BOLETIM 165- NOV-DEZ 2021

  BOLETIM DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS+CÁRITAS

(As fotos anexas estão no final da página)

APRESENTAÇÃO

 

Pe. Carlos Roberto dos Santos

Responsável nacional.

 

Irmãos e irmãs de todo o Brasil, está chegando em suas mãos o Boletim da Fraternidade brasileira número 165, o terceiro de 2021.

A pandemia continua assombrando o mundo, mas parece que já vemos luzes no fundo do túnel. Estamos animados com o tempo do Natal do Senhor, que se aproxima e nos traz esperanças. Também porque teremos nosso retiro anual de forma presencial, e, estamos muito felizes porque foi marcada a data da canonização do Irmão Carlos para o dia 15 de maio de 2022.

Neste clima de alegria da canonização, o boletim apresenta alguns artigos sobre a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas e a espiritualidade inspirada pelo Irmão Carlos. Na sessão “Fraternidades em Missão” apresentamos a entrevista do Pe. Carlos Roberto dos Santos para a Revista IHU online.  Na sessão “Espiritualidade do Irmão Carlos” apresentamos o texto de Dom Edson Damian: “Deserto: lugar de encontro com Deus”; outros três textos publicados na Revista Online Dom Total, a saber: “Conheça a vida de Charles de Foucauld, um santo atual”, escrito pelo editorial da revista;  “Centenário do Martírio de Charles de Foucauld” escrito por Ricardo Jardel Silveira , professor da Universidade Federal do Ceará; “Oração: encontro com Jesus de Nazaré em Charles de Foucauld” escrito por Francisco Helton Rodrigues Melo, presbítero da Diocese de Crateús. Entre eles, também apresentamos um texto do Pe. Nelito, “Bem Aventurado Charles de Foucauld”, escrito antes de sua morte.

Irmãos e irmãs, ainda vivemos em tempo de reclusão. Defender a vida é cuidar-se e também daqueles que estão próximos, para não ser contaminado e nem para transmitir este vírus mortal a ninguém.

 

Um grande abraço a todos, e boa leitura.

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FRATERNIDADE EM MISSÃO

Charles de Foucauld, mensageiro da esperança também para tempos de pandemia[1]

 

“Como místico e mestre na oração, Charles de Foucauld também foi um mensageiro da esperança. E o foi precisamente porque era aberto à ressignificação da sua vida, sempre que necessário”. É assim que o teólogo Carlos Roberto dos Santos define o místico que teve sua canonização anunciada em maio. Para ele, em meio a tanta nebulosidade e medo que temos vivido nesses tempos de pandemia, buscar a inspiração em De Foucauld para ressignificação da vida pode ser uma saída. “O exemplo do irmão Charles nos ajuda a olhar para os efeitos da pandemia, compreendendo que somos pobres, pequenos e frágeis. E mais ainda, por questão de sobrevivência, precisamos ser menos egoístas e mais solidários com aqueles que têm menos e precisam mais. A bondade (não a hipocrisia) e o cuidado uns dos outros e da nossa casa comum precisam voltar a fazer parte de nossas vidas”, observa, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Santos ainda reflete sobre o verdadeiro dilema que a covid-19 impôs à humanidade sobre a ideia de progresso, num avanço desenfreado que tem nos feito ir adiante, mas sem respeitar o planeta e todas as suas formas de vida. “Tudo o que estamos vivendo nos obriga a repensar a ordem de organização mundial. Como desenvolver um mundo novo, pautado não somente pela economia, mas principalmente pelo relacionamento humano: com Deus, consigo mesmo, com o outro (irmãos e irmãs, inclusive os diferentes) e com toda a natureza”, provoca.


Por isso, não considera acaso o Papa Francisco canonizar um religioso como De Foucauld, que se alinha aos mais pobres, respeita as diferenças e culturas e, mesmo num contexto de muita dor e morte, é capaz de imaginar uma vida melhor. “Papa Francisco é um arauto da esperança, como o foi o Padre De Foucauld. Contra todos os sinais de morte, presentes atualmente em nossa sociedade, onde vidas consideradas não úteis são descartadas, com certeza, ambos nos mostram que a esperança nos embala: um mundo novo, justo, solidário e fraterno é possível”, resume.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – O que representa a canonização de Charles de Foucauld?

Carlos Roberto dos Santos – No dia 27 de maio de 2020, fomos surpreendidos com esta boa notícia: o Papa Francisco aprovou uma cura inexplicada, apresentada pela Congregação para a Causa dos Santos. Esta cura teve a intercessão do Bem-aventurado Charles de Foucauld e abre as portas à sua canonização. O reconhecimento da santidade do padre Charles de Foucauld, pela Igreja, é uma boa notícia para todos nós que seguimos suas intuições espirituais, mas também para todos os cristãos. Doravante, após a cerimônia de canonização, ele será considerado modelo de vida cristã a ser seguido.

Na verdade, já o era há muito tempo. Apesar de nem sempre ser compreendido em vida, ele já provocava admiração pelo seu modo radical de viver para o seu Bem-amado Jesus Cristo. O odor de santidade paira sobre ele desde sua morte, ocorrida em Tamanrasset (Saara argelino), há 104 anos, mas agora tem o reconhecimento oficial da Igreja.

 

Apesar de nem sempre ser compreendido em vida, ele já provocava admiração pelo seu modo radical de viver para o seu Bem-amado Jesus Cristo.

 

Imediatamente após sua morte, a maneira dele viver sua amizade com Jesus e, por causa de Jesus e do Evangelho, com os irmãos mais pobres, chamou atenção do mundo e inspirou não somente o nascimento da Congregação dos irmãozinhos e das irmãzinhas de Jesus, como também muitas outras instituições religiosas. A Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas também nasceu bebendo nesta fonte espiritual, seguindo suas intuições e ajudando padres diocesanos a viverem este itinerário de santidade. Seguindo as inspirações espirituais do Irmão Charles de Foucauld, em nossos presbitérios, em união com nossos bispos, buscamos viver o encontro íntimo com Jesus na Eucaristia, na adoração ao Santíssimo Sacramento, numa vida fraterna e solidária com outros irmãos padres, num modo simples de viver a vida sacerdotal, e assumindo o compromisso de servir os que estão nos últimos lugares, nas periferias existenciais da vida.

IHU On-Line – O Papa Francisco canoniza Charles de Foucauld num tempo de muita incerteza, medo e desesperança. Que relação podemos estabelecer entre esse ato do pontífice e os tempos que temos vivido?

Carlos Roberto dos Santos – A pandemia causada pela covid-19, paradoxalmente, inaugurou um kairós para a humanidade, e particularmente no Brasil. Levou-nos a pensar mais profundamente sobre o sentido de nossa vida. O rápido contágio e alto número de mortes é assustador. Muitos destes acontecimentos foram mascarados pelas autoridades, mas não conseguiram e nem conseguirão escondê-los por muito tempo.

 

A pandemia causada pela covid-19, paradoxalmente, inaugurou um kairós para a humanidade, e particularmente no Brasil

 

O mistério da vida segue seu curso. Estes acontecimentos ligados à pandemia acabaram desmascarando a lógica perversa da sociedade em que vivemos, pautada pela ilusão no poder do dinheiro, do prazer e do bem-estar. Nossa sociedade é excludente: de um lado, exagera no sonho do sucesso e no marketing da beleza aparentemente perfeita, onde o Shopping Center se tornou a grande catedral e o lugar do “culto ao deus” consumismo. Por outro lado, pratica a necropolítica em função do capital e banaliza a vida, gerando “vidas severinas”, que morrem antes do tempo nas encruzilhadas do mundo. E ainda ignora, sistematicamente, o sofrimento humano, pois optou-se por escondê-lo, sob a égide ideológica da meritocracia: “vencer na vida” a todo custo, conforme os ideais de liberdade, consumismo, hedonismo e do culto à beleza física. E assim, porque não lhe interessa mais, nossa sociedade vai deixando muitas vidas caídas à margem, quando não mortas. A covid-19 trouxe toda esta falsidade à tona.

Charles de Foucauld foi um homem da esperança. Ele viveu intensamente buscando a verdade. Mesmo nos momentos em que errou, sempre estava buscando fundamentos sólidos para sua existência. Quando jovem, foi rebelde e buscou sua realização em lugares errados. Machucou-se existencialmente, como ele mesmo diz:

“minha fé estava completamente morta... durante doze anos eu vivi sem nenhuma fé ... sem negar e sem acreditar em nada, sem esperanças na verdade e nem mesmo acreditando em Deus, pois nenhuma prova me parecia óbvia o suficiente. Vivi como se pode viver quando a última centelha da fé se extinguiu”. (Carta a Henry de Castries, 14 agosto de 1901).

Adulto, procurando encontrar-se, encontrou-se no outro. Vendo os muçulmanos rezarem com tanta fé, tanto zelo, tanta fidelidade, sentiu o vazio em seu coração: como poderia aquele povo rezar assim se Deus não existisse? Tinha que existir um Deus! Mas Charles não acreditava nisso. Essa inquietação fez brotar uma oração pura em seu coração, que o acompanhou dali para frente:

 

Vendo os muçulmanos rezarem com tanta fé, tanto zelo, tanta fidelidade, sentiu o vazio em seu coração: como poderia aquele povo rezar assim se Deus não existisse?

 

 “Deus, se o Senhor existe, faça com que eu Te conheça!”

Esta abertura e coragem para mudar de rumos, marcou profundamente o itinerário de sua vida. Em Paris, ele falou dessas dúvidas e incertezas que povoavam seu interior com sua prima e grande amiga, Maria de Bondy. Como um anjo que Deus coloca em nossas vidas, ela soube orientá-lo para conversar com um homem de Deus, excelente diretor espiritual, o Padre Henri Huvelin. E ali aconteceu o milagre da conversão. Em vez de conversar sobre religião, Padre Huvelin o convenceu a ajoelhar-se e a confessar-se, e logo depois lhe deu a comunhão. Charles mudou de vida naquele instante. Deste acontecimento, ele mesmo diz:

“No mesmo momento que acreditei em Deus, compreendi que não poderia ter outra atitude que não fosse a de viver somente para ele: minha vocação religiosa data do mesmo instante que minha fé: Deus é tão grande! Há uma grande diferença entre Deus e tudo o que não é Ele”. (LAFON, 2011, p. 15).

E, depois desse encontro, o Irmão Charles de Foucauld passou sua vida tentando imitar este Jesus de Nazaré, por quem se apaixonou perdidamente. Imitou-o a ponto de ir ao mais profundo da miséria humana, para estar a serviço dos pequenos e dos pobres, dos que estavam nos últimos lugares da vida.

 

Emergência da parada e o projeto de futuro

 

Nós, que pertencemos à família espiritual de Charles de Foucauld, compreendemos um sinal de Deus nestes tempos de pandemia. Invisível, quase insignificante, o vírus da covid-19 nos fez parar a correria cotidiana e nos colocou todos em casa: é preciso aprender ficar a sós, mas com Jesus. A doença provocada pelo novo coronavírus desmascarou a hipocrisia do sistema socioeconômico vigente que exclui e destrói vidas: é preciso olhar a realidade tal como ela é, sem lentes ideológicas, para poder abraçar a vida em toda sua simplicidade, e crueldade também, para dar respostas adequadas que salvem vidas. Vidas importam, pois o maior bem que temos é a vida. E ela deve ser defendida porque vale mais do que qualquer outra coisa. Tudo pode ser refeito se estivermos vivos.

 

O vírus da covid-19 nos fez parar a correria cotidiana e nos colocou todos em casa: é preciso aprender ficar a sós, mas com Jesus.

 

Por outro lado, a pandemia nos projeta para o futuro que doravante construiremos. A vida e a morte estão aí escancaradas à nossa frente. Diante de tal realidade, o mundo de liquidez altamente fugaz, conforme a cosmovisão pós-moderna, não poderá prescindir da verdade dos fatos e, necessariamente, será obrigado a dar menos valor à interpretação, valorizando a realidade tal como ela se apresenta. Tudo o que estamos vivendo nos obriga a repensar a ordem de organização mundial. Como desenvolver um mundo novo, pautado não somente pela economia, mas principalmente pelo relacionamento humano: com Deus, consigo mesmo, com o outro (irmãos e irmãs, inclusive os diferentes) e com toda a natureza. A covid-19 nos colocou diante do dilema do progresso que deve avançar, sim, mas sem provocar tantas destruições.

Papa Francisco é um arauto da esperança, como o foi o Padre De Foucauld. Contra todos os sinais de morte, presentes atualmente em nossa sociedade, onde vidas consideradas não úteis são descartadas, com certeza, ambos nos mostram que a esperança nos embala: um mundo novo, justo, solidário e fraterno é possível. Com certeza sairemos melhores desta pandemia. O caminho está aberto, mas o faremos enquanto caminharmos, porque ele ainda não está pronto, como diz um cântico antigo:

“Perdido, confuso e vazio, sozinho no mundo tentando encontrar, um caminho que seja o meu, não importa se é duro, eu quero buscar. Pegadas, pra um lado e pra outro, estradas sem rumo terei que lutar. Caminheiro, você sabe, não existe caminho. Pouco a pouco, passo a passo, e o caminho se faz”. (NUNES, Astúlio, 1980).

 

Tudo o que estamos vivendo nos obriga a repensar a ordem de organização mundial.

 

IHU On-Line – Que autores (ou pensadores) estão presentes e fundamentam a espiritualidade e o pensamento de Foucauld?


Carlos Roberto dos Santos – Charles de Foucauld foi um intelectual. Lia de tudo que os grandes filósofos e os grandes mestres de sua época escreviam. Aos 23 anos já era um expert, com grande competência científica, tendo estudado etnologia, geografia, astronomia, cartografia e aprendido as línguas árabe e hebraico. Em suas pesquisas, ele era extremamente rigoroso na busca da verdade. Em sua viagem de exploração ao Marrocos, coletou numerosas e muito precisas informações, que renovou completamente o conhecimento geográfico e político do Marrocos (DUREYRIER, 24 de abril de 1885).

Mas, depois de sua conversão, sem sombra de dúvidas, foi Jesus de Nazaré e seu Evangelho, o grande mestre que moldou toda sua vida até a morte. Charles foi um místico em estado puro, que viveu sua amizade com o Bem-amado Jesus em alto grau de conformação de vida. Viveu só para Jesus. Gastou sua vida para imitar seu Bem-amado em todos os sentidos. Em sua maneira de viver, a fé e o amor (caritas) nunca estavam separados. E, por causa de Jesus e do Evangelho, inaugurou um novo jeito de contemplação na ação. O Padre De Foucauld viveu verdadeiramente como monge, homem de oração profunda, mas, ao mesmo tempo, estava presente no meio do povo, vivendo com eles, partilhando de suas angústias e seus sofrimentos, de suas alegrias e esperanças.

 

Por causa de Jesus e do Evangelho, inaugurou um novo jeito de contemplação na ação.

 

No entanto, há outros autores que influenciaram suas decisões. Como monge trapista, o encontro com a vida de São Bernardo de Claraval e toda sua obra literária marcou sua trajetória. Ele também lia e meditava os escritos e a história de São Francisco de Assis, de Santa Tereza D’Ávila e de São João da Cruz. Estes místicos marcaram a história e o itinerário espiritual deste “buscador” de Deus. Inclusive, são citados em alguns de seus escritos. Na época, Charles também recebeu forte influência do movimento espiritual do “Sagrado Coração de Jesus”.

 

IHU On-Line – O que é mais importante para compreendermos a espiritualidade de Foucauld?

Carlos Roberto dos Santos – Charles de Foucauld foi um “buscador de Deus”. Ele viveu humildemente, profundamente marcado pelo desejo de imitar seu Bem-amado Jesus. Este desejo norteou todas as suas escolhas e ações, onde quer que ele estivesse.

“Meu Senhor Jesus, quão rapidamente será pobre, aquele que te ama de todo o coração ... Eu não consigo compreender o amor a não ser como uma necessidade imperiosa de conformidade, de semelhança, e principalmente de partilhar todas as tristezas, todas as dificuldades, toda a dureza da vida ... todas as cruzes [do Bem-amado]”. (FOUCAULD, 1958, p. 515).

Neste processo de imitação, Charles buscou “rebaixar-se” como Jesus e viver na pobreza existencial:

“Abraçar a humildade, a pobreza, o rebaixamento, a abjeção, a solidão, o sofrimento como Jesus em sua manjedoura; não ficar buscando grandeza humana, honrarias, estima dos homens, mas estimar tanto os mais pobres quanto os mais ricos. Para mim, sempre procurar o último dos últimos lugares, organizar minha vida para ser o último, o mais desprezado dos homens”. (FOUCAULD, 1958, p. 33 - Retiro em Nazaré).

Toda vez que vislumbrou ter encontrado o caminho certo para imitar Jesus, Charles aprofundou-se ao máximo, gastando a sua vida nesta imitação. No entanto, quando percebeu que existia algo de mais simples, mais pobre e mais radical, e, portanto, que não estava imitando Jesus em sua “kenosis - descida” no coração da humanidade e na vida dos pobres, Charles se dispunha a abandonar tudo e recomeçar novamente, confiante nos braços de Deus. E recomeçava, num nível mais profundo e mais radical, a imitação do seu Bem-amado.

Vivendo e buscando conformar-se cada vez mais com Jesus, Charles deixou um rastro luminoso de vida espiritual que nos atrai:

1) a amizade profunda com Jesus é o essencial: vivência diária da Eucaristia, Adoração ao Santíssimo Sacramento, leitura e meditação diária da Palavra de Deus;

2) a vida de Nazaré: como Jesus viveu escondido no meio da humanidade por 30 anos, devemos viver discretamente, com simplicidade e sem chamar atenção, a não ser para Jesus e o projeto do Reino de Deus;

3) a busca do último lugar: estar disposto a colaborar na ação salvadora de Jesus, indo ao encontro dos últimos, que estão nas periferias existenciais, lá onde a vida humana está sendo desrespeitada e desvalorizada;

4) o apostolado da bondade ao ser presença do Cristo, presença amiga e solidária com os irmãos que pensam diferente, sem querer convertê-los, mas amando-os e valorizando-os como são.

 

IHU On-Line – Como Charles de Foucauld compreende o conceito de missionário?

Carlos Roberto dos Santos – Charles de Foucauld foi um missionário diferente. Ao longo de sua história compreendeu que a missão não se tratava apenas de ir, pregar e converter os outros povos; tratava sim de ir até os mais pobres, os últimos, que vivem nas periferias da vida, e viver com eles, sendo presença do Deus Amor no meio deles (cf. JARDIM, 2016, artigo).

Aquele encontro com Jesus, na confissão em Paris, mudou para sempre a vida de Charles. Naquele dia, ele se abandonou inteiramente nas mãos de Deus, e sua vida tornou-se uma aventura para entender e fazer a vontade daquele que, agora, era seu grande amor: Jesus. O itinerário desta aventura é sua ação missionária, pois ele evangelizou com sua vida, e foi um testemunho solidário, alegre e transbordante de quem vive na presença do Bem-amado Senhor Jesus.

É verdade que o Padre De Foucauld foi para terras estrangeiras levar o Evangelho de Jesus. Isso o caracteriza como autêntico missionário. Mas, para ele, o protagonista da missão sempre foi Jesus. Seu desejo de imitar Jesus o fez ser uma presença amorosa no coração do Saara entre os muçulmanos e os povos tuaregues. Não estava lá, entre os irmãos mulçumanos, para convertê-los pelo poder persuasivo do discurso, mas para ser presença de Deus, do Bem-amado. Ele viveu de tal modo o apostolado da bondade, que foi reconhecido como o Irmão Universal. Mais do que fazer planos e projetos missionários, Charles “gritou o Evangelho” com seu jeito de viver a missão.

 

O protagonista da missão sempre foi Jesus.

Seu desejo de imitar Jesus o fez ser uma presença amorosa no coração do Saara entre os muçulmanos e os povos tuaregues.

 

 “Minha missão deve ser o apostolado da bondade. Ao me ver, deverão dizer ‘Já que este homem é tão bom, também sua religião deve ser boa’. Se alguém me perguntar por que eu sou manso e bom, deverei responder: ‘Porque eu sou servidor de um outro que é muito melhor do que eu. Se soubesse como é bom o meu Mestre Jesus!’. Quero ser tão bom que possam dizer de mim: ‘Se o servidor é assim, como não será o Mestre!’” (FOUCAULD, C., 1958, p. 382).

Como missionário Ad gentes, Charles testemunhou o diálogo e o respeito pelas diferentes culturas, com as quais procurou aprender, escutando-as e dialogando com elas, sem impor seus costumes e tradições. Ele se tornou um verdadeiro precursor da maneira atual da Igreja de conceber a sua ação missionária. Mergulhou na cultura tuaregue a ponto de se tornar um deles, e mostrou-lhes o Amor de Cristo, que acolhe a todos. Desta experiência, ele deixa escrito alguns conselhos para os futuros irmãozinhos e irmãzinhas:

“A gente faz o bem não na medida do que diz e do que realiza, mas na medida do que a gente é, na medida da graça que acompanha nossos atos, enquanto nossos atos são atos de Jesus que agem em nós e por nós. Por exemplo, os irmãos e as irmãs devemos ser uma pregação viva: cada um deles deve ser um modelo de vida evangélica. Observando-os, deve-se descobrir o que é a vida cristã, o que é o Evangelho, o que é Jesus. A diferença entre a sua vida e a dos não-cristãos deve mostrar claramente onde está a verdade. Eles devem ser um Evangelho vivo: as pessoas afastadas de Jesus, especialmente as que não têm fé, devem conhecer o Evangelho, sem livros e sem palavras, simplesmente os vendo viver. O exemplo é a única ação que pode influenciar as almas que se opõem a Jesus, que não querem ouvir as palavras de seus servidores, nem ler seus livros, nem receber seus donativos, nem aceitar sua amizade, nem se comunicar com eles de maneira alguma. Para estas, o melhor é o exemplo. Mas essa ação pelo exemplo é tanto mais forte quanto menos desconfiança suscitar, pois qualquer aparência de engano ou sedução as mantêm afastadas”. (DAMIAN, Edson, 2007, p. 105).

Charles foi um missionário simples e pobre. Em seu jeito de missionar, não chamou atenção para si nem para sua missão, mas imitou a vida escondida de Jesus de Nazaré, valorizando a presença de Deus nas pequenas coisas da vida, a própria e a dos outros. Viveu no meio dos pobres, com meios pobres, sem luxo. Ele mesmo fazia os trabalhos manuais para garantir sua sobrevivência (alimentação, vestes, abrigo e algo para doar aos mais pobres). Ele identificou-se a tal ponto com o povo Tuareg, a quem serviu, que chama atenção o fato deste povo dar-lhe tudo o que tinha, o leite de cabra com mel, para cuidar de sua saúde, quando ele ficou doente.

 

Como missionário Ad gentes,

Charles testemunhou o diálogo e o respeito pelas diferentes culturas.

 

Como vemos, para Charles a missão é fazer o que Jesus fez: ir ao encontro das pessoas, caminhar com elas, olhar nos olhos de cada um, participar da sua história pessoal, sentir suas alegrias e tristezas e partilhar com elas, na solidariedade de uma presença ativa, a esperança de transformação do mundo para que todos possam “viver melhor”, com dignidade.

IHU On-Line – Quais os desafios para ser um missionário no Brasil e no mundo de hoje?

Carlos Roberto dos Santos – Nosso mundo está passando por uma mudança de época. Os valores que norteiam a sociedade, inclusos os valores religiosos, estão invertidos. Por todos os cantos do mundo, vemos um crescimento assustador de mentalidades fundamentalistas, gerando uma multiplicidade de “ismos”: minimalismo, clericalismo, conservadorismo, novo-medievalismo, fascismo, etc. Estas mentalidades trazem no seu bojo a intolerância sob diversas faces: racial, cultural, política, econômica e religiosa.

Por outro lado, uma certa teologia da prosperidade e do bem-estar avança a cada dia. Muitos que se dizem cristãos, estão mais preocupados com aspectos emocionais e bem-estar religioso, do que em viver o Evangelho. Consequentemente, vivem uma religião de aparência, esquecendo-se de que o sofrimento faz parte do mistério. A cruz de cada dia, o martírio foi esquecido, ou deixado à margem. Outros vivem acomodados, “muito preocupados em nada fazer”, como disse São Paulo. Estes simplificam a evangelização ao máximo, levando uma vida insossa, agindo somente para conservar aquilo que já existe. Não ousam apresentar a novidade do Evangelho ao mundo de hoje, e permanecem letárgicos. Por medo? Preguiça? Comodismo? Outros ainda, despendem enormes esforços, inclusive contra a própria Igreja, combatendo um inimigo invisível e fictício, pregado pelas ideologias retrógradas, que avançam em nosso tempo.

Não sou juiz de ninguém, mas penso que esses caminhos da moda, mais curtos e mais simples, por mais fáceis que pareçam ser ou por mais aceitação que pareçam ter, sejam vãos e contraproducentes. Além de ser o “caminho da porta larga”, de não ajudarem a produzir os frutos que agradam a Deus, eles contrastam com força e a vitalidade da missionariedade da Igreja. Além disso, em nome do proselitismo, eles provocaram o abandono do diálogo com as culturas diferentes e o respeito pelo “outro”. Eis aí o grande desafio atual que deve ser enfrentado e superado em nosso tempo.

A missão começa onde nós estamos e, por força do batismo, o cristão tem a obrigação de espalhar a Boa notícia da salvação que Jesus nos garantiu, com alegria, misericórdia e solidariedade. Como a missão da igreja também passa pela profecia, o cristão deve denunciar as injustiças e tudo o que não está de acordo com o projeto de Deus; mas também deve anunciar o Reino de Deus, onde a justiça, a paz e o amor deverão prevalecer. Isso faz parte do ser missionário e é outro desafio a ser reencontrado.

 

A missão começa onde nós estamos e, por força do batismo, o cristão tem a obrigação de espalhar a Boa notícia da salvação que Jesus nos garantiu, com alegria, misericórdia e solidariedade.

 

Para quem ama a Deus, quer ser fiel e fazer sua vontade, quer viver bem e ajudar os outros a viverem bem, penso que não haja outra opção: deve-se, necessariamente, enfrentar os problemas e as angústias de nosso tempo, propondo e vivendo o Evangelho com alegria e esperança. Ou, como dizia Charles de Foucauld: deve gritar o Evangelho com sua vida! E, neste sentido, o Papa Francisco também nos anima:

“O mundo tem necessidade de descobrir que Deus é Pai, que existe misericórdia, que a crueldade não é o caminho, que a condenação não é o caminho”. (L’Osservatore Romano, 10/12/2015, n. 50, p. 4).

Mas atenção, o anúncio da Boa notícia não é marketing e nem um trabalho de publicidade, onde se faz a propaganda de Jesus, uma pessoa muito boa que falou tantas coisas bonitas, que fez o bem e curou tantas pessoas. Quem vai missionar, não vai anunciar suas próprias ideias, nem uma ideologia, nem tampouco fazer propaganda de Jesus. O missionário vai anunciar aquilo que lhe foi confiado pela Igreja: o Evangelho, a Boa notícia de que Cristo nos salvou. O Bem-amado irmão Jesus de Nazaré morreu e ressuscitou por amor a cada um de nós! E, com sua ressurreição, abriu as portas da salvação para todos. Isto não é uma simples notícia. É a única Boa Notícia, com maiúsculo.

Nosso mundo precisa desta Grande Boa notícia! E ela não é uma ideia a ser discutida. É ação amorosa de uma pessoa, Jesus, a ser comunicada para atrair as pessoas a Deus. Para anunciá-la com credibilidade, o missionário deve ser coerente e comprometido com Jesus e com a mensagem que anuncia. Karl Rahner nos ajudou a compreender isto, quando afirmou: “o cristão do século XXI ou será místico ou não será cristão”. De fato, se o missionário não falar a partir de sua amizade com Deus, que brota do seu interior, se não for fiel testemunha à mensagem que lhe foi confiada e não viver coerentemente com este anúncio, correrá o risco de ver o que prega transformar-se em falácia, ou como está na moda dizer: “fake news”.

 

Quem vai missionar, não vai anunciar suas próprias ideias, nem uma ideologia, nem tampouco fazer propaganda de Jesus.

 

IHU On-Line – Como os conceitos de caridade e misericórdia aparecem nas intuições espirituais de Foucauld?

Carlos Roberto dos Santos – Enquanto Charles meditava os Evangelhos e olhava para Jesus Eucarístico, em adoração, sentiu e compreendeu que Jesus se doou inteiramente e por amor, sem reservas, a Deus. Esta doação de amor de Jesus, descrita no Evangelho e vivida na Eucaristia, marcou de tal modo a vida de Charles, que ali ele encontrou sua vocação e sua motivação para viver: o Amor de Deus e o amor aos irmãos. Ele mesmo escreve:

“Creio que não há palavra do Evangelho que mais transformou a minha vida do que esta: ‘Tudo o que fizeste a um desses pequeninos é a mim que o fizestes’! Se pensarmos que estas palavras são da Verdade incriada, pronunciadas pelos mesmos lábios que disseram: ‘isto é meu corpo ... isto é meu sangue ...’ com que força seremos levados a buscar e a amar Jesus nestes ‘pequeninos’, nestes pecadores, nestes pobres”. (Carta a Luis Massignon, 1°/8/1916).

Convicto, Charles nos ensina: “Voltemos ao Evangelho, senão, Jesus não vive em nós”. E procurou viver o amor de Jesus na imitação e na adoração. A ponto de a “imitação” de Jesus de Nazaré delimitar todo o seu pensamento, suas decisões e suas ações, e se tornar uma constante em sua vida. Seu testemunho foi forte e atraente. Podemos resumir toda sua vida em duas palavras: “Jesus Caritas” (Jesus Amor). O amor marcou sua existência.

Na carta que enviou a J. Hours, datada de 3 de maio de 1912, Charles afirmou que a caridade, como mandamento de Jesus, é a base da religião, pois Jesus resumiu toda a Lei em dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Este imperativo de Jesus obriga todo cristão a amar a todos, indistintamente:

“Ser caridoso, manso, humilde com todos os homens: eis que aprendemos de Jesus”. (Carta a Joseph Hours, 3/5/1912).

Imitando a Jesus, amando gratuitamente a todos os pobres que encontrava, Charles foi testemunha da caridade. Ficou tão conhecido que sua casa se tornou a “Fraternidade”, a casa dos irmãos, pois acolhia a todos, próximos ou distantes, sem distinção. Ele era afetuoso, bondoso e prestativo com todos. Ajudava todos que chegavam até ele, independente de raça, cor ou religião. Foi irmão de todos. Mas também se desinstalou e foi ao encontro dos tuaregues, seus amigos mais pobres, para ajudá-los naquilo que precisassem. Viveu como eles e tornou-se um deles.

Charles teve um objetivo sempre presente: viver e testemunhar seu mestre, o Bem-amado Jesus, pela alegria em servir, não se importando com as circunstâncias, pois, assim, poderia atrair e conquistar, pouco a pouco, o máximo de pessoas para Jesus. Sem sombra de dúvidas, ele foi um sinal vivo da misericórdia de Deus.

 

IHU On-Line – Que respostas Charles de Foucauld é capaz de dar ao mundo nesse tempo de pandemia?

Carlos Roberto dos Santos – Diante de tudo que estamos vivendo, globalmente e no Brasil, o primeiro insight que tenho é que o mundo não será o mesmo após a pandemia. Com certeza, o ser humano terá de reinventar-se em sua maneira de ser e existir. Será necessário ressignificar-se porque a covid-19 desnudou a logística e a organização do mundo atual, deixando claro que não responde satisfatoriamente à necessidade de viver: o ter é efêmero, e não é o mais importante para vivermos bem.

Como místico e mestre na oração, Charles de Foucauld também foi um mensageiro da esperança. E o foi precisamente porque era aberto à ressignificação da sua vida, sempre que necessário. Esta docilidade o ajudou a aproximar-se do Divino e viver tão próximo d’Ele; também o ajudou a penetrar na alma de um povo e no mais profundo do sofrimento, da dor e da esperança humana. Como amigo no meio deles, um com eles, mergulhado em suas histórias, ajudou-os a resgatar sua estima, o respeito, o orgulho e a dignidade de pessoa humana, e como um povo.

 

O ser humano terá de reinventar-se em sua maneira de ser e existir. Será necessário ressignificar-se porque a covid-19 desnudou

 a logística e a organização do mundo atual.

 

Creio que o testemunho de Charles pode cooperar muito com o mundo de hoje, na pandemia e no pós-pandemia. Primeiro, para que possamos ser mais contemplativos. O encontro verdadeiro com o Divino deve ser resgatado para reintegrar o ser humano, caso contrário os ídolos ocupam este espaço. O tempo que ficamos a sós conosco mesmo, com Deus e com a família, além de ser gratificante, restaura-nos interiormente e em nossas relações básicas. Segundo, porque ele viveu o sofrimento e a impotência, e confiou-se inteiramente nas mãos de Deus. A pandemia faz-nos sentir pequenos e impotentes, pois um simples vírus, quase invisível, provocou uma imensa destruição em quase tudo que construímos, inclusive o jeito de nos relacionarmos uns com os outros.

 

O testemunho de Charles

pode cooperar muito com o mundo de hoje,

na pandemia e no pós-pandemia.

 

O exemplo do irmão Charles nos ajuda a olhar para os efeitos da pandemia, compreendendo que somos pobres, pequenos e frágeis. E mais ainda, por questão de sobrevivência, precisamos ser menos egoístas e mais solidários com aqueles que têm menos e precisam mais. A bondade (não a hipocrisia) e o cuidado uns dos outros e da nossa casa comum precisam voltar a fazer parte de nossas vidas.

Charles é um dos grandes faróis do século XXI porque viveu a humildade. Numa sociedade da ostentação, a humildade é o valor urgente a ser cultivado para mudar o que for preciso.

  

Referências

Carta a Henry de Castries, 14 agosto de 1901, in: FOUCAULD, C. Ourvres spirituelles de Charles de Jesus, Père de Foucauld. Éditions du Seuil, 1958, p. 662.

LAFON, Michel, 15 dias de oração com Charles de Foucauld, Paulinas 2011, 2ª ed. p. 15.

Música Caminheiro, de Astúlio Nunes, 1980.

Cfr. DUREYRIER, Henry. Carta à Sociedade de Geografia de Paris, 24 de abril de 1885.

FOUCAULD, C. Ourvres spirituelles de Charles de Jesus, Père de Foucauld. Éditions du Seuil, 1958, p. 515.

Retiro em Nazaré, ano 1897, in: FOUCAULD, C. Ourvres spirituelles de Charles de Jesus, Père de Foucauld. Éditions du Seuil, 1958, p. 33.

Cfr. JARDIM, Maurício da Silva, Charles de Foucauld: Irmão universal: artigo Publicado no SIM – n.4, out-dez. de 2016.

FOUCAULD, C. Ourvres spirituelles de Charles de Jesus, Père de Foucauld. Éditions du Seuil, 1958, p. 382.

DAMIAN, Edson T. Espiritualidade para nosso tempo, com Carlos de Foucauld, Ed. Paulinas, 2007, p. 105.

Carta ao Padre Voillard, em 12.7.1912, cfr

Papa Francisco, in: L’Osservatore Romano, edição de 10/12/2015, n. 50, p. 4.

Carta a Luis Massignon, 1º agosto de 1916, in: FOUCAULD, C. Ourvres spirituelles de Charles de Jesus, Père de Foucauld. Éditions du Seuil, 1958, p. 778.

Carta a Joseph Hours, 3 maio 1912. 


[1] Pe, Carlos Roberto dos Santos é o atual Responsável Nacional da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas. Entrevista publicada na Revista IHU online. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/600880-charles-de-foucauld-mensageiro-da-esperanca-tambem-para-tempos-de-pandemia-entrevista-especial-com-carlos-roberto-dos-santos. Acesso em 30.11.2021.

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ESPIRITUALIDADE DO IRMÃO CARLOS

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2)-Conheça a vida de Charles de Foucauld, um santo atual [1]


De soldado folgazão a monge no deserto,

tornou-se pioneiro da vida religiosa

entre os mais pobres e os marginalizados.

 

 Papa aprovou agora uma cura que permite a canonização de Carlos de Foucauld. (Reprodução)

O inspirador dos Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus, o francês Charles de Foucauld, tem finalmente abertas as portas para a canonização como santo da Igreja Católica, 104 anos depois de ter sido assassinado em Tamanrasset (Saara argelino), em parte graças ao impulso que o Papa Francisco deu ao processo. O papa aprovou, quarta-feira, 27 de maio, a cura inexplicada apresentada pela Congregação para a Causa dos Santos e que abre as portas à canonização. Falta agora saber a data da cerimônia.

Em dezembro de 2016, quando se completaram 100 anos da sua morte, o Papa Francisco dissera, acerca de Charles de Foucauld: “Um homem que venceu tantas resistências e deu um testemunho que fez bem à Igreja. Peçamos que nos abençoe do céu e nos ajude a caminhar nos caminhos de pobreza, contemplação e serviço aos pobres”.

Na altura da sua beatificação, há 15 anos (13 de Novembro de 2005), em Roma, o então papa Bento XVI referiu-se ao etnólogo e linguista que se tornaria eremita que “através da sua vida contemplativa escondida em Nazaré, onde viveu uma temporada, Charles encontrou a verdade da humanidade de Jesus (…) convidando-nos à fraternidade universal, vivendo mais tarde no Saara, dando-nos exemplo do amor a Cristo (…) e pondo a eucaristia e o evangelho no centro da existência”.

Charles de Foucauld (1858-1916), cuja vida e pensamento se inspirou na espiritualidade de Francisco de Assis, sonhou com o projeto de criar comunidades “semelhantes às comunidades dos primeiros tempos na Igreja”. A sua ideia, que nasceu numa visita à Terra Santa depois de ter deixado o exército, acabou por dar origem a dez congregações religiosas, entre as quais as fraternidades dos Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus, todas elas criadas só depois da sua morte.

O irmão Charles viveu num eremitério entre os tuaregues do deserto do Saara e queria que a sua vida fosse a de um “irmão universal”. Acabaria, com a sua experiência de vida entre os mais pobres, por se constituir como um pioneiro da renovação das ordens religiosas no século 20.

 

“Uma profunda agitação”

Nascido em Estrasburgo, em setembro de 1858, filho de conde, Charles-Eugène de Foucauld fica órfão aos seis anos. Em 1876 vai para o exército. Aos 22 anos, parte para a Argélia, então colônia francesa. Não deixara, no entanto, a fama de “folgazão” com que ficara conhecido na Escola de Cavalaria de Saumur.

Ao fim de três anos, a sua vida muda de rumo, abandona o exército e dedica-se a fazer explorações geográficas no Marrocos. É neste contato mais direto com os muçulmanos que ele sente “uma profunda agitação” e começa a colocar a pergunta que abandonara há anos: “Será que Deus existe?”

Em 1886, Foucauld converte-se, tenta sucessivamente a vida religiosa em vários mosteiros. Parte em 1900 para Jerusalém e Nazaré, regressa um ano depois à Argélia, passando a viver no eremitério de Beni Abbès.

A sua ideia é imitar o estilo de vida simples de Jesus, em Nazaré. “Sonho com qualquer coisa de muito simples, grupos pequenos e semelhantes às comunidades dos primeiros tempos na Igreja… viver a vida de Nazaré, no trabalho e na contemplação de Jesus… ser uma família pequena, onde tudo seja muito humilde e simples.”

Nos anos seguintes viverá entre mais dois eremitérios e pequenas viagens à França e no interior da Argélia. Constrói o seu dia a dia na ajuda aos mais pobres dos nômades do deserto. Não pretende “instruir” os muçulmanos na religião cristã nem convertê-los, mas dar-lhes “a conhecer, mais com os atos do que pelas palavras, a moral cristã”.

Ao mesmo tempo, Charles de Foucauld escreve obras sobre a linguística e a cultura tuaregue, que se constituirão como referência nos estudos sobre a matéria, e traduzindo ao mesmo tempo numerosos poemas e textos da cultura nômade.

Precursor do diálogo inter-religioso, apesar da sua proximidade com os nômades do deserto e do apoio que dava aos mais pobres, o emergir da 1ª Guerra Mundial cria-lhe dificuldades. Acabará vítima do conflito mundial e da luta que diversos grupos muçulmanos já travavam contra a ocupação francesa. Atacado por um grupo hostil aos cristãos, morre assassinado a 1º de dezembro de 1916.

 

“Respeitar a cultura diferente”

 

Quando foi beatificado, em novembro de 2005, vários tuaregues estiveram presentes na cerimônia de Roma, com o véu tradicional e túnicas azuis. O então papa Bento XVI, que os recebeu no final da cerimônia, disse que a vida de Charles de Foucauld é um convite a todos os que desejam a “fraternidade universal”.


Na cerimônia, que foi presidida pelo cardeal português José Saraiva Martins, então responsável pela Congregação da Causa dos Santos, este sublinhou a “simplicidade” daquele que é conhecido como o irmão Charles, acrescentando que Foucauld levou o seu compromisso ao ponto de “testemunhar Jesus no respeito pelas outras experiências religiosas” e a “reafirmar o primado da caridade vivida na fraternidade”.

As comunidades de frades e freiras que se inspiram na sua vida e testemunho vivem normalmente em bairros degradados, em meios pobres ou junto de populações desfavorecidas. Em Portugal, por exemplo, há uma comunidade dos Irmãozinhos em Setúbal, e três comunidades de irmãs em Chelas (Lisboa), Apelação (Loures) e Fátima. No Brasil a Casa da Fraternidade está em Goiás.

“A primeira coisa a fazer é respeitar uma cultura diferente da sua, de procurar compreender a luz da verdade e descobrir nela o projeto de Deus sobre cada ser humano”, escrevia a irmã Magdeleine Hutin, ou Magdeleine de Jesus, que criou as Irmãzinhas de Jesus a partir da proposta de Charles de Foucauld. “É somente a partir do respeito das culturas, das civilizações e das religiões que será possível revelar aos outros o amor de Deus.”

O caminho para chegar à canonização de Foucauld não foi isento de dificuldades, recorda Vázquez Borau do site Religión Digital.

No mesmo dia em que foi aprovado o decreto de canonização do irmão Charles, o papa aprovou ainda outras duas canonizações e cinco beatificações. Uma das novas beatas será Pauline Jaricot (1799-1862) que se converteu aos 17 anos e, sem nunca se consagrar à vida monástica, se dedicou à evangelização, preocupando-se em apoiar os missionários. Acabou por fundar a Obra da Propagação da Fé, que acabou por ganhar dimensão internacional.



[1] Artigo publicado na Revista Online DomTotal no dia 31.05.2020. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1448580/2020/05/conheca-a-vida-de-charles-de-foucauld-um-santo-atual/ Acessado no dia 30.11.2021.


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3)- Bem Aventurado Charles de Foucauld [1]

 Pe. Nelito Dornelas

O Papa Francisco irá canonizar o Bem aventurado Charles de Foucauld, que fora beatificado aos 13 de novembro de 2005 por Bento XVI. Nestes dias em nosso retiro anual da Fraternidade Sacerdotal Jesus Catitas, que tem sua inspiração em Charles de Foucauld, o qual chamamos carinhosamente por Irmão Carlos, fiz algumas anotações do seu pensamento que acompanharam minhas meditações.

O Irmão Carlos nasceu no dia 15 de setembro de 1858 em Estrasburgo, na França, numa família nobre, do Conde de Foucauld. De inteligência brilhante e espírito inquieto, entrou para o Exército Francês, tornando-se seu oficial. Fez uma expedição de exploração pelo Marrocos adentrando pelo Deserto do Saara. Como cartógrafo fez o primeiro mapa daquela região, merecendo um prêmio da Academia por relevante serviço. Bem cedo perdeu a fé e viveu intensas aventuras existenciais. O testemunho de fé dos muçulmanos provocou uma reviravolta em sua vida, que desencadeou em sua conversão ao cristianismo aos 30 de outubro de 1886, aos pés do Pe. Huvelin, com apoio de sua prima Maria de Bondy. É ordenado padre aos 9 de junho de 1901 e prefere exercer seu ministério na Argélia entre os muçulmanos, desde o dia 28 de outubro de 1901 a 1º de dezembro de 1916, quando foi assassinado em Tamanrasset na Argélia.

O que ele procurou fazer, segundo sua expressão, foi Gritar o Evangelho com a própria vida! vivendo o apostolado da bondade e lutando por criar uma fraternidade universal. “O meu apostolado deve ser o da bondade. Vendo-me, devem poder pensar: se este homem é tão bom, quanto não deve ser bem melhor o seu Mestre.” Queria ser chamado de irmão e sua ermida de fraternidade.

No meio do povo Tuaregue com o qual conviveu por 15 anos, escreveu o dicionário daquela língua oral e transcreveu muitas de suas poesias, valorizando e respeitando profundamente sua cultura.

 Para ele todo cristão, toda cristã deve ser apóstolo. Isso não é um conselho, é um mandamento, o mandamento da caridade. E perguntava com que meios se pode ser apóstolo? Com os melhores, tendo em vista aqueles a quem se dirigem, todos aqueles com quem estão em contato, sem exceção, pela bondade, pela ternura, pela oferta fraterna, pelo exemplo da virtude, pela humildade e pela doçura, sempre atraentes e tão cristãs. Todo cristão deve olhar a cada ser humano como um irmão querido. Se ele é pecador, inimigo de Deus deve ser considerado um doente, muito doente. Precisa-se ter por ele uma compaixão profunda e cuidados fraternos como por um irmão insensato.

Os não-cristãos podem ser inimigos de um cristão, ao passo que um cristão é sempre o bom amigo de cada ser humano, ele tem por todo o sentimento do coração de Jesus. Ser caridoso, manso, humilde com todos é o que aprendemos com Jesus. Não ser guerreiro com ninguém. Jesus nos ensina a ir como ‘ovelhas entre os lobos’, não a falar com aspereza, com rudeza, nem a injuriar, nem a pegar em armas. Doar-se todo a todos para dá-los todo a Jesus, fazendo-se oferta fraterna para com todos. “Sejamos mansos como o cordeiro de Deus, sem armas para atacar, sem armas para defender-nos.”

Irmão Carlos procurou imitar a Jesus em sua vida oculta em Nazaré. “A imitação é a medida do amor, é o segredo da minha vida. Eu perdi meu coração por este Jesus de Nazaré crucificado há mil e novecentos anos e passo a minha vida tentando imitá-lo, na medida em que minha fraqueza permite.”

Outra preocupação que invadia o coração do Irmão Carlos é a ligação estreita entre a Eucaristia e o serviço ao irmão. “Não há frase no evangelho, acredito eu, que me tenha causado impressão mais profunda e transformado mais a minha vida do que o que diz: ‘o que fizerdes a um desses pequeninos, é a mim que o fizerdes’. Se consideramos que essas palavras são as palavras da Verdade encarnada, as palavras saídas da boca de quem disse: ‘isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue’, com que força somos levados a buscar e a amar Jesus nos pequeninos, nos pecadores, nos pobres!”

Depois que ele abraçou a fé não sabia mais viver fora dela. “O justo vive realmente desta fé, pois ela substitui para ele maior parte dos sentidos da natureza. Assim, aquele que vive da fé tem a alma cheia de pensamentos novos, de gestos novos, de julgamentos novos (...) envolvido por essas verdades totalmente novas que o mundo nem desconfia, ele necessariamente começa uma vida toda nova. Que aquele que vê a luz e lhe dá seu devido valor, a estime infinitamente, a ela se agarre inviolavelmente, siga-a sempre, não se deixa desviar por nada.”

Diante de todos os problemas que nos afligem, deixou-nos esta mensagem de esperança.  “Nunca percamos a coragem, sempre tenhamos esperança! Estamos à beira do abismo, vamos perecer, merecemos perecer, devemos, por justiça, perecer, depois de nossas múltiplas ingratidões, nós estamos perecendo: é justamente a nós que Jesus vem salvar. Infinitamente bom e infinitamente poderoso, Ele vem salvar os que estão perecendo. Que até o último minuto, enquanto houver um sopro de vida, tudo Nele espere!”



[1] Pe. Nelito Dornelas pertenceu ao clero da Diocese de Governador Valadares/MG, foi escritor, presidiu a Caritas diocesana, foi membro da Bacia do Rio Doce, das Pastorais Sociais, CPT, Assessoria das Cebs e Comissão para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso do Regional Leste 2, foi membro da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas e da equipe de Comunicação da Fraternidade, faleceu em 03/02/2022, tendo deixado este artigo.


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Centenário do Martírio de Charles de Foucauld [1]

 Ricardo Jardel Silveira

O irmão Charles desejava

em tudo imitar a Jesus de Nazaré.

 

Charles de Foucauld, beato da Igreja Católica, nasceu aos 15 de setembro de 1858 em Estrasburgo, na França, e foi assassinado em primeiro de dezembro de 1916, completando, portanto, agora, o centenário de sua morte. Charles Cresceu no seio de uma família católica, sem, no entanto, crer verdadeiramente até o dia de sua brusca e repentina conversão.  Sua vida mundana possivelmente o levou a decepções que o fizeram buscar a Deus, o mesmo Deus de Abraão, reverenciado categoricamente três vezes por dia pelos muçulmanos, povo este com quem Charles teve a oportunidade de conviver antes (no Deserto do  Marrocos, em suas missões de mapeamento da área para o exército francês) e depois de sua conversão.  Quando Charles se viu irrequieto, incompleto, querendo entender se Deus realmente existia, buscou orientação de sua prima Maria, e a mesma o levou para ter com o Padre Huvelin da Igreja de Santo Agostinho na França. Charles talvez pretendesse conversar, questionar o sacerdote, mas este apenas ordenou: "Ajoelha-te e confessa" e, ao se ajoelhar, Charles acreditou e se converteu verdadeiramente, tão verdadeiramente que em acreditando, ele não pôde, a partir daquele singelo momento, fazer outra coisa, se não, viver única e exclusivamente para compreender o propósito de servir a Deus.

Toda a vida de Charles, antes, no momento, e depois de sua conversão, esteve ligada à sua prima Maria que lhe deu suporte espiritual, e também financeiro, para que Charles viajasse a Nazaré, e ao retornar, ensaiasse e edificasse vários dos modelos de mosteiro e vida consagrada por ele concebidos. O Padre Huvelin veio a ser seu mentor espiritual por toda sua vida.

O irmão Charles desejava em tudo imitar a Jesus de Nazaré: ganhar a vida com um trabalho simples e manual;  viver de modo simples; abraçar a Cruz. Charles tinha verdadeira curiosidade por compreender os anos ocultos da vida de Jesus, período que vai aproximadamente dos treze aos trinta anos de Jesus. Claro que os anos da vida pública de Jesus são importantíssimos para nós cristãos, mas Carlos queria conhecer e sobretudo, imitar, o período oculto, aquele no qual não houve exposição pública, antes de Jesus se apresentar para nós como o Salvador da humanidade. Imitando de forma oculta a vida oculta de Jesus, o irmão Charles em tudo buscava viver a fuga das honrarias, tanto que relutou bastante consigo próprio e com seu orientador espiritual, contra a ideia de se tornar um sacerdote, afinal um sacerdote da Igreja Católica é alguém naturalmente visto e muito respeitado, desde que o império romano adotou a religião católica como religião oficial, no final século IV. Por fim, o Irmão Charles abdicou da ideia de não se tornar um sacerdote, única e simplesmente, por amor a Eucaristia, pois a Igreja não chegava até os locais ermos onde ele viveu e gritou o Evangelho com a própria vida.

Quando Charles compreendeu em seu coração o que significava viver o escondido de Nazaré, ele soube que não precisava estar em Nazaré para vivenciá-lo, mas que poderia fazê-lo em qualquer lugar. Os modelos de vida consagrada até então conhecidos não contemplavam em tudo, para Charles, a busca pelo escondido de Nazaré. Os diversos e rígidos modelos de mosteiro e de vida consagrada, concebidos e ensaiados por Charles de Foucauld, demonstram claramente que, para que ele alcançasse sua busca interior por Deus, não seria suficiente viver uma vida devota a Deus, porém protegida pelos altos e robustos muros de um mosteiro tradicional, muitas vezes com três refeições garantidas por dia. Charles de Foucauld queria ir além, ele queria de fato se abandonar em Deus, ter um trabalho humilde, sofrer os desígnios e correr os perigos da vida cotidiana do homem leigo comum, tudo isso aliado a uma longa rotina diária de oração.  Esses modelos de vida consagrada eram tão rígidos, que seu orientador espiritual discordava completamente dele, em suas conversas por carta e raros encontros presenciais.

Em verdade, Charles não chegou, antes de morrer assassinado, a concluir e pôr totalmente em prática o modelo de vida consagrada que vislumbrava. Sua vida, seus ensaios, suas anotações e suas ideias estão documentadas no Livro "Au coeur des las masses" (em português, Fermento na Massa) do Padre René Voillaume.  A Fraternidade dos Pequenos Irmãos de Jesus ou apenas Pequenos irmãos de Jesus é uma congregação religiosa católica fundada em 1933 pelo Padre René Voillaume (1905 - 2003), na qual a espiritualidade se inspira nos escritos deixados pelo Irmão Carlos. Os irmãos fazem os votos de pobreza, castidade e de obediência à Igreja, querendo compartilhar as mesmas condições dos pequenos e dos pobres e ser tratados como eles.

 

 

[1] Ricardo Jardel Silveira é professor da Universidade Federal do Ceará, membro da Pascom de Santo Afonso. Leigo do Grupo de Oração Charles de Foucauld da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, Parquelândia, Fortaleza - CE. Artigo publicado na Revista Online Dom Total no dia 30.11.2016. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1103515/2016/11/centenario-do-martirio-de-charles-de-foucauld/ Acessado no dia 30.11.2021.

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Oração: encontro com Jesus de Nazaré em Charles de Foucauld [1]

 Francisco Helton Rodrigues Melo

O testemunho

de vida de oração e pobreza de Foucauld interpela-nos a uma relação de proximidade e encontro com Jesus

 

A busca constante por Jesus de Nazaré foi seu centro na vida de Foucauld (Reprodução)

 

 

Em tempos de tantas incertezas, inseguranças, medos e desencontros, o testemunho do irmão Charles de Foucauld inspira, fortalece, ilumina caminhos possíveis para uma espiritualidade cristã para os dias de hoje. Foucauld nasceu dia 15/09/1858 em Estrasburgo (França) e, morreu no dia 01/12/1916 no Saara da Argélia, em Tamanrasset. Foi padre, monge, missionário, eremita do deserto e teve a sua vida completamente voltada à oração. Como ele mesmo orava: "Meu Deus, entrego minha vida em vossas mãos, eu vo-la dou, meu Deus com todo amor do meu coração".

A busca constante por Jesus de Nazaré foi o seu centro de sua vida. Diversos eram os meios para o seu crescimento na vida de oração: a meditação diária dos evangelhos; a experiência do deserto/silêncio; a eucaristia e o aprendizado com os irmãos. Vejamos como cada um destes elementos estava presente na vida deste irmão.

Meditação diária do evangelho – Irmão Charles lia e meditava atentamente a Escritura, especialmente o Evangelho. Ele dizia: "Eu passo a minha vida tratando de imitá-lo, aquele que ama quer identificar-se com o amado (...)". Seu desejo de imitar Jesus brota de uma meditação constante atenta e diária do Evangelho. "Ler o Evangelho sem cessar para ter sempre diante de si os atos, as palavras, os pensamentos de Jesus a fim de pensar, falar e agir como Ele". Na meditação do Evangelho Charles encontra-se com Jesus. Seu jeito de meditar mistura-se com a contemplação, ou seja, um diálogo intimo com Deus regado a longos tempos de silêncio, sem dizer nenhuma palavra.

Eucaristia – Irmão Charles compreendia que não existia atividade ou obrigação que justificasse uma ausência ao sacrário. Estar presente diante do Senhor é para amar e se sentir amado. Receber Jesus constantemente na comunhão, não deixar de comungar e visitar o sacrário eram formas de permitir a entrada da graça de Deus na vida.  Ir Charles tem no santo Sacramento, o melhor amigo com quem pode falar, dia e noite. Contemplar Jesus na Eucaristia é um dever, Ele se oferece a nós por isso, com a vontade que nós nele O contemplemos.

Deserto – Não é um lugar físico, mas um ato profundo de entrega a Deus no silêncio. O deserto revela nossa condição de fragilidade, impotência e fraqueza. As orações de Charles de Foucauld têm suas origens no deserto, sua busca de Deus acontece na solidão e no silêncio. Um silêncio falante/habitado por Deus que se comunica. Esta maneira de colocar-se diante de Deus vai o tornando um homem cada vez mais livre interiormente, aberto a escuta. O silêncio manifesta-se como expressão de amor, uma forma de ser presente na relação com Deus.

Aprendendo com os irmãos – O marco para deixar-se envolver por uma experiência mais profunda de Deus foi quando em 1888 encontrou-se com o Pe. Huvelin e sentiu-se totalmente desconcertado. O pedido para confessar seus pecados quebrou seus esquemas pré concebidos e, desde então ele começa participar da Eucaristia e compreende: "Não posso mais viver senão para Ele".

Ainda o irmão Charles impactou-se com a fé dos mulçumanos que oravam diversas vezes ao dia. O jeito dos mulçumanos viverem a sua relação com Deus o impactou profundamente.  Começa a se deixar provocar: "Deus, se tu existes, faz com que eu te conheça".  

O irmão Charles vai compreendendo que imitar Jesus significa assumir a sua mesma missão e opções. Assume a pobreza como consequência do seguimento e instrumento de santificação. Contemplando a vida de Jesus em Nazaré, seu anonimato, voltado ao trabalho, à experiência do último lugar o move a tomar as mesmas opções. A vida oculta de Jesus, em Nazaré foi o projeto de vida que irmão Charles abraçou e viveu até a morte. Ele tomou, como Jesus, o último lugar.  

A vida de oração move o irmão Charles a assumir uma vida pobre e com os pobres, porque Jesus fez da pobreza, uma condição para o discipulado. Essa condição é indispensável. Não pode ser assumida como peso, e quem a vive consequentemente experimenta a liberdade interior. Não ama as coisas desta terra, tem a alma livre.

Em suma, o testemunho do irmão Charles de vida de oração e pobreza interpela-nos uma relação de proximidade e encontro com Jesus de Nazaré através da meditação diária do Evangelho, o deserto/silêncio e, se deixar interpelar pelos irmãos. E, em tempos sombrios estes fachos de luz podem nos ajudar numa travessia mais tranquila e segura.

 

 

[1] Francisco Helton Rodrigues Melo é presbítero da Diocese de Crateús. Especialista em Assessoria Bíblica (EST). Bacharel em Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Coordenador Diocesano de Pastoral e pároco na Paroquia Senhor do Bonfim - Crateús-CE. Artigo publicado na Revista Online Dom Total no dia 28.05.2021. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1518297/2021/05/oracao-encontro-com-jesus-de-nazare-em-charles-de-foucauld/. Acessado no dia 30.11.2021.

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Saudades de Padre Virgílio Uchôa

Ele agora está com o Pai Celeste.[1]

Pe José Ernanne Pinheiro 

Convivi com padre Virgílio Uchôa desde o início dos anos 60. Fomos contemporâneos em Roma, no Colégio Pio Brasileiro, fazendo o curso de teologia na Universidade Gregoriana. Diga-se com muito orgulho, em pleno Concílio Vaticano II, onde o clima eclesial realizou um verdadeiro novo Pentecostes. Além do curso previsto, conseguíamos acompanhar palestras significativas para a atualização teológica dos bispos brasileiros, numa casa da ação católica italiana, onde residiam nossos bispos no período conciliar.

Isto revela que Virgílio mergulhou no espírito do Concílio e bebeu do cálice da esperança que marcava a Igreja e os novos presbíteros. Por isso, não é de admirar que Virgílio tenha assimilado um espírito missionário fruto do contexto.

Quem era Virgílio? Um jovem da melhor estirpe mineira que optou pelo sacerdócio dentro de um estilo original. Era estudante de engenharia na Universidade e, ao mesmo tempo, integrava o Movimento da Juventude Universitária Católica (JUC) que concretizava o espírito do Vaticano II no grande estilo de missão. Decidiu ser padre. Fez parte dos estudos no Seminário de Belo Horizonte e foi enviado pela diocese para continuar seus estudos em Roma.

Conheci seus familiares mais próximos. Seu pai médico, sua mãe poetisa. Eram provenientes da cidade de Governador Valadares. Sua família lhe ofereceu uma educação sólida, com valores dignos e profundos. Virgílio era um homem de princípios fortes de honestidade, caráter e muita sensibilidade para os mais fragilizados da sociedade.

Todos estes elementos ofereciam a Virgílio chegar à ordenação sacerdotal como um presbítero do espírito do Vaticano II. E de fato concretizou.

Após poucos anos como sacerdote em Belo Horizonte, foi convidado para trabalhar na CNBB no campo das vocações. Mas, sua missão se estendeu tanto que concretizou seus dons em várias áreas da Conferência.

Pessoalmente, retomei meu convívio com ele em Brasília, também como ele, convidado a realizar a missão de assessoria em campos muito semelhantes. Ele agora no campo da economia-administração da entidade e eu como assessor dos leigos/as e, logo depois, como assessor político. Pensávamos juntos nossa missão, realizamos juntos muitas iniciativas sensíveis aos sinais dos tempos do momento.

 

Vivíamos na segunda metade da década de 80. Exatamente, um período de muita vitalidade na sociedade. Período da Constituinte. A CNBB se dispôs acompanhar o processo novo para a elaboração da nova Constituição. Para tanto, nomeou uma equipe de bispos, coordenada por Dom Cândico Padin, formado em direito e um bom jurista. Para acompanhar mais de perto o emaranhado do processo constituinte, Dom Padin nos escolheu (Virgílio e eu) para o trabalho de maior aproximação com os constituintes e para com eles refletir os desafios que a sociedade com ânsia aguardava.

Vivemos uma interessante experiência nesse campo específico da nossa missão, quando em sintonia com Dom Padin e com a direção da CNBB, demos início a um trabalho exigente e muito importante. Formamos uma pequena equipe com dois professores de direito da Universidade de Brasília (José Geraldo de Souza e João Gilberto Coelho), além de mim e do Virgílio. Elaborávamos um boletim semanal com notícias do que acontecia no Congresso Nacional e toda 2ª feira almoçávamos juntos para definir um roteiro de entrevistas com parlamentares expressivos. Em seguida, redigíamos um texto, que servia de base para publicação do boletim da CNBB, que era transmitido pela rádio Medianeira de Santa Maria/RS, onde Dom Ivo era o arcebispo e presidente da CNBB. Esse boletim era retransmitido para várias rádios, chegando até às rádios da Amazônia.

Também a equipe realizava debates com parlamentares na sede da Conferência onde explicitava suas preocupações e esperanças.

Virgílio vinha de uma experiência notável durante o período da ditadura militar onde ele foi mediador para acolher vítimas do momento autoritário. E o fez com dignidade e altivez. Daí ele conhecer pessoas de significativas informações com sede de justiça e solidariedade. Nesse mesmo período, a direção da CNBB nos solicita prepararmos uma análise de conjuntura durante a reunião mensal da então CEP (Conselho Episcopal de Pastoral). Esta análise era transmitida para os senhores bispos pelos órgãos de comunicação da entidade.

Esta dinâmica intensa oferecia para Virgílio crescer numa sólida mística eclesial. E sofria quando sentia que não havia correspondência em alguns dos seus membros.

Mas, padre Virgílio não só estava envolvido com economia, administração e política. Tinha muita preocupação com a espiritualidade. Para alimenta-la, fazia parte das Fraternidades sacerdotais da Espiritualidade do irmão Charles de Foucauld. Levava muito a sério a participação dos retiros anuais de uma semana e as reuniões mensais da equipe em Brasília para revisão de vida e oração em comum.

Rezava com fervor a oração do Abandono (do irmão Carlos): “Fazei de mim o que quiserdes. O que de mim fizerdes eu vos agradeço”.

Virgílio também foi um dos fundadores da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, uma proposta fruto do documento Gaudium et Spes do Concilio Vaticano II. A Comissão no Brasil teve início no Rio de Janeiro, onde funcionava a sede da CNBB e depois transferida para Brasília. Também colaborou muito com a criação da Comissão de Justiça e Paz de Brasília sob aos auspícios do cardeal Falcão que participou da abertura com entusiasmo.

A Comissão de Brasília se empenhou em várias atividades em defesa dos pobres, sobretudo em áreas de invasão da cidade, como no caso mais conhecido – da SQN 110 - que levou a Comissão a várias iniciativas em defesa destas famílias abandonadas pelo Estado.

Penso que posso afirmar Virgílio ter sido um presbítero modelo da teologia eclesial do Vaticano II, tanto da Lumen Gentium como da Gaudium es Spes, sem subestimar os outros documentos que tanta influência tiveram na renovação da Igreja.

Ele estava presente e oferecendo ajuda sincera e eficiente lá onde surgiam novas inciativas eclesiais do período: CIMI, Pastoral da Terra, MEB e tantos outros...

Nos últimos anos, ele foi pároco da Paróquia Nossa Senhora dos Migrantes, no lago oeste da cidade, onde residia numa chácara e acolhia alguns grupos para encontros. Lá findou seus dias.

Agradecemos a Deus a vida de Virgílio; seus dons foram colocados com muita gratuidade a serviço de uma Igreja em saída sonhada pelo Papa Francisco.

Ele deixa muita falta. Saudades. ”Mas, ...se o grão de trigo morre produz muito fruto”(Jo 12,24)


[1] Padre José Ernanne Pinheiro pertence ao clero da Arquidiocese de Brasília. É membro da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas.

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COLABORAÇÃO ANUAL 

Lembamos aos membros das diversas fraternidades do Brasil o compromisso de colaborar financeiramente, uma vez ao ano, com 10% do seu salario mensal, para a manuteção da Fraternidade.

Calcule o valor e faça sua colaboração no Encontro Regional da sua fraternidade. No entanto, se necessário, sua colaboração também pode ser feita no Retiro Anual, com o tesoureiro da Fraternidade.

Brasília, 14/11/2021

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AGENDA 2021 - 2022



Casa da Fraternidade Jesus Caritas

Data: 1º de fevereiro de 2022 (início de atividades)

Local: Rua Felipe Leddet, s/n. Centro

76600-000 - Goiás, GO


Canonização do Beato Charles de Foucauld

Data: 15 de maio 2022

Local: a ser anunciado

 

Assembleia Pan-americana

Data: 19 a 24 de setembro de 2022

Local: Córdoba - Argentina

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LI, ASSISTI E INDICO


INDICAÇÃO DE LIVROS

1.   Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia, Cortina, Adela - Editora: Contracorrente


2.   Teologia e os Lgbt +: Perspectiva Histórica e Desafios Contemporâneos -  Luís Corrêa Lima - Vozes


3.   Pastoral Urbana: Novos Caminhos para a Igreja na Cidade - Agenor Brighenti, Francisco de Aquino Júnior - Vozes


4.   Teologia da prevenção: Por um caminho de humanzação - De José Antonio Trasferetti, Mário Marcelo Coelho e Ronaldo Zacharias – Paulus.


5.   50 anos 1971-2021 - Mês da Bíblia Memórias, desafios e perspectivas - Editora: PAULINAS - Edinaldo Medina Batista, Zuleica Aparecida Silvano


6.   A Teologia e a Pastoral na Cidade - Desafios e possibilidades atuais -  Elias Wolff / Banjamin Bravo Perez / Antonio Ernesto Palafox / (orgs.) Paulus


7. Sinodalidades - Concilium 390 - Thierry-Marie Courau, Michel Andraos, (eds.) – Ed. Vozes

8.   Papa Francisco - Vamos Sonhar Juntos: O Caminho Para Um Futuro Melhor -  Austen Ivereigh (Tradutor) – Ed. Intrínseca


9.   Papa Francisco - Aos Sacerdotes - Papa Francisco – Paulus


10.Papa Francisco. Felicidade Se Aprende A Cada Dia, A - Homilias Proferidas Na Casa Santa Marta

 


INDICAÇÃO DE SITES


https://sites.google.com/site/jesuscaritascarlosdefoucauld

https://gritaroevangelho.blogspot.com/

www.vatican.va

blog:www.hermanitasdejesus.org/brasil/brasilnuestrahistoria.htm


htpp://www.ihu.unisinos.br


htpp://www.cartacapital.com


htpp://agencia.ecclesia.pt/portal/2020/02/


htpp://www.portalcatolico.org.br


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Responsáveis da Fraternidade  (CLIQUE PARA ACESSAR OS NOMES DOS RESPONSÁVEIS)

CONSELHO  (CLIQUE PARA ACESSAR A LISTA DO CONSELHO)


SERVIÇOS (CLIQUE PARA ACESSAR A LISTA DE SERVIÇOS)


FAMÍLIA ESPIRITUAL DO IRMÃO CARLOS DE FOUCAULD NO BRASIL  (CLIQUE PARA ACESSAR A LISTA DA FAMÍLIA C.F.)



Ícone representando Charles de Foucauld

Charles de Foucauld morreu no dia 1º de dezembro de 1916. (Reprodução)

A busca constante por Jesus de Nazaré foi seu centro na vida de Foucauld (Reprodução)

CHARLES DE FOUCAULD

Papa aprovou agora uma cura que permite a canonização de Carlos de Foucauld. (Reprodução)

DOM EDSON DAMIAN

+Pe. Nelito Dornelas

PE. CARLOS

PE. ERNANNE PINHEIRO

+PE. VIRGÍLIO LEITE UCHOA