TEXTOS APROPRIADOS 01

A ATENÇÃO NAZARENA

Marga (PSSC= Petit Soeur Sacré Coeur)

(Traduzida pelo Prof. Pedro Paulo Scandiuzzi)

Ir ao encontro do outro requer uma forma especial de atenção “uma atenção nazarena”

Chamados a nos descalçar para acolher Deus que se revela a nós sobre a terra do nosso cotidiano, convidados a embarcarmos ao ritmo de uma vida pacífica que nos permite de centralizar nosso coração no essencial...

Tudo isto exige nascer em nós, pouco a pouco, uma ‘atenção” especial.

Os evangelhos mostram Jesus como um homem extremamente atencioso, capaz de perceber detalhes que passam despercebidos a outros.

 

Esta atenção pede uma capacidade que leva uma longa aprendizagem e bons mestres. Maria e José ensinou a Jesus de não se prender nas aparências mas sim no interior das pessoas e percerber valores nos pequenos gestos de total generosidade que são as partilhas dos pobres (a viúva do templo).

Esta atenção fez de Jesus um homem contemplativo que descobre a ação de Deus no mundo, a presença do Reino no meio dos homens apesar de todas as aparências.

Graças a esta atenção contemplativa, Jesus percebe as dores mais profundas da humanidade ferida e encontra “a palavra e o gesto oportunos” para curar e consolar.

A espiritualidade de Nazaré é uma escola privilegiada de atenção, a atenção profunda do coração. Existe efetivamente uma forma de “atenção” necessária para viver em sociedade mas, afinal das contas, superficial e que se reduz às cortesias, às boas maneiras. Uma pessoa pode ter uma outra ‘certa atenção’ que respondem a códigos precisos de urbanidade, sem por isto estar verdadeiramente atenta ao que o outro vive ou sofre.

A atenção profunda que nos ensina Nazaré nasce da paz interior e não pode se desenvolver no meio de stress. Por isto, uma ‘higiene de vida’ psicológica, espiritual, de relações, é tão importante....Não devemos acumular de compromissos, de encontros, de leituras, de formação....

Buscar uma atenção que permite encontrar o outro, de acolher, de escutar em profundidade. Quantas vezes nós vemos sem olhar, e ouvimos sem escutar! Nossa cultura cheia de estímulos visuais e sonoros não nos ajudam muito. É porque a atenção que Nazaré propõe é um valor contra-cultural que nos anima a viver bem inseridos no cotidiano. Veja alguns exemplos cotidianos desta atenção que me permite ir ao encontro do outro no ‘meu Nazaré’ (cada um pode encontrar outros exemplos):

Eu não posso dar um pedaço de pão a todas as pessoas que pedem no metrô, mas eu posso fechar o meu romance ou deixar o meu celular e escutar o que a pessoa do meu lado diz, a fala de cada um, a fala monótona e pouco crível. Eu posso deixar penetrar por aquilo que a pessoa diz, eu posso acolher seu sofrimento ou seu desespero, eu posso apresentar esta pessoa a Jesus...

Eu não posso evitar as guerras nem a confrontar mas eu posso estar atento a ‘salvar a proposição de cada um’ concedendo o benefício da dúvida. Eu posso calar a boca e não jogar palha sobre o fogo em uma discussão que não leva a nada.

Eu posso ajudar um irmão ou uma irmã sem que eles me peçam. Eu posso responder com humor e não com violência a uma pessoa que vive no meu pé o dia todo. 

Essas são algumas formas de atenção cotidiana, com pé no chão, mas que verificam concretamente e com realismo os grandes valores que nós estamos engajados a viver.

Certamente, a atenção mútua da Santa Família de Nazaré conheceu também situações que, na sua banalidade e sua pouca importância, forjaram pouco a pouco o aprofundar contemplativo de Jesus.

Obs.

PSSC (Petit Soeur Sacré Coeur – irmãzinhas do Sagrado Coração – primeiro grupo de religiosas que seguiu as pegadas do ir. Carlos)

Descalçar : no mundo muçulmano para rezar é necessário tirar os sapatos e deixar na porta do templo.

Texto retirado da pag. 27-28 do boletim das Irmãzinhas do Sagrado Coração – janeiro de 2018

Ele tomou fez critérios de como vive a nossa sociedade atual... a pobreza como a possível vinda amorosa daqueles que nada em, pois somos libertos de nossos apegos, pobres para ser livres, livres por amor, como Jesus... o celibato evangélico como audácia para aproximar daqueles que não tem nenhum lugar, ninguém, nenhuma esperança, e a obediência como sim de dizer a diferença de Deus, o Todo Outro, esse a quem Jesus mesmo consentiu sob a cruz ....Pois nos convidou a refletir: como utilizar a palavra do pobre para que ela seja entendida?

 

A DEPRESSÃO DOS PADRES

Autor: Pe Joacir Soares / Diocese de Formosa

Possivelmente, muitas pessoas viram a reportagem em que o Padre Fábio de Melo declarou estar passando pela síndrome do pânico. Algo me chamou a atenção (tirando a força midiática e o poder manipulador e ideológico que possa estar por trás da matéria)! No fundo, ele se fez porta-voz de inúmeros sacerdotes que também enfrentam a depressão e outras angústias. É algo a ser pensado, pois carregamos muitas aflições e cansaços, muitos pesos e perseguições, muitas humilhações e desesperos, muitos desprezos por falar a verdade! 

Quantas vezes não podemos dizer o que sentimos e o que passamos, pois somos vistos como "máquinas de solução de problemas". Quantas noites choramos escondidos, porque devemos estar sempre alegres! Quantos momentos gostaríamos de ficar descansado e precisamos estar na luta do dia! Quantas vezes o telefone nos incomoda e engolimos o soluço para atender as preocupações e inquietações dos que nos chamam! Quantas ocasiões, como muitas pessoas, não sabemos como pagar contas paroquiais! 

Quantas vezes, a refeição (Ou a marmita) esfria para atender uma pessoa. Infelizmente, o contexto social mostra que a vida de um padre não pode ser frágil e nem triste, não se dá o direito de assumir a dor, a tristeza ou as angústias... Quando muitos descansam, passamos noites em claro pensando nas soluções, nos remédios que temos a oferecer, nas atividades a concluir. 

Um padre também sofre, também se decepciona, também se sente abandonado, também se sente esquecido, também chora e ri!

Querem que sejamos homens de profunda fé, irreparáveis administradores, eloquentes oradores, arquitetos de catedrais, incansáveis animadores (de diferentes eventos), agentes solucionadores de angústias. 

No fundo, com nossos poucos dons, queremos ajudar a proclamar a beleza do evangelho ensinado por Jesus Cristo!

Rezemos pelos padres, pequenos grandes gigantes da fé!!!

Autor: Pe Joacir Soares / Diocese de Formosa

 

A missionaridade do presbítero diocesano. 

Mauricio da SILVA JARDIM

Postado em: 05/02/2019 por: Fraternidad Iesus Caritas — 

XI Assembleia Geral, Cebul, Filipinas – 15 a 30 de janeiro 2019.

A missionariedade do presbítero diocesano – Fundamentação

OBSERVAÇÕES INICIAIS:

É determinante ter claro os fundamentos da missão. Uma palavra hoje muito usada. Chega-se dizer que tudo é missão.

Toda obra, antes de ser construída, necessita de planejamento. A construção começa pelos alicerces e fundamentos que garantem a sustentação do prédio. Na missão, não é diferente. Precisamos deixar claro os fundamentos da única missão que é de Deus.

A concepção de missão está muitas vezes reduzida a fazer coisas, elaborar esquemas, projetos, cursos, visitas, experiências, simpósios e congressos. Isto define-se como missão programática.

A missão ao longo da história foi delegada a congregações e grupos com carisma missionário. Foi perdendo-se a noção de missão como identidade, essência, natureza de todo povo de Deus. Alguns ainda tem a concepção, de que missionários (as) são somente aqueles que partem para outra nação.

CONCEITO DE MISSÃO:

Na sua origem, a palavra “missão” significa “envio”, “partir”, “sair”.

O termo latino, missio quer dizer também “libertar”, “deixar andar”, “soltar”: o envio “tem tudo a ver” com liberdade e libertação.

O Concílio Vaticano II recuperou a concepção teológica sobre a natureza da missão.

MISSIO DEI:

Essa visão se fundamenta, no conceito de missão que tem sua origem no “amor fontal” do Pai, um amor que sai de si por sua própria natureza para chegar a todos (AG,2).

A Missão, portanto, é uma só. Ela é de Deus, nasce no coração da Trindade. Deus é missão. O amor de Deus é um amor que não se contém, que transborda, que se comunica, expande, dilata, irradia, difunde e sai de si.

O próprio Deus se auto envia pela missão do Filho e do Espírito. O Filho é enviado pelo Pai na força do Espírito Santo.

Impulso de dentro para fora:

A origem de todo movimento missionário está no coração da Trindade. O amor de Deus Pai não se contém e se comunica. Deus é missão e a missão vem de Deus porque Deus é amor. Missão diz respeito ao que Deus é e não, primeiramente, ao que Deus faz. A missão revela a essência de Deus de se comunicar e de criar relação. Por isso, a missão não teria, a princípio, um seu porquê, não surgiria primeiramente de uma necessidade histórica, mas é um impulso gratuito, de dentro para fora, e de um jeito de ser que têm como origem e fim a vida divina (cf. DAp 348).

A SAÍDA DE DEUS:

Deus é o primeiro a sair de si mesmo para libertar, salvar, curar…

“Ele viu a opressão do povo no Egito, escutou seus clamores e sofrimentos e desceu para libertá-los das mãos dos Egípcios e levá-los para uma terra boa e vasta, onde emanam leite e mel (Ex 3, 7-8).

CONCEPÇÃO ECLESIOLÓGICA E MISSILÓGICA

“A Igreja não possui uma missão, mas a missão possui a Igreja” (Diálogos proféticos, Stephen Bevans e Roger Schroeder, p.34).

Missão é a própria essência de Deus que tem uma Igreja vocacionada a ser testemunha de Cristo no mundo e na história, até os confins da terra e o final dos tempos. “A ação missionária é o paradigma de toda obra da Igreja” (EG 15).

Como a missão nasce em nós?

ENCONTRO

A missão começa com a escuta da voz de Deus. “Ouvir o que diz o Espírito as Igrejas”.

Encontro com Jesus Cristo. É um encontro que dá novo horizonte à vida.

É um encontro apaixonante que se expande. O documento de Aparecida fala de dez lugares de encontro (246-258).

“Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DAp, 29).

Missão a partir de Jesus Cristo

Cristo, luz para os povos (LG,1).

O momento atual é oportuno de propor uma direção, referência, um sentido para vida das pessoas que é Jesus Cristo. Há uma crise de sentido. A fé Nele tem implicações práticas, ou seja, irradiar fé, bondade, misericórdia, compreensão.

A evangelização não é feita somente por palavras, sobretudo pelo testemunho de vida. Ir. Carlos é um modelo de missão testemunhal. Missão pela simples presença, gratuidade e bondade.

PAIXÃO

“Missão é paixão por Jesus Cristo e simultaneamente paixão pelo seu povo” (Evangelii Gaudium, 268).

Sem esta paixão a missão fica reduzida a fazer muitas coisas, andando de um lado para o outro, sem mística e sem ardor. Missão é pois, questão de paixão e identidade cristã.

Qual objetivo da ação missionária?

Transmitir a fé está no coração da missão da Igreja. “A Igreja existe para evangelizar”.

A Igreja é continuadora da missão de Jesus.

Proclamar e anunciar a boa notícia de Deus.

A Igreja deve estar a serviço da implantação do Reino de Deus. Ela não é fim, é meio, instrumento, sinal de salvação.

Salvar, curar, libertar…

Na missão, a salvação está em primeiro lugar, o jurídico, institucional e doutrinal devem estar a serviço da salvação.

Assumir o jeito de viver de Jesus Cristo. “Jesus Cristo, passou por este mundo fazendo o bem (At10,38). A vida e o testemunho são mais importantes do que a teoria.

Para missionar é fundamental experimentar a ação de Deus em nós.

A missão se propaga por contágio pessoal. “A fé cresce por atração” (Bento XVI).

MENOS E MAIS.

“ Zero burocracia e menos administração. Mais paixão, mais amor e mais anúncio do Evangelho” (Papa Francisco, reunião dos diretores das POM em Roma, junho de 2017).

Jesus convocou o grupo dos doze para que primeiro permanecesse com Ele e depois os enviou a pregar (Cfe. Mc 3,14). A primeira tarefa do missionário (a) é permanecer com Ele para deixar-se conformar pela Sua identidade. Deste encontro, nasce a missão que não tem fronteiras.

ESPÍRITO SANTO É O PROTAGONISTA

Missão é pois, uma questão de fé, de abandono a Deus. Por isso, a primeira obra é rezar pelas missões. O protagonista é o Espírito Santo. Somos Cooperadores (as) da missão de Deus.

COOPERAÇÃO MISSIONÁRIA

Se na missão toda iniciativa é Deus. Qual a nossa parte?

Deus quis precisar de nós para a missão que é Dele. Necessita de nossa colaboração, de nosso sim, de nossos pés, mãos, olhos, ouvidos, de nossa proximidade com Seus filhos (as).

Está continuamente chamando colaboradores (as).

Eu sou uma missão…

O papa Francisco tem falado da dimensão existencial da missão: “Eu sou uma missão de Deus nesta terra, e para isso estou neste mundo” (Evangelli Gaudium, 273). A vida se torna uma missão. Ser missionário (a) está além de cumprir tarefas ou fazer muitas coisas. Está na ordem do ser. É existencial, identidade, essência e não se reduz a algumas horas do dia. Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate o papa chega afirmar: “Não é que a vida tenha uma missão, mas a vida é uma missão” (27). A missão nos tem.

O movimento da saída: a proximidade

Qual motivo teríamos para sairmos de nós mesmos, de nossa comunidade, de nossa terra, se não tivéssemos algo que nos impele a fazer isso?

1. Poderíamos sair atraídos pelo encanto com o desconhecido ou pela curiosidade de visitar outros lugares, encontrar outras pessoas e culturas diferentes: então, faríamos turismo, ou algo parecido, como intercâmbio, negócios, pesquisas, etc.

2. Poderíamos sair com o desejo de conquista, querendo expandir nossa organização, nosso mundo, explorando o mundo dos outros segundo a nossa visão e as nossas necessidades: então, isso seria colonização.

3. Poderíamos sair para fugir de nossa realidade e de nós mesmos, buscando inspiração ou uma realização pessoal em outros lugares: se tirarmos o caso dos migrantes e dos refugiados que fogem para sobreviver, poderíamos dizer que essa saída teria ainda como razão de fundo um desejo pessoal.

IGREJA EM SAÍDA

No caso da Igreja, a motivação de seu sair não está em si mesma. Ao contrário, trata-se de um “movimento de saída de si mesma” (EG, 97). “O discípulo-missionário é um descentrado – diz Papa Francisco – o seu centro é Jesus Cristo, que convoca e envia”. Aqui está o permanente discernimento e a atitude penitencial da “Igreja em saída”, pois ela, ao sair, poderia estar colocando ao centro a si mesma. “Quando a Igreja se erige em ‘centro’, se funcionaliza, torna-se cada vez mais auto referencial e enfraquece a sua necessidade de ser missionária”. ( Discurso do papa Francisco JMJ, 28 de julho de 2013).

Portanto, o motivo do sair da Igreja é exclusivamente Jesus que envia e Jesus que é a razão do enviar. Com efeito, a missão é um mandato: somos enviados não porque queremos, mas porque somos desafiados por Alguém a tomar iniciativa (cf. EG 24). Em segundo lugar, somos enviados porque o Evangelho, por ser uma “Boa Notícia”, tem em si um conteúdo avassalador em seu dinamismo de “saída” (cf. EG 20).

Portanto, a Igreja é chamada a estar “em saída” como o seu Senhor que “sabe ir à frente, sabe tomar iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (EG, 24).

Este é o tempo para a Igreja reencontrar o sentido de sua missão, libertar-se das amarras que a impedem de “sair”, de ser uma Igreja em saída.

É com este objetivo que o Papa Francisco convoca a Igreja a “sair”, assumir a dinâmica do “êxodo”.

EM MOVIMENTO DE SAÍDA

A Igreja não é feita para ficar apenas constituída em suas instituições, em seus assentos e em suas estruturas: ela existe para estar em movimento e se lançar ao mundo.

Essa é sua natureza:

sua razão de ser está em “sair”.

O QUE NOS IMPEDE DE SAIR?

Duas realidades paralisam a Igreja na sua missionariedade:

→a tentação de ficar no “centro”.

→ a preocupação com “querer ser o centro”. Tentação da auto-referencialidade.

“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede…(Evangelii Gaudium, 20).

Discernimento para sair

O horizonte existencial da Igreja em saída são as periferias. O horizonte escatológico é o Reino de Deus. Iluminados pela alegria do Evangelho, cada comunidade deverá discernir quais periferias geográficas e existenciais precisam de uma atenção especial e da luz do Evangelho.

Essa saída, porém, não pode esquecer

da missão ad gentes, além-fronteiras.

Sair de que maneira?

A saída da qual fala o documento Evangelii Gaudium, é uma saída profunda, que toca as dimensões mais íntimas da vida dos discípulos missionários e da Igreja. Não é sair simplesmente para impor a nossa vontade e a nossa visão de mundo, querendo “organizar” o mundo dos outros.

Isso não é missão, é colonização.

A saída exige permanecer…

Para sair é preciso permanecer ligado Àquele que nos envia. Ao essencial, a Jesus e seu Evangelho. A saída é uma viagem para fora e para dentro de nós mesmos. Ao sair também encontramos Deus na carne sofredora de Cristo.

Somos uma Igreja em saída e somos uma Igreja que volta da missão para testemunhar a alegria do Evangelho.

O movimento de entrada: o encontro

O processo de saída implica um processo de entrada:

Entramos na casa do outro como hóspedes para encontrar. Este movimento demanda Kenósis, despojamento.

Entrar como hóspede é assumir a condição de peregrino e de estrangeiro que nos proporciona o dom inestimável do outro, sua experiência.

Exige espírito de adaptação, capacidade de comunicação, disciplina na inserção, paciência na travessia, generosidade na entrega, grande sensibilidade e paixão pelo povo que nos acolhe.

ÂMBITOS DA MISSÃO

A Igreja existe para cooperar com a missão de Deus (cf. 1Cor 3,9; EG 12).

a. Pastoral – comunidades (em casa).

b. Nova Evangelização – sociedade (fora de casa).

c. Missão ad gentes – sem fronteiras (na casa do outro). Horizonte maior para entender os outros âmbitos que são interconexos e interligados.

Missão Ad Gentes

“A transmissão da fé, coração da missão da Igreja, realiza-se pelo “contágio” do amor, em que a alegria e o entusiasmo expressam o descobrimento do sentido e da plenitude da vida. A propagação da fé por atração requer corações abertos, expandidos pelo amor. Não se pode colocar limites ao amor: forte como a morte é o amor (cf. Ct 8, 6). E tal expansão gera o encontro, o testemunho, o anúncio; gera a partilha na caridade com todos aqueles que estão longe da fé e se mostram indiferentes, às vezes contrários a ela”… Ambientes humanos, culturais e religiosos ainda alheios ao Evangelho de Jesus e a presença sacramental da Igreja constituem as periferias extremas, os “últimos confins da terra”, para onde, desde a Páscoa de Jesus, são enviados os seus discípulos missionários, na certeza de terem sempre o seu Senhor com eles (cf. Mt 28, 20; At 1, 8). Isso é o que chamamos de missio ad gentes” (Discurso do Papa Francisco no Dia Mundial da Missões, 2018).

O que é Missão Ad Gentes?

Entre aqueles que não conhecem Jesus Cristo no meio de outros povos e sociedades. Missão na casa do outro. A cooperação missionária diz respeito à missão ad gentes, a todos os povos.

A participação de cada Igreja local na missão universal, com os outros povos e com as outras igrejas.

Além do aspecto territorial e geográfico, se reflete hoje, o novo ambiente cultural indiferente ao Evangelho.

Missão Ad Gentes – desvios.

A missio ad gentes foi e é marcada pela mentalidade colonial, ou seja, há um certo complexo de superioridade em relação a outros povos, culturas, tradições, estilos de vida. O outro compreendido como destinatário e não como sujeito. É uma mentalidade marcada de fazer missão para e não com os outros. Alguns verbos que traduzem este movimento colonizador é ensinar, conquistar, levar, implantar, construir. Nesta mentalidade se desconsidera o trabalho realizado por outras pessoas que chegaram antes de nós. A missão evangelizadora não tem início com minha chegada.

Este modo de pensar a missão, não difere dos projetos coloniais que desprezaram as culturas locais para implantar uma nova mentalidade. A resistência a missio ad gentes que muitos agentes pastorais têm, passa pela compreensão da missão na perspectiva colonizadora. Ainda hoje, os missionários (as) chegam com o Kit pronto, vinculando a missão ao conceito de desenvolvimento, progresso e transplante da Igreja em outra cultura. Se fala mais do que se escuta não valorizando o outro como interlocutor. Cremos ou não no protagonismo do Espírito Santo que nos antecipa na missão?

Charles de Foucauld

É fundamental não abandonarmos o critério missionário da encarnação num mundo cada vez mais plural. Na mentalidade colonizadora se despreza as línguas locais, as tradições e os planos pastorais das Igrejas locais.

Na fraternidade temos o exemplo do beato Charles de Foucauld que soube respeitar e aprender a língua e tradições locais, exercendo o ministério da bondade e da simples presença gratuita.

Pe. Maurício da Silva Jardim

Brasil

PDF: A missionaridade do presbítero diocesano. Mauricio da SILVA JARDIM

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A SEGUNDA CHAMADA- PE. RENÉ VOILLAUME

 

A segunda chamada. René VOILLAUME 

 

Publicado em 20/04/2018 no site Fraternidad Iesus Caritas – Resposta 

 

Enviei-lhe minha carta de Saint Gildas (comunidade francesa da Bretanha) de 17 de março passado, sobre o que eu poderia chamar de "o segundo chamado de Jesus", o chamado que nos faz recomeçar em direção a ele na plena maturidade de nossa vida humana e espiritual. É somente a partir deste momento que nós pertencemos verdadeiramente a Deus, mas não creio que tenha contado tudo a você. 

 

Frequentemente me preocupo com a dupla necessidade contínua de nossa vida: nos separar de tudo e, ainda assim, nos entregar às pessoas. Sendo assim, não há como evitar esses aspectos contraditórios de nossa consagração religiosa. Sim, devemos nos desligar de tudo, não guardar nada, absolutamente nada, como se estivéssemos prestes a entrar no noviciado de uma Cartuxa! É o "nada" de São João da Cruz que o Padre de Foucauld comentou com tanta convicção para si mesmo, no capítulo de sua regra intitulado: o desapego de tudo o que não é Deus: sim, tudo o que não é Deus ... Portanto, tudo o que se refere aos assuntos humanos e aos próprios homens. Separar-nos dos nossos irmãos? Como é possível! 

 

Eu conheço muitos cristãos que estão indignados em me ouvir falar assim. Mas, contudo, é verdade. Estar separado de tudo o que pode haver de satisfação egoísta nas relações humanas, no amor humano, mesmo na amizade, não significa não amar os homens com o coração de Deus, mas indica que amá-los dessa maneira não é tão fácil quanto parece e que, talvez, devemos primeiro passar por uma purificação que, de certa forma, nos separa deles. Não se deveria talvez viver anos no deserto para tornar-se um verdadeiro Irmão Menor? Sim, talvez. Dir-se-á que o padre de Foucauld fez isso e isso é profundamente verdadeiro. Em qualquer caso, devemos seguir esse caminho de desapego de tudo que não é Deus, porque se minimizarmos essa necessidade, não podemos nos tornar verdadeiros Irmãozinhos de Jesus. 

 

Penso, no entanto, nesta necessidade de presença entre os homens, por esta aceitação de ser responsável pelos homens diante de Cristo, por esta partilha das condições de vida que nos empurram “até o pescoço” nos cuidados e nas preocupações mais materializantes da vida cotidiana dos leigos. Este também é o nosso caminho e acredito precisamente que nós, pobres Irmãozinhos, na nossa fraqueza aprenderemos a nos manter fiéis através desta dependência de um dom afetivo aos seres humanos. É nesta presença e através de suas necessidades que este despojamento deve ser realizado. Nós certamente precisamos do deserto, mas não para sempre. Nós não somos nem monges nem eremitas, embora devamos possuir a mesma disposição essencial de desapego radical de toda a criação. Nós não somos eremitas e penso, de fato, que não podemos alcançar a total generosidade e preservá-la, sobretudo no período do segundo chamado de Jesus, se não tivermos dado nossas vidas aos homens para salvá-los. Sim, somos eleitos para assumir o peso dos outros homens, com tudo o que isso representa em certas horas de peso e fadiga [...] 

 

O primeiro chamado de Jesus nos separou das coisas possuídas, de um comércio, de um futuro humano, da família, da casa, em uma palavra do mundo, como quando Jesus de repente separou Pedro, Tiago e João do seu barco, dos instrumentos de pesca, de seus companheiros e de sua família, como havia separado Mateus de sua mesa e de seus amigos em seu último banquete. Em seguida, houve a excitante novidade da primeira descoberta de Jesus, um sincero desejo de amor, nascido de uma simpatia espontânea para ele, uma educação progressiva através de seu ensino, a experiência de um reino de Deus diferente do que haviam imaginado, e finalmente a prova da Paixão com suas consequências: o desencorajamento, o medo, a fuga ante a cruz nua e sangrenta e talvez, também, como para Pedro, a tripla negação ... 

 

Então o segundo chamado de Jesus ressoou nas margens do lago, enquanto os discípulos foram quase levados de volta pelo gosto das atividades anteriores. Este chamado vem de um Cristo que não pertence mais completamente à Terra e que, desta vez, não apenas separará os apóstolos de suas coisas e atividades, mas de si mesmos, dando-os aos homens em nome do amor e para que eles possam fornecer provas: como os peixes forçam o pescador à escravidão do trabalho dia e noite: «Simão, filho de João, você me ama? Apascente as minhas ovelhas "(Jo 21,1-19). O mesmo é verdade para cada um de nós. 

 

René VOILLAUME

 

A segunda chamada, 24 de março de 1957, em: Nas estradas do mundo.

 

AMÓS E AS DIFERENÇAS SOCIAIS

 

04 de julho de 2012

(1ª Leitura da 4ª feira da 13ª semana do tempo comum - do site do Pe. Fernando Cardoso - 30 brasileiros ganham mais do que 6 milhões de outros brasileiros! Pode isso?)

O texto de Amós cuja leitura se iniciou a dois dias atrás, hoje, insiste no seguinte: Deus não tolera um divórcio entre culto e vida moral. Não há possibilidade de unir a liturgia com uma vida imoral; com outras palavras, Deus não é um ídolo qualquer, Deus não é um Baal, Deus não suporta um culto que seja superficial, um culto que não seja a expressão de um coração totalmente a Ele dedicado. 

Cultuar a Deus e viver no pecado, cultuar a Deus, no caso específico de Amós, e continuar a praticar injustiças sociais é uma tentativa de suborno, é uma tentativa de se subornar Deus.

 Com outras palavras, é tentar comprar Deus, é tentar pagar Deus com moeda falsa, é oferecer a Deus uma grande embalagem com nada dentro. Isto se verificou não apenas na época de Amós, não apenas em seus dias, mas em todos os tempos. São todos aqueles que se esmeram no culto, se esmeram na liturgia, se esmeram no canto, se esmeram nos instrumentos musicais mas o coração está longe de Deus, não praticam o direito e a justiça, não são capazes de olhar para a situação social presente.

O nosso país é um país gritante. Muitos dizem que já vivemos épocas piores e que estamos num caminho mais ou menos correto, do ponto de vista econômico. Mas o nosso país é conhecido, lá fora, como um país de desigualdades gritantes, onde existem poucos que estão, literalmente, sufocados no dinheiro e uma infinidade, milhões, que não têm praticamente nada. 

Outro dia, lia eu uma reportagem que me fez pensar: existem aqui no Brasil trinta brasileiros que ganham mais do que seis milhões! É possível uma coisa destas? Deus quer uma desigualdade gritante assim? Trinta brasileiros receberem muito mais do que outros seis milhões?

Estas coisas clamam vingança a Deus; este pecado, que é um pecado social e do qual participamos de acordo com a nossa conivência, é um pecado que devemos carregar e apresentar diante do tribunal, quando as contas nos forem pedidas.

 

Análise de conjuntura cultural, social, econômica, política e eclesial 

Por Pe. Nelito Dornelas 

 

Vivemos em tempo de guerra conhecida como guerra de quarta geração ou guerra híbrida e ainda não sabemos como lidar com ela. 

 

Estamos em situação semelhante à dos povos originários que não sabiam como defender-se dos europeus que aqui chegaram protegidos por vestes metálicas e armas de fogo. 

 

Nesta análise vamos desvendar as atuais estratégias de dominação econômica, política e cultural a serviço das grandes empresas transnacionais e seus efeitos na realidade da América Latina e Caribe. 

 

Vamos analisar os fatos visíveis e invisíveis. 

 

Decifrar o sentido profundo do que está acontecendo em Nossa América Latina, particularmente no Brasil. 

 

Vamos distinguir três planos estruturais: 

 

o sistema de vida da Terra, 

 

o sistema-mundo com seu modo de produção e consumo capitalista 

 

e o sistema social, político, cultural e econômico dos países da América Latina e Caribe 

 

Só podemos entender sua realidade considerando a história da Terra e o sistema-mundo em crise. 

 

Não existe neutralidade na análise de fatos históricos. 

 

Esta análise é feita na perspectiva de quem se identifica com as classes trabalhadoras, os povos originários e os grupos socialmente discriminados em suas lutas por um mundo de Paz, Justiça e Vida da Terra. 

 

1. O sistema de vida Terra 

 

Ao abrir a reunião da COP-24, no final de 2018 na Polônia, disse o secretário-geral da ONU: “Estamos em apuros. Estamos em grandes apuros com as mudanças climáticas”. 

 

Estamos diante de uma catástrofe climático-ambiental. 

 

Ela poderá acontecer ainda antes de 2050, caso não sejam tomadas as medidas recomendadas pela comunidade científica internacional. 

 

Essas medidas as empresas as rejeitam porque prejudicariam seus lucros. 

 

A situação se agrava porque os Estados nacionais dão mais prioridade aos lucros das empresas do que ao equilíbrio climático e ecológico. 

 

Muitos negam o fator humano nas mudanças climáticas. 

 

A questão ambiental é uma questão política. 

 

É preciso incluir a Terra e a comunidade de vida como sujeito da história e não mais como coisa. 

 

Tudo se passa como se a espécie homo sapiens esteja a pressentir sua extinção e isso provoca comportamentos opostos. 

 

Num polo estão práticas que destroem a sociabilidade própria de nossa espécie, como o ódio ao diferente, a voracidade do consumo, o refúgio no mundo virtual e tantas outras. 

 

No polo oposto, esse mesmo pressentimento favorece a emergência da consciência da Terra como sujeito de direitos e ser vivo do qual a espécie humana faz parte, como bem expressou a Carta da Terra, publicada em 2000. 

 

Essa nova consciência recupera concepções ancestrais como o Sumak Kawsay, Bem-Viver que só entendem os seres humanos em comunhão com a Mãe-Terra, seus filhos e filhas de outras espécies e com o espiritual. 

 

Essa realidade de âmbito planetário precisa ser seriamente considerada, porque ainda é possível ao menos amenizar a catástrofe ambiental que se anuncia. 

 

No mínimo, ela precisa ser considerada como um obstáculo intransponível ao crescimento econômico de médio e longo prazo. 

 

O próprio megaprojeto chinês da nova rota da seda, que prevê investimento de US$5 trilhões até 2049, fracassará se desconsiderar as mudanças ambientais. 

 

2. O sistema-mundo do capitalismo em crise/guerra. 

 

A crise de 2008 fecha o ciclo de acumulação do capital puxado pelos EUA no século 20. 

 

Acaba o desenvolvimentismo no terceiro mundo e as economias avançadas se protegem fechando-se. 

 

Enquanto o capitalismo mundial manteve aquele ciclo de crescimento, gerou ao mesmo tempo megaempresas transnacionais e diminuição da pobreza e da miséria no mundo. 

 

Depois da crise de 2008 a pobreza e a miséria retornam ao patamar anterior, enquanto o poderio das megaempresas se manteve, provocando superconcentração da riqueza mundial. 

 

O resultado é a financeirização típica dos processos de transição no interior do capitalismo: o capital se torna mais lucrativo no mercado financeiro do que na produção de bens e serviços. 

 

Nesse contexto, as previsões apontam a transferência do polo econômico mundial do Ocidente (EUA/Europa), para a Ásia (China/Índia/Rússia). O projeto da nova rota da seda visa construir a infraestrutura para essa transferência. 

 

Enquanto esse projeto não se torna realidade, o capitalismo permanece em crise, deixando conturbada a situação econômica mundial. 

 

Fator relevante dessa crise é o US$ ainda ser a moeda de referência das transações internacionais, apesar da enorme dívida externa dos EUA. 

 

A disputa geopolítica entre as grandes potências envolve o controle sobre suas áreas de influência e a conquista de novas áreas. 

 

Cada Estado busca estender seu poder além do próprio território nacional para assegurar o acesso ao petróleo, a matérias-primas ou realizar alianças estratégicas com outros Estados. 

 

Além dos meios políticos e diplomáticos, a geopolítica usa também a força militar. Ao fazê-lo, surgem as guerras. 

 

Há hoje muitas guerras no mundo: são guerras civis, étnicas, religiosas, contra drogas ou terrorismo. 

 

Todas respaldadas pelas grandes potências. 

 

Não se pode descartar o risco de tais guerras evoluírem para uma guerra nuclear que liquidaria a espécie humana. 

 

Acrescenta-se atualmente a guerra de quarta geração ou guerra híbrida. 

 

Toda guerra é uma combinação de ações que visam destituir um poder definido como hostil e substituí-lo por um poder amigável. 

 

A guerra visa eliminar um governante ou regime que se recusa a submeter-se aos ditames de outro governo. 

 

A novidade da guerra de quarta geração reside no tratamento da informação como arma de combate. 

 

O uso metódico, racional e sistemático da informação, associado a experiências empíricas, como meio de enfraquecimento do “poder hostil”. 

 

Trata-se de produzir informações parcialmente verdadeiras, pós-verdade ou falsas, fake-news, mas plausíveis para quem as recebe, e difundi-las pela combinação da mídia corporativa (TVs, rádios e jornais), mídias digitais (whatsapp, facebook e twitter) e instituições com credibilidade, como Igrejas cristãs, ONGs ou institutos de pesquisa. 

 

Ao receber uma informação que corresponde a seu desejo, a pessoa é levada a replica-la em sua rede de contatos. 

 

Esse processo funciona como o vírus que infecta o sistema. 

 

Quando se trata de derrubar um governo “hostil”, as informações devem abalar sua legitimidade (geralmente acusando-o de corrupto) a tal ponto que bastará uma ofensiva local liderada por algum setor militar, político ou do judiciário para liquidá-lo. 

 

Esse processo de ataque é blindado pela tática de desqualificação das fontes de informação não-alinhadas contra o “poder hostil” como não-fidedignas por serem a favor da corrupção. 

 

Diante dessa forma de guerra, não basta indignação ética: 

 

se não aprendemos a combatê-las, seremos facilmente derrotados pelas armas ideológicas produzidas por Steve Bannon e outros manipuladores de opinião a serviço do liberalismo de mercado. 

 

A guerra de quarta geração não é o resultado de decisão tomada em alguma assembleia secreta por dirigentes de fundações, empresas petrolíferas, bancos, ONGs, agentes da NASA, FBI, embaixadores, procuradores e Secretários de Estado. 

 

Tampouco teria um comando centralizado na CIA ou nalguma agência governamental dos EUA. 

 

Ela é o resultado objetivo de diferentes fluxos de dinheiro, de poder ou de conhecimento, que se conectam direta ou indiretamente em laços de retroação, conformando uma grande rede. 

 

Nessa rede cada ator no campo econômico, político, cultural e militar age tendo em vista apenas seus interesses particulares ou da instituição que representa. 

 

Agências governamentais e fundações privadas financiam o treinamento de atores locais para aprenderem a atuar em parceria com atores dos EUA na aplicação de suas normas e leis, no emprego de suas técnicas ou na difusão de seus valores e ideologia. 

 

É a conexão desses fluxos materiais, de poder e conhecimento em laços de retroalimentação, que faz surgirem atores, singulares ou coletivos, como nodos dessa rede. 

 

Assim como surgem, os nodos podem ser desligados após gerarem os resultados esperados, simplesmente pelo corte do fluxo de recursos, de poder ou de informação que os alimentava. 

 

3. Guerra de quarta geração em Nossa América 

 

A análise da situação geopolítica atual aponta para a ocorrência de uma guerra latente entre as grandes potências mundiais hoje polarizadas por EUA e China. 

 

As tensões eclodem em forma descontínua e localizada. 

 

Brasil e Venezuela. Vejamos como essa tensão geopolítica se desdobra em guerras de quarta geração na América Latina e Caribe. 

 

3. 1: Brasil. 

 

A hipótese desta análise é que a derrubada do governo de Dilma Rousseff, em 2016, faz parte de uma estratégia de guerra de quarta geração iniciada nos primeiros meses de 2014 e que se estende pelo menos até a posse do atual governo. 

 

Sua causa está no conflito de interesses entre os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores PT e grupos petroleiros e financeiros dos EUA. 

 

A divergência era a exploração do petróleo do pré-sal e o alinhamento do Brasil com o bloco formado por Rússia, China, Índia e África do Sul – BRICS. 

 

No quadro geopolítico resultante da crise financeira de 2008, o controle do petróleo e de seu preço e a manutenção do US$ como moeda de referência mundial representam pontos de grande importância. 

 

Por isso, ao defender o monopólio estatal na exploração do petróleo e favorecer a aproximação com a China, aqueles governos passaram a ser tratados como uma forma de poder “hostil” e alvo da guerra de quarta geração. 

 

Fundamental para o êxito dessa guerra é a aliança das megaempresas com as classes dominantes do Brasil: cerca de 71.500 pessoas com rendimentos mensais superiores a 160 salários mínimos e patrimônio médio de R$17,7 milhões (Dados de Receita Federal de 2013). 

 

Em meio à crise econômica e política de 2013, esses muito-ricos romperam o pacto informal feito com o PT, que em troca da governabilidade postergou as reformas estruturais: agrária, fiscal, política e a auditoria da dívida pública. 

 

O projeto social-desenvolvimentista foi trocado pelo programa de Temer Ponte para o futuro que favorecia a política de subordinação aos interesses dos EUA. 

 

Seu apoio à eleição de Bolsonaro para dar cobertura à política econômica ultraliberal de Paulo Guedes é o coroamento daquela aliança entre os muito-ricos do Brasil e os dos EUA. 

 

As classes dominantes conseguiram a adesão das classes médias e os votos da massa popular. 

 

Para isso contam com a colaboração da mídia corporativa, de militares, Igrejas neopentecostais e setores conservadores das Igrejas Evangélicas e Católica. 

 

Seu ideário político-social é de Olavo Carvalho 

 

Na ânsia de uma nova política, essa massa deixa-se levar pela propaganda que recobre e disfarça as velhas práticas da politicagem nacional. 

 

Desde a vitória eleitoral de Bolsonaro os grupos no poder têm recorrido à agressividade para eliminar ou ao menos enfraquecer os instrumentos de que dispõem as classes trabalhadoras e setores subalternos para se expressar ou se organizar como os Partidos de esquerda, Movimentos como MST, MTST, de Indígenas, negros, mulheres, LGBT e outros. 

 

Essa agressividade estende-se a setores de Igrejas, da intelectualidade e de universidades vistas como forças de oposição ao novo governo. 

 

Mais grave ainda é a permissividade à violência policial-militar ou miliciana contra povos originários e a defensores e defensoras de Direitos Humanos, na cidade como no campo. 

 

É típica do fascismo essa atitude de pretender eliminar toda oposição, sem ceder espaço à luta política dentro da institucionalidade democrática. 

 

As classes trabalhadoras e os setores populares ou nacionalistas foram derrotados pela guerra de quarta geração. 

 

Sintomas dessa derrota é a fragilização das instituições republicanas, os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo e a estagnação da economia, que não voltou a crescer significativamente desde 2014. 

 

Mas ainda é prematuro avaliar até que ponto suas forças foram exauridas e até que ponto têm capacidade de reação com real possibilidade de reverter a situação. 

 

Convém pensar o Brasil atual como um país derrotado numa guerra de quarta geração e com um governo a serviço dos muito-ricos e subordinado aos interesses das grandes empresas petrolíferas e financeiras dos EUA. 

 

Esse quadro, porém, não pode deixar de fora os sinais de vitalidade dos setores populares: 

 

1) uma bancada suficientemente forte na Câmara para evitar aprovação de PECs, desde que construa um arco de alianças com partidos democráticos, significativa presença no Senado e conquista de Governos estaduais; 

 

2) Movimentos Sociais organizados, Povos Indígenas, Partidos de esquerda, Sindicatos e novos coletivos dão mostras de resiliência e capacidade de reorganização desde as bases; 

 

3) as propostas antidemocráticas do governo sofrem oposição da maioria da intelectualidade, de artistas e da população universitária; 

 

4) CEBs e Pastorais sociais, bispos e padres católicos e pastores evangélicos, embora minoritários em sua Igreja, mantém vivo o Cristianismo da Libertação; 

 

5) as pequenas unidades de economia solidária, cooperativas populares e assentamentos são alternativas à economia capitalista. 

 

3.2 Venezuela. 

 

A estratégia de guerra de quarta geração usada no Brasil, informações que descrevem o governo como corrupto, foi reforçada na Venezuela pelo bloqueio econômico que estrangula a economia nacional. 

 

Também ali está em jogo o controle do petróleo e de seu preço e a aproximação com China e Rússia. 

 

Fosse a Venezuela produtora de cacau ou café, provavelmente desenvolveria seu projeto bolivariano com autonomia. 

 

Sinal evidente dessa estratégia de guerra é sustentação dada pelos EUA e meia centena de governos aliados ao inexperiente suplente de deputado eleito presidente da Assembleia e logo depois presidente da República. A ascensão política de Juan Guaidó como expressão do descontentamento popular certamente foi possibilitada pela política econômica de Chávez e Maduro, que beneficiou antes a nova burguesia bolivariana e seus comandantes militares, do que o empoderamento econômico popular. 

 

Mas ela seria inexplicável se não considerasse a importância geopolítica de um país que, sendo grande exportador de petróleo e tendo enorme potencial para mineração, encontra-se a menos de 4.000 km do território estadunidense. 

 

Apagões de eletricidade provavelmente causados por ataques cibernéticos e a recente intensificação do bloqueio a toda compra de petróleo sinalizam que a guerra vai continuar e intensificar-se em 2019. 

 

É verdade que a Venezuela conta com aliados poderosos Rússia, Turquia, Irã e China mas todos estão do outro lado do Atlântico. 

 

No caso do regime bolivariano os principais vizinhos da Venezuela – Brasil e Colômbia –querem derrubá-lo. 

 

A solução a ser encontrada pela Venezuela em conjunto com outros países de Nossa América será muito valiosa para aprendermos a lidar com essa nova forma de guerra, mas ainda não se consegue sequer vislumbrar qual será ela. 

 

Cuba, Venezuela e a Bolívia são hoje os únicos regimes latino-americanos que resistem à hegemonia dos EUA, acompanhados até certo ponto por México, Uruguai e Nicarágua. 

 

Se os EUA conseguirem impor seus interesses geopolíticos sobre a Venezuela, o próximo alvo de guerra de quarta geração será provavelmente a Amazônia, dada a ambição de empresas pelas reservas de água, biodiversidade e minerais contidas em seu enorme território. 

 

Percebe-se, então, a intuição genial do Papa Francisco ao escolher a Amazônia como tema do próximo sínodo da Igreja Católica. 

 

Ela pode ser a instituição multinacional mais adequada à defesa da vida na Amazônia, dada a fragilidade atual da ONU, cujas resoluções são sujeitas a vetos das grandes potências. 

 

O Sínodo, reunindo bispos de todo o mundo, poderá despertar e mobilizar novas energias capazes de assegurar a Paz na Terra e com a Terra. 

 

Que o teor de fidelidade ao Evangelho no episcopado mundial seja suficientemente forte para resistir às pressões que virão dos poderosos! 

 

4- Mensagem da CNBB ao povo brasileiro 

 

“Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5) 

 

Bispos do Brasil, reunidos na 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, no 

 

“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20) 

 

Enche-nos de esperançosa alegria constatar o esforço de nossas comunidades e inúmeras pessoas de boa vontade em testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo, comprometidas com a vivência do amor, a prática da justiça e o serviço aos que mais necessitam. 

 

‘Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!’ (Fl 4,4) (cf. Papa Francisco, Exortação Apostólica Gaudete et Exultate, 122). 

 

“No mundo tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33). 

 

Longe de nos alienar, a alegria e a esperança pascais abrem nossos olhos para enxergarmos, com o olhar do Ressuscitado, os sinais de morte que ameaçam os filhos e filhas de Deus, especialmente, os mais vulneráveis. 

 

Estas situações são um apelo a que não nos conformemos com este mundo, mas o transformemos (cf. Rm 12,2), empenhando nossas forças na superação do que se opõe ao Reino de justiça e de paz inaugurado por Jesus. 

 

A crise ética, política, econômica e cultural tem se aprofundado cada vez mais no Brasil. 

 

A opção por um liberalismo exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo, ignorando as políticas sociais de vital importância para a maioria da população, favorece o aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis intoleráveis, tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres, conforme já lembrava o Papa João Paulo II na Conferência de Puebla (1979). 

 

Nesse contexto e inspirados na Campanha da Fraternidade deste ano, urge reafirmar a necessidade de políticas públicas que assegurem a participação, a cidadania e o bem comum. 

 

Cuidado especial merece a educação, gravemente ameaçada com corte de verbas, retirada de disciplinas necessárias à formação humana e desconsideração da importância das pesquisas. 

 

A corrupção, classificada pelo Papa Francisco como um “câncer social” profundamente radicada em inúmeras estruturas do país, é uma das causas da pobreza e da exclusão social na medida em que desvia recursos que poderiam se destinar ao investimento na educação, na saúde e na assistência social, caminho de superação da atual crise. 

 

A eficácia do combate à corrupção passa também por uma mudança de mentalidade que leve a pessoa compreender que seu valor não está no ter, mas no ser e que sua vida se mede não por sua capacidade de consumir, mas de partilhar. 

 

O crescente desemprego, outra chaga social, ao ultrapassar o patamar de 13 milhões de brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados, segundo dados do IBGE, mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até agora, foram ineficazes. 

 

Além disto, é necessário preservar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. 

 

O desenvolvimento que se busca tem, no trabalho digno, um caminho seguro desde que se respeite a primazia da pessoa sobre o mercado e do trabalho sobre o capital, como ensina a Doutrina Social da Igreja. 

 

Assim, “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 203). 

 

A violência também atinge níveis insuportáveis. Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. 

 

O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana. 

 

O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás” e não em projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas. 

 

Precisamos ser uma nação de irmãos e irmãs, eliminando qualquer tipo de discriminação, preconceito e ódio. 

 

Somos responsáveis uns pelos outros. 

 

Assim, quando os povos originários não são respeitados em seus direitos e costumes, neles o Cristo é desrespeitado: “Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes mais pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45). 

 

É grave a ameaça aos direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988. O poder político e econômico não pode se sobrepor a esses direitos sob o risco de violação da Constituição. 

 

A mercantilização das terras indígenas e quilombolas nasce do desejo desenfreado de quem ambiciona acumular riquezas. 

 

Nesse contexto, tanto as atividades mineradoras e madeireiras quanto o agronegócio precisam rever seus conceitos de progresso, crescimento e desenvolvimento. 

 

Uma economia que coloca o lucro acima da pessoa, que produz exclusão e desigualdade social, é uma economia que mata, como nos alerta o Papa Francisco (EG 53). 

 

São emblemático exemplo disso os crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho com o rompimento das barragens de rejeitos de minérios. 

 

As necessárias reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres, “juízes da vida democrática de uma nação”. 

 

Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres. 

 

Daí a importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. 

 

Instâncias que possibilitam o exercício da democracia participativa como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e valorizadas e não extintas como estabelece o decreto 9.759/2019. 

 

“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça” (Mt 6,33) 

 

O Brasil que queremos emergirá do comprometimento de todos os brasileiros com os valores que têm o Evangelho como fonte da vida, da justiça e do amor. 

 

Queremos uma sociedade cujo desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a liberdade e a igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos jovens, valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os migrantes, promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões, incluído o respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e integral. 

 

As novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, que aprovamos nesta 57ª Assembleia da CNBB, e o Sínodo para a Pan-Amazônia, a se realizar em Roma, em outubro deste ano, ajudem no compromisso que todos temos com a construção de uma sociedade desenvolvida, justa e fraterna. Lembramos que “o desenvolvimento tem necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade – caritas in veritate -, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o produzimos nós, mas nos é dado” (Bento XVI, Caritas in veritate, 79). 

 

O caminho é longo e exigente, contudo, não nos esqueçamos de que “Deus nos dá a força de lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa esperança maior” (Bento XVI, Caritas in veritate, 78). 



5- Papa Francisco e a grande ruptura: um papa pós-constantiniano 

 

Por que o Papa Francisco é tão desaprovado e odiado por tantos ‘homens de Igreja’? 

 

O ‘ódio consciente’ ao Papa Francisco é o sinal mais evidente do ‘ódio inconsciente’ pelo Evangelho. 

 

Por que Papa Francisco incomoda? 

 

Por que a promoção da acolhida, que busca incluir a todos, incomoda tanto? 

 

Tendo em conta que os principais opositores de Francisco são clérigos, por que uma eclesiologia em saída lhes deixa em estado de pânico? 

 

Talvez seus irmãos cardeais não o soubessem, mas Jorge Mario Bergoglio é o papa do sul, primavera do mundo, eleito para o trono de Pedro para dar ao Evangelho a voz primaveril desta nova primavera global. 

 

Aos 13 de março de 2013 foi eleito papa Jorge Mario Bergoglio, o papa da Igreja em saída, da Igreja pobre, da Igreja do hospital de campanha, o papa que rompe as fronteiras internas das sociedades e entre as sociedades e abre os corações aos migrantes, ao diálogo como único método, que fala do Deus da Misericórdia e da primavera do Evangelho. 

 

Tudo isso é certamente o Papa Francisco desde aquela noite em que ele se apresentou como bispo de Roma, vindo do fim do mundo. 

 

Mas se Bergoglio é certamente isso, tudo isso, apesar deste ser o tempo do fechamento, da riqueza, das fronteiras pessoais e estatais, dos cuidados negados, da violência mimética, da ira de Deus, da rejeição de todas as primaveras, a epocalidade de seu pontificado talvez, e também, esteja em algo mais: em uma palavra, discernimento e em uma perspectiva, o sul do mundo. Vamos começar com o discernimento. 

 

Imaginemos Bergoglio que neste tempo dramático releia a quarta regra do discernimento nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio: 

 

Desolação espiritual. Chamo desolação a todo o contrário da terceira regra, como obscuridade da alma, perturbação, inclinação a coisas baixas e terrenas, inquietação proveniente de várias agitações e tentações que levam a falta de fé, de esperança e de amor; achando-se [a alma] toda preguiçosa, tíbia, triste, e como que separada de seu Criador e Senhor. 

 

Porque assim como a consolação é contrária à desolação, da mesma maneira os pensamentos que provêm da consolação são contrários aos pensamentos que provêm da desolação. (Exercícios Espirituais, nº 317). 

 

Olhando para a divergência entre o mundo real, suas tendências tão distantes do acolhimento ao estrangeiro, porque em primeiro lugar estamos nós, os nativos, tão distantes do gesto de visitar os prisioneiros, porque quem errou deve ser trancado naquele lugar separado “e então jogar fora a chave", tão distante do ato de visitar os doentes, porque "eu me salvo sozinho", devemos também imaginá-lo relendo a primeira regra do discernimento

 

Nas pessoas que vão de pecado mortal em pecado mortal, costuma ordinariamente o inimigo propor-lhes prazeres aparentes, fazendo-lhes imaginar deleitações e prazeres sensuais, para mais as conservar e fazer crescer em seus vícios e pecados. 

 

Com estas pessoas o bom espírito usa um modo contrário: punge-lhes e remorde-lhes a consciência pelo instinto da razão. (Exercícios Espirituais, n. 314). 

 

O discernimento "na vida espiritual ajuda a fazer escolhas. Discernir significa peneirar, separar, distinguir as vozes do coração que nos habitam para poder fazer escolhas livres, responsáveis e conscientes". 

 

As vozes mudam porque os contextos mudam, os parâmetros mudam, e para Bergoglio, com o propósito de entender como permanecer fiel ao Evangelho os cristãos devem entender como mudar. 

 

De fato, como se pode permanecer fieis na vida? 

 

Quem permanecer fiel ao próprio amor aos vinte anos, quando tiver sessenta anos ainda será verdadeiramente fiel? 

 

Ele realmente vai amá-lo? 

 

Saberá entende-lo? 

 

Isso também vale para o Evangelho e significa preservar o espírito da primavera em contextos históricos e sociais diferentes. 

 

Quando o mundo foi dividido em grandes tribos, a escolha constantiniana poderia ter tido algum sentido. 

 

Mas já não era mais Igreja constantiniana a Igreja de João Paulo II, aquela que soube ajudar a derrubar o Muro de Berlim, certamente não pra se esconder atrás do bloco ocidental, mas para continuar a unir o mundo e libertar os homens lá do leste. 

 

Hoje a escolha só pode ser semelhante e mais radical, porque envolve não uma ideologia, mas uma religião: ser Igreja com o sul do mundo significa, de fato, também ser Igreja com o Islã, continuar a unir e salvar os homens deste sul. 

 

É este papa do sul do mundo que os senhores dos vários primatismos detestam, porque ele lhes nega a cobertura fictícia da sempre fictícia guerra de religião que anseiam continuar para a maximização dos lucros. 

 

Temos um papa total e globalmente pós-constantiniano, e isso assusta aqueles que veem nos sacramentos um prêmio para os perfeitos, e no Evangelho um código de acesso ao primeiro mundo, que exclui os outros, que combate os outros, que condena os outros. 

 

Para este papa a capacidade da necessidade de ver Deus em todas as coisas significa saber e ter que o procurar longe, porque ali também existe Deus. 

 

Excluir Deus do que não é cristão é um ato de soberba provavelmente insuportável a Deus. 

 

Agora que se quer substituir o bipolarismo leste-oeste pelo bipolarismo norte-sul, o pontificado bergogliano discerne e começa estendendo a mão aos dois, para as vítimas africanas, ao islamismo, às religiões orientais, ao iluminismo, ciente do quanto cada um deles, começando pelo Iluminismo, pai da moderna exegese, tenha contribuído para ajudar o cristianismo a se salvar de seus males internos. 

 

O escândalo da pedofilia e das inadequações de tantos bispos e cardeais, por fim ofereceu a Bergoglio a possibilidade de mudar finalmente o discurso romano: chega de instituição de ordenados que defende a si mesma defendendo eles, os "clérigos", mas finalmente Igreja do povo de Deus, homens e mulheres, velhos e jovens, na qual defender a instituição é defender a vítima, que é na Igreja e da Igreja. 

 

Assim, Bergoglio poderá parecer um papa em dificuldade, contra as tendências do mundo: assim como o Evangelho. 

 

Apesar de seus sofrimentos indescritíveis e insuportáveis, não vemos talvez que hoje a primavera do mundo é representada pelos povos do sul, pelos migrantes rejeitados por um mundo que se fecha e por regimes que se vivem como prisões? 

 

Não são os povos do sul que deram origem ao único movimento global contra a opressão, o movimento dos migrantes? 

 

Talvez seus irmãos cardeais não o soubessem, mas Jorge Mario Bergoglio é o papa do sul, primavera do mundo, eleito para o trono de Pedro para dar ao Evangelho a voz primaveril desta nova primavera global. 

 

DE VOLTA PARA TAMANRASSET

 

[Fr] Jean Pierre LANGLOIS (Quebec): De Volta para Tamanrasset [:]

POR Fraternidad Iesus Caritas

Carta do meu regresso a Tamanrasset - 13 out 2017 

Olá! 

Faz agora um ano que vivo fora do país, especificamente em Tamanrasset, no Saara argelino ... Uma bela experiência apesar da minha grande deficiência linguística: eu não consegui conversar em árabe, e muito menos lê-lo. Eu praticamente fiz um X neste esforço que me aproximaria das pessoas comuns que conheci. 

 

Além disso, a comunidade cristã é pequena, cerca de quinze pessoas, a maioria dos quais são migrantes do sul do Saara, Camarões, Senegal. A maioria deles procura unir a Europa de uma forma ou de outra, uma miragem de facilidade financeira e esperança de poder ajudar a família deixada para trás. Eles estão, portanto, apenas de passagem, e os nossos laços são, desse modo, muito reduzidos. 

 

Meu retorno foi muito bom, e eu estou tranquilamente no trabalho aqui, não há problema. Além da Eucaristia diária, eu visito os prisioneiros uma vez por semana, na quinta-feira à tarde; nestas semanas, são principalmente as mulheres, as jovens migrantes, capturadas no flagrante delito de transportar drogas ... As duas últimas que chegaram não têm 21 anos ... E suas famílias não parecem saber ou serem capazes de reagir, lá onde vivem. Tento transmitir mensagens por celular. Até agora meus “textos” não obtiveram muitas respostas ... 

 

Eu li até me saciar. Terminei uma história global sobre O tráfico de escravos, de Olivier Petre-Grenouilleau - um nome como esse, não é inventado! -; e eu passei pelo testemunho de Sebastian Courtois. Nos rios da Babilônia, nós choramos. Também estou interessado nos relatórios do jornal La Croix sobre os cristãos do Oriente destas últimas 2 semanas. Pouco a pouco, eu continuo a me inculturar ... 

 

Eu ainda devorei com grande interesse um pequeno folheto publicado por Adrien Candiard intitulado Entender o islã. Ou melhor, porque não entendemos nada, em 2016. Simples e muito ajustado às nossas questões ocidentais. Além disso, é publicado numa coleção de bolso, pela Flammarion. Mais do que um benefício, uma pequena joia para os interessados ​​no assunto! E eu comecei um livro muito grosso sobre Jesus antes dos Evangelhos, de Bart D. Ehrman, teólogo americano. As memórias sobre Jesus que deram à luz aos Evangelhos, como percebê-las hoje? Elas são confiáveis? 

 

As noites começam a refrescar, mas os dias ainda continuam quentes. Posso poupar os ventiladores que têm trabalhado muito desde o meu retorno, dia e noite .... Exemplo? À noite, faz em torno de 20-22 graus Centígrados, e 31-33 graus durante o dia. Então, para o calor, o dia seja bem-vindo ao deserto! 

 

Os dias estão ficando mais curtos, e já se pode notar. 

 

Além disso, tudo está bem. Eu preparo de modo especial as celebrações (textos e cânticos), porque é a minha vez, toda quarta-feira e domingo, às 19h. Então, no domingo, vamos jantar juntos, os Pequenos Irmãos de Jesus de Tam., a pequena irmã do Sagrado Coração e eu. Um momento feliz de convívio. 

 

Quarta-feira 4 de outubro, fomos em quatro pessoas andar por apenas uma hora no deserto ao leste da cidade, até um rio (grande riacho ou pequeno rio) que secou até se tornar uma fonte onde podíamos passar. A água parecia ainda mais fria do que o vento e o sol nos aquecia a pele. 

 

DEFENDO OS 17617 SACERDOTES PECADORES DO BRASIL

Frei Patrício Sciadini, OCD 

As pesquisas têm uma grande vantagem, se nem sempre verdadeiras e sempre bem lidas e interpretadas, nos fazem humildes. Convida-nos a não sentir-nos nem santos nem mitos e nem "rebotalhos da humanidade" e nem saco de lixo. Desde que Deus decidiu criar o ser humano, pecado e graça andaram juntos na história de todo ser humano. Luz e treva acompanharam a história e homens e mulheres erraram e depois voltaram a acertar a própria vida.

E outros erraram sem se converter, pelo menos aos nossos olhos, porque os olhos de Deus são tão diferentes dos nossos que a Igreja, com toda sua rigidez, nunca teve coragem de declarar solenemente que alguém está no inferno, só os diabos. Mas nenhuma criatura humana foi colocada pela autoridade magisterial da Igreja no inferno, todos têm direito, ao longo da vida ou nos últimos momentos da vida, de suspirar um "kirie eleison" e de Jesus dizer para ele o que disse do alto da cruz ao bom ladrão: "hoje estarás comigo no paraíso".

Nestes dias em que todos os nossos bispos estão reunidos em Itaici, os jornais fizeram alarido, se sentiram felizes com o prato cheio da sensualidade dos padres. Publicaram, com uma certa revanche, que mais dos 41 por cento dos padres do Brasil, depois de assumido o sacerdócio teriam infringido o seu compromisso de "castidade", teriam errado. Esta análise é fruto de uma pesquisa encomendada, parece, pela mesma Igreja.

Tudo que se faz no escuro vem, mais cedo ou mais tarde, à luz. A pesquisa é claro não foi perguntar a todos os 17617 sacerdotes do Brasil - não sei se neste número estavam também incluídos os bispos - grande é a minha ignorância. Eu não fui perguntado, não respondi a nenhum questionário e, como eu imagino, também tantos outros sacerdotes ficaram fora desta nobre pesquisa. Mas, seja qual for o resultado, por que gritar ao escândalo e achar que tudo está perdido?

Deus nestes últimos tempos, não sei porque, me tem dado a graça de orientar muitos retiros aos sacerdotes pelo Brasil afora. Tenho visto padres chorarem porque não conseguiam ser santos, outros porque não conseguiam largar da bebida, outros por não celebrar a Eucaristia como deveriam, outros por não se instalarem no meio do povo, outros por não serem castos, e outros duros como pedras para quem tanto fez e tanto faz. O coração humano é um mistério tão grande, nós somos "pecaminosidade" e gente boa, e santa e malandra. Sempre teve e terá em todas as camadas da sociedade humana - e a Igreja é humana e pecadora como todos nós.

A santidade é declarada só depois de mortos. A história nos ensina que não é o pecado que anula a santidade de Cristo, nem o pecado destrói a força do poder do sacerdote, e nem a grandeza do ideal de quem se coloca no seguimento de Jesus de Nazaré. Somos chamados a ser santos, devemos ser santos, mas se um dia nos descobrirmos pecadores não devemos desanimar mas recomeçar o caminho. Gosto muito da história, não sou historiador, e o que mais gosto na história da Igreja é que tem de tudo.

Não se pode negar que houve papas que não foram sinais de espiritualidade, de santidade de vida, aliás hoje os historiadores se divertem em fazer uma lista dos "piores papas da história". Corruptos, simoníacos, desonestos, devassos ,mulherengos, e a Igreja continuou o seu caminho mais bela, mais santa e mais amada. A história está aí para dizer a cada um de nós: não diga "deste pão não comerei" ...quem está de pé, diz Paulo, veja de não cair". Na história encontramos pessoas que lutaram como hoje para serem santos e fiéis.

Defendo os sacerdotes e a cada um digo, e a mim mesmo: seja qual for o nosso "pecado" não desanimemos, levantemo-nos e continuemos a caminhar, sabendo que a grandeza de Deus resplandece na nossa fragilidade. Aos leigos, aos escandalizados pela fragilidade do coração humano, pela fraca vontade dos sacerdotes, pelas falhas dos que deveriam ser santos, digo : "a graça não passa pela santidade dos padres", mas pela grandeza do Cristo, sumo e eterno sacerdotes .

O sacerdote, o maior pecador e canalha, quando em seu ministério, age na pessoa de Jesus Cristo. É Cristo que nele age e sempre e agora, é por isso que o sacerdócio sempre será santo e santíssimo, como o é o de Cristo Jesus. Santa Teresa diz: "Deus doura os nossos pecados para que os outros, não vendo os nossos pecados, possam receber um pouco de bem que nós fazemos".(Vida 4,10)

Li uma vez que as flores mais belas às vezes nascem nos lugares mais sujos e fedorentos. Acredito que seja assim, a flor do sacerdócio e da grandeza de Cristo nasce e floresce muitas vez no coração sujo e fedorento dos padres, mas espalha o seu perfume. Nenhum sacramento, nem batismo, nem ordenação sacerdotal, nenhuma ordem, nem a episcopal, nem a profissão religiosa, confere a alguém a impecabilidade. Por que se maravilhar que somos pecadores? Não será o caso que, para que este seja vencido, devamos fazer um melhor discernimento vocacional? Isto que é importante. Não se aceita para ser atleta quem tem grave defeito de coração. Assim, não deveriam ser aceitos os que têm defeitos que desabona o sacerdócio.

Mas, se um atleta adoece? Depois, se um sacerdote peca, depois que é sacerdote é necessário amor, sustento, ajuda e não lançar as pedras. Defendo os 17 167 sacerdotes e com eles a mim mesmo. Peço a Deus que nos preserve do pecado. Não importa que os nossos pés e coração sejam feridos e sangrando, o que importa é lutar e caminhar...

Vamos em frente de cabeça erguida e sem medo, tentando sermos santos e quando cairmos, peçamos o perdão ao Senhor e aos nossos irmãos, e continuemos o caminho. Santo só tem o Sumo e Eterno Sacerdote, Cristo. Todos os outros devem carregar algum pecado na consciência. Quem não tiver nenhum, que atire a primeira pedra.

 

DO PRIOR DE TAIZÉ, SOBRE O ESPÍRITO SANTO

(Lembro que o autor escreveu isso no hemisfério norte, cujas estações do ano são contrárias às do  hemisfério sul)

 

Irmão Alois, prior de Taizé

 

"Em muitas regiões do mundo, quando a festa de Pentecostes chega, a natureza torna-se bonita. Rompe a primavera, o verão já se anuncia, o trigo cresce e o vento se diverte jogando com as espigas como se fosse ele quem as faz crescer.

 

Para o povo judeu, a festa de Pentecostes, Shavuot, era uma ação de graças pelo trigo maduro. Em muitas de suas parábolas, Jesus falou do Reino de Deus que vem através de amadurecimento. Pentecostes anuncia o tempo da colheita.

 

Entretanto, Pentecostes é também o surgimento da novidade, do inesperado. O que aconteceu no Sinai era como um prenúncio que, segundo a fé cristã, agora encontra o seu cumprimento. Deus faz a sua vontade conhecida, de modo que a lei não mais será escrita  em tábuas de pedra, mas no coração. Não é apenas Moisés que está diante de Deus: o fogo do Espírito desce sobre cada um. Pelo Espírito Santo, Deus vem habitar em nós. Ele está aqui, sem intermediários. É para fazer-nos entrar num relacionamento pessoal com Deus que o Espírito Santo é dado para nós.

 

Se o Espírito Santo permanece muitas vezes discreto, sem tentar intervir, é porque não quer tomar nosso lugar, mas fortalecer nossa pessoa. Nas profundezas do nosso ser, ele diz  incansavelmente o sim de Deus à nossa existência. Então, essa é uma oração acessível a todos: "Que o teu sopro de bondade me guie!" (Salmo 143,10). Impulsionados por esse alento podemos avançar.

 

No final de sua vida, o irmão Roger dirigia as suas orações com muita frequência ao Espírito Santo. Ele queria incutir-nos a confiança em sua presença invisível. Ele sabia que a luta interior para abandonar -se ao sopro do Espírito e crer no amor de Deus é decisivo na vida humana.

 

Durante a minha estadia com meus irmãos, que vivem na Coréia, nós fomos para um mosteiro budista. Recebemos ali uma recepção muito fraterna. Eu senti uma grande admiração por aqueles monges budistas que corajosamente procuram ser consequentes com suas crenças. Eles fazem um enorme esforço para sair de si mesmos e se abrir para uma realidade maior do que eles, o absoluto. Eles desenvolveram profunda sabedoria, uma busca pela misericórdia que nós compartilhamos com eles.

 

Mas como eles podem fazê-lo, eu me perguntava, sem acreditar em um Deus que os ama pessoalmente? Seu compromisso envolve uma solidão extrema. Nós, como cristãos, acreditamos que o Espírito Santo habita em nós, Cristo ensinou-nos a dirigir a Deus dizendo: "Você (tu)". É um passo enorme, impensável para uma grande parte da humanidade.

 

Voltei de lá assombrado com a revelação trazida por Cristo e disse a mim mesmo: "não é urgente, para nós cristãos, termos mais confiança na presença do Espírito Santo e para mostrar com a nossa vida que Ele está atuando no mundo?

 

Comecemos pelo aprofundamento do mistério de comunhão que nos une. Quando juntos nos voltamos para Cristo, numa oração em comum, o Espírito Santo nos une nesta única comunhão, que é a Igreja, e nos concede nascermos para uma nova vida.

 

O dom do Espírito Santo está ligado ao perdão. Cristo ressuscitado diz aos seus seguidores: "Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados." (João 20,22-23). A Igreja é antes de tudo uma comunhão de perdão. Quando entendemos que Deus nos dá seu perdão, nos tornamos capazes de dá-lo também aos demais. É sabido, porém, que nossas comunidades, nossas paróquias, estão sempre desprovidas e longe de serem o que sonhamos delas. Mas o Espírito Santo está continuamente presente na Igreja e nos faz avançar no caminho do perdão.

Se Cristo nos envia a anunciar a Boa Nova ao mundo inteiro, ele também nos pede para discernirmos os sinais da sua presença ali onde ele nos precede. Os primeiros cristãos ficaram surpresos ao descobrirem a presença do Espírito ali onde eles não esperavam (veja Atos 10). O próprio Jesus comoveu-se pela confiança tenaz de uma mãe grega (Marcos 7,24-30) e pela fé de um soldado romano (Lucas 7,1-10). Somos nós capazes de surpreender-nos reconhecendo as expectativas espirituais de nossos contemporâneos?

 

Quando um dia fui visitar meus irmãos que vivem em Dakar, Senegal, fiquei impressionado de ver a amizade que foi criado no bairro entre eles e alguns muçulmanos. Quando eu estava prestes para ir, chegou um homem mais velho, muçulmano, muito bem vestido. No começo eu o confundi com um dignitário, mas era o avô de uma família vizinha que queria me dizer o quão felizes que os fazia o fato de os os irmãos estarem lá. Eu lhe respondi: "A alegria dos irmãos é ainda maior que a de vocês". Ele me respondeu com firmeza: "Não, é a nossa alegria que é maior."

Deixemos crescer em nossas vidas os frutos do Espírito: "Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, confiança nos outros, mansidão, domínio si mesmo" (Gálatas 5,22-23). O Espírito nos leva para com os outros e, sobretudo, aos mais abandonados. Numa solidariedade concreta com os mais desfavorecidos, a luz do Espírito Santo pode inundar nossas vidas.

Sim, o Espírito Santo está atuando hoje. Ele renova sem cessar o amor de Deus em nosso coração. Feliz quem não se abandona ao medo, mas à inspiração do Espírito Santo. Ele é também  a água viva, o Espírito de paz que pode vivificar o nosso coração e comunicar-se, através de nós, ao mundo inteiro".

 

(Atrever-se a acreditar, Editorial Perpetuo Socorro, págs.79-83)

 

DOMINGO DA MISERICÓRDIA

 

A Divina Misericórdia - Dia 15 de abril 2012, domingo da divina misericórdia (revelação a Sta. Faustina e aprovada e instituída pelo papa João Paulo II)

QUI, 12 DE ABRIL DE 2012 15:42POR: CNBB

Dom Orani João Tempesta

Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ) (do site da CNBB)

O segundo domingo da Páscoa, que encerra a oitava da Páscoa, foi escolhido pelo Papa João Paulo II como um dia mundialmente dedicado e consagrado à Divina Misericórdia. Escolha que deseja tornar conhecido em todo o mundo este atributo máximo de Deus mesmo, que se derrama em amor e misericórdia a toda a humanidade.

Aqui em nossa Arquidiocese essa Festa é marcada por celebrações com muita participação popular na Catedral Metropolitana. Recorda-me que iniciei o meu serviço aqui nesta Igreja exatamente nessa festa dominical, e tive a oportunidade de, mais tarde, criar o Santuário da Divina Misericórdia na paróquia do mesmo nome, em Vila Valqueire.

A origem desta festa se encontra nas inspirações particulares da mística Santa Faustina, que recebeu o dom de ser canal para que a Misericórdia Divina pudesse ser reconhecida em todos os cantos e recantos do mundo. Santa Faustina nasceu em 25 de agosto de 1905, na Polônia, sendo a terceira de dez filhos de uma pobre família de aldeões na cidade de Glogowiec. Seu nome de batismo era Helena e sempre se destacou, desde a infância, pela piedade, amor à oração e obediência, sem contar na extrema atenção dedicada às misérias humanas que presenciava. Sentia, desde pequena, o desejo de ingressar na vida religiosa, mas não encontrou ninguém que a pudesse orientar.

 À medida que foi amadurecendo o seu discernimento, começou a buscar o ingresso em várias comunidades religiosas e foi rejeitada em todas elas. Somente em agosto de 1925 é que ela conheceu a Congregação das Irmãs da Divina Misericórdia, onde foi aceita. Passou a maior parte de sua vida na Polônia e recebeu da Congregação o nome de Irmã Maria Faustina.

Santa Faustina é hoje considerada uma grande mística da Igreja Católica. Sua vida está narrada por ela mesma em uma autobiografia, no livro “Diário Espiritual”, onde ela escreve suas experiências místicas. Vale ressaltar que Irmã Faustina não pretendia escrever esse diário, mas o fez em obediência a seu diretor espiritual, que lhe pediu que o fizesse. A finalidade das revelações de Santa Faustina é clara desde o princípio: tornar conhecida a misericórdia do Senhor em todo o mundo.

Espiritualidade legitimamente confirmada e fundada nas Sagradas Escrituras, que nos sugere: "Sede misericordiosos como também vosso Pai é misericordioso" (Lc 6,36). Santa Faustina foi canonizada pelo Beato Papa João Paulo II em 30 de abril do ano santo da redenção de 2000.

Vários elementos desta devoção estão espalhados e conhecidos em toda a Igreja: o terço da Divina Misericórdia, a contemplação da Imagem de Jesus Misericordioso, a festa da Divina misericórdia (no segundo domingo da Páscoa), a novena à Divina Misericórdia, e a oração das três da tarde, hora dedicada à grande misericórdia de Deus, que se oferece por todos no santo sacrifício da Cruz. A devoção ainda busca reafirmar e fortalecer o inestimável e inesgotável valor dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação.

O Papa João Paulo II, em 17 de agosto de 2002, visitou o Santuário da Divina Misericórdia, em Cracóvia, na Polônia. Na ocasião, ele realizou o Ato Solene de entrega do destino do mundo à Divina Misericórdia. Em sua homilia o Pontífice Romano ressalta a idéia de que a misericórdia Divina é o "atributo máximo de Deus onipotente", e reafirma, usando as palavras da Santa, que a Misericórdia Divina, é "a doce esperança para o homem pecador". (Diário, 951)

A oferta de vida de Santa Faustina em suas dores, associada à paixão de Nosso Senhor, fonte inesgotável de amor e misericórdia, tinha um tríplice objetivo, a saber: que a obra de misericórdia se difundisse por todo o mundo e sua festa fosse aprovada e comemorada; para que os pecadores pudessem recorrer à misericórdia e experimentar seus inefáveis efeitos, e para que toda a obra de misericórdia fosse executada de acordo com o desejo do próprio Senhor.

As virtudes da humildade (atitude do homem diante da imerecida eleição divina em Cristo), a pureza (transparências nas atitudes) e o amor (oferecer tudo de si ao outro) são incentivadas e vividas na mística da misericórdia. Manifestam a capacidade de amor que Deus depositou no homem como a mais profunda oferta de si em favor de toda a humanidade. A devoção à Divina Misericórdia, de cunho cristocêntrico e trinitário quer deixar sempre mais clarividente a espiritualidade que parte de Jesus em direção ao coração humano: "Apenas Jesus é meu estímulo para o amor ao próximo." (Diário 871)

A comunicação de Deus e de sua vontade a seu povo sempre foi uma experiência presente ao longo da história da salvação. A carta aos Hebreus nos afirma que "Deus falou de muitos modos e maneiras ao seu povo: por meio dos profetas, aos nossos pais, e, recentemente, por meio de seu Filho Jesus Cristo, constituído herdeiro de tudo.” (cf. Hb 1, 1-2). A espiritualidade de Irmã Faustina quer ainda reforçar sempre mais a certeza de que Deus é amor e misericórdia, de que Deus ama o ser humano, de que Deus se comunica (revela) em sua infinita misericórdia e nos convida a nela mergulharmos; de que Deus rejeita o pecado, mas acolhe e se faz próximo do pecador, comunicando-lhe sua graça e seu amor, portanto, seu ser mesmo.

Que a festa da Misericórdia Divina seja para nós um encontro com o Deus Uno e Trino, que é amor, e deseja nos levar ao amor. Que o mundo sedento deste amor possa se dobrar ao amor de Deus e acolher seus mais generosos benefícios. 

Supliquemos a Jesus Misericordioso que desperte, mesmo nos corações mais endurecidos, a confiança Nele, e com Santa Faustina possamos rezar: "Jesus, eu confio em vós”. Com o coração desejoso de estar sempre meditando o amor misericordioso de nosso Deus, façamos juntos a consagração do destino do mundo à misericórdia Divina, rezada por João Paulo II, no santuário da Divina Misericórdia: "Deus, Pai Misericordioso que revelaste o Teu amor no Teu Filho Jesus Cristo e o derramaste sobre nós, no Espírito Santo, consolador, confiamos-Te hoje o destino do mundo e de cada homem. Inclina-te sobre nós, pecadores, e cura a nossa debilidade. Vence o mal; faz com que todos os habitantes da Terra conheçam a Tua misericórdia para que em Ti, Deus Uno e Trino, encontrem sempre a esperança. Pai eterno, pela dolorosa Paixão e Ressurreição de Teu Filho tende misericórdia de nós e do mundo inteiro. Amém.

Neste mundo tão duro e com tantas situações de morte sendo impingidas ao povo brasileiro, celebrar a misericórdia é uma ótima oportunidade de anunciarmos a todos a alegria da presença do Ressuscitado entre nós.

Que também nós sejamos misericordiosos e que levemos a misericórdia de Deus para todos, principalmente para a juventude, para que encontre o caminho da justiça, da paz e do seguimento do Cristo Redentor, distribuidor da vida e da paz!

 

Misericórdia e Perdão

SEX, 13 DE ABRIL DE 2012 10:39POR: CNBB

Dom Orani João Tempesta

Arcebispo de São Sebastião (RJ)

Domingo da misericórdia! As leituras deste segundo domingo da Páscoa giram em torno desse tema, começando com a oração de abertura repetida no Salmo, e culminando na passagem do Evangelho em que Jesus apareceu aos discípulos no Cenáculo, mostrou-lhes as mãos e seu lado traspassado.

Sabemos que o fundamento teológico da devoção ao Coração de Jesus é o Seu Coração traspassado pela lança, do qual brotaram sangue e água; o sangue que regenera a vida da graça, e a água que nos purifica de nossos pecados. Quando contemplamos a imagem de Jesus misericordioso, vemos que Ele se mostra precisamente com o Coração traspassado, do qual surgem dois raios: um vermelho, que simboliza o sangue derramado, e o outro branco, que simboliza a água que nos purifica no nosso Batismo. Este quadro é relativo à Festa da Divina Misericórdia, celebrada no segundo domingo de Páscoa. Os escritos dos Santos Padres comparam esses sinais ao nascimento da Igreja do lado aberto de Cristo.

A festa da Divina Misericórdia foi instituída pelo Papa Beato João Paulo II em abril de 2000. E em 29 de junho de 2002, com um novo decreto, acrescenta a esta festa uma indulgência plenária. Assim, o já chamado “domingo in Albis” (em branco, recordado pelas vestes dos que haviam sido batizados na noite de Páscoa) tornou-se o Domingo da Divina Misericórdia.

Esta festa vem precedida por uma novena de preparação, pois, anexa a ela existe uma grande promessa de Jesus a todos aqueles que confessarem e comungarem, celebrando dignamente esta Festa – serão remidas as penas das culpas e reencontrarão a veste branca batismal.

Sabemos que o Batismo nos faz novos. Nas primeiras comunidades cristãs alguns esperavam para recebê-lo mais tarde, pois assim estariam certos de que todos os seus pecados teriam sido perdoados pelo Batismo. Comportamento que revela, conforme a mentalidade da época, a fé na eficácia do sacramento.

Sabemos que o Batismo, como também a Crisma e a Ordem, opera uma consagração ontológica (do ser), que consagra de uma vez por todas o ser da pessoa que o recebe, o que significa que não pode ser dissolvido nem recebido uma segunda vez. Portanto, para nós que não podemos mais receber o Batismo, esta festa contribui a dar-nos de volta a veste branca do batismo, como foi inspirado por Santa Faustina: "Desejo que o primeiro domingo depois da Páscoa seja a Festa da Minha Misericórdia. A alma que naquele dia tiver se confessado e comungar, vai ficar completamente remida dos pecados e das culpas. A alma que recorrer à minha misericórdia não perecerá: Eu, o Senhor, vou defendê-la como minha própria glória, e na hora da morte não virei como um juiz, mas como Salvador. Diga à humanidade sofredora que se refugie em meu Coração Misericordioso e eu a preencherei de paz”.

Dessa maneira, ao trazer à tona o nascimento da Igreja, nova Eva, com o simbolismo da água e do sangue jorrados do lado de Cristo e ao procurar renovar o cristão revivendo o seu batismo recordando que com o perdão ele se reveste com a veste branca, o domingo anteriormente chamado “in albis” continua retomando o seu caráter eclesial e batismal com a festa da Divina Misericórdia recentemente introduzida.

Nestes tempos em que um grupo minoritário impõe aos brasileiros, contra a vontade deles, suas opiniões sobre a vida e coloca o nosso país em retrocesso com relação aos valores do ser humano, sem dúvida, que para nós, cristãos, é tempo de aprofundar ainda mais nossa vida e missão nessa sociedade.

Nós estamos submersos sob uma avalanche de informações que nos é transmitida por diferentes canais. Temos de recuperar a orientação da verdade, o labirinto de informações destorcidas e desinformadas que afirmam hoje em letras garrafais, mas que amanhã corrigem em notas ao pé da página e que podem, até depois de amanhã ratificar, fazendo muitos perderem a cabeça, por não saberem mais em que acreditar.

Façamo-nos difusores da boa notícia da salvação e da misericórdia divina, e rios de água viva irrigarão o mundo com a presença de Deus. E uma nova primavera vai surgir! Gritemos ao mundo com toda a força: Cristo ressuscitou, aleluia, ressuscitou, verdadeiramente, aleluia! Em sua infinita misericórdia Ele quer nos salvar!

 

ECUMENISMO E MACRO-ECUMENISMO

      

1-ORIGENS E PRINCIPIOS

                   MARTINHO LUTERO

3.1  NA PERSPECTIVA DAS FRAT. CARLOS DE FOUCAULD

        IRMÃZINHA MADALENA DE JESUS     

        IRMÃZINHA GENOVEVA E OS TAPIRAPÉS

3.2  O testemunho evangélico dos Irmãos de Taizé

          

ECUMENISMO E MACRO-ECUMENISMO: SENTIDOS DA PRÁTICA OIKOUMENE EM TEMPOS INCERTOS

cedido pelo site     http://www.oraetlabora.com.br/artigos/ecumenismo_e_macro.htm

Claudemiro Godoy do Nascimento[1]

Joana D’arc de Moraes[2]

Klaus Paz de Albuquerque[3]

Resumo: Este artigo pretende discutir exatamente este princípio do valorar humano em sua importância de se trabalhar o ecumenismo nas diversas instâncias sociedade civil e política (Gramsci, 1985 e Gohn, 2001). Em um primeiro momento estar-se-á refletindo sobre a cosmogênese dos movimentos ecumênicos e macro-ecumênicos. Posteriormente, buscar-se-á refletir a partir de uma leitura dos escritos joaninos a fim de realizar uma fundamentação teórica tendo como pano de fundo a mensagem do Evangelho. E, por fim, estar-se-á demonstrando o possível de uma experiência macro ecumênica realizada a partir de duas realidades concretas vivenciada pelas Irmãzinhas e os Irmãozinhos de Jesus que possuem a espiritualidade do Irmão Charles de Foucauld e pelos Irmãos da Comunidade de Taizé.

Palavras-Chaves: ecumenismo, religião, movimentos sociais, libertação, cristianismo.

 

 

    Os fatos ocorridos no início do séc. XXI, especificamente, aos 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque nos Estados Unidos da América desencadeou dúvidas e reflexões em todo o planeta. A queda do Word Trade Center motivou a revolta dos proclamadores da neo-Pax Romana, ou como diz Dom Pedro Casaldáliga[4], a Pax Americana que se intitula a grande defensora dos direitos humanos e da democracia mundial. Justificados por este acontecimento (ao qual considera-se um ato de desumanidade) os promotores da paz mundial declaram a guerra (também um ato desumano) no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003) a fim de instaurar dias melhores e redimir aquelas nações e, consequentemente, seus povos com suas culturas e etnias diversificadas.

             A ideia de redenção está bem presente nos discursos proferidos pelo presidente W. George Busch motivando a todos os cidadãos norte-americanos, bem como, todas as nações “amigas”[5] a lutarem contra toda e qualquer forma de terrorismo. A conclamação inicia-se invocando “o nome de Deus” e termina dizendo “Deus Salve a América”. Há uma conotação não-direta do povo para lutarem em nome do Deus Cristão contra o Mal, os infiéis e encarnados na cultura islâmica, pois os muçulmanos foram os primeiros acusados de realizarem o atendo do dia 11 de Setembro. Assim, fica evidente que o Bem pertence ao mundo Ocidental e o Mal está presente no mundo Oriental, especificamente, no mundo muçulmano. Os norte-americanos desenterraram a velha idéia de Guerra Santa que remota à época das Cruzadas Medievais onde os cristãos queriam salvar, “redimir” o mundo, destruindo os infiéis mouros-muçulmanos. Mas salvar de que? A idéia de cristandade permeava todo o universo de representações simbólicas existentes na Idade Média, por isso, era preciso salvar o mundo do Mal, do não-cristão, pois estes se tornaram uma ameaça à fé da Igreja e dos bens materiais que a mesma possuía

   Os conflitos atuais imbuídos de apelos religiosos caracterizam o mesmo perfil medieval, apenas com uma pitada de transformações nos arsenais de guerra. Ao invés da espada e do escudo, típicas armas medievais, utilizam-se agora mísseis teleguiados por computadores a milhares de Km de distância, com aviões subatômicos e com milhares de tanques com um poder bélico de fogo não imaginado. E o mais sensacional disto: tudo supervisionado por satélites espaciais[6].

             Estes conflitos atuais encharcados de sentimentos de vingança e utilizando-se de conceitos religiosos fundamentalistas trazem uma grande preocupação para as religiões, as pessoas de boa fé e, em especial, os movimentos ecumênicos e macro ecumênicos que acreditam e propagam que é possível uma boa e saudável convivência numa mesma morada, pois todos pertencemos à mesma casa universal, todos somos parte do mesmo ethos que compreende toda a dimensão do humano (Boff, 1999 e 2003). Vários grupos religiosos se pronunciaram contra a Guerra e fizeram ações concretas através de passeatas, vigílias, fóruns de debates e manifestações em conjunto com outros movimentos como o Movimento antiglobalização (Gohn, 1994). Também, estes movimentos ecumênicos e macro-ecumênicos se pronunciaram em relação à utilização do nome de Deus por parte de Busch a fim de justificar a guerra que se torna sagrada para o povo norte-americano ferido em sua honra. Na verdade, a critica não foi somente ao fato do presidente Busch utilizar o nome de Deus para promover a Guerra, mas também, para todos aqueles que se utilizam do nome de Deus com interesses sui generis como os próprios grupos islâmicos, entre eles, o Taleban e a Al Quaeda.

         

   Interpelados por este contexto político-religioso faz-se necessário discutir os diálogos inter-religiosos a fim de incentivar a importância do ecumenismo e do macro ecumenismo na sociedade atual que vive momentos de incertezas. Entende-se aqui ecumenismo como meio de bons relacionamentos e da propagação da paz, da justiça, da igualdade entre os povos e, na perspectiva do Fórum Social Mundial, da possibilidade questionadora – Um outro mundo é possível? Na verdade, o Movimento Ecumênico possui várias experiências que demonstram que é possível sim viver esta utopia de uma sociedade plural, diferente, que respeite o princípio da alteridade, ou seja, o outro como expressão maior da Pessoa Humana (Mounier, 1976).

Este artigo pretende discutir exatamente este princípio do valorar humano em sua importância de se trabalhar o ecumenismo nas diversas instâncias sociedade civil e política (Gramsci, 1985 e Gohn, 2001). Em um primeiro momento estar-se-á refletindo sobre a cosmogênese dos movimentos ecumênicos e macro ecumênicos. Posteriormente, buscar-se-á refletir a partir de uma leitura dos escritos joaninos a fim de realizar uma fundamentação teórica tendo como pano de fundo a mensagem do Evangelho. E, por fim, estar-se-á demonstrando o possível de uma experiência macro ecumênica realizada a partir de duas realidades concretas vivenciada pelas Irmãzinhas e os Irmãozinhos de Jesus que possuem a espiritualidade do Irmão Charles de Foucauld e pelos Irmãos da Comunidade de Taizé.

 

1.   O ecumenismo e o macro ecumenismo: Origens e Princípios

 

             Neste princípio torna-se necessário pensar de forma concreta a significação de uma primeira definição de ecumenismo. Assim, ecumenismo é, antes de tudo, pensar e agir de maneira coerente a fim de que a fé venha ultrapassar todas as barreiras dos preconceitos, das violências, do desamor, das divisões entre os irmãos e irmãs, dos racismos, enfim, das denominações que se dá a essa fé ou crença. Assim, ecumenismo vem do grego (OIKÓS = que significa casa) e a palavra menismo que também é proveniente do grego (MENEN = que significa morar, habitar, conviver). Algumas palavras muito comuns ao nosso vocabulário possuem a mesma raiz, como por exemplo: ecologia, ecossistema, economia e ética. Por isso, significa etimologicamente morar na casa, habitar a casa e convivência na casa, comum a todos os homens e mulheres da Terra (a grande morada humana). Ela não possui nenhum sentido ou conotação religiosa em sua origem, pois era utilizada pelos gregos para demonstrar exatamente a relação do Homem (antropos) com a Casa Comum à qual todos habitamos (Oikoumene).

 

MARTINHO LUTERO

             A divisão ocorrida no século XV entre protestantes e católicos trouxe para a humanidade dias melhores (mais pessoas podendo ler e escrever e com direito de possuir a Bíblia em língua nacional, chamada de vernácula) e, também, tristes dias (divisões, guerras e perseguições). Somente cinco séculos mais tarde é que se pode observar uma ação conjunta entre diversas Igrejas cristãs, no esforço de acabar com as velhas diferenças e agressões mútuas. Igrejas diferentes sentando para dialogar, acolhendo membros de outras denominações, assumindo posturas e ações conjuntas em benefício da humanidade, principalmente, dos mais necessitados. Surge, assim, no século XX o movimento ecumênico.

  O Movimento Ecumênico tem suas raízes fundadas dentro dos movimentos missionários protestantes do século XIX e dentro dos movimentos sociais[7] que lutavam por melhorias de vida. Diversas entidades evangélicas ecumênicas começam a surgir no século XIX com objetivos missionários para evangelizações de povos não-cristãos, bem como, contra a corrupção do cristianismo (os cristãos não estão mais sendo fiéis aos princípios do evangelho), pois não possuem uma vida simples, piedosa e com ênfase na santificação. Surge em 1847 a Aliança Evangélica Mundial e, em 1878, a Associação Cristã de Moços, ambas pregavam a unidade. Surge, também, anos mais tarde a Federação Universal das Associações Cristãs de Estudantes, fundada por John Mott, juntando 13.000 jovens de diversas denominações para missões na Índia.

Devido às dificuldades encontradas nas missões de evangelização aos povos não-cristãos, aparecem preocupações que levam os evangélicos de várias igrejas a se reunirem em conferências globais sobre as missões, tendo a sua primeira conferência realizada em 1810, na cidade do Cabo (África do Sul), continente africano, com meia dúzia de entidades protestantes. A partir de então, diversas denominações resolveram continuar se reunindo para estudar a resistência à mensagem cristã pregada pelos evangélicos de diferentes igrejas. O resultado desses estudos culminou na fundação de diversas entidades ecumênicas, já citadas acima. Porém, a problemática continuou. Não havia unidade na missão, ou seja, estavam falando “línguas diferentes”.

             Um século após, em Edinburg, na Escócia, foi realizada a primeira Conferência Missionária Universal (1910), sendo a maioria dos participantes, delegados oficiais de suas missões e igrejas, que trabalhavam entre os povos não cristianizados. Essa Conferência é conhecida como o marco do movimento ecumênico moderno. Dela surgiram: o Conselho Internacional de Missões, a Conferência Vida e Atividade (tratando de problemas sociais) e a Conferência de Fé e Ordem (tratando das diferenças doutrinárias entre os cristãos). Daí em diante iniciou-se a preparação da criação da proposta de fundir os Movimentos Fé e Ordem com a Vida e Ação. Nasceria assim, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que devido a Segunda Guerra Mundial, só foi possível constituí-lo em 1948.  O CMI hoje tem 324 igrejas filiadas. Sendo que na sua fundação reuniu 147 igrejas evangélicas.

             O Conselho Mundial de Igrejas se define como uma “comunhão de igrejas que aceitam Jesus Cristo como Deus e Salvador, segundo as escrituras, e por isso buscam cumprir em conjunto sua vocação cristã para a glória de Deus Pai, Filho e Espírito Santo”  (CONIC, 2004: www.conic.org.br). Agrega muitas outras agências ecumênicas espalhadas por todo mundo, como por exemplo, a CLAI (Conselho Latino Americano de Igrejas), CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil) e o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos).

             O movimento ecumênico no Brasil surge somente a partir do século XX, dividindo-se em três fases distintas: o primeiro foi um ecumenismo interprotestante (1903-1960); o segundo um ecumenismo bilateral, a partir dos católicos e anglicanos (1960-1982) e, por último, um ecumenismo que poder-se-á afirmar que inicia-se com a fundação do CONIC (1982).

             O ecumenismo interprotestante se caracterizou por três elementos fundamentais: herança comum, tanto das orientações dos seus fundadores como também da acentuação no caráter da conversão pessoal; na unificação dos projetos de evangelização; e, o terceiro, uma forte oposição a Igreja Católica Romana.

             A segunda fase do movimento ecumênico no Brasil dar-se-á com as iniciativas da Igreja Católica e da Igreja Episcopal Anglicana. Na segunda metade dos anos 50, membros da hierarquia Católica começaram a se preocupar e a realizar encontros com diferentes grupos de tradições cristãs que tinham abertura para o diálogo ecumênico. Estes encontros se realizaram somente entre as Igrejas ditas históricas, localizadas na região sul do país.  Por sua vez, em 1966, a Igreja Episcopal Anglicana no Brasil institui a Comissão de Ecumenismo, viabilizando contatos bilaterais com as demais igrejas cristãs evangélicas. Já em 1968 realiza encontros com a Igreja Metodista, para estudos teológicos a fim de verificar as semelhanças e diferenças entre as duas.

 

            A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) antes do Concílio acompanhava à distância o movimento ecumênico brasileiro. Porém, após o término do Concílio Ecumênico Vaticano II[8] (1965) ela começou a pensar o ecumenismo de forma mais articulada e explícita com os seguintes elementos: a formação da consciência ecumênica, o desenvolvimento de relações institucionais com outras confissões cristãs e a publicação de orientações teológico-pastorais sobre ecumenismo (Wolff, 2002).

O Concílio Vaticano II foi sem dúvida, um marco para o ecumenismo católico, tanto do Brasil como para o restante do mundo.  Conclamava a Igreja para uma tomada de consciência ecumênica. O próprio Concílio se auto proclamou como ecumênico[9]. Neste intuito foram convidados a participar, como ouvintes, cristãos não-católicos. Foi produzido um documento conciliar, Unitatis Redintegratio, que reconhece o movimento ecumênico como graça do Espírito Santo (UR 2-4) e trata do ecumenismo prático, principalmente o espiritual (UR 5-12), e também em compreender e melhorar os relacionamentos entre as Igrejas e as Comunidades Eclesiais Separadas da Sé Apostólica Romana, tratando de forma separada as igrejas orientais e as ocidentais (UR 19-23).  Embasados nos documentos conciliares do Vaticano II, o Papa João Paulo II, em preparação para a festa do Grande Jubileu cristão de 2000, escreve a Encíclica: Ut Unum Sint (1996) (Para que todos sejam um), novamente conclamando toda a Igreja a dar uma especial atenção ao diálogo religioso a fim de que o ecumenismo se efetive entre os cristãos. E fala dos mártires de diversas igrejas, como exemplo a ser seguido. Diz o Papa: “Isto não poderá deixar de ter uma dimensão e uma eloqüência ecumênica. O ecumenismo dos santos, dos mártires, é talvez o mais persuasivo. A communio sanctorum, fala com voz mais alta que os fatores de divisão” (CNBB, 2000: 5-6).

 

            O CONIC foi a expressão mais importante da história do ecumenismo no Brasil. Produto da caminhada ecumênica mundial e especificamente brasileira. Fundado no contexto da Teologia da Libertação e das preocupações pela a melhoria e a defesa da vida humana, independente dos credos e igrejas. No ano 2000, na festa jubilar, o CONIC realizou a primeira Campanha da Fraternidade[10] (CONIC-CNBB, 1999) em suas Igrejas membros, e no ano 2005 promoverá novamente (com o tema Paz). Uma outra atividade que há anos vem se realizando é a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Ultimamente vem crescendo a participação a cada ano e tornando-se um momento forte de encontros e estudos a respeito do diálogo inter-religioso e ecumênico.

             O termo ecumenismo foi apropriado por determinados grupos participantes da casa cristã, mesmo de diferentes igrejas, tendo como objetivo diminuir as seculares distâncias, as divisões e as tenções entre as históricas Igrejas Cristãs. Mais especificamente foi utilizando-se, a partir da criação do Conselho Mundial de Igreja.

             A discussão ecumênica avançou bastante a ponto de ultrapassar as barreiras da “casa cristã”, para chegar a outras expressões de fé, a grupos que invocam o Outro. Esse avanço não é menos tenso que o diálogo no seio dos seguidores de Cristo, ao contrário, as resistências são bastantes maiores, visto que, essas expressões e grupos religiosos são “desconhecidos”, ou seja, não são da linhagem cristã. Para designar esse diálogo entre as religiões usa-se bastante a expressão macroecumenismo ou diálogo inter-religioso. Esta palavra foi cunhada publicamente nos encontros da APD (Assembléia do Povo de Deus) (CASALDÁLIGA, Pedro. In: TEIXEIRA, Faustino, 1997: 33). 

 

Há quem prefere usar também a palavra ecumenismo, dando um “novo” conceito, para relacionar ao diálogo das diferentes religiões, tendo como princípio a própria raiz grega da palavra: habitantes da mesma casa, aqui entendendo como a casa-mundo-planeta-universo-cosmos-infinito. Somos todos filhos e filhas do Ser Sagrado, criador de todas as coisas, portanto, irmãos e irmãs pela humanidade e com a humanidade mátria e pátria, mas, diferentes ao falar e se expressar para se relacionar com Ele. No Brasil, as idéias macroecumênicas encontram terreno fecundo, devido à natureza sincrética do catolicismo brasileiro, que de certa forma, influenciou a sociedade brasileira e a mentalidade religiosa do país. Segundo Dom Pedro Casaldáliga, os traços mais importantes do macroecumenismo são: a maturidade e a liberdade da afirmação da identidade própria, a escuta ao Deus da Vida que continua se revelando e a paixão por seu projeto de libertação plena, e a abertura fraterna-irmã a todas as pessoas, culturas, religiões e ao diálogo sincero em pé de igualdade (CASALDÁLIGA, Pedro. In: TEIXEIRA, Faustino, 1997: 38).

             Apesar de todas as dificuldades e problemáticas a serem ainda resolvidas, encontra-se exemplos concretos da vivência ecumênica e macroecumênica por todo o mundo. Escolhe-se aqui, portanto, duas experiências para validar toda a discussão do diálogo entre os cristãos e entre as religiões, que serão apresentadas mais adiante. A primeira é referente à vivência das Irmãzinhas e Irmãozinhos de Foucauld e, em um segundo momento, o caso da Comunidade de Taizé.

Discípulos de Jesus: permanecei unidos

 

             Neste século XXI, os cristãos são convidados a permanecerem unidos. Como já foi dito, é causa de escândalo para a sociedade a divisão entre os cristãos em várias denominações, cada qual procurando realizar uma espécie de mercado do sagrado onde se vende o Jesus católico, o Jesus da Assembléia, o Jesus Metodista, enfim, todos são interpelados pela força do Evangelho a assumir a dimensão da aceitabilidade do outro como o meu irmão e irmã de fé, mesmo sabendo que nossas diferenças que hoje são causas de separação, amanhã (com a conversão do espírito = ruah) deverão ser motivos de alegria, pois o louvor a Deus, “Verbo que se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo. 1, 14). Pela fé dos cristãos, Deus vem morar com a gente, assume a condição de fraqueza e tentações humanas (Mt. 4, 1-11; Mc. 1, 12-13; Lc. 4, 1-13) e a imortalidade de todos. É o Verbo de Deus que se encarna entre os homens, em uma cultura, com suas formas variadas de vida, ou seja, até mesmo o Verbo já nos ensina ao vir ao mundo, pois cumpre fielmente o mandato que diz: “(...) tira as sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa” (Ex. 3, 5).

             Como cristãos todos são convidados a anunciar o amor do Pai, um amor que não exclui ninguém. Quem vai acreditar nesse anúncio se produzirmos disputas internas e não nos unirmos para construir um mundo mais justo, fraterno e de paz? Quem vai acreditar no Pai e no nosso amor para com Deus, se formos indiferentes ao sofrimento dos irmãos? A história das nossas relações com os que sofrem e os caídos, é o retrato da sinceridade das nossas relações com Deus. E isso não é novidade. No começo do primeiro milênio, a Palavra de Deus já nos advertia: "Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê" (1Jo 4, 20).

             O diálogo e a cooperação mútua das Igrejas Cristãs são um sinal luminoso para o mundo que não crê e para todos os que acham que a competição e a violência terão sempre a última palavra. Ecumenismo não é uma política de boa vizinhança entre Igrejas, mas o testemunho indispensável para sermos fiéis ao mandato de Jesus: “Nisto todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34-35), e para termos credibilidade ao anunciar a salvação. Igrejas se comportando como irmãs e aliadas, em vez de se apresentarem como concorrentes, são um sinal poderoso da gestação do novo, da força da graça redentora, da possibilidade de reescrever a história na direção do Reino de Deus.

             Em Jo. 17 Jesus aponta os rumos para seus discípulos e lhes dá um ensinamento para que permaneçam unidos na fé e na oração. A chamada oração sacerdotal que Jesus faz antes de assumir a hora crucial de sua vida representa um alerta para os cristãos de hoje. Ele ao se glorificar ao Pai, dá a vida eterna a todos nós, cristãos ou não-cristãos. Significa que a mensagem da salvação é para todos. Pela nossa fé somos chamados a vivenciar os mandamentos de Jesus o que não nos dá o direito de monopólio de Deus que pertence a todos os Povos da Terra que o louvam conforme suas culturas, suas simbologias e suas linguagens.

             Todos são interpelados a conhecer o projeto de Jesus que é o projeto do Pai. Jesus não aponta exigências doutrinais e, muito menos, dogmáticas para se viver o Evangelho. Assim, compreende-se que a mensagem dos escritos joaninos abre-se para a dimensão universal da proposta salvadora. Com isso, todos, independemente de raça, etnia ou credo podem seguir Jesus. Não se pode esquecer que no Congresso latino-americano da Juventude realizado na Nicarágua na década de 80 do século XX, uma jovem indígena entregou a Bíblia ao Papa João Paulo II anunciando que a mensagem de vida contida nas Sagradas Escrituras serviram somente para causar guerras, mortes, desesperanças... Assim, seu povo a devolvia, pois já viviam no cotidiano a proposta do Evangelho.

 

             Jesus se manifesta no amor a todos os homens da terra. Por isso, os discípulos Deles são chamados a realizar o mesmo. O amor aqui significa compromisso com o projeto do Reino e os cristãos são intimados a assumir este engajamento. Disse Jesus: “Agora reconheceram que tudo quanto me deste vem de ti, porque as palavras que me deste eu as dei a eles, e eles as acolheram e reconheceram verdadeiramente que saí de junto de ti e creram que me enviaste” (Jo. 17, 8).

             A prece que Jesus faz ao Pai causa muita emoção, pois pede e roga ao Pai que faça os seus permanecerem unidos na fé. Ele roga por todos, pois toda humanidade permanece no mundo. Ele pede ao Pai que os guarde. Guardar significa evangelicamente cuidar, e só cuida quem ama. Guardar “em teu nome que me deste, para que sejam um com nós” (Jo. 17, 11). Jesus repete duas vezes que os que querem seguir o projeto não são do mundo, pois estão marcados a lutar pela vida e dignidade, assim como Ele não é do mundo.

             O amor exige santificação de vida e conversão de espírito para que a Verdade possa ser anunciada. O Pai enviou seu Filho Jesus para dar a Boa Nova ao mundo e todos são continuadores deste projeto, pois, pelo Batismo e pela fé em Cristo Jesus são também enviados a anunciar a mensagem de vida contida no Evangelho e a denunciar todo sistema de morte. Os crentes são todos aqueles que praticam a Verdade que é Jesus na vida, no cotidiano. Esta Verdade é, antes de tudo, amor pleno. E só tem amor aquele que dá a vida pelo amor sempre no seguimento do projeto de Jesus que afirma: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10, 10).

 

  Por três vezes Jesus pede ao Pai para que seus discípulos permaneçam unidos (Jo. 17 11.21-23). A união tem aqui um significado especial. Não significa de forma alguma uniformidade ou adestramento a um pensamento único, mas o ato de aceitar a dimensão do outro como meu irmão e que tem a sua fé diferente da minha o que não significa que ele esteja errado. Dessa forma, os cristãos são convidados por Jesus: “(...) para que todos sejam um como nós. (...) a fim de que todos sejam um. Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um: (...) para que sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como amaste a mim”.

             Por isso, sonha-se que se possa rezar juntos a oração que Jesus de Nazaré nos ensina hoje e sempre, na esperança de conseguir com que os cristãos dêem o testemunho do Reino já presente. Assim, diz o final do Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica (Cf. CONIC-CNBB, 1999) de 2000, fazendo com que nossos sonhos num mundo de justiça e dignidade se fortaleçam a partir das ações concretas.

 

                  Para todos o Pai, o pão e a paz

Os cristãos aprenderam de seu Mestre a oração do Pai Nosso. Não é só uma prece; é o próprio programa do Reino que Jesus nos ensinou a pedir. Pedindo nos comprometemos com esse programa em nossa vida e afirmamos a confiança na graça que torna possível que venha a nós o Reino do Senhor.

                  Pai nosso que estás nos céus

Ao dizermos Pai Nosso já estamos afirmando a dignidade de todos, sem exclusão: ninguém, qualquer que seja a sua situação deixa de ser filho (a) do Pai de todos. O outro não é um desconhecido que podemos ignorar, um estorvo que se deve descartar, nem um competidor contra o qual tenho que me prevenir. É um irmão, uma irmã, para amar, defender e valorizar, como se espera que aconteça em qualquer família digna desse nome.

                  Santificado seja o teu nome

A santificação do sagrado Nome de Deus-Pai está ligada à defesa da dignidade humana e ao diálogo cristão. Desprezamos o Pai quando permitimos o descarte daqueles (as) que Ele ama. Desqualificamos nosso discurso sobre a glória do Pai quando nos apresentamos divididos diante do mundo que não crê.

                  Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade.

O Reino de Deus e vontade do Pai passam por relações mais do que justas: fraternas, solidárias generosas e, portanto, construtoras de paz.

                  Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia

O pão nosso de cada dia não pode faltar, em nenhuma casa. Ele é o sinal concreto que mostra se estamos ou não sendo fiéis ao projeto do Pai. Não é o pão do exagero, da acumulação; é o pão das necessidades humanas atendidas com digna simplicidade, bem repartido para que o supérfluo de uns não seja a carência de outros.

                  Perdoa as nossas dívidas assim como nós nos perdoaremos

O perdão das dívidas deve estar presente na vida pessoal, para que ressentimentos não envenenem a paz nas casas e nas comunidades. Deve estar presente também entre as Igrejas que precisam curar as feridas de séculos de separação e enfrentamento. Mas tem que estar presente também no resgate das dívidas sociais que esmagam os filhos e filhas de Deus.

                  Fortalece-nos na tentação; livra-nos do mal

Idéias sedutoras e sistemas que não reconhecem o valor da pessoa estão aí prontos para serem usados como desculpa para deixar tudo como está. Jesus disse que as portas do inferno não prevaleceriam sobre a sua Igreja. Temos o direito e o dever de pedir ao Senhor da História que nos ajude a construir um novo milênio parecido com a Nova Jerusalém, onde o mal vai sendo vencido e as lágrimas vão dando lugar à alegria.

                  Teu é o reino, o poder  e a glória

Não sonhamos utopias vazias. O nosso sonho vem assinado por Deus, selado com o sangue do Cordeiro, aquele que vence o mal e a morte e que reinará para sempre.

        

             É verdade que a grande virada da Igreja Católica em relação ao ecumenismo aconteceu após o Concílio Vaticano II. No entanto, havia movimentos ecumênicos não "oficiais" e não hierárquicos dentro da própria Igreja Católica que, de certa forma, contribuíram para se falar de ecumenismo no Concílio, a partir de algo concreto, vivido. Eram as fraternidades de Foucauld e a Comunidade de Taizé. Vamos primeiro abordar o ecumenismo Macro das irmãzinhas e dos irmãozinhos de Foucauld. Em seguida, ver-se-á o Micro de Taizé.

            

3.1  O seguimento do projeto do Reino na perspectiva das fraternidades de Foucauld

 

             O movimento ecumênico hoje suscita um alargamento no seu conceito, incitando a uma abertura maior para o diálogo. Dialogar com aqueles que também não fazem parte da oikos cristã. Essa é apenas uma resposta para os dias atuais, de intensa aproximação dos povos através dos rápidos e poderosos meios de comunicação e transporte?  O Macro-ecumenismo é uma necessidade apenas de hoje? É necessário passar pelo ecumenismo cristão para depois para o macro ecumenismo?   

           As fraternidades de Foucauld fizeram um caminho "às avessas"; começaram sua "missão" ecumênica do macro (global) para o micro (local). Desde suas fundações, as comunidades se inseriram no mundo não cristão, especificamente, na convivência com os povos islâmicos. Essa intuição advém do próprio inspirador e místico, Irmão Charles de Foucauld, que iniciou a espiritualidade de Nazaré, deixando escritos e um legado, no qual seus inspirados deram continuidade e a propagaram por todo o mundo. 

             Charles de Foucauld nasceu em Estrasburgo, na França, no ano de 1859. Ainda criança, ficou órfão de pai e mãe, sendo criado com o avô. Quando jovem, torna-se herdeiro de uma grande fortuna e vai servir o exército na Argélia, sendo repreendido várias vezes por indisciplina e má conduta. Em 1882 sai do exército e planeja uma viagem de exploração "secreta" ao Marrocos. De junho de 1883 a maio de 1884 permanece clandestinamente no Marrocos, estudando a geografia daquele país. Ao voltar para Paris, ganha um importante prêmio da Sociedade Geográfica Francesa, aumentando seu prestígio. Nesse mesmo período é ajudado por sua prima a reencontrar o caminho do cristianismo e acontece sua conversão. Vai em peregrinação à Terra Santa em 1889 e ao voltar entra na Ordem Trapista, no Convento Nossa Senhora das Neves. Passa sete anos na Ordem, abandonando-a em seguida, para viver mais radicalmente seu ideal de pobreza e aproximação de Jesus através da convivência com os mais pobres. É ordenado padre e vai para o deserto do Saara, morar junto com o povo islâmico, no oásis de Bani-Abbés, Argélia.

             O "ecumenismo" de Foucauld, com as pessoas de orientação muçulmana se aprofunda com o passar dos anos de convivência. Não faz proselitismo e sua missão é de imitar Jesus no escondido de Nazaré, no silêncio do deserto e na contemplação. Seu apostolado é de ser "um irmão universal" de todas as pessoas, levar Jesus Cristo pela vida. Eis o que escreve sobre o como viver esse apostolado cristão:

 

Como ser Apóstolo?

Pela bondade e pela ternura, pelo amor fraterno, pelo exemplo de virtude, pela humildade e doçura sempre e tão cristãs.

Com alguns, sem lhes dizer nunca uma palavra sobre Deus ou sobre religião, sendo bom como Deus é bom, sendo irmão no afeto e nas preces.

Com outros, falar de Deus na medida em que podem assimilar.

Sobretudo, ver em cada homem um irmão (...).

Ver em cada homem um filho de Deus, um homem resgatado pelo sangue de Jesus (...).

Afastar de nós o espírito conquistador (...).

Como é grande a distância entre a maneira de fazer e de falar de Jesus e o espírito conquistador daqueles que não são cristãos ou são maus cristãos e só vêem inimigos a serem combatidos. (LEPETIT, 1982: 153-154).

                Foucauld abre sua casa para acolher os pobres e os viajantes. Cria fortes amizades com vizinhos e moradores da localidade. Num dado momento de sua vida no deserto, ficou muito doente, e como morava só, teve somente as amizades muçulmanas para o socorrer. Foram seus vizinhos e amigos que cuidaram dele até sua recuperação, salvando sua vida.  Com uma forte paixão por aquele povo, foi morar mais adentro do deserto, com os Tuaregues em Tamanrasset, sul da Argélia. Neste momento de sua vida, de tanta identificação com aqueles pobres, escreve o primeiro dicionário Tuaregue-francês. É a prova do amor e identificação com aquele povo. Em plena Primeira Guerra, Foucauld é assassinado no dia primeiro de dezembro do ano de 1916. Morreu sem deixar nenhum discípulo ou discípula, como queria. Deixou seu legado espiritual através de vários escritos. A partir de 1933, dezessete anos após sua morte, as fraternidades que tanto desejou em vida, começam a ser fundadas. As palavras de Jesus, o qual chamava de Bem-amado, se cumpriu: "Se o grão de trigo não morre, fica só, mas se morre produz muitos frutos". 

             As primeiras comunidades que surgiram para viver a espiritualidade de Nazaré, nos passos do Irmão Carlos[11], foram as Irmãzinhas do Sagrado Coração, os Irmãozinhos de Jesus e as Irmãzinhas de Jesus. Depois, não parou de surgir grupos e mais grupos, por todo o mundo, que alimentados pela espiritualidade de Foucauld desejam ser "fermento na massa", ser irmãos e irmãs universais.

             Desde as primeiras Fraternidades[12], a ida ao encontro do "outro" foi envolvida de sentimentos macro-ecumênicos: o amor, o respeito, o ouvir e o aprender com os não cristãos. As Irmãzinhas e os Irmãozinhos de Jesus iniciaram sua missão em território não cristão, na terra onde Foucauld tinha vivido seu apostolado, ou seja, na Argélia. Portanto, um forte motivo para o macro ecumenismo. Sendo que, as irmãzinhas de Jesus surgiram para se dedicarem às populações muçulmanas, tendo suas primeiras fraternidades em territórios islâmicos. Essas fraternidades foram enviadas aos quatro quantos do mundo. E nessa expansão das fraternidades, René Voillaume, fundador dos Irmãozinhos de Jesus, por ocasião da instalação de uns irmãozinhos entre a tribo dos Uldemês, em 1951, no norte do Camarões, África, escreveu para seus irmãozinhos:

Por mais que pareçam longe de nós e tão difíceis de compreender em certos dias, não devemos nunca cessar de amá-los com infinito respeito (...) Todo o esforço de vocês, deve visar compreendê-los, amá-los e respeitá-los, como o faria Jesus, se vivesse entre eles (...) não os julguem, jamais zombem deles, jamais sejam irônicos a seu respeito! Jesus não o faria. (VOILLAUME, 1967: 50-51).

 

             As Irmãzinhas de Jesus a partir de 1946 deixaram a exclusividade para os muçulmanos e foram também habitar e partilhar a vida dos mais pobres de todo o mundo, dos mais esquecidos, àqueles que ninguém quer ir. A Irmãzinha Madalena, fundadora das Irmãzinhas de Jesus dizia: "Procurem no mapa mundi e escolham viver entre os pobres e os mais abandonados, entre os nômades ou outras minorias ignoradas e desprezadas, inatingidas por outras formas de apostolados".[13] Quando envia suas irmãzinhas às diversas partes do mundo, as instruem sobre a abertura para todos, independente da crença e religião:

 

IRMÃZINHA MADALENA DE JESUS

Gostaria que vocês acreditassem que pode existir uma amizade verdadeira, um afeto profundo entre as pessoas que não são da mesma religião, nem da mesma raça, nem do mesmo ambiente. É preciso que seu amor cresça e se aprofunde e se matize de delicadeza. O amor generoso se encontra facilmente, mas o amor delicado e respeitoso por todos é raro.[14]

             Surgiram as primeiras freiras operárias, as primeiras freiras ciganas, as primeiras freiras presidiárias, as primeiras freiras nômades das tendas, as primeiras freiras de circo... Freiras assumindo a vida dos pobres e dos abandonados do século XX. Missionárias e contemplativas no cotidiano da vida. Mas, seu apostolado é o do amor, da amizade gratuita, a simples presença, no se fazer igual a seus vizinhos. Disse Irmãzinha Madalena: "(...) faça-se toda a todos: árabe no meio dos árabes, nômades no meio dos nômades, operária no meio dos operários, mas antes de tudo, humana no meio dos humanos. (...) que seja uma só coisa com todos"[15].

 

IRMÃZINHA GENOVEVA E OS TAPIRAPÉS

             As Fraternidades de Foucauld estão no Brasil desde 1952, com a chegada das Irmãzinhas de Jesus, para fundar a primeira fraternidade na América Latina. Em 1985, Irmãzinha Genoveva, uma das primeiras que vieram, e continua até hoje na aldeia Tapirapé, conta como foi esse início:

Então, vocês estão vendo aqui, todas essas casas, que tem umas... vinte casas, agora, nessa aldeia. Que são uns duzentos e dez tapirapé hoje. E quando nós chegamos aqui, eram somente cinquenta.

Então nós viemos aqui, já faz trinta e dois anos. E quando foi para escolher uma fraternidade aqui no Brasil, foi escolhido justamente os índios, por ser os mais... que não interessava muita gente. E os tapirapé foi escolhido por ser justamente um número resumido e eles estavam em fase de extinção. Foi a razão pela qual viemos aqui. Sem outra intenção, à não ser viver com eles. E valorizar, assumir a vida deles, pra que eles acreditem que ela tem valor. Isso que nós fizemos.

É claro que naquele tempo estávamos muito isoladas. A Igreja num... era uma coisa nova, num se entendia, mas como éramos muito isoladas, ninguém nos atrapalhou, primeiro.[16]

 

             A tribo cresceu, multiplicou-se. Hoje já são duas aldeias com mais de 500 tapirapé. E as Irmãzinhas de Jesus continuam morando lá.

             Essa forma missionária entres os índios do Brasil, sem intenção de fazê-los crentes em Jesus, de presenteá-los com Bíblias ou contar-lhes as "maravilhas do mundo civilizado", ajudou a inspirar e fazer surgir o CIMI - Conselho Indigenista Missionário (em 1972), uma organização da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na missão da promoção e dos direitos dos povos indígenas, sem fazê-los católicos apostólicos romanos e nem cristãos, mas que fortaleçam sua cultura e suas crenças. 

             Sem nenhuma presunção de converter "o mundo pra Jesus", as fraternidades de Foucauld estão em diversos países de todos os continentes em nome de Jesus, do Deus-Amor, na missão do amor incondicional. Talvez as palavras da Irmãzinha Madalena possa resumir bem essa forma ecumênica de viver a fé na espiritualidade Macro Ecumênica:

 

Permaneçamos as pequenas irmãs de todos, que possamos responder lealmente aqueles que nos colocam a questão: 'É porque você quer me converter que procura a minha amizade? - Não, eu o amo porque você é meu irmão em Deus'. É nesse sentido que eu digo, algumas vezes, que devemos ir entre os povos com uma amizade 'gratuita' que ama sem procurar um retorno, sem calcular os resultados obtidos. Por isso, ficamos desconcertadas quando nos perguntam: 'Quais são os resultados de seu apostolado?  Que influência vocês tem sobre aqueles que as rodeiam?'. É uma linguagem que não corresponde a nada para nós. Nossa vocação é fazer amar o Cristo através de nós, sem procurar conhecer os resultados. Deus os conta, Deus os vê.[17]

             O ecumenismo foi algo constante nas fraternidades. As Irmãzinhas de Jesus, por exemplo, deram passos muito ousados e proféticos: desde a década de 70, a congregação começou a ter irmãzinhas que não eram católicas. Em 1981, no quinto capítulo geral da congregação, um problema surgiu a respeito das irmãzinhas não católicas, a Cúria Romana atesta a inviabilidade de outras cristãs, que não sejam católicas, se tornarem parte de uma congregação de direito pontifício. A fundadora, diante dessa situação dolorosa, diz: "Aconteça o que acontecer, elas não devem se tornar católicas".[18] Apesar de poucas irmãzinhas não-católicas terem podido participar plenamente da fraternidade como Irmãzinha Madalena desejava, tinham chegado a um acordo: os votos das irmãzinhas não-católicas não seriam feitos "nas mãos" da responsável geral, mas na sua presença. Em setembro de 1996, duas irmãzinhas da Igreja Reformada Suíça, fazem seus votos definitivos na celebração presidida por um pastor evangélico, assim as portas do ecumenismo se mantiveram abertas para os evangélicos. 

3.2  O testemunho evangélico dos Irmãos de Taizé

A Comunidade de Taizé[19] surgiu no ano de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, quando o Irmão Roger (pertence a Igreja Calvinista da Suíça), deixando a Suíça, país que não se manteve neutra na guerra, comprou uma pobre casa abandonada, no interior da França, para servir de acolhida aos refugiados e aos perseguidos políticos e judeus. Repetindo um gesto de amor e solidariedade, que sua avó fez na Primeira Guerra Mundial.

 

             O respeito aos não cristãos e o amor àqueles que sofrem, esteve desde o início da Comunidade, fazendo de Taizé, um lugar aberto aos crentes e não crentes em Jesus, portanto, ecumênica.

             Irmão Roger não se limitou apenas em ficar acolhendo pessoas por tempo provisório. Não se limitou em tratar os outros não cristãos, os que não comungavam com sua forma de rezar e acreditar em Deus, somente com sentimentos de solidariedade emergencial. Ele ousou mais; acreditou que o diferente poderia viver em comunidade, na partilha cotidiana pela sobrevivência e na cooperação por uma causa a mais; que os cristãos de diferentes denominações e tradições religiosas poderiam dar testemunho dessa possibilidade; que os seres humanos podem ser felizes juntos, vivendo em paz, sem guerra, sem mortes e sem estarem divididos. 

             Mas como podemos imaginar que membros de igrejas historicamente divididas, com doutrinas e teologias diferentes, podem conviver e partilhar a fé e a vida, numa comunidade de vida comum?  

             Assim como as Fraternidades de Foucauld, Taizé nasce num espírito essencialmente ecumênico. No seu início, os irmãos de Taizé eram de origem evangélica, mas, logo católicos juntaram-se aos evangélicos, tornando-se uma comunidade de diversos credos cristãos, de diversas denominações cristãs: luteranos, calvinistas, presbiterianos, anglicanos, católicos e outros. Convivem sobre o mesmo teto, dormem na mesma casa, partilham os trabalhos e as refeições e, sobretudo, oram e lutam juntos pelo bem de todas as pessoas. São aproximadamente uns cem irmãos morando no vilarejo de Taizé, na França e em outras partes do mundo, como em Bangladesh e no Brasil, entre outros países; morando em bairros e lugares marginalizados, junto com os mais pobres. 

             Desde 1957, a Comunidade de Taizé tem acolhido jovens vindos de várias partes da Europa e do mundo, para passarem dias ou semanas de oração e convivência. Com o intuito de proporcionar essa partilha de oração na espiritualidade de Taizé, os irmãos começaram a ir a diversos países promovendo Jornadas da Confiança. No Brasil, a Comunidade chegou em 1966, e desde 1978 os irmãos moram em Alagoinhas-BA, a 110 km da capital do Estado, vivendo na periferia da cidade. Desde 1997, realizam a Jornada da Confiança a nível nacional. Este ano acontecerá na Cidade de Goiás, nos dias 08 a 12 de outubro. Esses encontros com a juventude, não têm por objetivo criar ao redor de Taizé um movimento particular, mas incentivar os jovens "a tornarem-se, nos locais onde moram, criadores da paz, portadores de reconciliação na Igreja e de confiança sobre a terra, comprometendo-se no seu bairro, na sua cidade, na sua paróquia, com todas as gerações, desde as crianças até as pessoas de idade".[20]

             Olhando para as Fraternidades de Foucauld e a Comunidade de Taizé, percebe-se a realidade, a possibilidade concreta do ecumenismo. Um ecumenismo que não esperou as resoluções eclesiásticas, não esperou que fossem decididas e assinadas leis ecumênicas, pela hierarquia. Mas um ecumenismo feito por cristãos, livres e não desacreditados com o essencial da vida humana, da bondade e esperança que habita em cada pessoa, desejosos por uma "vida boa", de paz e felicidade para o mundo; cristãos que colocaram em prática tão somente o mandamento do amor, deixado pelo próprio Cristo: "para que o amor com que me amaste esteja neles".[21]

 

BIBLIOGRAFIA

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

______________. Ethos Mundial. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

CNBB. O que é ecumenismo? Uma ajuda para trabalhar a exigência do diálogo. Coleção: Rumo ao Novo Milênio. 4a. edição. São Paulo: Paulinas, 2000.

CONIC/CNBB. Campanha da Fraternidade 2000 (Ecumênica) – Dignidade Humana e Paz. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1999.

CONIC. Internet > http: www.conic.org.br . Brasília, 2004.

DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965) / [organização geral Lourenço Costa; tradução tipográfica Poliglota Vaticana]. São Paulo: Paulus, 1997.

DONEGANA, Costanzo (org.). Mulheres geradoras de fraternidade. In: Mundo e Missão, maio de 2004, ano 11 Nº 82.

FRUTOS DO DESERTO. Vídeo sobre a herança de Carlos de Foucauld. São Paulo: Verbo Filmes, 2003.

                    GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. 2ª. Edição. São Paulo, Cortez, 1994.

   ______________. Educação Não-Formal e Cultura Política. 2a. edição. São Paulo, Cortez, 2001. 120 p.

                        GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 5ª. Edição. São Paulo, Civilização Brasileira, 1985.

LEPETIT, Charles. O Parceiro Invisível. São Paulo: Paulinas, 1982.

MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. 4a. Edição. Lisboa, Martins Fontes, 1976. 210 p.

SPINK, Kathryn. O Chamado do Deserto. Biografia de Ir. Madalena de Jesus. São Paulo: Loyola, 1997.

TEIXEIRA, Faustino. Teologia das Religiões. São Paulo: Paulinas, 1995.

VOILLAUME, René. Nos Caminhos dos Homens. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1967.

WOLFF, Elias. Caminhos do ecumenismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 2002.

[1] Filósofo. Especialista em Ciências da Religião/UCG. Mestre em Educação/Unicamp. Membro do GEMDEC/Unicamp. Membro da Rede de Movimentos Sociais na América Latina (REDEMS).

E-mail: prof.claudemiro@uol.com.br

[2] Licenciada em Geografia. Bacharel em Administração. Especialista em Psicopedagogia/UFU e Metodologia do Processo de Ensino-Aprendizagem em Geografia/Universidade São Luís em Jaboticabal-SP. Especialista em Ciências da Religião/UCG. Professora na Rede Estadual de Ensino no Estado de Goiás – Ensino Fundamental e Médio. Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental I e II da Rede Municipal de Ensino em Goiatuba – GO.

E-mail: joanadarcgtba@hotmail.com

[3] Articulador Estadual em Goiás do Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC). Historiador e Teólogo. Especialista em Formação Sócio-Econômica do Brasil/Universo. Especialista e Mestrando em Ciências da Religião/UCG. Professor da Rede Estadual de Ensino em Goiânia. Leciona no Ensino Fundamental e Médio na cidade de Goiânia.

E-mail: klausalbuquerque@bol.com.br

[4] Bispo Católico da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT.

[5] Não se pode esquecer que a fiel escudeira dos Estados Unidos é a Inglaterra que tem como ministro Tony Blair, um trabalhista que assume toda a ideologia de poder sendo cooptado pela lógica do capital.

[6] Na verdade, os Estados Unidos da América gastou em torno de US$ 400 bilhões com a Guerra do Iraque em 2003. Desde quando o presidente Busch assumiu o poder na Casa Branca, iniciou-se um grande programa (retoma-se o modelo da Guerra Fria) chamado “Guerra nas Estrelas” com a finalidade de realizar maiores investimentos em arsenais bélicos que seriam utilizados contra países que viessem a se tornar infiéis aos acordos unilaterais organizados pelos USA.

[7] Os movimentos sociais surgem com toda a força no séc. XIX devido ao auge das chamadas Revoluções Industriais. A II Revolução Industrial foi o fim da era da passividade dos trabalhadores culminando na chamada revolução proletária fazendo surgir na sociedade os movimentos operários, os conselhos de fábricas e as reivindicações populares em busca de mais dignidade e vida para todos. Os cristãos vão aos poucos se inserindo nesta luta. Não se pode esquecer da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII.

[8] O Concílio Vaticano II aconteceu entre 1962-1965 sob os pontificados de João XXIII e de Paulo VI. A respeito do Ecumenismo e do Macro-Ecumenismo pode-se citar três documentos importantes que são: NA (Nostra aetate – Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs); a UR (Unitatis Redintegratio – Decreto sobre o ecumenismo) e a GS (Gaudium et Spes – Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje). Neste sentido, conferir Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, 1997.

[9] Torna-se importante destacar que vários consultores de outras igrejas foram convidados para participar do Concílio como observadores ad hoc.

[10] O tema da Campanha da Fraternidade foi Dignidade Humana e Paz com o lema: Novo Milênio sem exclusões.

[11] É também conhecido no Brasil como Irmãozinho Carlos de Jesus.

[12] Este nome é empregado para todos os grupos que fazem parte da Família de Foucauld, sejam as congregações religiosas, as associações de leigos ou dos padres diocesanos.

[13] MADALENA, Irmãzinha. Frutos do Deserto. Vídeo sobre a herança de Carlos de Foucauld. Verbo Filme, São Paulo, 2003.

[14] Op. cit. Pela Revista Mundo e Missão.  Maio de 2004, ano 11 Nº 82, pg. 24.

[15] Idem. pg. 24.

[16] GENOVEVA, Irmãzinha. Frutos do Deserto. Vídeo sobre a herança de Carlos de Foucauld. Verbo Filme, São Paulo, 2003.

[17] MADALENA, Irmãzinha. Op. cit. Pela Revista Mundo e Missão. Maio de 2004, ano 11 Nº 82, pg. 24.

[18] MADALENA, Irmãzinha. In: SPINK, Katryn. O Chamado do Deserto. São Paulo: Loyola, 1997.

[19] Nome do vilarejo francês onde surgiu a comunidade.

[20] DONEGANA, Costanzo, (Org.) Revista Mundo e Missão, julho-agosto 1999 - ano 06 Nº 34, pg. 23.

[21] JOÃO, Evangelho Segundo, capítulo 17, versículo26b

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VELHICE - ENTREVISTA

Entrevista! Emílio Moriguchi, uma das maiores autoridades brasileiras em geriatria, fala sobre como encarar a velhice  Mariana Kalil" – Donna, Zero Hora, 24-11-2015 h00 

No saguão principal do Hospital de Clínicas, em um canto protegido do entra e sai frenético de médicos e pacientes que movimentam a rotina de um dos centros de atendimento de maior fluxo do Estado, um japonês de estatura mediana, mochila nas costas, um celular em cada mão e sorriso afável apresenta-se pontualmente, nem um minuto a mais nem a menos, para esta entrevista. São 13h e ele está funcionando desde as 6h. Acaba de descer sete lances de escada com uma aparência inabalada. Este japonês chama-se Emílio Moriguchi, tem 57 anos e sua biografia é inversamente proporcional à humildade com que lida com o próximo e exerce a medicina há mais de duas décadas.

Um dos maiores especialistas em saúde do Brasil, coordenador do Centro de Geriatria e Gerontologia do Hospital Moinhos de Vento, Moriguchi formou-se na UFRGS e fez pós-doutorado pela Wake Forest University, de Winston (EUA). Aperfeiçoou-se em Metodologia de Pesquisa e Doenças Crônicas pela World Health Organization, na Suíça, e realizou doutorado pela Tokai University School of Medicine, no Japão. Não bastassem todas essas credenciais, uma maior vem de berço: é filho e herdeiro natural dos ensinamentos do mestre Yukio Moriguchi, o pai da geriatria no Estado, fundador do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) do Rio Grande do Sul.

Foi para falar a respeito de envelhecimento, prevenção, alimentação e hábitos de vida saudáveis que ele dedicou duas horas de uma rotina que só termina de madrugada para conceder a Donna a entrevista a seguir.

Donna – O senhor é professor visitante da cidade de Oklahoma, no Japão. Durante dois meses por ano, em fevereiro e outubro, viaja para o outro lado do mundo para dar aulas a estudantes de medicina e enfermagem. É convidado porque há alguns conhecimentos e conceitos esquecidos pelos profissionais japoneses. Quais são eles?

Emilio Moriguchi – O relacionamento humano e a importância do coração. Não o órgão, mas o sentimento. São disciplinas que enfocam a importância de se relacionar com os pacientes.

Donna – O senhor está dizendo que, em um país altamente tecnológico como o Japão, foi esquecida a importância do afeto na relação médico-paciente?

Moriguchi – Exatamente. Os alunos e os médicos desconhecem ou esqueceram. O Japão tem os melhores hospitais do mundo. Trata-se de um país altamente desenvolvido em tudo. Na questão da saúde, ninguém espera para ser atendido – e este atendimento é bastante socializado e justo. O funcionário que acabou de entrar na empresa, por exemplo, recebe o mesmo atendimento e no mesmo balcão que o presidente desta mesma empresa. Quanto a isso, está tudo certo. Porém, falta calor humano.

Donna – O senhor pode ser mais específico?

Moriguchi – O paciente chega ao hospital e é direcionado para o setor de enfermagem, que mede os sinais vitais. Simultaneamente, o computador vai gerando o checklist e os tipos de exames que precisam ser realizados. Então, o paciente sai dali e vai direto para o laboratório com a requisição em mãos para coletar o sangue. Em seguida, leva o resultado para o médico, que avalia e, se necessário, já o encaminha para outros exames que o paciente realiza imediatamente. É tudo muito rápido e extremamente eficiente.

Donna – E sem nenhum tipo de diálogo, pelo visto…

Moriguchi – (risos) O paciente sai da consulta extremamente satisfeito com a eficiência do serviço, mas sem sequer ter trocado uma palavra com o médico. Durante todo esse período, não se abriu espaço para um breve diálogo que seja. O paciente não foi ouvido, não teve a oportunidade de falar dos seus medos, das suas angústias, de nada.

Donna – O senhor considera essa relação médico-paciente tão importante quanto um serviço altamente eficiente?

Moriguchi – Em muitos casos, o problema do paciente é fundamentalmente emocional. Não há nada de errado com a saúde dele, ou até existem alguma alterações, mas são consequência de questões psicológicas que ele vem enfrentando. Se não consegue dialogar, não consegue resolver. É justamente por isso que os japoneses me pediram para começar a ministrar essas disciplinas de relação humana.

Donna – Tem uma clínica no centro de Tóquio que leva o seu nome, um reconhecimento público de que os seus ensinamentos nesses dois meses em que leciona no país são fundamentais para a evolução da medicina japonesa como um todo. Como funciona na prática o seu trabalho na clínica?

Moriguchi – Basicamente da mesma maneira que funciona aqui. Enfocamos muito a relação médico-paciente, a importância da empatia, de se colocar no lugar do outro para tentar compreender do que ele precisa, o que sente. A primeira pergunta que sempre faço aos meus pacientes, seja no Japão ou no Brasil, é: “Em que posso lhe ajudar?”. Na hora em que ele começa a falar, você tem que estar apto e disposto a ouvir. Muitas vezes acontece de um paciente chegar com indicação de tratamento para colesterol alto ou pressão alta e logo percebo que é tudo decorrência de algum problema familiar ou profissional. Ao entender o funcionamento daquela pessoa como um todo, consigo tratá-la melhor na sua necessidade. A clínica Emilio Moriguchi é conhecida no Japão como o lugar que trata o coração. Não o órgão, mas a alma.

Donna – O senhor anda sempre com dois celulares?

Moriguchi – Sempre (risos). É para evitar as áreas de sombra. Dou os números dos meus celulares para os pacientes particulares e do SUS. Me coloco sempre à disposição, afinal de contas, estou aqui para ajudar. Tem algumas pessoas que abusam (risos), mas a maioria se dá conta de que não é para abusar, e eu sempre estou às ordens. Esse interessar-se, o querer o bem, o serviço ao próximo é um espírito que se perdeu muito no Brasil, no Japão, em qualquer lugar.

Donna – O senhor aprendeu a colocar em prática esses valores aqui no Brasil?

Moriguchi – Eu nasci no Japão, vim para cá com 10 anos e me criei aqui. Este lado mais afetivo e mais humano certamente é decorrência do meu aprendizado inserido na cultura brasileira. Por outro lado, tive uma educação extremamente rígida do meu pai, que está se aposentando agora com 90 anos (Emilio é filho do professor Yukio Moriguchi, o pai da geriatria no Rio Grande do Sul). Ele é um japonês muito exigente que nunca permitiu ter o filho fora da linha, sobretudo o mais velho, que sou eu. Somos quatro irmãos, e eu era sempre o primeiro a ser cobrado e a apanhar, se fosse o caso (risos). Eu tinha que dar o exemplo. A disciplina e a ordem japonesas associadas ao calor humano brasileiro forjaram a pessoa e o profissional que eu me tornei.

Donna – Disciplina e ordem o senhor tinha em casa. Mas e o calor humano? Onde aprendeu?

Moriguchi – No ano de 1968, quando chegamos aqui em Porto Alegre, não sabia falar português. Meus pais me matricularam em um grupo escolar na frente do antigo prédio da Brahma, ali na Cristóvão Colombo. Ninguém conseguia falar comigo. Eu era um ser humano incomunicável. Havia um rapaz chamado Hugo que era a única pessoa que, sem abrir a boca, me levava para almoçar, mostrava onde era o banheiro, essas coisas básicas de sobrevivência. Ele me ajudou muito em tudo. Aquele calor humano me marcou demais – até porque era desconhecido para mim. Aos 10 anos de idade, aprendi com o Hugo como devemos tratar o próximo.

Donna – O senhor formou-se em medicina na UFRGS e voltou ao Japão para fazer doutorado. Quando chegou lá, já se sentia diferente dos médicos japoneses?

Moriguchi – Muito, e essa diferença era visível. Todos vinham comentar como eu tinha me tornado um profissional distinto, sobretudo porque falava com os pacientes. Coisas triviais, do tipo “como anda a vida?” ou “como está em casa e no trabalho?”. Eles diziam que isso não era papel do médico.

Donna – O senhor realiza um trabalho voluntário para atender a população agrícola japonesa do sul do Brasil. Percorre uma área de quase 4 mil quilômetros de estrada de terra para estar presente em colônias japonesas espalhadas por Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Gostaria que contasse como isso tudo começou.

Moriguchi – Quem iniciou este trabalho foi meu avô, em 1930. Ele foi o primeiro médico enviado pelo governo japonês para atender os imigrantes japoneses que não falavam português. Naquela época, ficou baseado em São Paulo e passava o ano inteiro a bordo de um jipe percorrendo da Amazônia ao Chuí. Quando completou 60 e poucos anos, foi diagnosticado com diabetes e soube que não viveria por muito mais tempo. Então, chamou meu pai para dar continuidade ao trabalho. Foi por isso que viemos para o Brasil. À medida que os anos foram passando, os japoneses do Norte foram desaparecendo, alguns migraram para São Paulo e Paraná, e as colônias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina ficaram sem assistência médica. Há 10 anos, quando meu pai completou 80, designou a mim esse atendimento. Trata-se de um trabalho voluntário que realizamos na época de inverno e tenho a companhia de alunos de Medicina e Enfermagem do Japão. Desde 2009, eles vêm para cá me acompanhar nessa jornada. Foi quando perceberam o atendimento médico mais humano e sugeriram que eu levasse como disciplina para o Japão.

Donna – A esperança de vida tem aumentado no mundo inteiro e o Brasil compartilha dessa mudança demográfica. Já se calcula dois bilhões de idosos em 2050. O senhor afirma que o envelhecimento com qualidade de vida é uma conquista que depende do esforço individual e coletivo na busca de hábitos saudáveis. Que hábitos são esses?

Moriguchi – É um conjunto que inclui alimentação, qualidade de vida, repouso, lazer, mas, acima de tudo, ter uma cabeça sã e um bom estado de espírito – requisitos fundamentais e tão esquecidos hoje em dia. Fundamos recentemente no Hospital de Clínicas um grupo de espiritualidade em Medicina, que consiste justamente em trabalhar todos esses quesitos para ajudar os pacientes a envelhecer bem e com saúde.

Donna – Veranópolis é a cidade mais longeva do Brasil, onde a expectativa média de vida é de 72 anos. Nesta comunidade, onde há muitos idosos, as pessoas envelhecem bem: com saúde, participando da comunidade. Toda a comunidade, inclusive os jovens, respeitam muito os idosos. Com base em seus estudos realizados em Veranópolis desde 1994, o que o senhor conclui de mais relevante no processo do envelhecimento saudável?

Moriguchi – O que aprendemos ao longo de todos esses anos com os idosos de Veranópolis é que são trabalhadores, alimentam-se sobriamente com os alimentos que eles próprios produzem, fazem bastante atividade física. Há uma unidade familiar, que é a parte de integração social, que fazem com que sejam ouvidos e respeitados por todos. Além disso, desfrutam de momentos de repouso e lazer, quando gostam de se reunir com amigos e com a família, e desenvolvem a espiritualidade, que é ter fé e saber que, mesmo dentro do sofrimento, tudo tem algum sentido.

Donna – O senhor concorda que o estresse é um dos maiores ladrões de vida que nós temos? Por quê? Como amenizá-lo?

Moriguchi – Meu pai sempre me disse que há duas coisas que não caem do céu: dinheiro e saúde. Realmente, são duas coisas que precisam ser batalhadas. No dia a dia estressante que levamos atualmente, é preciso lutar para ter uma alimentação saudável, momentos de lazer, tempo para a família. Claro que o trabalho é importante. Mas não pode ser tudo. Hoje à noite, por exemplo, combinei de jantar fora com minha esposa. Fechei minha agenda a partir das 18h justamente para isso. Precisa de planejamento? Claro que sim. Eu poderia ficar trabalhando, como sempre fico. Mas encontrar tempo para cuidar das pessoas que são importantes para nós contribui para nossa saúde e paz de espírito. No dia a dia estressante que levamos atualmente, é preciso lutar para ter uma alimentação saudável, momentos de lazer, tempo para a família

Donna – O senhor é religioso?

Moriguchi – Meu pai é bastante católico. Sempre rezou muito. Passamos por momentos de muita dificuldade e certamente o que o manteve em pé foi a fé. Quando viemos para o Brasil, ele ficou os primeiros três anos sem trabalhar, pois precisava revalidar o diploma. Vivíamos com suas economias. Minha mãe me acordava às 4h para ajudá-la a fazer pão, já que não tínhamos dinheiro nem para isso – e eu era o irmão mais velho. Tudo para que, quando meu pai e meus irmãos acordassem, o alimento estivesse na mesa. Ele sofria muito por não conseguir dar tudo o que desejava para a gente, mas estava sempre com o terço na mão, rezando. Herdei essa fé e essa espiritualidade dele. Afinal, ele sempre foi o meu exemplo.

Donna – Como exerce a sua fé?

Moriguchi – Sempre que posso, vou à missa aos domingos. Quando estou envolvido com as consultas pelo Interior, não tenho tempo. Nesse caso, dou prioridade para o atendimento médico – e acredito que Deus fica muito mais contente por eu priorizar as pessoas. Mais importante de tudo é viver a caridade e exercer o amor ao próximo.

Donna – O isolamento mata?

Moriguchi – Pode não matar do ponto de vista cronológico. Pode não matar o físico, mas mata a alma. Um idoso em uma instituição, por exemplo, pode viver mais do que se estivesse na rua. Mas morre em seu espírito. No momento em que um idoso fica isolado, perde sua alma. Como professor de Geriatria, ministro uma disciplina que se chama Promoção e Proteção da Saúde do Adulto e do Idoso. Tem como objetivo ensinar o relacionamento com os idosos. Nosso trabalho, às segundas e quartas-feiras, é acompanhar os alunos a asilos para que eles conversem com esses idosos a fim de saber por que estão lá e se precisam de alguma assistência. É impressionante o feedback. O que a maioria quer é apenas alguém com quem conversar. Salvar as pessoas do isolamento também nos ajuda a viver mais.

Donna – O senhor diz que não gosta muito do termo “terceira idade”. Por quê?

Moriguchi – Parece terceira classe, né? (risos). Dá um tom muito pejorativo. Mas não é que eu não goste – é que está errado. Não existe primeira, segunda e terceira idade. A idade é algo contínuo, e a gente começa a envelhecer no momento em que é concebido dentro do útero da mãe. O hábito de vida da mãe impacta diretamente no perfil de doenças do adulto. Se a mãe é fumante, não se cuida, é obesa, não pratica atividade física, esse feto, depois que nasce, tem muito mais probabilidade de ficar doente do que um feto que foi gestado por uma mãe com hábitos de vida saudáveis.

Donna – E o termo “melhor idade”, o que o senhor diz a respeito?

Moriguchi – Essa é outra mentira! Fico furioso quando ouço essa expressão (risos). Pode ser para alguns, mas para a maioria não é a melhor idade. A gente começa a ter uma série de limitações – e algumas pessoas compreendem, mas outras não. No Japão, onde há uma cultura antiga de respeito aos idosos, não existe essa história de terceira idade, melhor idade. No Japão se usa muito os metais nobres para comemorar as idades. Quem passa dos 65 anos chega à idade da prata. Quem passa dos cem, chega à idade do ouro. Essa concepção de uma idade contínua, com conquistas a serem comemoradas ao longo da vida, é muito mais saudável. Envelhecer tem que ser uma conquista – e para conquistar as medalhas de prata e ouro temos que lutar. É aquilo que falávamos no início da nossa conversa: ter saúde e hábitos saudáveis exige dedicação e disciplina.

Donna – O senhor luta para conquistar a medalha de ouro?

Moriguchi – Estou com 57 anos e pretendo trabalhar pelos próximos 40. Ou seja: batalho para isso. Meu pai está com 90 inteiraço. Ele vai ganhar a medalha de ouro, certamente.

Donna – O doutor Yukio Moriguchi recebeu o título de Professor Emérito, maior honraria acadêmica fornecida aos professores aposentados que atingiram alto grau de projeção em atividade. Qual é o maior legado que o seu pai deixa na sua opinião?

Moriguchi – Trazer a geriatria clínica preventiva para o Brasil, mostrando que o envelhecimento exige cuidado e batalha. Em 1971, quando recebeu o direito de clinicar no Brasil, o então reitor da PUCRS convidou meu pai para criar a primeira disciplina de geriatria do país. Naquela época, ele já pregava a prevenção, a dieta saudável, a necessidade de caminhadas diárias – algo de que tanto se fala hoje em dia.

Donna – É aos 20 anos que o ser humano começa biologicamente a envelhecer de fato?

Moriguchi – O envelhecimento começa já na barriga da mãe. É quando o relógio cronológico dispara. Se formos dividir em termos práticos – crescimento, maturação, envelhecimento -, atingimos o pico do crescimento e maturação ao redor de 30 anos. Depois, exceto o cérebro, que continua se desenvolvendo, a parte biológica começa a declinar. Atingimos o pico da sabedoria, da atividade cerebral, ao redor de 60, 70 anos. É interessante: enquanto o biológico declina, nossa capacidade intelectual segue a pleno vapor até esta idade.

Donna – Então é praticamente um crime o ser humano se aposentar com 60 anos.

Moriguchi – Sim. Eu sou um grande incentivador da aposentadoria tardia.

Donna – O senhor indica um geriatra por volta de que idade?

Moriguchi – Preventivamente, quanto mais precoce, melhor. Como o pico do crescimento e da maturação é atingido aos 30 anos, recomendo que este acompanhamento comece a partir dos 40. É a idade em que as funções biológicas começam a apresentar declínio, e a gente precisa aprender a se adaptar. Tenho pacientes de 80 anos que são maratonistas, mas sabem dos seus limites porque estudam e se interessam. Infartos, derrames, câncer, Alzheimer: tudo pode ser prevenido. Mulheres de 40 anos são a maior parcela das minhas pacientes particulares.

Donna – As mulheres têm mais consciência em relação à prevenção?

Moriguchi – Sim, por causa do hábito de ir ao ginecologista desde cedo. O homens geralmente buscam acompanhamento depois dos 50 e já aparecem com algum problema. O ideal seria que começassem aos 40.

Donna – Reposição hormonal é um bom negócio? A partir de que idade?

Moriguchi – É algo bastante controverso. A natureza é muito bem feita. Não por acaso existe a menopausa, também conhecida como o fim do período fértil, que se instala entre os 45 e 55 anos de vida da mulher. A menopausa tem um imenso significado biológico. Os picos de estrógeno que as mulheres têm na fase fértil são o que induz ao risco de algumas doenças, entre elas o câncer de mama. A curva dos novos casos de câncer de mama vai aumentando até a menopausa – e, quando a atinge, começa a decrescer. Por quê? Porque a mulher deixa de atingir aqueles picos de estrógeno. A menopausa, portanto, é algo que a natureza propicia para as mulheres para que elas possam viver mais. Os homens não se dão conta, mas também sofrem de uma espécie de menopausa masculina, a chamada andropausa.

Donna – Esta seria a próxima pergunta: andropausa. À medida que os homens experimentam queda nos níveis de testosterona, os hormônios femininos aumentam – causando irritabilidade, tendência à depressão, diminuição da capacidade de processamento mental, antissocialização. Por que se fala tão pouco nisso?

Moriguchi – Como os homens não menstruam, acabam não se dando conta da chegada da andropausa. Daí começam a ouvir que estão ficando rabugentos, chatos, esclerosados, que estão na crise da meia-idade. A ajuda se dá a partir do acompanhamento médico, que pode detectar a andropausa por meio de exames, como colesterol, que, por incrível que pareça, diminui depois da andropausa, para que ele seja mais protegido do risco de infarto e tenha a possibilidade de viver mais. Outra lição da sábia natureza.

Donna – O senhor está dizendo que a reposição hormonal é perigosa porque vai contra a natureza?

Moriguchi – Se as mulheres têm sintomas de menopausa muito intensos, que atrapalham a qualidade de vida, é óbvio que a gente tem que medicar durante aquele período, de aproximadamente um ano. O problema é que muitas mulheres continuam fazendo uso indiscriminado de hormônios por cinco anos ou mais – e depois de cinco anos tomando hormônios há comprovadamente o risco de desenvolver câncer de mama. No caso do homem, geralmente não há necessidade de reposição, mas, quando isso acontece, aumenta tremendamente o risco de câncer de próstata, além de aumentar bastante a pressão arterial. Por isso digo que reposição hormonal é algo muito delicado. Tem que ser muito bem indicado, por um profissional competente, para tratar o sintoma certo e por um período limitado.

Donna – E a mania das vitaminas?

Moriguchi – Está comprovado que quem ingere polivitamínico sem orientação médica tem mais risco de infarto, câncer e morte súbita. A reposição deve ser feita depois que o paciente submete-se a exames – e só com aquelas vitaminas de que ele precisa. A dieta saudável propicia as vitaminas necessárias – e esta é outra lição de Veranópolis. Os idosos saudáveis não fazem reposição indiscriminada de vitaminas. Já os que estão doentes hoje, fizeram.

Donna – Cite três alimentos que deveríamos comer desde sempre.

Moriguchi – Antes de responder a essa pergunta, convido você a voltarmos um pouco no tempo. Esquecemos que fazemos parte da natureza. Há todo um estudo de palio medicina e há uma dieta chamada Paleolítica que moldou o nosso genoma há cerca de cem mil anos. Primeiro, a gente só comia quando tinha fome. Não existia essa história de comer três vezes por dia. Segundo, comia-se sobriamente, porque tinha que dar para todos. Terceiro, comia-se o que a natureza oferecia – e não eram gorduras trans ou alimentos industrializados. Vários estudos mostram que a dieta saudável exige não comer demais. Vai almoçar no bufê e quer repetir? Só pode a salada, porque salada o homem sempre comeu. Planta, folhas sempre existiram – e o homem sempre se fartou com elas.

Donna – E a carne?

Moriguchi – Está permitida, mas moderadamente. Nossos ancestrais só comiam carne quando caçavam o animal – e era difícil, não era todo dia. Hidrato de carbono comia-se pouco. Batatas e cereais só entraram na dieta recentemente, cerca de 10 mil anos atrás. Podem ser consumidos de forma sóbria. Hoje, fazemos tudo ao contrário. Comemos um monte de hidrato de carbono, como pão e massa. Está errado. Proteínas e hidrato de carbono devem ser ingeridos o mínimo necessário.

Donna – O que o senhor tem a dizer da comida industrializada?

Moriguchi – Evite ao máximo! Principalmente os óleos industrializados, que fazem muito mal. A gordura trans é um veneno. É o que mais entope nossas artérias, muito mais do que o colesterol. Outra coisa é o refrigerante. Em vez de sacarose, que é o açúcar natural, os fabricantes colocam frutose. É um tipo de açúcar que causa dependência no cérebro e leva à disfunção das artérias, o que propicia mais depósito de colesterol. Uma dieta saudável caracteriza-se pela quantidade sóbria de alimentos, ingestão de comidas naturais e refeições em ambientes saudáveis, de boa socialização.

Donna – Devemos preferir as folhas verde escuras?

Moriguchi – Sim. Quanto mais escura é a folha, mais nutrientes ela tem. O brócolis é muito mais nutritivo do que a couve-flor. A alface americana, aquela alface esbranquiçada, é um zero à esquerda no quesito nutrientes. A couve é excelente. Com o vinho acontece a mesma coisa. O tinto é muito mais saudável e tem muito mais nutrientes do que o branco.

Donna – Correr envelhece, como anda se pregando por aí?

Moriguchi – Não. Mas o ideal é que a gente não invente de fazer muito mais do que fazia antes dos 30 anos. Tenho pacientes maratonistas com 80 anos, mas eles sempre correram, desde a juventude. Eu não recomendaria uma pessoa começar a correr maratona com 60 anos. Qualquer atividade física sempre ajuda a envelhecer melhor.

Donna – Sendo oriental, como o senhor enxerga essa cultura ocidental de dar mais valor para a beleza externa do que para o bem-estar interior? Até que ponto é saudável essa busca pela eterna juventude?

Moriguchi – A eterna juventude não existe. Costumo chamar quem vende essa ideia de mercador de ilusões. Triste é constatar que há muita gente que paga fortunas para esses mercadores de ilusões. Rejuvenescimento é um termo que deveria ser banido. Rejuvenescimento é uma mentira. O que existe é o envelhecimento saudável, que pode se conseguir com hábitos saudáveis de vida. É impossível parar o tempo e nosso relógio biológico. Atualmente, há alguns hábitos de vida que ajudam a prolongar o relógio biológico. Estou dizendo prolongar, não rejuvenescer.

Donna – Que hábitos são esses?

Moriguchi – Meditação, por exemplo. Artigos recentes atestam que a prática da meditação ajuda a prolongar o relógio biológico e a viver mais.

Donna – Conte sobre a sua rotina.

Moriguchi – Acordo por volta de 6h. Vou para a cozinha, bebo um café forte e faço suco de laranja natural na companhia das minhas duas filhas enquanto elas preparam um sanduíche de pão com ovo, muito comum no Japão. O Japão é um dos países que mais consomem ovo – e o pessoal há pouco ainda dizia que ovo faz mal… Não tem nada disso! Então, eu como sanduíche, café, suco de laranja e saio para trabalhar. Alguns dias, nem almoço. Quando almoço, é na companhia dos residentes no hospital. Minha rotina costuma se estender até 22h. Minha esposa me espera, jantamos juntos e vou para o computador responder e-mails até as 2h da madrugada.

Donna – Dorme só quatro horas?

Moriguchi – O tempo médio de sono ideal é de sete a oito horas por noite. Essa média tende a diminuir com a idade. Mas cada caso é um caso. Comecei a dormir quatro horas por noite quando fiz meu doutorado e acabei me acostumando. Mas eu não sou exemplo para ninguém, viu? (risos)

Donna – O senhor faz caminhadas?

Moriguchi – Nunca uso o elevador. Independentemente do número de andares, só me movimento pela escada. Tem uma regra consagrada no Japão que manda caminhar 10 mil passos por dia. A maioria dos japoneses segue à risca. Acredita-se que seja o necessário para uma vida saudável. Meu celular tem um contador de passos e está sempre no meu bolso. (Ele tira o celular do bolso e mostra o aplicativo que conta os passos.)

Donna – Agora são quase duas da tarde e o senhor caminhou 3.861 passos. Falta um bocado para os 10 mil, hein?

Moriguchi – Mas vou subir e descer escadas e caminhar bastante hoje ainda no hospital (risos). Se não conseguir completar 10 mil passos, quando chegar em casa, termino o que ficou faltando em cima da esteira (risos). Rejuvenescimento é um termo que deveria ser banido. Rejuvenescimento é uma mentira. O que existe é o envelhecimento saudável, que pode se conseguir com hábitos saudáveis de vida. É impossível parar o tempo e nosso relógio biológico.

Vida Mística 

 

“Procurai lendo e encontrareis meditando; chamai orando e abrir-se-vos-á contemplando. A sabedoria entra pelo amor, pelo silêncio e pela mortificação; grande sabedoria é saber calar e não olhar aos ditos, aos feitos e às vidas alheias”. 

 

São João da Cruz, místico e doutor da Igreja 

 

Bastante ocupações e preocupações políticas, sociais, econômicas, religiosas e éticas resultantes da revolução científica e tecnológica em que vivemos. Os desafios da robótica e da inteligência artificial são as inquietações debatidas na era pós-moderna. Dentro desse contexto o sistema contém armadilhas demolidoras contra a “vida espiritual”, como: o progresso eletrônico, as redes sociais, a idolatria do consumismo, o flagelo dos vícios e a indústria do entretenimento. 

 

A vida não ocupada pelo silêncio, deserto, meditação, oração, jejum, leituras espirituais e a busca profunda do mistério contemplativo, será tomada por diversas incompatibilidades venenosas para alma, corpo e mente. 

 

A obra da alma é o ardente desejo insaciável de fome e sede de Deus. Avante de forma exacerbada na posse imensurável das beatitudes celestiais. As delícias espirituais são alimentos para todo nosso bem terreno e eterno. 

 

Praticar a ascese, exercício máximo do aperfeiçoamento espiritual postulado na incessante vida monástica e eremítica. 

 

Refletir nessa sentença para progredir na ascese: “Ecclesia sempre est reformanda” (a Igreja tem sempre de se reformar). Somos igreja, igreja sempre renovada, avivada, reavivada, ousada e mística. 

 

Não há jardim florido no coração sem a alma ter a experiência do deserto. Sentir o amor abissal é ter sentido dores profundas. O apego das coisas sagradas, a vivência da espiritualidade é de certa forma, o desagrado das coisas profanas por conhecimento e experiência que não são fundamentos para o gozo e a verdade do espirito. Disse célebre teólogo Santo Tomás de Aquino: “Ultima hominis felicitas est in contemplatione veritatis” [A suma felicidade do homem encontra-se na contemplação da verdade] (“Summa contra Gentiles”, III, 37). 

 

Pela verdade e pelo o amor a Deus somos atraídos por coisas profundas, seguras, sapienciais, misteriosas e de virtudes que nos transcendem! O nosso ser quer muito mais além do imanente... A beleza, a arte, a poesia e a melodia angelical. A bússola do nosso interior é guiada pelo Espírito Santo para gloriosas viagens ao coração do Pai Eterno. 

 

A graça do bem-estar espiritual é o silêncio da alma com Deus. Pela ascese todo o nosso ser obtém autoaperfeiçoamento em prol da qualidade de vida espiritual, ou seja, a vida mística. 

 

Rezemos a oração de Santo Tomás de Aquino: 

 

“Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar. Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir”. 

 

Inácio José do Vale, FCF 

Escritor e conferencista 

Sociólogo em Ciência da Religião 

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas-Charles de Foucauld 

Professor de Pós-graduação na Faculdade Norte do Paraná