ANÁLISE CONJ. MARÇO 2024

NUP CNBB: 00000.9.000514/2024

ANÁLISE DE CONJUNTURA ECLESIAL 3  

CONSELHO PERMANENTE – MARÇO 2024  

  

DO DESCOMPASSO À MISSÃO, ÀS COMUNIDADES E À INICIAÇÃO 

1. O modo de proceder e o eixo da reflexão 

Na medida em que cabe atualmente ao INAPAZ realizar as análises de conjuntura eclesial, foi  assumida, com a aprovação da Presidência e do Conselho Permanente, a opção de realizar um trabalho  articulado em que uma análise sempre será a continuidade da anterior, acrescida dos pontos  levantados pela instância para a qual a análise tiver sido apresentada. Desse modo, disponibiliza-se  agora uma análise que é resultado do que já foi apresentado no Conselho Permanente de novembro  2023 e no CONSEP de fevereiro 2024. A partir dos questionamentos recolhidos e da reflexão com o  grupos de peritos, é agora oferecida a análise de número 3, referente à reunião do Conselho  Permanente de 2024.  

Em atitude dialogal com as referidas instâncias da CNBB, o INAPAZ fez uma segunda opção,  a de buscar compreender o que chama de ethos religioso brasileiro atual e quais as implicações  para a ação evangelizadora da Igreja Católica no Brasil. O ponto de partida, apresentado ao  Conselho Permanente em novembro último, foi o descompasso entre a base pastoral predominante  e a cultura contemporânea. Por base pastoral predominante, entendeu-se a configuração como  cristandade, a saber, um estilo de pastoral que, entre outros aspectos, se caracteriza pela religião única  ou hegemônica, com práticas e valores regulados pela instituição, cabendo aos indivíduos a adesão  absoluta, com práticas escapatórias sazonais e disfarçadas. Por cultura contemporânea, entendeu-se  o que, de modo simples, se tem chamado de pós-modernidade, centrada no indivíduo, com forte  desvalorização das instâncias reguladoras, com consequente variedade nos conteúdos das crenças e  nas práticas, em alta mobilidade.  

Tal descompasso não é periférico na vida da Igreja no Brasil, pois, enquanto a ação  evangelizadora ainda se mantém predominantemente como pastoral de conservação, os níveis de  desconexão com a Igreja católica têm se mostrado altos. Mesmo não se tendo ainda os resultados  oficiais do Censo 2022, é possível afirmar uma espécie de encolhimento da relevância ético 

existencial da Igreja Católica. Embora se mantenham algumas práticas, como, por exemplo, o batismo  dos recém-nascidos, a primeira comunhão, os casamentos e as exéquias, percebe-se que, além de tais  práticas estarem passando por ressignificação, a incidência ético-existencial do catolicismo, isto é, a  capacidade do catolicismo brasileiro ajudar a plasmar valores para o conjunto da vida, já não possui  o mesmo fôlego que teve em outras épocas. 

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2. As propostas insuficientes 

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O descompasso se torna mais grave na medida em que nem a pastoral de conservação, nem as  propostas evangelizadoras de cunho socializante nem o catolicismo de perfil neoconservador são  capazes de efetivamente dialogar com o conjunto da sociedade brasileira. Não são aptas a chegar às  pessoas, com suas expectativas e seu jeito de ser. Cada uma dessas propostas apresenta, como  sabemos, valores indispensáveis para a vivência da fé cristã. As três, contudo, padecem de algum tipo  de fraqueza sociocultural que dificulta o diálogo com a mentalidade que aqui se chama de pós modernidade.  

Em consequência, vê-se, como indicado na reunião do CONSEP de fevereiro passado, que as  vivências sociais e religiosas passam cada vez mais por um processo de privatização, de  individualização, aliadas à lógica dos prodígios, milagres, libertações e curas. Esta realidade não é a  única forma de viver a fé cristã no Brasil de nossos dias, mas se pode afirmar que é a predominante,  com a ratificação oficiosa dos dados censitários. A partir desses dados, tem-se, por exemplo, a  manutenção nos números de aumento e queda tanto de católicos quanto de evangélicos, ao passo que  aumentam os números dos sem-religião e dos que seguem as religiões de perfil afrodescendente. No  primeiro caso, o de um tipo de estancamento na circulação entre católicos e protestantes, é possível  levantar a hipótese de que, em ambos os casos, o peso de estarem submetidos a uma instituição  reguladora, ainda que com estilos diferentes, esteja entre as causas da virada de rumo. Se, em outros  momentos, foi possível experimentar a passagem do catolicismo para o campo evangélico,  atualmente, ainda que as informações sejam oficiosas, esta passagem tende a se reduzir, com a maior  migração para as experiências com baixos teores de institucionalização, como é o caso dos  mencionados sem-religião e dos que seguem os cultos afrodescendentes. Trata-se, enfim, de um outro  lugar sociocultural da religião como um todo na sociedade brasileira contemporânea, para o  qual se costuma utilizar o termo secularização, no sentido de que as realidades chamadas de seculares  estão incidindo mais na vida de fé do que, ao contrário, a fé seja capaz de fornecer elementos para  interpelar as concepções socioculturais e construir sentidos de vida. Já não é mais o sobrenatural que  dita as regras para a aceitação do natural, mas, ao contrário, são as causas naturais e sociais, que,  consciente ou inconscientemente, ditam as regras para a aceitação de uma experiência religiosa, como  é o caso das experiências que melhor se adequam às questões de gênero e raça, tão destacadas  atualmente. 

A religião não desapareceu das sociedades contemporâneas. Ela passou para um outro lugar  sociocultural. Nesse outro lugar, as instituições religiosas perderam, umas mais outras menos, é  verdade, seu papel regulador. Ao contrário do que a modernidade clássica previa em relação ao  desaparecimento da religião, o que temos em nossos dias é a manutenção do religioso, porém  - 2 - 

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configurado na direção da individualização. Vivemos um momento de pluralização dos valores,  articulado com a diminuição do contato com as instituições reguladoras do ato de crer, ou seja, com  as igrejas, fazendo emergir uma religiosidade difusa, líquida, individualizada, mutante, móvel. 

O fato é que a sociedade contemporânea vem apresentando uma alteração no modo como  concebe e vive a relação com a religião. Esse modo se caracteriza pela composição individual das  crenças, desconectada das regulações institucionais. Embora esse fenômeno se faça presente em todas  as religiões, a referência à Igreja Católica se dá por ser ela o objeto de nosso estudo e por ser  historicamente a religião majoritária no Brasil. 

Trata-se, portanto, de um ethos religioso com dificuldade para o compromisso via instituição,  ou seja, para a adesão construída com base nas instituições reguladoras. Já não basta, por exemplo,  simplesmente afirmar, como feito em outras épocas, que a Igreja Católica seja a instituição fundada  por Cristo ou que a ela Cristo deu o poder das chaves. Afirmações desse tipo, corretas teologicamente,  não possuem fôlego sociocultural para fazer sentido, interpelar vidas e permitir construções de  sentido. Isso acontece porque o desafio não está no campo teológico, mas no pastoral, ligando-se  diretamente às mediações utilizadas para o anúncio da Boa Nova do Reino de Deus. 

Esse processo traz algumas consequências tanto na forma quanto no conteúdo da experiência  religiosa, desafiando, desse modo, a ação evangelizadora católica. Na forma, como já indicado,  ocorrem ou o desligamento institucional ou a conexão ocasional com as práticas católicas. No  conteúdo, ocorre a quase absoluta despreocupação com a salvação da alma e com a vida eterna, em  diametral diferença com o que ocorreu em períodos socioculturais anteriores. 

Essa composição individual das crenças, como sabemos, tem formado amálgamas bastante  criativos, fundindo crenças originalmente católicas com postulados e práticas advindas do paganismo e/ou com estilos originários do protestantismo, em um processo que não ocorre uma única vez nem  em uma única direção. Trata-se de uma processos com contínua mobilidade e altamente aleatório,  desde que, é claro, se mantenha em torno ao sujeito individualmente concebido e à imediatização da  eficácia. 

Portanto, mais do que um ateísmo de perfil beligerante, em que as instituições religiosas,  notadamente as majoritárias são continuamente combatidas, a adesão seletiva de conteúdos e práticas  permite ignorar as instâncias reguladoras, especialmente na perspectiva da indiferença, da  irrelevância. Tais instâncias tornam-se destaques pontuais quando produzem algum fato de natureza  escandalosa ou quanto se manifestam em questões de moral pessoal ou social. Quem, em nossos dias,  acompanha a vida da CNBB, com suas riquíssimas propostas pastorais? Quem se preocupa em ouvir  o que pensam os bispos do Brasil? Ao contrário, escândalos provocados por padres ou manifestações  

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da CNBB em favor da vida e da justiça social recebem destaque e imprecações de diversos setores  com forte atuação nas redes sociais.  

Ocorre, desse modo, uma transformação em duas vertentes fundamentais para a vivência do  cristianismo/catolicismo. Da instituição para o indivíduo e do fiel para o seguidor. No primeiro caso,  o da instituição, a Igreja não é socioculturalmente ouvida pelo fato de serem os bispos a falar, ou seja,  uma fala institucional. Os tria munera próprios da missão episcopal acabam, na prática, sendo  substituídos pela força comunicacional de uma presença social ao estilo dos influencers. Isso, aliás,  não ocorre apenas com os bispos, mas com padres, leigos e leigas. Já não podem mais basear sua  incidência na dimensão institucional. Quanto ao seguidor, esse se vê amparado não mais na palavra  oficial da instituição reguladora, no caso, a Igreja e seus pastores, mas no indivíduo que, baseado no  carisma e nas técnicas de comunicação, fala sobre aspectos que mais interessam ao imediato da vida,  estabelecendo, assim, uma ponte comunicacional apta a chegar aos corações e às mentes.  

Nesse sentido é muito interessante observar o que ocorre, por exemplo, com a crença na  reencarnação, que acaba gerando aceitação tácita ou pelo menos indagação a respeito de sua possível  validade. Isso acontece porque essa doutrina diz ao sujeito individualmente compreendido que ele  não experimenta a caducidade, o fim. Ao contrário, afirma que ele permanece existindo e, mais ainda,  é ele que, pelas práticas purificatórias, acaba sendo o gestor de sua existência eterna. O problema  teológico, porém, é grande, pois a salvação deixa de ser um dom para ser uma construção pessoal. E  esse é um dado central para a fé cristã. 

Em direta articulação com o que aqui se chama de ethos religioso brasileiro, isto é, a base  sociocultural sobre a qual o brasileiro e a brasileira convivem com a dimensão religiosa, algumas  situações emergem com força suficiente para despertar a atenção da ação evangelizadora católica.  São elas: a protestantização, a crise de esperança, a sobrecarga e as atitudes de perfil cismático. 

3. Protestantização do Brasil? 

A partir dos dados censitários pelo menos desde o início deste século tem-se falado da  protestantização do Brasil. O primeiro dos indícios diz respeito ao aumento no número dos que se  declaram evangélicos e à redução no número dos que se declaram católicos, com uma espécie, em  alguns casos, de passagem direta do catolicismo ao protestantismo. Atualmente, passadas  praticamente três décadas do século XXI, com o avanço do processo secularizador na sociedade  brasileira e com as transformações no próprio protestantismo, há de se considerar essa realidade a  partir de um enfoque mais detalhado.  

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A primeira consequência exige que não se faça uso do termo genérico protestantização, mas  sim do termo específico neopentecostalização. Nesse sentido, o Brasil não estaria passando por uma  protestantização enquanto substituição de adesão institucional. O Brasil estaria vivenciando um  processo de neopentecostalização do ato de crer, fato anterior a qualquer identidade religiosa, ou seja,  pessoas e propostas religiosas estariam, no atual momento da sociedade brasileira, se  neopentecostalizando. Isso estaria ocorrendo porque o neopentecostalismo, mais do que uma  configuração desta ou daquela religião específica, é um jeito de se lidar com a realidade religiosa em  geral, antes de se adentrar em uma ou outra religião específica.  

O neopentecostalismo é individualizante, imediatizante, flexível nos limites de adesão, não  dependente de uma hierarquia institucionalizada; é imanentizado, ou seja, voltado para as questões  mais próximas da vida, em geral as afetivas e as patrimoniais, coloca a solução nas mãos das pessoas,  por meio de correntes, novenas e outras formas de oração; é alegre, gerador de emoções e catarses; permite a fácil criação de pequenas igrejas em qualquer lugar, instalando-se em locais onde as igrejas  de maior institucionalização jamais se encaixariam; permite as mais variadas combinações, gerando  experiências à la carte, ou seja, construções individuais e grupais diferenciadas e identificadas ou com  nomes que para outros contextos podem beirar a comicidade ou que, no caso católico, mais parecem  grupos evangélicos com nomes recolhidos do hebraico, deixando de lado as antigas associações  identificadas como associações da Virgem Santa Senhora Mãe de Deus ou algo semelhante. Por  acentuar fortemente a subjetividade, possibilita vivências intimistas da religiosidade. Possui  igualmente, fronteiras indefinidas, facilitando a mobilidade de pessoas e doutrinas. Não apresenta  uma autoridade (individual ou grupal) definidora, permitindo mais facilmente o surgimento de líderes  diversificados, alguns com perfil bastante autoritário. Aliou à doutrina da prosperidade (relação com  os bens) o que se poderia chamar de doutrina da vitória e do sucesso (relação com o poder). Daí a  hipótese de que a certos setores religiosos marcados pelo neopentecostalismo não interessa tanto a  adesão por membresia, mas uma adesão mais próxima da freguesia, apta a contribuir financeiramente  e, no âmbito do poder, exercer o voto por cabresto, ainda que, para a legislação eleitoral brasileira,  tal fato incorra em ilegalidade.  

4. Compromisso sociotransformador e crise de esperança 

Diante de um quadro como esse, onde fica o compromisso sociotransformador, tão marcante  ao longo de toda a história do cristianismo e atuante no Brasil nas últimas décadas do século passado?  Teria tal compromisso sido apenas uma fase histórica a ser atualmente superada? Para responder, a  hipótese que aqui se levanta é a de que, para além das questões internas ao modo como o compromisso  

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social se desenvolveu, vem ocorrendo no mundo, pelo menos no ocidental, e também no Brasil, uma  espécie de crise da esperança, do sonho e da utopia, os quais, em contrapartida à imanentização das  crenças, vêm desaparecendo gradativamente das configurações de sentido para a vida.  

A geração madura da Primeira Modernidade, isto é, os nascidos até os anos 90, atravessou o  fim da guerra fria e vivenciou processos sugestivos de educação científica, redemocratização e  construção da cidadania. Foi a geração animada com as soluções que a ciência e a tecnologia  prometiam oferecer. Apesar das tensões sociais e a pobreza persistente no país, esta geração viu surgir  os movimentos sociais, o retorno da democracia e a nova Constituição Federal. A educação valorizou  as humanidades e a formação de professores, sem desprezar a formação tecnológica para a indústria  e o comércio. Era, enfim, forte a sensação de que valia a pena lutar.  

Tudo isso passou por progressiva mudança: crise das instituições, questionamentos sobre a  ciência, os danos da exploração industrial ao ambiente, mudanças climáticas catastróficas, descrédito  com a política partidária etc. Alguns fatores críticos se globalizaram, seja nas manifestações, seja nas  consequências, como os riscos da economia, a crise hídrica, as guerras de fronteira, as migrações, o  terrorismo, a persistência da pobreza e da fome, com novas formas de violência (digital, ambiental,  de gênero...). Surge, então, a Modernidade Crítica ou como preferem alguns, a crise da Modernidade  ou a Hipermodernidade, ou ainda a pós-modernidade. Questionam-se os pretendidos avanços de  outrora, com novos polos da economia global, suspeitas sobre a ciência e críticas à racionalidade  instrumental – donde as reações ao cientificismo, a crescente consciência ecológica, as novas  interrogações de gênero, com rápida midiatização da cultura e nova percepção subjetiva do espaço tempo e das conexões sociais. Veio, assim, a geração “da vara de condão”: as narrativas  soteriológicas, antes familiarizadas com as expectativas científicas e o otimismo antropológico, se  deslocam (receosas e perplexas) para as mitografias ancestrais; não ao modo de releitura linear e  científica, mas simbólica e ex-traditada ou seja, com peças tiradas de sua própria tradição, vertidas  em novos arranjos ao modo de filmes, séries e jogos, com ampla literatura e produção televisiva. Os  autores da esperança perdem seu ambiente e já não são ouvidos, por duas dificuldades: atual  fragilização da memória histórica, de um lado, e a carência de tradutores que facilitem releituras do  acervo histórico-cultural às novas gerações, com suas novas perguntas e linguagens, de outro.  

Entre muitos efeitos dessa mudança epocal, surgiu a crise de esperança – como advertem  alguns autores, entre eles Bento XVI (Spe Salvi 17). Vivenciamos, após os anos 90, uma mudança  drástica na percepção de espaço-tempo e uma crescente inadequação dos sujeitos quanto ao futuro,  no caso, o futuro próximo, abreviado por pressões psicológicas, persistência da exclusão, temores em  relação ao amanhã, decepção com as instituições, novos vírus e violência social. As gerações jovens  parecem ter sentido e ressentido tudo isso de modo pungente.  

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Podemos assim arguir a hipótese de que esta crise de esperança esteja condicionando muito  as escolhas, os modos de pensar e os processos de construção da subjetividade das gerações recentes;  das juventudes. Daí as diferentes formas de retrotopia vistas hoje: o encarar o futuro olhando os  retrovisores da história, na ilusão de encontrar, no passado, um espaço-tempo ideal e aparentemente  panaceico em relação aos males do tempo presente. Há retrotopias ancoradas na mitologia, nas  ideologias sociais passadas (neonazistas e neofascistas), nas antigas ordens de iniciação e de  cavalaria, nos formatos medievais de sociedade, na volta à Gnose etc. Isso tudo, sem resolver o dado  imediato do anacronismo e ausência de uma correta hermenêutica do passado, em face do tempo  presente 1 

5. As oportunistas ameaças de divórcio 

Além disso, em um ambiente fortemente plural e polarizado, é inevitável que surjam grupos  com tendência centralizadora, autoritária, excludente e combativa. Essa característica vale para a  sociedade como um todo e também para a religião e para a Igreja. Em todas as instâncias da vida, há  grupos que se apoiam exatamente na crítica para existirem, ocuparem lugar nas redes sociais e por  certo adquirirem contribuintes. Preocupa que tais grupos não só critiquem algumas ações da Igreja,  como é o caso da Campanha da Fraternidade, mas preguem abertamente a desvalorização e a  desobediência ao Santo Padre e ao magistério, deixando claro que não se trata mais de discordância  deste ou daquele ponto, mas da Igreja como um todo. É claro que divergências podem existir. Não  podem, contudo, ser fontes de ruptura ou divisão, com a pregação explícita de desobediência em razão  de pretensa perda de identidade católica. Na verdade, a perda da identidade está exatamente na lógica  da separação, lógica subjacente a tais posturas.  

Interessante observar a relação que existe entre uma religiosidade difusa e não institucional,  com acentos, portanto, de indiferença, com um quadro de fanatismo agressivo, combativo. À primeira  vista, tem-se a impressão de que são duas situações diametrais, quando, na verdade, são variações do  mesmo contexto. Essas radicalizações implicantes, belicosas, ocupam espaços vazios gerados pela  tão referida individualidade fechada. O ser humano é, sem dúvida, individualidade, porém não apenas  individualidade. As dimensões comunitária e institucional fazem parte constitutiva do ser humano.  Como o momento atual é de crise institucional, de fragilidade nos modelos comunitários e de  consequente crise de esperança, surge um vazio no qual são oportunisticamente inseridas posturas de  religiosidade sectária, que já marcaram a história em vários momentos.  

1cf. BAUMAN, Zygmunt. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar, 2017 

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6. A resposta católica. Mais um pouco de prospecção 

Como, pois, agir em um contexto tão desafiador, para o qual as respostas usuais não produzem  o efeito desejado. Por certo, não podemos cair no que se poderia chamar de um catolicismo de  espectro autista 2, caracterizado por comportamentos de repetição, pela fascinação por um único  ponto, no caso, o próprio e pela dificuldade em viver com o diferente, sempre visto como  desestabilizador.  

Para interagir com um contexto como o descrito até aqui, as possibilidades são várias:  manutenção insistente na pastoral de conservação, apego à repetição doutrinária como se a questão  maior fosse o desconhecimento ou a ignorância religiosa, insistência absoluta em uma ação pastoral  de vertente socializante, com a indicação de que a qualidade seja mais importante que a quantidade 

ou adesão a práticas de cunho neopentecostal com a indicação de que a quantidade também é  importante e que tais práticas arregimentam pessoas. O fato é que cada uma dessas argumentações  carrega em si uma carga de ambiguidade que dificulta o discernimento. A pastoral de conservação  tem valor histórico, pois funcionou durante séculos, na medida em que correspondia a um contexto  específico. A pastoral de cunho socializante tem o valor da solidariedade compromissal com os  excluídos e, mais recentemente, com a questão ambiental. E esse compromisso não tem prazo de  validade. A pastoral de rosto neopentecostal tem o valor de falar às pessoas, principalmente por meio  da piedade popular. Possui também o valor de agregar pessoas, chegar a um número bem maior que  as outras duas formas, além de gerar certo sentido de pertença.  

No lado oposto, como já lembrado, cada uma dessas formas de conceber a ação  evangelizadora possui limites que necessitam ser levados em conta. A pastoral de conservação  considera que a fé seja um elemento claro e tranquilo para as pessoas, esquecendo-se de que, não  estando mais sob o regime sociocultural da cristandade, a fé, enquanto encontro com Jesus e a  comunidade dos discípulos e discípulas, não é mais um dado tranquilo, não bastando, portanto,  trabalhar apenas com a manutenção ou conservação do que já não existe. A pastoral de cunho  socializante repousa, entre outros aspectos, na categoria de utopia, de sonho, além de acabar lendo a  realidade predominantemente em chave de oposição, quando os tempos atuais, tão marcados pela  polarização, pedem leituras e práticas mais em chave de amizade social. A pastoral de rosto  neopentecostal se identifica algumas vezes de tal modo com a realidade sociocultural atual que perde  a instância crítica diante do consumismo religioso e da individualização de toda a vida.  

2 A expressão é de Danilo Pinto dos Santos, em seu artigo Cultura Urbana, Algoritmos e Pastoral, apresentado sob a forma  de comunicação no Congresso Internacional de Pastoral Urbana, Porto Alegre, 4 a 6 de março de 2024. - 8 - 

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Em meio, portanto, dessa ambiguidade presente em cada um dos modelos acima referidos, é  de se indagar que caminhos podem ser seguidos. Não há dúvida de que, diante do enfraquecimento  da dimensão institucional, o peso sobre o indivíduo aumentou bastante. Isso faz com que o  testemunho seja uma condição irrenunciável para o anúncio e a transmissão da fé, ainda mais em um  contexto que difunde rapidamente os contratestemunhos nas suas variadas vertentes.  

Ao lado do testemunho, três palavras se constituem atualmente como fortes indicações para a  ação evangelizadora. São elas: missão, comunidade e iniciação. Por missão, é de se recordar que  não basta mais ser uma Igreja acolhedora, de portas abertas para receber quem a procura, uma igreja  que reforma e repica seus sinos a fim de que recordem aos fiéis o compromisso eucarístico dominical,  ou uma Igreja que tente recuperar práticas e formas válidas para outras épocas como se fossem  fórmulas de sempre, capazes, consequentemente, de recuperar um espaço sociocultural perdido.  

O perfil atual é eminentemente missionário. Configura-se no que o Papa Francisco cunhou  como Igreja em saída (EG 20-24) e que, nos caminhos do sínodo sobre a sinodalidade, nos impulsiona  a ir ao contato com pessoas e situações que permanecem distantes da ação pastoral em qualquer um  dos modelos acima descritos. É preciso ir além do que já existe, seja em formato geoespacial, em que  uma paróquia precisa continuamente estar atenta ao mapa de seu território, observando os vazios de  presença eclesial, seja em formato existencial, em que uma comunidade necessita estar atenta aos  grupos e situações que não se fazem presentes, sentindo-se, justificada ou injustificadamente,  excluídos.  

A experiência das visitações tem se mostrado um instrumento fecundo, desde que, é claro, não  seja apenas para buscar, recolher, caçar os afastados e os levar ao centro da vida eclesial, no caso, a  paróquia perigosamente reduzida à matriz paroquial. O serviço de visitação se tem mostrado fecundos  em suas variadas vertentes, cabendo partilhar experiência sobre o que tem ocorrido, talvez com estudo  de campo. A variedade é grande: visitadores dos enfermos, que não apenas rezam, mas cuidam dos  visitados, ajudam as famílias, defendem direitos junto a um sistema de saúde muitas vezes injusto;  catequistas que, em lugar do encontro em formato de escola, visitam as casas e conversam com as  famílias; agentes da pastoral do batismo que se reúnem nas casas e conversam livre e corajosamente  com pais, padrinhos, familiares e até mesmo vizinhos sobre os mais variados temas; agentes da  pastoral familiar que, em lugar de apenas reunir os casais mensalmente para uma palestra, encontram se nas residências para rezar e conviver; jovens que visitam outros jovens, em especial os que se  encontram em situações de vulnerabilidade existencial. Esses são apenas exemplos. A realidade é  muito mais rica. Importa viver a missão, sair em missão. 

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Todavia, a missão, repetindo, não é busca, não é recolhimento saudosista. É saída para gerar  pequenas comunidades onde quer que o Espírito Santo permita, indique e fortaleça. À diferença da  igreja em regime de cristandade, em que o conceito de comunidade é pressuposto e as grandes  celebrações são a chancela identificadora, no atual contexto, a maior de todas as mediações é o  relacionamento humano gerado através da vida de irmãos e irmãs, na pequena comunidade. No Brasil,  com a rica experiência das CEBs e com a profusão de novas comunidades, pode-se com mais  facilidade vivenciar o princípio do pluralismo de configurações, a partir do qual ninguém possui o  monopólio do Espírito, o qual se faz presente onde e quando quiser. Como sabemos, a expressão  comunidades eclesiais missionárias é uma expressão aglutinadora de todas as experiências de  pequenos grupos que, mediados pela fraternidade, alimentam-se da Palavra de Deus, da vida de  oração e dos sacramentos, são fontes de diversos serviços e ministérios, vivendo a sinodalidade de  forma natural, a partir da base; prestam solidariedade ao entorno, possuindo, portanto, compromisso  socioambiental; testemunham o Evangelho a ponto de suscitarem novas adesões, em atitude,  consequentemente, missionária e, é claro, se articulam, em rede, com a igreja paroquial e diocesana  (DGAE 33-38; 84; 131; 137). A paróquia, nos lembrou Aparecida, é atualmente chamada ser uma  rede de comunidades (DAp 172). Para contextos de indiferença institucional, com pinceladas de  totalitarismo ou algo semelhante, também a vida em pequenas comunidades pode ser um remédio  eficaz, pois o convívio é sempre mais forte do que o que se escuta ou se lê nas redes sociais. Sua força  purificadora tende a ser imbatível. Foi assim que as comunidades primitivas enfrentaram e superaram  desafios semelhantes, com pregações de cunho bastante desagregador.  

Por fim, de tudo que uma pequena comunidade é chamada a fazer, destaca-se a iniciação à  vida cristã, com tudo aquilo que, na riqueza da Igreja no Brasil, tem-se refletido. Embora  secularmente acostumada a uma pastoral das consequências (Porta Fidei 2), a Igreja no Brasil é  instada a se tornar predominantemente querigmática, encontrando caminhos para que toda a vida  eclesial e missionária seja centrada no anúncio de Jesus Cristo e da Boa Nova do Reino de Deus.  Variada na sua concretização, a iniciação à vida cristã precisa ser urgentemente transversal a toda  comunidade, no sentido de anunciar e reanunciar tantas vezes quantas necessárias, a Boa Nova, a fim  de ajudar pessoas e grupos a conhecer Jesus Cristo, pessoa e mensagem, e com Ele, n’Ele e por Ele,  interpretar a realidade eclesial a partir do Evangelho e vice-versa. Fé e vida se reencontram em uma  pastoral que coloque a iniciação cristã entre suas maiores prioridades.  

7. Provocando a continuidade  

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NUP CNBB: 00000.9.000514/2024

ANÁLISE DE CONJUNTURA ECLESIAL 3  

CONSELHO PERMANENTE – MARÇO 2024  

  

Como se vê, os desafios são grandes e por isso exigem foco e atuação. É impossível, em um  mundo plural, agir em todas as frentes. Preocupa, por exemplo, que bispos e padres gastem tanto  tempo para enfrentar e resolver problemas de natureza administrativa quando poderiam atuar de modo  mais focado na missão, na formação de comunidades e na iniciação à vida cristã. Por isso, se entende  a importância de se pensar a sinodalidade como partilha da gestão, de modo que muitos outros  serviços e ministérios possam colaborar na missão evangelizadora de uma igreja particular. 

Sendo esta uma reflexão a ser continuada, rumo à 61ª Assembleia Geral, importa que seja  analisada, ratificada e ajustada onde se fizer necessário. A hipótese principal levantada até aqui é a do  descompasso entre as propostas pastorais existentes e o emergente ethos religioso brasileiro. Diante  de propostas evangelizadoras insuficientes, atingidas pela neopentecostalização, muito mais um  fenômeno sociocultural do que apenas um tipo de experiência religiosa, vivenciadas por uma  hierarquia sobrecarregada e enfrentando posturas de odor cismático, emergem três possíveis  caminhos para a ação evangelizadora atual: missão, comunidade e iniciação à vida cristã. Ao que tudo  indica, uma vez integradas e postas em prática, a solidariedade emerge com mais vigor, o ecumenismo  e o diálogo interreligioso ocorrem de modo mais natural, os discursos de perfil cismáticos perdem  sua força diante da fraternidade, a sinodalidade acontece não apenas para reduzir a sobrecarga dos  ministros ordenados, mas para expressar o que a Igreja verdadeiramente é e a incidência  evangelizadora ocorre com mais vigor. É uma hipótese! 

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