Prezados irmãos da Fraternidade Sacerdotal e amigos leitores do Boletim das Fraternidades:
Creio que as expectativas para ler as reflexões do Retiro de Caucaia, CE – como já é tradição em nosso primeiro Boletim anual - estejam bastante aguçadas, mas temos que compreender, assim como temos compreendido, que os irmãos que aceitam orientar nossos retiros são comprometidos e envolvidos, pastoralmente, em suas realidades. E com o nosso irmão Geraldo Gereon, não é diferente; ele está fazendo as devidas correções nas reflexões do retiro de Caucaia, e assim que me enviar será publicado no próximo Boletim.
O Boletim, 136, é dedicado ao Ano Sacerdotal. E nele vocês poderão ler e refletir os belíssimos artigos: Carlos de Foucauld, Padre de Jesus Cristo, de Paul Pouplin e Pierre Sourisseau, traduzido por Ir. Joanna Duboc. E o artigo Ano Sacerdotal: Pe. Charles de Foucauld de Dom Eduardo Benes. Ambos, escritos por ocasião do Ano Sacerdotal convocado pelo Papa Bento XVI, no 150º aniversário da morte do Cura D’Ars. Espero que esses artigos ajudem as diferentes fraternidades em seus dias de encontro.
Já temos a data e o local do Retiro de 2011, graças à colaboração de nossos irmãos mineiros, Hideraldo e Ernesto; vejam em agenda.
Podemos ainda acompanhar, através da notícia, o nosso Ir. Xico, que está em Cochabamba, e agora, em seu novo trabalho é chamado por Pancho. E ainda, poderemos ver a prestação de contas e o que ler.
Estamos vivendo momentos difíceis com as fortes tempestades, em diferentes partes do mundo, e com os terremotos no Haiti, no Chile e na Turquia. Com as fraternidades, queremos ser solidários com todo esse povo que está sofrendo as conseqüências desses desastres naturais, que tem ceifado tantas vidas. Sabemos que nossos irmãos das fraternidades e da família espiritual do Ir. Carlos, desses países, estão sendo solidários com as vítimas, e que também estão recebendo solidariedade. Em tempos de crise e de dificuldades, não podemos deixar de ser solidários e nem perder a esperança, como nos disse o Ir. Carlos; é preciso ter coragem e ousadia.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica, em seu gesto profético, nos alerta para uma economia que esteja, de fato, a serviço da vida, e que não caiamos na tentação do consumismo. Como já é do nosso conhecimento, a atual economia escraviza e exclui milhões de pessoas do convívio social. Portanto precisamos de uma economia solidária e de projetos de sustentabilidade.
Boa leitura.
1. CARLOS DE FOUCAULD, PADRE DE JESUS CRISTO
Paul Pouplin e Pierre Sourisseau
Tradução: Ir. Joanna Duboc
O Ano Sacerdotal convocado pelo Bento XVI, por ocasião do 150º aniversário da morte do Cura D’ Ars, nos convida a rever a figura do padre que é Carlos de Foucauld.
Em vez de tentar fazer uma comparação entre esses dois homens, tão diferentes, mas habitados por uma mesma paixão, podemos sublinhar alguns traços do ministério de Carlos de Foucauld que revelam seu ser de padre. Para falar do ministro que ele se tornou, é interessante vê-lo em Tamanrasset, durante os 15 anos que ele viveu no Saara. O que descobrimos?
Um tipo de padre, homem de relações.
A figura do padre-eremita, monge isolado no Saara, não corresponde ao estilo de vida que ele viveu.
Ser padre na Argélia, como escreveu René Bazin, em 1916, é preparar o caminho... leva-nos a aceitar os muçulmanos... inspira-nos uma confiança absoluta... coloca-nos, o mais possível, em relação com aqueles que nos rodeiam e nos leva a prestarmos todos os serviços que podemos...
Seu companheirismo com Laperrine que o levou a descobrir o povo touareg ensinou-lhe o valor do
“cativar” através de relações humanas que provocam confiança. Nessa parte da humanidade poderá germinar a semente do Evangelho.
O que ele experimenta em sua vida de relações é proposto para todos os Párocos da Argélia, da Tunísia ou do Marrocos, a cada Capelão militar e a todos os párocos das nossas colônias.
Ele escreve ao Padre Antonin, no dia 13 de maio de 1911: “o trabalho apostólico, como eu o faço, aqui, até agora, e como eu o vejo atualmente, consiste em conversações individuais com os infiéis (e na oportunidade com os cristãos)...” Desde 1909, ao Padre Huvelin e, várias vezes, a Dom Bonnet, ele pede padres muito piedosos, com menos de 40 anos. Ou seja, padres que já tenham experiência de vida pastoral, que tenham feito um estágio com os Padres Brancos e que sejam suficientemente maduros para viver na solidão e segundo uma «disciplina de vida»; que sejam bons colaboradores com os responsáveis da Igreja.
Essa figura fala muito a nós padres diocesanos de hoje, que somos poucos, e nosso envelhecimento nos leva a organizar a pastoral, a viver um ministério de comunhão e de vigilância, muitas vezes, em segundo plano; mas trazemos em nós esse desejo de verdadeiras relações, simples e próximas da vida das pessoas de nossos bairros, sem as quais nosso ministério corre o risco de nos afastar do essencial: uma vida pastoral segundo o Cristo do Evangelho. Encontrar o tempo para as relações, especialmente com os mais pequeninos, as pessoas aparentemente afastadas da fé, e não somente com os cristãos, é vital para nosso ministério. Não é esse um modo de viver a vida de Nazaré?
Uma figura do pastor, servo de seu povo
Quando escreve ao Padre Jerônimo que vai ser ordenado no dia 24 de janeiro de 1897, cf. (esse último lugar), ele menciona as qualidades do pastor que ele mesmo procura viver, em seu ministério no Saara.
O pastor deve ser um vigilante: deve defender os filhos do pai de família contra os salteadores. É a linguagem que ele usará na sua luta contra a escravidão.
“Não somos cães mudos, sentinelas adormecidas...” E a Dom Guérin, no dia 30 de setembro, a propósito dos escravos. Não pode acontecer que os representantes de Jesus se contentem de defender timidamente, e não sobre os tetos, uma causa que é a da justiça e a da caridade. (correspondência saariana, p.124).
O pastor conhece suas ovelhas: quando está em Akbès e escreve a seus Irmãos da Trapa a respeito dos Armênios perseguidos, ele fala de sua tristeza de não conhecer a língua desses cristãos infelizes. Sabe-se o trabalho que isso exigirá, durante 10 anos no Hoggar: estudar a língua, os poemas e os costumes tuaregues, preparando material lingüístico para os futuros padres.
Esse trabalho científico exprime bem sua paixão por esse povo e seu desejo de servi-lo como pastor; são numerosas as iniciativas que empreenderá para fazer evoluir a sociedade onde ele vive: elas dizem respeito à instrução, à habitação, à saúde, ao cuidado dos pobres, à iniciação, à técnica da horticultura e do tricô! O pastor está perto de cada um, porque para a salvação de cada um o Coração de Jesus morreria e sofreria pregado na cruz (carta ao Pe. Jerônimo, op. p. 152).
Ele toma a defesa das pessoas quando sabe que os soldados do exército francês se comportaram muito mal em relação aos touaregs; e foi para proteger seu rebanho que ele iniciou uma construção onde deixaria sua vida.
Ele cuida de cada ovelha de seu rebanho. Aqui, Carlos de Foucauld nos faz pensar em João Maria Vianney, em seu ministério do sacramento do perdão que o retinha na igreja durante dias inteiros.
Cada pessoa encontrada, ouvida, perdoada é um coração no qual o Espírito realiza sua obra. O Padre de Foucauld não tinha esse tipo de ministério a assegurar, mesmo se considera os soldados em guarnição ou em combate como sendo seus paroquianos.
Ele é exemplar pela maneira com a qual dá atenção a cada pessoa, e ao cuidado da vida do rebanho: as pessoas e o mundo, a vida de cada um e as questões vitais da sociedade... Essa tensão é fecunda para o ministério do padre e para a Igreja.
Um ministério de acompanhamento
A figura sacerdotal que mais o marcou, sem dúvida, foi a do Padre Huvelin, seu «pai». Que o acompanhou de 1886 até sua morte em 1910. Ele procurou também na pessoa de Dom Guérin, no Saara, o acompanhamento do qual tinha necessidade para a orientação de sua vida presbiteral.
Ele mesmo age espontaneamente como acompanhador espiritual das pessoas que se confiam a ele, numa relação continuada.
Sua correspondência é reveladora nessa dimensão de seu ministério: Ele chama Madame de Bondy «sua mãe», mas os conselhos e as reflexões que ele partilha são de um «pai espiritual»; suas cartas à sua irmã e ao seu cunhado de Blic, a seus sobrinhos e a toda a sua família, estão impregnadas de afeição e plenas de exortações e de conselhos espirituais.
É um ministério de padre que ele exerce através de sua correspondência a Henri de Castries que ele admira por sua fé e seu respeito pelos muçulmanos; A Luiz Massignon de quem ele acompanhará a caminhada com suas oposições e suas intuições de fogo; Com Duveyrier, o sábio incrédulo, ao qual ele fala de sua conversão, com as Irmãs Carmelitas de Nazaré e de Jerusalém, como a um amigo de infância, Gabriel Tourdes. Ele sabe falar a linguagem do coração com um infinito respeito pelas consciências, ao mesmo tempo em que se abre às exigências do Evangelho.
O diretor espiritual deve ser piedoso, sábio e instruído: esse é o retrato de seu pai espiritual.
Em seu retiro de preparação ao diaconato (Nossa Senhora das Neves, 1901) ele desenvolve seu pensamento sobre a «piedade». O principal dom a pedir a Deus é a piedade (tomado no sentido de bondade e de caridade) para com o próximo e para com Deus (Só com Deus p. 60): “O que eu peço, acima de tudo a Deus... é ser e fazer de cada instante de minha vida o que lhe agrada”. Não tem nada de meloso essa piedade do ministro de Cristo, ela é a força do amor e da disponibilidade aos apelos do Pai.
O diretor é «sábio». Carlos de Foucauld conhece o preço de experiência de vida, a qual lhe ensinou a sabedoria «que vem de junto de Deus».
Ele é sábio porque está à escuta da vida quotidiana da Palavra de Deus.
Ele é sábio porque pode dar um ensinamento particular da religião católica a cada homem adaptando-se a cada pessoa e adaptando-se às necessidades e possibilidades daqueles que acompanha.
O diretor é «instruído». “Como eu havia procurado um bom mestre para aprender o árabe, eu procurava um padre «instruído»” (Carta a H. De Castries, p. 96).
Ele conhece a importância da cultura humana, teológica e espiritual.
No regulamento dos Irmãozinhos do Sagrado Coração de Jesus, como no Diretório, ele sublinha a riqueza dos «Estudos sagrados». As pessoas seguem aqueles que trazem respostas profundas, com autoridade.
Em 1908, numa correspondência a Dom Guérin, ele pede que lhe enviem a “Suma Teológica de Santo Tomaz e as Instituições Filosóficas de vários autores, porque, quanto mais passa o tempo, sinto necessidade e a ocasião de conversações sérias com alguns indígenas...”
Os pedidos de acompanhamento espiritual são numerosos hoje, e não somos os únicos como padres. Queira Deus que possamos responder-lhe essa solicitação.
Em nossos organogramas sobrecarregados, como no tempo mais calmo da idade avançada, o ministério pode ter seu espaço: ela responde a uma espera das pessoas que estão em tempo de busca. Ele supõe em nós uma atitude de escuta, uma certa coragem para convidar a reler o que já foi vivido, uma capacidade de adaptação ao caminho espiritual de uma pessoa.
É um bom caminho de humildade para o ministro, que é testemunha do trabalho do Espírito através de seus próprios limites.
Um homem da Eucaristia
A segunda primeira comunhão de sua conversão na Igreja de Santo Agostinho abre um caminho de amor para a Eucaristia, que o acompanhará por toda a sua vida, mesmo nos períodos de secura interior: ele é padre para a Eucaristia.
Para que a missa possa ser bem celebrada, em seu pequeno oratório do Monte das Bem Aventuranças, ele caminha de acordo com as exortações da Madre Abadessa das Clarissas, em vista de tornar-se padre (carta ao Pe. Huvelin, 26 de abril de 1900).
“O Padre tem em suas mãos o Corpo Divino de Jesus. Ele faz Jesus renascer dia após dia”, escreve ele ao Pe. Jerônimo, no dia 24 de janeiro de 1897.
“Um dia em que me arrependi por não estar revestido desse santo ministério, foi durante a forte perseguição Armênia. Eu desejaria ser padre...»
“Fazer brilhar a Santa hóstia sobre o Saara...”: sua piedade leva-o a uma teologia da missão.
Não se pode dissociar nele o adorador do Santíssimo Sacramento, o pioneiro que celebra a Missa, em condições difíceis, e o missionário apaixonado pela salvação dos muçulmanos que o rodeiam.
“Eis que tenho a permissão de fundar uma ordem especialmente destinada a honrar a santa Eucaristia, recebida, hoje, 30 anos, pela primeira vez e adorá-la noite e dia, exposta” (carta a M.de Bondy, 28 de abril de 1902). Para ele, celebrar a Missa, pela primeira vez, num lugar, é fazer com que o Natal e o Calvário estejam presentes nesse lugar e em seus habitantes.
“Uma só missa vale mais que todas as obras que eu pudesse fazer” (ao Pe. Huvelin, 1º de junho de 1900).
“É preciso continuar a colocar a missa acima de tudo, e a celebrá-la durante as viagens apesar das despesas que acarreta” (Carta ao Pe. Huvelin em 1º de dezembro de 1905).
Tamanrasset sem missa (inverno 1906-1907) e sem a presença eucarística no tabernáculo, é a escolha de uma vida missionária na qual o testemunho do padre é, por si só, presença eucarística.
João Maria Vianney e Carlos de Foucauld terão em comum esse amor apaixonado pela Eucaristia.
Essa devoção à adoração, e esse apelo aos cristãos, para bem celebrar e viver a Eucaristia, e o amor à Eucaristia são uma herança de nossas fraternidades, um patrimônio espiritual que guardamos como um tesouro. Os cristãos deste tempo estão marcados pelo sentido da Eucaristia, que desenvolvemos primeiramente na qualidade das celebrações da Missa, mas, também pelos tempos que passamos em adoração ao Santíssimo Sacramento. É um aspecto do «carisma de Foucauld» que podemos desenvolver em nossas comunidades cristãs. A adoração do Corpo ressuscitado do Cristo não pode se dissociar do amor de seu Corpo Total que é a Igreja; A ausência da eucaristia em Tamanrasset nos recorda que é a vida do Povo de Deus que é chamada a tornar-se inteiramente eucarística.
Um coração missionário de Irmão universal
Presença diante de Deus e presença aos homens: é uma espiritualidade da missão que é vivida pelo Padre, ao longo de sua vida, no Saara. Ele não escreveu a teologia de sua ação missionária, mas seu testemunho é evidente e fala por si mesmo.
É sua resposta a um forte apelo: «esse banquete sagrado»! É necessário levá-lo às almas mais abandonadas... onde não existem padres. (carta ao Pe. Caron, abril de 1905).
É seu desejo de estar presente lá onde estão os touaregs. É por esse motivo que ele decide instalar-se em Assekrem, porque encontrou lá mais pastores do que a oeste de Tamanrasset.
Quando recebe poucas visitas na ermida, percebe que a solidão é um sofrimento para seu coração missionário.
No longo tempo do estudo da cultura touareg, sabendo que os homens e as mulheres do Hoggar não se tornarão cristãos tão cedo, ele trabalha pelo futuro do Evangelho: é a paciência de sua alma de missionário. Entretanto, ele deseja ardentemente a conversão do Islamismo (Carta a Gabriel Tourdes, novembro de 1911 e maio de 1912).
As intuições que desenvolve ao longo de sua vida presbiteral são missionárias: Fraternidades de religiosos e religiosas próximos das aldeias e dos acampamentos; Priscila e Áquila, esses colaboradores de Paulo que ele considera como missionários leigos, mas também Padres que vivam no anonimato, no mundo muçulmano, trabalhando como comerciantes e agricultores (1905), mensageiros do Evangelho sem nenhum proselitismo; e a grande idéia de seus últimos anos de ministério: Fundar a União de Irmãos e Irmãs do Sagrado Coração, leigos ou padres, religiosos isolados, ou em comunidades monásticas, que seriam missionários pela oração, a ajuda financeira e o caráter evangélico de sua própria vida lá onde estivessem. Quantas iniciativas! E sempre tendo em vista a missão.
O Padre Carlos de Foucauld é um “Irmãozinho de Jesus e um Irmão Universal”: as duas dimensões são essenciais para seu ministério! A paternidade do Padre da qual está convencido se exerce pela fraternidade.
Ele fez a experiência dessa fraternidade, não como ele havia desejado, formando os Irmãos do Sagrado Coração, mas vivendo uma relação privilegiada, entre outros com Mons. Guérin, bispo no Saara, 14 anos mais novo que ele, mas que ele chama de «seu pai», que é muito fraterno com ele, embora exercendo a autoridade da qual Ir. Carlos tem necessidade.
É progressivamente que o Padre de Foucauld, convicto de sua missão, tornou-se um verdadeiro irmão. Ele desejava discípulos fiéis e obedientes; e chega a desejar somente a presença de companheiros que fossem primeiramente seus amigos.
Essa necessidade de amizade o faz descobrir que a relação pastoral se vive na fraternidade: Ser plenamente pai, vivendo a humildade e a delicadeza do irmão.
Podemos nos admirar que padres diocesanos estejam ligados à figura desse missionário atípico, padre sem presbitério, pioneiro sem discípulos, religioso sem povo. Mas os pontos que evocamos mostram que seu testemunho tinha um valor profético.
O Concílio Vaticano II dará sua importância a essas intuições que guiaram sua vida de padre: o testemunho evangélico indispensável para o exercício do ministério, o engajamento no serviço pastoral de um povo levando a luz do mistério de Nazaré, o amor à Eucaristia, o estudo e a contemplação da Palavra, o amor aos pequeninos e a força da fraternidade.
Carlos de Foucauld não é o único na Igreja a levar esse testemunho benéfico da espiritualidade da Escola Francesa, ele soube dar a essa tradição espiritual um semblante e uma forma que marcaram esse século. Seus carismas iluminam e dinamizam hoje nossas vidas de padres diocesanos, a serviço da missão do Cristo Irmão.
2. ANO SACERDOTAL: O PE. CHARLES DE FOUCAULD
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues,
Arcebispo de Sorocaba
Neste Ano Sacerdotal, escrever sobre o padre Charles de Foucauld é um dever e um prazer. Dever por ser ele permanentemente um inspirador de muitas vidas sacerdotais, sobretudo para aqueles padres membros da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas. É também um prazer porque na vida de Charles de Foucauld, podemos tocar o mistério do amor de Deus. Charles nasceu em Estrasburgo, a 15 de setembro de 1858, de família nobre, cujo lema era: “jamais voltar atrás”. A perda dos pais aos seis anos de idade deixa-lhe na alma dolorosa ferida. O avô materno, coronel do exército, cuida de Charles. A família optou pela nacionalidade francesa.
Charles conclui o ensino médio com os jesuítas, em Paris. Começa então a preparar-se para a carreira militar, mas é despedido da escola por indisciplina. Aos 16 anos considera ter perdido a fé: “eu que, desde minha infância havia estado envolto por tantas graças, filho de uma mãe santa... eu me afastava cada vez mais de vós, Senhor. Toda a fé havia desaparecido de minha vida”, escreveu ele mais tarde, Em 1878 seu avô morre, deixando-lhe considerável fortuna, que ele começa a dissipar rapidamente. Entra na Escola de Cavalaria e ganha o último lugar em uma turma de 87 estudantes.
Na guarnição de Pont-à-Mousson vive na farra e perde a credibilidade ao se envolver com uma jovem de má reputação, conhecida por Mimi. Quando seu regimento é enviado para a Argélia, Charles leva Mimi como se fosse sua esposa. Descoberta a fraude, o Exército quer licenciá-lo. Ele recusa, preferindo ficar inativo. Volta à França. Em 1881, ao saber que seu regimento está participando de uma ação perigosa na Tunísia, Charles abandona Mimi e pede reintegração nas fileiras do exército, reunindo-se de novo a seus companheiros. Por oito meses se porta como excelente oficial, apreciado tanto por seus superiores como pelos soldados. De 1882 a 1886 vive uma experiência nova. Em 1882, seduzido pela África do Norte, deixa o exército e se instala na Argélia, preparando-se para uma viagem de “Reconhecimento de Marrocos”. Aprende árabe e hebraico. Viaja clandestinamente por Marrocos, disfarçado de rabino, arriscando sua vida em várias viagens. As orações dos muçulmanos o impressionam: “o Islã produziu em mim uma profunda transformação, uma revolução interior”.
Fica noivo na Argélia, mas acaba abandonando o projeto de se casar em razão da oposição da família da noiva. Volta à França e põe-se a escrever seu livro “O Reconhecimento de Marrocos”, trabalho que lhe mereceu a medalha de ouro da Sociedade Francesa de Geografia. Vive então com sobriedade e se interroga sobre a vida interior, sobre a vida espiritual. Entra nas igrejas, sem fé, e repete esta prece estranha: “Deus meu, Deus meu, se existis, fazei que eu vos conheça”. No final de outubro de 1886, Charles entra na igreja de Santo Agostinho e pede ao Pe. Huvelin, que lhe fora apresentado por uma prima, algumas explicações sobre religião. O Pe. Huvelin convida-o com veemência a ajoelhar-se e a se confessar. Ele o faz e recebe imediatamente a comunhão. Começa a partir desse dia, uma nova vida, despontando a vocação para a vida religiosa.
Em 1888 viaja para a Terra Santa e Nazaré lhe toca profundamente a alma. Retornando à França, doa todos os seus bens para sua irmã e faz vários retiros com o objetivo de encontrar uma ordem religiosa na qual entrar. Seu desejo é viver “a vida oculta do humilde e pobre trabalhador de Nazaré”. A trapa lhe parece a melhor escolha. É sua esta frase: “Tão logo cri que havia um Deus, compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver para Ele”.
Caro/a leitor/a, por hoje paro por aqui. Esta frase merece nossa consideração, sobretudo em um momento em que se profetiza a inexistência de Deus, como o faz o cientista inglês Dawkins: “Nossa existência é o fantástico produto do acaso. Não desperdice esta vida; outra não haverá”. Mas também quantos são os que afirmam crer em Deus e vivem como se Deus não existisse! A fé na existência de Deus, não chega a penetrar na vida. Professam com a boca a fé e vivem na idolatria do dinheiro, do prazer e do poder. Vão à igreja aos domingos e, durante a semana, cuidam egoisticamente de seus interesses, esquecidos da sorte do próximo. Todos nós somos chamados à santidade.
Cabe-nos sempre de novo perguntar-nos sobre a coerência de nossa vida com aquilo que afirmamos crer. Jesus nos ensinou que o primeiro e maior mandamento é este: “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força. E o segundo mandamento é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que estes” (Mt 12,30-31).
“Tão logo cri em Deus, compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver para Ele”. “Minha vocação religiosa começa na mesma hora que minha fé: Deus é tão grande!” Dando continuidade às nossas reflexões em torno do Ano Sacerdotal, vejamos hoje o que significou na vida do Pe. Charles de Foucauld a fé em Deus que se revelou a ele em resposta à sua prece: “Deus meu, se existis, fazei que eu vos conheça”.
Em 1890 Charles de Foucauld entra para a Trapa “Nossa Senhora das Neves” na França. Seis meses após se decide por uma Trapa muito mais pobre em Akbés na Síria. Começa então a elaborar um projeto de congregação religiosa “à sua maneira”: “eu suspiro por Nazaré”, afirma. Pede então dispensa dos votos. Em outubro de 1896, estando na Argélia, ele é enviado a Roma para estudar e em 1897 o Abade geral dos trapistas o deixa livre para seguir sua vocação. A partir de março de 1897, Charles está em Nazaré onde assume a função de porteiro das Clarissas e vive numa cela junto da clausura. Diz então: “tive a permissão de ficar só em Nazaré e de viver, como operário, desconhecido, de meu trabalho cotidiano: solidão – prece – adoração – meditação do evangelho – trabalho humilde”. Aí permanece um pouco mais de três anos. Esse tempo, ele assim o definiu: “para me assemelhar mais ainda a Jesus”. Volta então à França e, em Nossa Senhora das Neves, se prepara para ser padre e é ordenado em nove de junho de 1901.
Um ano antes ele havia escrito: “só pelo fato de celebrar a missa eu darei a Deus maior glória e farei aos homens maior bem”. Em setembro de 1901 o Pe. Charles de Foucauld se estabelece em Beni-Abbés, na Argélia, onde constrói uma casa para fundar a comunidade dos Pequenos Irmãos do Sagrado Coração de Jesus, dentro de uma Regra “monástica”. Seu objetivo: “continuar no Saara a vida oculta de Jesus em Nazaré, não para pregar, mas para viver na solidão a pobreza, o humilde trabalho de Jesus. Na região verifica a prática da escravidão. Alerta sobre isso aos amigos e autoridades. Resgata alguns escravos.
Em 1904, entra em contato com os tuaregues, estuda sua língua e começa a traduzir para o tuaregue o evangelho. Nenhum sacerdote tinha entrado antes no mundo dos tuaregues, população seguidora do islamismo e hostil, sobretudo aos franceses. Instala-se em Tamanrasset e empreende um enorme trabalho científico sobre a língua dos tuaregues, suas canções, poesias e se faz ajudar por alguém do país. Em julho de 1907 proíbem-no de celebrar a missa, mas ele decide continuar vivendo no meio deles. Depois de seis meses lhe é dada a permissão de celebrar, mas não pode guardar o SS. Sacramento.
Em 1907 ele fica gravemente enfermo, à beira da morte. Os tuaregues salvam-no alimentando-o com leite de cabra. Charles, impotente, dependendo de seus vizinhos faz a experiência de que a amizade - o amor dos irmãos - se verifica na troca, na reciprocidade. De 1909 a 1913, Charles faz três viagens à França, para apresentar o projeto de uma “União de irmãos e irmãs do Sagrado Coração”, “associação de fiéis para a conversão dos infiéis”: cristãos “capazes de fazer conhecer, por seu exemplo, a religião cristã e de fazer ver o evangelho em suas vidas”. É dele a frase: “meu apostolado deve ser o apostolado da bondade. Vendo-me deve-se dizer: já que esse homem é tão bom... sua religião também deve ser boa”. Estoura a guerra em 1914. Pe, Foucauld volta a Tamanrrasset. O deserto se torna agitado. Para proteger as populações Pe. Foucauld constrói um pequeno forte, onde acolhe as pessoas do entorno em perigo. Continua a trabalhar as poesias e os provérbios tuaregues.
Em primeiro de dezembro de 1916 um grupo de tuaregues do grupo senussita – fanáticos – seqüestra o Pe. Charles de Foucauld e o mata. Foi sepultado a 20 metros do forte com os militares mortos com ele na ocasião. Pe. Charles de Foucauld foi declarado Bem-aventurado aos 13 de novembro de 2005 em Roma. No dia de sua morte ele havia escrito: “nosso aniquilamento é o meio mais poderoso que temos para unir-nos a Jesus e de fazer o bem às almas” e ainda: “quando o grão de trigo caído na terra não morre, ele fica só. Se morre, produz muitos frutos. Eu não morri ainda, por isso estou só. Orai pela minha conversão para que, morrendo, eu produza fruto” (cartas de 01.12.1916). Hoje são 19 os grupos de leigos, sacerdotes, religiosos/as, que vivem o evangelho, inspirados por Pe. Charles de Foucauld. O Pe. Charles de Foucauld se tornou para os cristãos, muito especialmente para nós sacerdotes, modelo de seguimento de Jesus, manso, pobre e humilde. O encontro com Jesus Cristo transformou sua vida. O Pe. Charles jogou no lixo toda vaidade e procurou viver de Deus na solidão do deserto e na solidariedade com os pobres, sustentado por uma intensa vida eucarística.
3. QUERIDOS IRMÃOS
Estou em Cochabamba.
Agradeço ao Pe. José Bizon pelo envio de material e de noticias. È verdade que me mantenho sempre ancorado na espiritualidade de Irmão Carlos. Aqui, até hoje, não encontrei nenhum grupo da Família Espiritual do Ir. Carlos, e da Espiritualidade Sacerdotal Jesus+Caritas, nesta cidade. Continuo com minha hora diária frente ao Santíssimo e mais ou menos cumpro com meu dia de deserto, mas não tenho um grupo para ajuntar-me, todavia. Por isso, estou muito feliz em receber os comunicados que me envias. Não são somente boas recordações de vocês meus irmãos do Brasil, mas vínculo de fraternidade. Irmão Carlos é tão importante para minha vida agora, mesmo distante de vocês.
Por isso, envio abraços fortes para cada um com quem tenho contato.
Paz e bem sempre.
Xico (agora sou Pancho outra vez)
4. PRESTAÇÃO DE CONTAS
Retiro da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas
5 a 12 de Janeiro de 2010
Caucaia - CE
05/01-Contribuições para o Boletim 4.350,00
06/01-Contribuições para a Fraternidade 2.720,00
06/10- Venda de livros e direitos autorais 762,90
07/01- Livros (liquidação de estoque) 393,40
12/01- Gastos com o retiro 2.409,50
13/01- Contribuição caixa internacional 900,00
26/01- Total entradas 7.832,90
saídas 4.130,90
saldo 3.702,00 (no boletim o saldo está em 4.130,00 mas acredito que foi erro de impressão).
Pe. José João da Silva
5. UM LIVRO UM AMIGO
ARNS, Dom Paulo Evaristo, Ano Sacerdotal, 2009-2010, Reminiscências e Testemunhos, Paulinas, São Paulo, 2009.
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita, Fé na Luta, Ed. Lettera.doc, São Paulo, 2009.
CROSSAN, John Dominic e REED, Jonathan L, Em Busca de Jesus, debaixo das pedras, atrás dos textos, Paulinas, São Paulo, 2007.
CHATELARD, Antoine, Charles de Foucauld, O caminho rumo a Tamanrasset, Paulinas, São Paulo, 2009.
FRAÇOIS SIX, Jean, Charles de Foucauld, O Irmãozinho de Jesus. Paulinas, São Paulo, 2008.
SILVA, Celso Pedro da e BIZON, J. (Orgs.) Meios para uma espiritualidade presbiteral. Ed. Loyola, São Paulo, 2ª. Edição, 2009.
6. AGENDA
Retiro Anual
04 a 11 de janeiro de 2011
Casa de Retiro Monsenhor Domingos Pinheiro aos pés da Serra da Piedade, em Caetés.
Á 53 Km de BH, MG – No Santuário Estadual de N. S. da Piedade