, correndo o risco de ser condenada e me empurra a sair da sombra onde eu gostaria entrar”.

…deixar-se conduzir pela mão do Senhor, tornando-se leve para que não exista nenhuma dificuldade para ser impulsionada…

Ao mesmo tempo Irz. Madalena estava animada por um desejo de solidão com Deus, numa espécie de coração a coração com Ele, num desejo de uma presença mais intensa a Deus.

Em 1966 escreve: “Eu não consegui resistir a esse chamado do tabernáculo. Eu sei que em todo lugar estou com Ele, que sua presença é habitual em mim, porém isso não substitui a solidão com Ele. E esse silêncio da noite, essa solidão tem para mim uma atração que ninguém pode adivinhar, tal é o costume de me ver “devorada” por todo o mundo”.

“Jesus com a tua mãozinha, me conduzes ao Pai para a Unidade Divina… e para todo ser humano!”

Para Irz. Madalena o coração da nossa mensagem é de tornar vida em nós o Mistério de Belém. Que cada fraternidade seja um pouco como a gruta de Belém e que através delas irradie doçura e paz na impotência da criança.

Ao longo da sua vida, ela procura com as irmãzinhas artesãs, como exprimir essa mensagem fundamental para o nosso tempo: essa do Todo-poderoso que se fez o pequeno, essa de um Deus que se dá e que quer ser acolhido por todas/os.

Olha ao redor de você, os gestos simples, os corações simples… Ele já está aí…

Em 1959 a congregação tomou o seu rosto internacional e a Fraternidade de Tre Fontane em Roma torna-se a Fraternidade Geral. É um grande canteiro de obra onde Irz. Madalena anima todo o mundo. Até o final da vida dela, trabalhará para tornar Tre Fontane a casa da família das irmãzinhas e um lugar aberto a todo tipo de situação humana.

Muitas irmãzinhas escrevem para ela pessoalmente e ela não deixa nunca uma carta sem resposta, esse trabalho imenso não a impede de deixar a porta aberta e recebe muitas visitas e sabe acolher cada uma /um com simplicidade e atenção como se fosse único/a.

Entre as suas alegrias está em 1963 a visita de Paulo VI que vem para reconhecer a Fraternidade em nome da Igreja e a visita de João Paulo II em 1985. Ela já tinha encontrado ele uns 30 anos antes, nas suas viagens em Polônia com a camionete com a que viajava (Estrela cadente).

Era com essa camionete que Irz. Madalena entrava nos países da ex Europa do Leste. Como ela não pode permanecer lá de uma maneira permanente, entra como turista, quase todos os verões a partir de 1956 até a morte dela. E isso com uma grande fidelidade já que o seu estado físico tornava essas viagens muito cansativas.

Irz. Madalena encontra os países marxistas com a mesma atitude que as outras partes do mundo. A paixão da unidade, o desejo de levar a espiritualidade do irmão Carlos, uma amizade humildemente oferecida a todas/os.

Diz repetidas vezes: “é pelo amor que salvaremos o mundo”

A paixão pela unidade que arde no coração da Irz. Madalena impulsionou-a a criar laços com comunidades pertencentes a outras confissões cristãs: Irmãos de Taizé, Irmãs de Grand Champ, a Armada da Salvação.

Setembro 1989 cai e fragiliza-se ainda mais, o seu sofrimento dura dois meses. Vai diminuindo, permanecendo lúcida e atenta a todas/os. Até o final ela vive com simplicidade o seu amor pela vida e o desejo do encontro tão esperado com o Bem Amado.

Seis de novembro 1989 parte simplesmente para o seu Senhor deixando a nós irmãzinhas aquilo que ela tinha desejado tanto: o seu sentido do extraordinariamente simples, o seu ideal de uma santidade humana. Sobre esse humano será necessário enraizar o amor divino.

“Amar com todo o coração humano, porque no humano há a obra esplendida de Deus” Irz. Madalena

Uma irmãzinha escreve:

“Testemunhar à maneira de Jesus de Nazaré, à maneira da criança de Belém, não com palavras, mas com atos, se tornando como Ele pobre, frágil, desarmada e contando ao longo dos dias com o poder de Deus que pode atuar através nossa impotência. Lá parece que é o inicio desse movimento irresistível que empurrou o irmão Carlos e irmãzinha Madalena a viver o Absoluto de uma vida contemplativa, não em termos de separação e de afastamento, mas em termos de relação fraterna/sororal e de partilha de vida com os mais abandonados. Trata-se de viver essa vida não na estabilidade de um monastério, mais nas estradas humanas, como Jesus no caminho da Galiléia, como o Povo de Deus no deserto recebendo das mãos de Deus o seu alimento dia a dia”

Irz. Madalena resumia o ideal da Fraternidade nestas palavras:

“A unidade no amor de Jesus”

Ela deve ter ficado contente quando na Missa dos seus funerais reuniram-se em Tre Fontane muitíssimos amigos/as de todas confissões, meios sociais, nacionalidades e povos.

Não é o sinal de que essa mulher invadida pelo amor do Senhor, tornou-se a testemunha da ternura do Pai para todo ser humano, além de toda barreira?

Por casualidade ou coincidência, é na noite do nove de novembro, véspera do seu enterro, que caiu o muro de Berlin.

Jesus pequeno atravessa todas as barreiras…

Também você, tome-O como amigo e siga-O!

3. O ABSOLUTO DE DEUS

“Vamos deixar que a graça nos conduza... Vamos deixar que o Espírito Santo nos dirija e só tomemos as rédeas de nossa oração quando Ele as colocar em nossas mãos.” Ir. Carlos.

Retiro é um tempo especial de graça. Momento privilegiado de encontro com o Bem Amado de nosso coração. Não desperdicemos esse momento. Temos um excelente guia nosso Irmão Carlos, ele que foi um buscador, um homem sedento de Deus, um peregrino do Absoluto. Deixemo-nos guiar por ele.

Sabemos que o caminho de fé não é fácil. Coloquemo-nos diante de Deus de mãos vazias, desejosos/as de encontrá-Lo, com fome e sede de sua presença... Busquemo-Lo como fez o Ir. Carlos e tantos outros buscadores/as de Deus, discípulos/as de Jesus.

Certamente todos/as nós aqui presentes conhecemos um pouco do itinerário espiritual do Ir. Carlos, ontem o DVD, nos ajudou. Mesmo assim, vai ser bom, num clima de retiro, retomar alguns aspectos.

Transportemo-nos para aquela manhã de outubro de l886, na Igreja de Santo Agostinho, em Paris. Charles de Foucauld está voltando de sua expedição no Marrocos. Ele está bastante remexido e procura Pe. Huvelin para lhe pedir aulas de religião. Pe. Huvelin simplesmente responde-lhe que se ajoelhe e confesse. Essa atitude inesperada o desarma, e rompe o fio de resistência que o atava. O convite para comungar foi o coroamento desse encontro. Carlos sentiu-se amado e acolhido por Deus, como o filho pródigo. Em uma de suas meditações fazendo referência a esse momento ele diz: “Deus foi mil vezes mais terno”, do que o pai da parábola do filho pródigo.

Irmão Carlos se deixa envolver pela graça de Deus vinda a ele, e então tudo muda. Ele se deixa seduzir por esse Deus que o esperava. Deus se revela a ele como Misericórdia. Um Deus Ternura.

Deus não se comprova, mas se encontra, e para encontrá-Lo é preciso buscá-lo, desejá-Lo, ter fome e sede Dele, recebê-Lo com um coração de pobre.

Que Deus faça de nós mulheres e homens de desejos. Só assim Ele pode vir até nós e cumular-nos.

Peçamos o dom do Espírito para podermos penetrar no grande mistério de Deus Pai. Que Ele modele em nós um coração filial nos dê um coração novo e que a Ruah nos abra a novidade Dele.

Ir. Carlos se deixou tocar pelo amor de Deus e responde a esse amor, com amor. Como é um homem de ação, concreto, sua decisão é imediata: “Se Deus me amou e se entregou por mim, quero também amá-lo e entregar minha vida a Ele”.

Pe. Huvelin conhecendo seu temperamento impetuoso e concreto, que precisa ver, provar... sugere–lhe uma peregrinação à Terra Santa e lá, caminhando pelas ruas de Nazaré, fica fascinado com o que descobre: um Deus que nos ama a tal ponto que quis vir a nós , tornando-se um de nós, escolhendo uma situação de pobre. Não pensa duas vezes, quer seguir esse Jesus, viver como Ele viveu, viver somente para Deus. Jesus viveu trinta anos em Nazaré, num pequeno lugarejo desprezado e escondido. Segui-Lo será concretamente partilhar a mesma vida escondida e pobre, na intimidade do Pai.

Seguindo essa intuição nazarena ele entra na Trapa, e, em nome de Nazaré a deixa sete anos depois, para ir morar na Terra Santa, em Nazaré, à sombra do mosteiro das Clarissas. Finalmente recebe a ordenação sacerdotal e vai se estabelecer no Saara, onde não há presença de sacerdotes e onde o povo não é cristão, pois descobre que viver Nazaré é entre outras coisas: viver o cotidiano, o dia a dia de homens e mulheres comuns, partilhando suas vidas, seus anseios e lutas e tudo isso se tornar o lugar de encontro com o Pai.

Essa é a intuição fundamental do Ir. Carlos e, se fazemos parte da Fraternidade é porque de alguma maneira fomos seduzidas/os por Deus, na pessoa de Jesus de Nazaré.

Assim, sua vida no deserto foi uma vida entregue, uma vida de intimidade com Jesus e de proximidade com o povo Tuareg.

Reconheço-me como mulher/homem de desejo? O que eu desejo? A quem desejo?

Relembre como foi o seu encontro com Deus? Que lugar Ele ocupa em sua vida?

Como é sua vida de relação e intimidade com seu Irmão e Senhor Jesus? Apresenta a Deus suas fraquezas, misérias…? Sua fome e sua sede?

Ez 36,26-28; Jo 3,1-21; Mt 11,25-30; Lc 15,11-32.

4. EUCARISTIA

“Quando amamos achamos bom, perfeitamente empregado, o tempo passado junto daquele a quem amamos”. (Irmão Carlos)

Outro aspecto importante da vida do Ir. Carlos é seu amor à Eucaristia. Ele manifesta esse amor ficando longas horas em adoração diante do Santíssimo.

Dizemos que sua vida é uma vida eucarística, mesmo se as aparências mostram o contrário.

Vamos recolher, neste clima de retiro, algumas de suas intuições a esse respeito:

 Em Nazaré ele tinha muito tempo para rezar. Foi lá que ele escreveu as inúmeras meditações, pois ficava horas lendo e relendo o Evangelho para impregnar-se das atitudes de Jesus, mas, nesse período, sua oração era muitas vezes difícil e árida.

 Quando foi para o Saara, em Tamanrasset principalmente, teve dificuldade em ter uma vida sacramental regular, pois não podia celebrar sem um coroinha. Em um período de sete meses conseguiu celebrar apenas cinco vezes. Depois, quando veio a permissão para celebrar sozinho, não podia ter as Santas reservas. E esse período durou seis anos (de 1908 a 1914). Imaginemos o que isso significou para o irmão Carlos, ter por longos anos, o tabernáculo vazio. Percebemos o quanto essa ausência eucarística lhe era penosa através das cartas que escrevia a sua prima. Escrevendo também a um amigo da Trapa, referindo-se a essa ausência, ele diz: “… mas é preciso estar pronto a tudo, por amor ao Esposo Bem Amado.

 A linguagem eucarística que usava era a de sua época, no entanto podemos perceber outros aspectos que ele acrescenta. Por exemplo, “Jesus está presente no pão, como estava presente em Nazaré, em Betânia”...”. Ou quando diz: “ Estás mais perto de mim ao comungar (sobre minha língua) que durante os nove meses quando estiveste no seio de Maria”... Percebemos aí um vocabulário que expressa proximidade, intimidade, familiaridade… Vocabulário que não era comum na mentalidade de sua época.

Ele falava de “irradiação”, ou seja, a simples presença eucarística irradiava. Logo era importante e urgente multiplicar os tabernáculos, daí seu grande desejo de ter muitos companheiros para multiplicar essa presença.

Outra expressão: “Jesus, no sacrifício da missa, se entrega pela salvação do mundo”, sua conclusão prática: é preciso celebrar muitas missas, quanto mais missas, mais almas salvamos. Aí seu desejo de celebrar sempre e ter muitos seguidores sacerdotes.

 Talvez essa maneira de pensar nos faça rir nos tempos de hoje, no entanto, mesmo na mentalidade da época, irmão Carlos já deixava perceber profundas intuições como essa evangelização que passa por uma presença discreta, uma presença que não se impõe, mas se propõe. Também essa intuição de que é Jesus que salva com sua presença, nós apenas nos associamos a esse trabalho de salvação.

 Na medida em que o tempo passa, ele vai descobrindo uma nova maneira de viver sua vida eucarística. Chegando a Beni Abbés, no meio de um povo muçulmano que não conhece a eucaristia, para quem a eucaristia não lhes fala nada, ele percebe que essa irradiação não poderia fazer-se senão através de seus adoradores. Logo, a importância de “converter-se” pessoalmente, como ele falava, para que Jesus irradiasse através dele e de cristãos autênticos que vivessem o Evangelho.

 Nas meditações do Irmão Carlos, começam a aparecer expressões como: “viver a caridade fraterna e universal”. É importante perceber essa mudança.

 Quando ele tem que escolher o lugar de sua ermida se pergunta: onde? num lugar isolado para ter tempos longos de oração, ou em meio do povoado Tuareg.... Conclusão: no meio dos Tuaregs… “Pois é o Amor que deve te recolher em mim, e não o afastamento de meus filhos. Deves ver-me neles, e como eu em Nazaré, vive perto deles, perdido em Deus”.

É importante perceber essa mudança que vai acontecendo pouco a pouco na vida do Ir. Carlos. É Jesus que deve irradiar através dele. E assim, sua presença marcada pela Eucaristia torna-se uma presença discreta, humilde, atenta. Uma amizade que se oferece e é acolhida. Um amor que atrai e cuida.

 Essa presença amorosa, esse contato afetuoso não é apenas uma técnica missionária para cativar, mas sim, em primeiro lugar, tornar presente a maneira como Jesus viveu, seu estilo de vida deixado a nós através da Eucaristia. Descobrir isso o faz viver com liberdade. Sua vida em Beni Abbés e em Tamanrasset era uma vida entregue a todas/os, fazendo-se “pequeno e abordável” deixando-se “devorar”, nunca fazendo esperar aquele que batia à porta.

Para nos tornarmos “utilmente devoráveis”, como dizia Maritain, é preciso que nossa oração permaneça viva. Que sejamos fiéis a esses momentos de intimidade com Jesus, presente sob o sinal do pão. Saber fazer silêncio, no fundo do coração, para escutar Deus, numa espera silenciosa que dá a Deus o tempo de nos falar.

Acreditamos que o Ir. Carlos conseguiu fazer a síntese dessas duas dimensões, às vezes conflitivas para nós: o amor a Deus e o amor aos/as irmãos/as”.

O ostensório encontrado com a Eucaristia, jogada na areia junto ao corpo de Ir. Carlos, e que um soldado comunga, é o símbolo dessa vida entregue que continua se transmitindo.

Como no seu cotidiano você une as duas dimensões: intimidade com o Senhor e compromisso solidário com a/o irmã/o.

Qual o significado profundo para você dos tempos de deserto?

1 Reis 19; Jo 21,15-20; Lc 14,12-14; Mt 25, 31-46

5. BELÉM… DOCE LUZ DE UMA TERRA E DE UMA CRIANÇA…

“Belém… um dom para nosso hoje. Não promessa de um futuro fácil ou de uma ingênua confiança nos progressos humanos, mas força que bebe na fonte da VIDA. Poderemos, assim, viver situações humanas, tensões e contradições sem soluções, as diferentes etapas de nascimento ou de morte, toda espécie de buscas apaixonantes e como expressar o mistério único da VIDA. E poderemos vivê-lo com um amor confiante e ardente por Jesus e por nosso mundo, sem medo de ser ou de tornar-nos, sempre mais as pobres que Deus nos chama a ser…” (Irmãzinha Maria Chiara de Jesus).

No seu dia a dia qual a fonte na qual você bebe?

Como na sua vida, você torna visível o mistério único da VIDA?”

“O Espírito de seu Filho está em nossos corações e grita a seu Pai, chamando-o Abba” Gl 4,6.

Das constituições das irmãzinhas de Jesus:

A infância espiritual é fruto de maturidade na fé e não atitude infantil. É abandono à Vontade do Pai, numa confiança alegre de criança. Ela se manifesta na simplicidade do coração e na docilidade do espírito. (Mt 18,1-3)

Em Jesus toda a humanidade é chamada a estar também atenta ao Pai e a renascer como filhas/os de Deus. A infância espiritual se torna assim uma das exigências mais prementes do Evangelho. (Jo 1,12; Mt 11,27-30; Jo 3 3-11)

Esse espírito de infância, tão desconcertante para a razão humana, se opõe às tentações de orgulho e de dominação que se encontram na raiz do mal. (Mt 19,13-14; 1Cor 1,25-31; Mt 4, 1-11)

Desde a sua origem, a Fraternidade recebeu uma luz particular no presépio de Belém, onde o filho de Deus, “nascido de mulher”, quis iniciar sua missão de Salvador nesse estado de impotência e de total dependência. (GL 4,4; Mt 1,21)

Com essa luz compreenderão (as irmãzinhas) que, para entrar neste mistério, precisarão de um coração humilde e forte, de uma inteligência amplamente aberta às realidades do mundo. E frente a situações de injustiça, de violência e de opressão, se conformarão a Jesus que, para salvar o mundo, recusou todo meio de poder e não teve senão a força de seu amor e de sua fidelidade total à verdade. (1Pd 2,21-25; Jo 15,13; Jo 18,37)

De irmãzinha Madalena:

“O presépio de Belém tem algo de muito belo e grande, porque contém o Cristo todo inteiro, Deus e Homem, e porque há no prolongamento desse berço toda a oficina de Nazaré, a Paixão, a Cruz, toda a glória da Ressurreição e do Céu.

“Como todas as criancinhas do mundo, o Cristo operário, o Cristo da Paixão, o Cristo glorioso da ressurreição, precisou junto a seu berço, da ternura vigilante de Maria, da solicitude de São José, que lhe guiou os primeiros passos e principalmente do amor de seu Pai do Céu, ao qual foi obediente, do nascimento no Presépio até a morte na Cruz”. (Boletim Verde)

Há um laço íntimo entre Belém e a Cruz, laço que cada um/uma de nós vive em seu caminho de fé. Peçamos a Deus a entrada nesse mistério pela porta dos pequenos que, como se vissem o invisível, podem com alegria dar testemunho do “Deus conosco”, no coração e através dos desafios e dos dramas da nossa época.

À luz do mistério de Belém, no seu cotidiano, será que o Senhor habita você como primeiro e último Amor, como o desejo mais forte?

Relembre e releia quais foram as suas atitudes e os meios que você tomou frente às situações complexas e conflitivas.

Na oração de abandono, rezamos; “Pai faz de mim o que quiseres”… Poderá Ele fazer de mim o que quiser?

6. UNIVERSALIDADE: UM DEIXAR-SE INTERROGAR POR OUTRAS EXPERIÊNCIAS CONCRETAS

“É Ele a nossa paz, ele que de dois fez um só povo, destruindo a barreira que os separava, suprimindo o ódio em sua carne (Ef 2,14)

“O senhor me pergunta se estou disposto a ir a outro lugar que não seja Beni-Abbés para difundir o Evangelho. Estou pronto para ir até o fim do mundo e para viver até o juízo final” irmão Carlos a Mons Guérin.

Foi em meio muçulmano que o irmão Carlos pressentiu o mistério de Deus. Foi aí que deu sua vida. Essa “semente escondida na terra”, essa presença gratuita na amizade, valores que ele foi levado a viver marcam a Fraternidade inteira. Irmãzinha Madalena à luz dessa intuição, marcada pela sua historia pessoal, ferida pela dor das divisões e barreiras, e habitada por um amor Maior, vai abrindo-se a povos, culturas e credos diferentes, e se sente impelida a “plantar” irmãzinhas nos quatro cantos do mundo, para que tornemos realidade um amor de predileção por cada pessoa, que vai até o extremo do amor…

Que toda pessoa possa sentir-se acolhida, respeitada e reconhecida na sua unicidade e radical diferença e que se manifesta nos diferentes aspectos da vida. Acolher a existência do/a outro/a, deixar-se interpelar pela experiência dele/a, pelas suas buscas e perguntas, pelas suas dores e alegrias… e numa estima profunda poder tornar vida a real reciprocidade, onde umas/uns podemos dizer para as/os outras/os: “eu tenho necessidade de você”.

A universalidade faz parte da missão da Fraternidade. Um dos grandes desafios atuais de nosso mundo é aprender a viver juntas/os. Abrir-nos à universalidade nos pede que aprofundemos nossa identidade fundante enraizada em Deus. É um caminho de unificação interior e de abertura à experiência de sermos irmãos e irmãs.

Nosso mundo globalizado está marcado por um grande deslocamento de pessoas que são refugiadas, sem abrigo, migrantes, no nosso planeta dilacerado pela violência. No seguimento de Jesus, nos tornamos ao mesmo tempo próximas/os e outras/os. (Jo 17,26)

Das constituições das irmãzinhas de Jesus:

“As irmãzinhas aprenderão de Jesus que só podem amar verdadeiramente todos os seres humanos estando com os ‘últimos”, aqueles em cuja vida se reflete seu Rosto sofredor. Comprometendo-se com aqueles e aquelas que recusam toda barreira levantada entre pessoas e povos, elas serão fermento de unidade. É Jesus quem lhes manterá o coração amplamente aberto, num desejo de compreensão e de amizade com todos/as” (1Jo 4, 7-21; Tg 2, 5; Mt 11,2-6; Lc 13,30; Ef 2,12-18; 1Ts 3,12).

Na sua vida concreta, no seguimento de Jesus, no caminho percorrido por irmão Carlos e irmãzinha Madalena, que significa viver um amor universal, ser irmão/ irmã universal?

Nas minhas relações reconheço as “barreiras” que eu vou erguendo e que me isolam do meu irmão e da minha irmã, e me impedem de viver o verdadeiro AMOR universal?

7. ORAÇÃO DO ABANDONO

“Assim que acreditei que Deus existe, entendi que não podia fazer outra coisa a não ser viver só para Ele; minha vocação nasceu na mesma hora que minha conversão”.

Notre Dame des Neiges, carta do irmão Carlos a Henry de Castriers 1901

MEU PAI, A VOS ME ABANDONO, FAZEI DE MIM O QUE QUISERDES Irmão Carlos, meditação:

“Meu Senhor e meu Deus, eu vos suplico, fazei-me conhecer claramente vossa vontade! Dai-me em seguida a força para realizá-la, cumpri-la fielmente até o fim no reconhecimento e no amor”.

O QUE DE MIM FIZERDES, EU VOS AGRADEÇO

Irmão Carlos, meditação:

“Vinde socorrer-me, meu Deus, afim de que não somente meus lábios, mas todas as batidas do meu coração e todos os atos de minha vida vos sejam sempre uma contínua ação de graças!”

ESTOU PRONTO/A PARA TUDO, ACEITO TUDO

1959 A Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus foi submetida a uma visita apostólica. Da Irmãzinha Madalena:

“Há ao nosso redor muita critica. Sempre teve, mas parece que atualmente é mais pesada. Que cada irmãzinha viva seu cotidiano sem inquietar-se, o Senhor que sempre nos protegeu não nos abandonará, mesmo se o nosso barco está agitado pela tempestade. Tenham confiança. O Jesus Menino está na proa do barco, que continuará avançando com firmeza”.

CONTANTO QUE A VOSSA VONTADE SE FAÇA EM MIM E EM TODAS AS VOSSAS CRIATURAS

Resoluções tomadas pelo irmão Carlos no retiro anual em 1909:

“Pensar, falar… e agir como Jesus faria no meu lugar”

Meditação: “Ter sempre nosso olhar voltado para o que amamos fazer tudo em vista do que amamos eis uma lei inviolável do amor: façamos então tudo em vista só de Deus, tudo, tudo, tudo, pensamentos, palavras e ações, para amá-Lo profundamente”.

NÃO QUERO OUTRA COISA MEU DEUS

Do irmão Carlos, Tamarasset, notas cotidianas 19/10/1916:

“Fazer em tudo o que agrada a Jesus, com o único temor de não amá-Lo bastante e não fazer sempre a Sua vontade”.

ENTREGO A MINHA VIDA EM VOSSAS MÃOS

Da irmãzinha Madalena:

“Às vezes, como Cristo, você terá que lutar para conformar sua vontade à de seu Pai do céu. Mas se você amar realmente terá toda a força do seu amor para dizer com Ele: “Pai seja feita a vossa vontade e não a minha” Lc 22,42.

EU VO-LA DOU MEU DEUS, COM TODO O AMOR DO MEU CORAÇÃO

Do irmão Carlos, Tamarasset, notas cotidianas 20/01/1916:

“O amor pode tudo. Aqueles que não amam realizam muitas coisas, que cansam e esgotam em vão” .

“Sejamos pessoas de desejo e de oração. Nada é impossível; Deus tudo pode”.

PORQUE VOS AMO E PORQUE É PARA MIM UMA NECESSIDADE DE AMOR DAR-ME

Meditação do irmão Carlos:

“Verifiquemos o amor que temos pelo próximo/a e nos daremos conta do nosso amor a Deus, pois são inseparáveis e crescem juntos na mesma medida”.

ENTREGAR-ME EM VOSSAS MÃOS SEM MEDIDA

De uma carta da irmãzinha Madalena ao Pe. Voillaume:

“A vida contemplativa é uma vida de amizade com a pessoa de Jesus, é uma vida interior muito profunda em intimidade com Deus. Quanto mais o amamos mais sede temos de irradiá-Lo. Quanto mais sentimos a necessidade das pessoas, mais sede teremos de nos deixar preencher por Jesus e de estarmos a sós com Ele”.

COM INFINITA CONFIANÇA

Tamarasset, carta do irmão Carlos a Luis Massignon 1916:

“Confiança. Esperança! Relembre algumas vezes a historia das graças que Deus lhe deu e acredite que Ele lhe reserva muitas outras. Não desanime nunca; ainda encontrará em você muitas misérias: seja humilde e trabalhe mais do que nunca à sua própria conversão”.

PORQUE SOIS MEU PAI!

De uma carta de irmãzinha Madalena ao Pe. Voillaume:

“Sonho com um amor que ainda não vi explicado em nenhum livro… e menos ainda nos conselhos dados às religiosas… Um amor que seja ao mesmo tempo divino e humano. Sonho que possamos dar muita ternura a todas/os. O mundo tem necessidade de amor. Gostaria de colocar uma faísca de amor em cada lugar do mundo”.