A HISTÓRIA DOS IR. JESUS NO BRASIL

HISTÓRIA DA FRATERNIDADE DOS IRMÃOZINHOS DE JESUS NO BRASIL

 Lindolfo Euqueres Ferreira Neto

Fraternidade Leiga Charles de Foucauld

(Vários deles já faleceram (nota feita no ano de 2023)

Irz. FRANCISCO AGRICOLA PACHECO (Chico)

Com 93 anos, brasileiro, aposentado, religioso, médico clínico geral, operário da construção civil, foi o primeiro Irmãozinho de Jesus brasileiro e latino-americano, fez seu postulantado em Talca, Chile, na primeira Fraternidade da América do Sul.

Foto: Arquivos da FJC

Irz. SERAFIM LANA MOURA

Foto: Arquivos da Fraternidade Central dos Irmãos de Jesus.

Brasileiro, religioso, metalúrgico do ABC, instrutor social para menores infratores, músico pianista, crítico do neoliberalismo,  foi o segundo Irmãozinho de Jesus brasileiro, durante o seu período de estudos, foi enfermeiro de Jacques Maritain, filosofo tomista, viúvo, que em idade avançada entrou na Fraternidade, considerado espiritualmente por René Voillaume como co-fundador da Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus por haver intuído e incentivado a presença das Fraternidades no mundo do trabalho.

Irz. GUIDO MAURICE NOREL 

Francês, religioso, padre, metalúrgico, após o noviciado em El Abiodh, continua na Argélia por dois anos entre as Fraternidades de Tamanrasset e AsseKrem.

Foto: Arquivos da FJC

Irz. MARCOS DE SANTA MARIA (Marc de Sainte Marie)

Foto: Arquivos da FJC

Francês, religioso, padre, metalúrgico, agricultor, após o noviciado na Argélia parte com Chico e um terceiro Irmão para o Vietnã por dois anos como voluntários para a organização das aldeias na selva daquele país.

Irz. REMY FELISAZ 

Francês, religioso, metalúrgico, carpinteiro, crítico do neoliberalismo 

Fotos de Claudio Rossi, Revista Veja, de maio de 2001 

Irz. JOÃO CARA, fie 

Italiano, 93 anos, padre, veio para o Brasil. No Maranhão, conheceu a Fraternidade Irmãozinhos do Evangelho (FIE), na qual se inseriu. Trabalhou como maqueiro no Hospital da Irmã Dulce. Aposentado, foi morar na Comunidade da Trindade - Igreja da Trindade na Bahia. Depois de recuperar-se de um acidente, foi morar na Comunidade Trindade – Igreja na Ilha de Itaparica- BA.

Foto: Arquivos da FJC

HISTÓRICO

Em largos traços podemos situar a origem da Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus no Brasil relacionando-a às viagens de Pe. René Voillaume, francês, fundador e prior deste pequeno grupo religioso, no início da década de 1950, com a finalidade em dar a conhecer a espiritualidade do Ir. Carlos, no seguimento de Jesus de Nazaré. Neste período as Fraternidades operárias sobretudo na França e países da Europa passaram a constituir um novo rosto da vida religiosa na Igreja.

Outros grupos religiosos animados pelo movimento da Ação Católica e da Juventude Operária Católica – JOC, como (Missão da França, Padres Operários (Missão Operária São Pedro e São Paulo - MOPP), Irmãos do Campo, Irmãos de Taizé), surgiram naquele mesmo contexto dos anos pós-guerra em um continente a ser reconstruído, diante do novo fenômeno de descristianização da classe trabalhadora e do meio rural na França. 

Estes grupos tinham em comum os desafios para uma nova evangelização no contexto da Doutrina Social da Igreja, compreendida como presença, solidariedade (ainda que este termo seja mais atual), inseridos na realidade da classe trabalhadora pelo trabalho braçal, inspirados por grandes ideais de humanismo x economia; ademais que apoiaram-se mutuamente com a realização de encontros, visitas e até mesmo ousando na formação religiosa quando os Irmãozinhos de Jesus uniram-se aos Irmãos Taizé ao fazerem a experiência do segundo ano de noviciado em comum entre os dois grupos.

O que estes irmãos que compuseram a Fraternidade no Brasil tinham em comum? A formação religiosa e espiritual forjada durante o noviciado e seus primeiros anos como professos, nas areias do Saara em El Abiodh, Beni Abbés, Tamanrasset e Assekrem, na Argélia; logo nas grutas de Farlete, Espanha. Os anos de estudo teológico em Toulouse, França, vivendo em pequenas Fraternidades com Irmãos de diversas nacionalidades, com quem durante os anos posteriores continuaram se escrever dando notícias através de diários. Uma vez vencida esta etapa formativa, dedicaram-se à sua formação profissional, para fundarem em seus países de origem ou de missão novas Fraternidades que levassem a mensagem do carisma de Nazaré e pudessem crescer.

A primeira Fraternidade no Brasil, se instalou no início da década de 1960, Dom Jorge Marcos de Oliveira, conhecido como Bispo dos Operários foi quem escolheu o lugar, na rua Indianópolis, 86, Santo André, divisa com São Bernardo e São Caetano, cidades operárias do ABC paulista que industrializava-se rapidamente e por necessidade de mão de obra atraía levas de migrantes vindos de todo o país à procura de trabalho. A casa da Fraternidade era simples, alguns cômodos e um deles utilizado como capela, uma casa rústica e ao mesmo tempo aconchegante. 

Algumas características[2] que marcaram a vida da Fraternidade até o início dos anos 80 com o fim da ditadura militar:

·     uma vida cotidiana em que se relacionavam com os vizinhos de maneira acolhedora e muito amiga, as famílias eram muito próximas e sempre visitavam a Fraternidade;

·     uma vida de oração silenciosa, contemplativa, adoração eucarística, meditação da Palavra de Deus em meio ao cansaço do peso do dia, logo, dias de Deserto e Retiro em locais próximos e reservados para o silêncio e a oração;

·     uma vida fraterna entre os Irmãos marcada pelas suas diferenças e sensibilidades que deixaram mágoas e abertas as feridas que somente ao longo dos anos puderam se reencontrar numa revisão de vida em que olhar compreensivo e misericordioso unifica tudo na aceitação do outro;

·     uma vida operária, na fábrica, construção civil; mais tarde alguns Irmãos dedicaram-se ao trabalho com menores infratores como era a antiga FEBEM;

·     uma vida presente na comunidade paroquial estreitando laços muito fortes com algumas famílias;

·     uma vida de engajamento político sindical no fortalecimento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista e participação na história da fundação do Partido dos Trabalhadores sempre permanecendo na base da organização junto às comunidades durante os anos de chumbo da ditadura militar. A Vila Palmares era um polo de resistência dos trabalhadores, sendo o seu pároco, da Igreja Nossa Senhora das Dores, Pe. Rubens Chasseraux, ligado à Fraternidade, também era engajado na luta do povo. Por isso foi preso várias vezes. Junto com os Irmãos dava apoio moral e financeiro às famílias dos vários trabalhadores engajados nas lutas populares e que se encontravam presos ou exilados. Muitas vezes os Irmãos se encontraram em situação de medo, pavor, tensão e insegurança diante do que poderia acontecer caso a ditadura militar decidisse prendê-los por suas atividades supostamente subversivas. Era uma situação melindre;

·     uma vida em que não tinham atividades pastorais, mas somente presença e solidariedade com a parcela da igreja mais pobre.

Em 1976, Chico, com a sua profissão de pedreiro, mudou-se para o Nordeste, em João Pessoa, na Paraíba, sendo acolhido por Dom José Maria Pires. Participou e foi militante da Pastoral Operária dentro dos canteiros de obras da capital, para o fortalecimento da organização da categoria da construção civil.

Hoje o sindicato é referência nacional na defesa dos direitos dos trabalhadores. Nosso Irmão trabalhou duro e fraternalmente, mas sem jamais assumir algum tipo de cargo ou liderança política, aliás esta era uma premissa dos Irmãos em geral. No bairro a vida da comunidade eclesial de base era intensa, Fraternidade e Comunidade, eram uma grande família. Até meados dos anos 80, houve uma grande coesão da participação das CEBs nas lutas sociais, com o crescimento do Partido dos Trabalhadores, houve uma crise de identidade no seio da comunidade de fé, por não mais ser o espaço onde se gestasse a resistência dos movimentos sociais e políticos sobretudo no período da ditadura, assim os Irmãos ajudaram nesta reflexão para a manutenção da unidade da comunidade entre fé, política e defesa da vida a partir da centralidade do Evangelho e da vida comunitária. Não foi fácil, pois haviam muitas tendências e divisões que geraram dor e distanciamento de pessoas e grupos.

Assim que Chico veio para o Nordeste, Marcos, o acompanhou, porém, instalou-se na zona rural da Diocese de Guarabira/PB, a duas horas da capital para manter-se próximo aos demais Irmãos, fez sua adaptação de operário Padre na cidade a Padre agricultor no assentamento próximo à pequena cidade onde escolheu morar, sendo pároco de Caiçara/PB. Ali foi acolhido por Dom Marcelo Carvalheira, e formava equipe com os demais Padres, era uma época de vários conflitos na luta pela terra, havia momentos de tensão, isto de certo modo o sobre passava porque tinha uma estrutura nervosa que o fazia sofrer, humilde e pobre, permaneceu até o final junto às comunidades.

Serafim e Remy, mudaram-se para São Bernardo/SP, para uma comunidade marcada pela crueza da violência pelo narcotráfico. A dificuldade de acesso à casa dos Irmãos pelos riscos da violência impediu um maior número de visitas, que tinham que ser programadas. Entre outras atividades dedicaram-se a acompanhar a associação de moradores, e as atividades de políticas públicas através de projetos sociais da prefeitura e do estado para os menores infratores. Remy, profissão soldador, se aposentou na fábrica, enquanto Serafim, profissão afiador de ferramentas, muitas vezes foi-lhe negado emprego por ser considerado um trabalhador da esquerda política correndo o risco de iniciar um movimento de conscientização entre os operários. Havia uma lista de nomes dos operários literalmente caçados pelos patrões das fábricas do ABC paulista.

Enquanto, Guido, profissão traçador de caldeiraria, permanece em Santo André, como Fraternidade de referência para os Irmãos e amigos de passagem, assim como para jovens vocacionados pelo carisma da Fraternidade. 

A partir deste momento eram quatro as casas da Fraternidade. Na casa de João Pessoa, bairro Alto do Céu - Mandacarú, os jovens tinham a oportunidade de aprofundar sua busca vocacional a partir da convivência com a comunidade de base, trabalho manual, vida fraterna e oração. A realidade social era gritante, desigual e revoltante. Contudo, a caminhada da Igreja no Nordeste possuía uma mística própria do compromisso com os pobres, do protagonismo pelo Reino vivenciado nas lutas sociais, um jeito de ser Igreja, CEBs, martirológica, com muitos movimentos espirituais de base que ainda hoje resistem e celebram a vida como a Irmandade do Servo Sofredor (Pe. Alfredo Kunz) e guardam a esperança. 

Em 1990, Guido, mudou-se para a Fraternidade em João Pessoa, faltando poucos anos para a sua aposentadoria, surpreendeu a todos pela profundidade e qualidade nas relações, com seu estilo francês, por vinte anos fez parte da paisagem do bairro, entre crianças, jovens e adultos lá estava o Guido acolhedor. Guido dedicou-se por dezoito anos à Pastoral Carcerária, podemos aqui resumir o seu testemunho: fidelidade ao preso e sua família. 

A história de vida de cada um destes Irmãos, merece um diário, para muitos de nós ele já está escrito em nossos corações pelas marcas que deixaram. Como profissionais foram exímios mestres do trabalho com alto nível de complexidade em qualidade, como:  a solda microscópica feita por Remy resistente a altas temperaturas; projeção gráfica para corte de chapas metálicas na confecção de tambores com andares de altura para contenção de combustível ou substância corrosível, traçados por Guido. Ou o olho biônico do Serafim para afiar peças e ferramentas de máquinas de alto nível de produção, assim como Chico se tornou um pedreiro de acabamento.

A vida espiritual dos Irmãos foi marcada pela solidariedade, pela vida de oração silenciosa aos pés da Eucaristia, o trabalho tornou-se o seu pão, e quando este faltou já na idade avançada, reinventaram-se, no serviço ao outro. Os Irmãozinhos de Jesus foram radicais em sua inserção social, marcados pela vida contemplativa como dimensão central da sua vocação, o sacerdócio era concebido em função da vida litúrgica uma vez que no período fundacional muitas Fraternidades encontravam-se em situação de fronteira distantes geograficamente de paróquias e da vida eclesial, sobretudo nos países não-cristãos ou lugares de difícil acesso. Historicamente, a Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus contribuiu com o seu testemunho para o surgimento de uma Igreja conciliar Povo de Deus, mas também evoluiu, de modo especial na América Latina, bebeu da fonte, cresceu e amadureceu nesta direção em sua missão libertadora.

Hoje temos Chico conosco aos noventa e três anos, muito bem cuidado e amado por todos que o cercam da Fraternidade Leiga de São Paulo. Os demais participam da Fraternidade do Céu onde continuam a oração de intercessão tão cara à espiritualidade da Fraternidade e à Igreja. Muitos jovens passaram, permaneceram meses, anos, décadas, continuaram sua história levando em seu peito o selo da vida ordinária de Nazaré, da amizade com Jesus, nosso salvador, amigo, irmão e Senhor. Nos últimos anos a aproximação entre as várias Fraternidades da Família Espiritual Charles de Foucauld nos fortalecem as virtudes teologais. Que cresça sempre mais o teu Reino, Senhor!

 

João Pessoa/PB, 08 de outubro de 2020

Um abraço fraterno, Lindolfo.

Irmãozinho do Evangelho 

Geraldo Fabert ao lado de Dom Antônio Fragoso (Fraternidade dos pequenos bispos), com Alfredinho (sentado costurando) e o clero da diocese de Crateús nos anos 80. Foto: Arquivos da FJC

Capítulo Geral dos Irmãozinhos de Jesus. 

Final de 1980 ou início dos anos de 1990 - - Fotos: Arquivos da FJC