DOM EDSON DAMIAN

DOM EDSON E SUA APOSENTADORIA

Dom Edson Damião: "Com os índios aprendi a viver com sobriedade, com o estritamente necessário"

De: Religión Digital

Mons. Edson Damian

"Em tudo o que fiz, sempre acreditei que 'o amor supém', pois Deus é amor e misericórdia."

"Eu amei o Papa Francisco desde seus primeiros gestos e palavras quando ele se apresentou em 13 de março de 2013. Ele grita o Evangelho com sua vida. Com paciência, coragem e fidelidade, põe em prática o Concílio Vaticano II. Aqueles que o criticam, talvez sem perceber sua incoerência, rejeitam o próprio Evangelho.

"Inspirados pelo Sínodo, estamos passando de visitas rápidas para uma estadia mais longa em comunidades maiores ou até mesmo reunindo algumas comunidades vizinhas. Além da celebração dos sacramentos, acontece a formação de líderes e também da comunidade".

04.03.2023 Luis Miguel Modino, correspondente na América Latina

Todos os bispos, ao atingirem a idade de 75 anos, devem apresentar a sua renúncia ao Papa, que a partir dessa data a aceita no momento que julgar mais apropriado. Dom Edson Damião, bispo da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia brasileira, atingiu essa idade em 4 de março de 2023.

Dom Edson Damião comenta nesta entrevista sua jornada episcopal, sempre na mesma diocese, que teve início em 24 de maio de 2009. Ele diz que apresenta sua renúncia "com o humilde sentimento de dever cumprido", depois de viver seu ministério na maior diocese e com o maior percentual de população indígena do Brasil.

Em 4 de março, o senhor completa 75 anos, a idade em que todos os bispos devem apresentar sua renúncia ao papa. O que esse momento significa em sua vida como bispo?

O primeiro sentimento que me vem agora é a gratidão a Deus por me permitir chegar aos 75 anos.  Ainda mais gratidão por me ter concedido a graça do ministério sacerdotal, recebido de Dom Ivo Lorscheiter, autêntico Pai da Igreja, em 20 de dezembro de 1975. Com maior gratidão e também redobrado medo, aceitei também o ofício episcopal, respondendo ao chamado do Papa Bento XVI para ser bispo missionário no coração da Amazônia desde 24 de maio de 2009.

"Com Jesus amar e servir" é o lema episcopal que me tem guiado neste caminho. À luz do carisma de São Carlos de Foucuald, procurei "gritar o Evangelho com a minha vida", a partir dos últimos lugares que me obrigavam a ser missionário para chegar às comunidades ribeirinhas mais remotas e abandonadas. Em todas as minhas atividades missionárias sempre contei com a generosa colaboração de sacerdotes, religiosos e cristãos leigos que exercem livremente vários ministérios nas comunidades.

Por isso, no momento em que apresento minha renúncia, faço-o com o humilde sentimento de dever cumprido. Se não fiz mais, devo isso à minha limitação humana e aos meus pecados. No entanto, em tudo o que fiz sempre acreditei que "o amor supre", porque Deus é amor e misericórdia. "A arquitrave (a coluna, viga mestra) que sustenta a vida da Igreja é a misericórdia" (MV 10).

Assumiu a diocese de São Gabriel da Cachoeira, em 24 de maio de 2009, diocese de rosto indígena. Depois de quase 14 anos, o que você aprendeu com os povos indígenas?

São Gabriel de Cachoeira é a maior diocese do Brasil: 294.000 quilômetros quadrados. É também o mais indígena, já que 90% da população é composta por povos indígenas de vinte e três etnias e dezoito línguas são faladas. Tive a graça de conferir a ordenação sacerdotal a treze jovens indígenas de diferentes etnias.

Quando o Núncio Apostólico me ligou para me informar da nomeação, além do meu choque, dei-lhe várias razões pelas quais eu achava que não deveria aceitar, mas ele refutou todas. Ele finalmente me deu uma semana para conversar com pessoas que me conheciam. O primeiro bispo que consultei tinha sido meu diretor espiritual. Ele simplesmente me ofereceu um báculo, uma cruz peitoral, orou por mim e disse que a ordenação deveria ser em São Gabriel.

Além do encorajamento de todos, encontrei várias razões para aceitar: primeiro, temos uma imensa dívida social para com os povos indígenas que sofrem tanta violência e injustiça; em segundo lugar, devo o que sou hoje à Igreja que me acolheu e me formou desde os 12 anos, pelo que seria injusto que eu fugisse desta missão; Em terceiro lugar, o amor a Jesus, seguindo o Evangelho e o testemunho de São Carlos de Foucauld, levou-me sempre a servir os pobres, a procurar o último lugar. Como sinal de amor pelos povos indígenas, fui ordenado bispo no meio deles, mesmo com alguns ritos e símbolos típicos de sua cultura.

O padre Justino Rezende SDB, indígena Tuyuka, primeiro sacerdote desta Diocese, escreveu um texto que me inspirou muito: "A Boa Nova das culturas indígenas acolhe a Boa Nova de Jesus". As sementes da Palavra estão presentes em todos os povos e culturas. É a partir delas que cada povo realiza a inculturação do Evangelho. Desde as primeiras visitas às comunidades, amei a alegria da vida comunitária, a partilha dos alimentos como prolongamento da celebração eucarística, a sobriedade das casas, o acolhimento fraterno aos visitantes.

Os indígenas também são mestres da ecologia, verdadeiros guardiões da floresta. Menos de 3% da floresta foi destruída nesta região. "Os povos indígenas salvarão a Amazônia", disse-nos o Papa Francisco durante sua visita ad Limina. A forma indígena de cultivar os campos no Alto Rio Negro, em 2010, foi declarada patrimônio cultural do Brasil pelo IPHAN. Existem duas instituições que proporcionam imensos benefícios ao povo do Rio Negro: a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e o ISA (Instituto Socioambiental). Apoio e, na medida do possível, participo também em algumas das muitas atividades que realizam.

O Sínodo para a Amazônia pode ser considerado um momento importante em seu caminho episcopal. Como o senhor experimentou esse processo sinodal e como ele o ajudou em sua missão como bispo?

O Sínodo foi um verdadeiro kairós para a Amazônia. Convidado pelo Cardeal Hummes, que foi presidente da REPAM, participei desde o primeiro momento, quando o Papa Francisco visitou Puerto Maldonado, no Peru. Lá acompanhei a primeira reunião para indicar os temas que deveriam ser abordados e também para sugerir os orientadores. O processo de escuta realizado nas comunidades indígenas apresentou excelentes propostas que foram sintetizadas pelo padre Justino Rezende, escolhido para participar da comissão de especialistas do Sínodo.

A etapa final realizada em outubro de 2019, em Roma, foi um evento inesquecível: a convivência com representantes de 9 países da Pan-Amazônia, a presença do Papa Francisco em todos os momentos, as sessões iniciais quando cada participante, em quatro minutos, apresentou um tema que considerou fundamental para as conclusões do Sínodo. Falei da importância da teologia indigena no processo de inculturação do Evangelho.

Outro acontecimento histórico foi o "Pacto das Catacumbas para a Casa Comum", que um grande número de participantes no Sínodo assinou nas Catacumbas de Santa Domitila. Por último, a alegria geral por ver todas as propostas aprovadas por unanimidade. E para completá-la, pouco depois, o Papa nos ofereceu a Exortação Pós-Sinodal "Querida Amazonía", que confirma e enriquece nossas propostas na forma de quatro sonhos: social, cultural, ecológico e eclesial. "Sonho com comunidades cristãs capazes de se dedicar e encarnar na Amazônia, a ponto de dar à Igreja novos rostos com características amazônicas" (QA 7). Em São Gabriel queremos construir uma Igreja amazônica com rosto e cultura indígenas.

O senhor sempre demonstrou grande admiração pelo Papa Francisco, que neste mês de março celebra 10 anos de pontificado. Como definiria o caminho percorrido pelo Papa neste momento?

O Papa Francisco me encantou desde seus primeiros gestos e palavras, quando se apresentou em 13 de março de 2013. Ele grita o Evangelho com sua vida. Com paciência, coragem e fidelidade, põe em prática o Concílio Vaticano II. Aqueles que o criticam, talvez sem perceber sua incoerência, rejeitam o próprio Evangelho.

Gostaria de destacar 10 marcos no caminho percorrido durante estes 10 anos do seu ministério: 1. Conversão e reforma eclesial (EG 27 e 34); 2. A Igreja "em saída" (EG 20); 3. A redescoberta da dimensão pessoal do encontro com Cristo (EG 1, 265); 4. Santidade disponível a todos (EG 7 e 19); 5. Discernimento; 6. O nome de Deus é misericórdia (MV 10); 7. Fraternidade e amizade social (FT 8); 8. A Casa Comum (LS 156) e o Sínodo para a Amazônia; 9. Pacto Global de Educação (FT 1); 10. Economia solidária (Livro "Vamos sonhar juntos").

Finalmente, a convocação do Sínodo sobre a sinodalidade é o maior evento eclesial depois do Vaticano II, cujo principal objetivo é implementar as decisões mais importantes que haviam sido bloqueadas pela Cúria Romana. Foram necessários 10 anos para realizar esta reforma que mostrou sua amplitude e profundidade na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium publicada em 19 de março de 2022.

A diocese de São Gabriel da Cachoeira é uma diocese de grande extensão e pequena população, com poucos recursos e grandes despesas. Como o senhor enfrenta esses desafios?

Com os indígenas aprendi a conviver com a sobriedade, com o estritamente necessário. A renda da diocese vem do aluguel de algumas escolas administradas pela SEDUC, do aluguel de vários apartamentos adaptados ao lado do prédio da Cúria, de doações de algumas dioceses, de pessoas generosas e do próprio Papa Francisco. O maior gasto é o combustível usado nos barcos para percorrer longas distâncias durante as visitas às comunidades.

Inspirados pelo Sínodo, estamos passando de visitas rápidas para uma estadia mais longa em comunidades maiores ou até mesmo reunindo algumas comunidades vizinhas. Além da celebração dos sacramentos, realiza-se a formação de líderes e também da comunidade. O sacerdote viaja sempre acompanhado por agentes pastorais que colaboram nos encontros de formação. Um investimento importante é a Escola de Formação Teológica para leigos e leigas.  Realiza-se na segunda quinzena de janeiro e julho, e reúne cerca de 90 representantes das 11 paróquias. Cada etapa aborda dois temas diferentes.

Sabendo que seu sucessor será nomeado pelo Papa, se o senhor fosse consultado, quais elementos deveriam estar presentes no futuro bispo de São Gabriel da Cachoeira?

Creio na ação do Espírito Santo, que anima e guia a Igreja. Ele age através dos dons e carismas que Ele concede a todos os batizados. Durante os 23 anos em que sou missionário na Amazônia, participei de muitas assembleias e reuniões da nossa Regional. Eles sempre foram celebrados com uma representação significativa de cristãos leigos, irmãos e irmãs de vida consagrada, diáconos, sacerdotes e bispos.

Sempre admirei o clima de fraternidade, de liberdade de expressão e de verdadeira sinodalidade que reina nestas assembleias. Todos são ouvidos e as propostas são recolhidas com o voto de todos.  Por isso, creio que, através de uma ampla consulta, os irmãos e irmãs que serão consultados saberão indicar ao sacerdote ou bispo já ordenado que ele tem o carisma para ser pastor do santo e fiel Povo de Deus da amada Igreja do Rio Negro.

Quando um bispo se torna emérito, ele tem mais liberdade em sua tarefa pastoral, que certamente não para. Como o senhor quer continuar a sua missão episcopal quando o Papa aceitar a sua renúncia?

Quando entreguei minha vida a Deus para servir ao seu povo, através do ministério ordenado, sempre procurei seguir a ação do Espírito através da orientação dos sucessores dos apóstolos. Tento seguir Jesus, que disse: "Quem guarda para si a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida por mim e pelo Evangelho salvá-la-á» (Mc 8, 34). A vida não é um capital a acumular, mas um dom de Deus a ser partilhado ao serviço dos irmãos, para que todos tenham vida.

Quando aceitei ser bispo em São Gabriel, consciente dos desafios que me esperavam, imaginei que renunciaria se atingisse a idade de 70 anos. Mas Deus me salvou de muitos perigos, incluindo a malária e muitas outras doenças que afligem muitas pessoas nesta região. Então eu pude ficar até os 75 anos. Agora tenho de esperar pacientemente pelo sucessor.  Depois gostaria de passar algum tempo, em Jaguarí-RS, com minha família, que sempre me apoiou, e na companhia do meu pai que fará 101 anos. Então, se eu ainda tiver saúde e força, permanecerei disponível para colaborar onde a Igreja precisar de mim. Tudo é graça. «Recebestes a graça, deveis dá-la livremente» (Mt 10, 8).

01- 70 ANOS DE CASAMENTO-29/01/2017


Querido irmão

Querida irmã


Crescer e envelhecer à sombra do testemunho de fé, de amor e fidelidade do pai e da mãe que completam setenta anos de vida matrimonial é um presente de Deus que não preço. Por isso convido você

para se unir ao canto de alegria e gratidão da minha família.


Na Exortação Apostólica Amoris Laetitia sobre o amor na família, com palavras iluminadoras, o querido Papa Francisco descreve a transformação do amor que vai acontecendo na caminhada de uma prolongada vivência matrimonial.


“O alongamento da vida provocou algo que não era comum em outros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha. Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha.


É o companheiro no caminho da vida, com quem se pode enfrentar as dificuldades e gozar das coisas lindas. Também isto gera uma satisfação, que acompanha a decisão própria do amor conjugal. Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade.


O amor, que nos prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência. Assim, no meio dum conflito não resolvido e ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e perdoar-se.


Cada um dos dois realiza um caminho de crescimento e mudança pessoal. No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova"

(A L nº 163).


Em comunhão de orações, grande abraço fraterno.


Aqui você pode ler a poesia que ele sempre recitava em todos os encontros, antes de ser ordenado bispo:


02-O MENINO MALUQUINHO

POESIA DE JORGE DE LIMA


Eu tive a felicidade de herdar, do nosso amigo D. Edson Damian, o original do poema que ele sempre declamava nos retiros e encontros da Fraternidade Jesus-Cáritas. Quando ele foi ordenado bispo, percebeu que essas declamações seriam improváveis e me enviou o original do qual ele decorou a poesia, ainda escrito à máquina de escrever. Partilho com vocês a lembrança daqueles inesquecíveis encontros...



Fim de tarde, boquinha da noite,

com as primeiras estrelas e os derradeiros sinos.

Entre as estrelas, e lá, detrás da igreja,

surge a lua cheia para chorar com os poetas.


E vão dormir as duas coisas novas deste mundo: o sol e os meninos.


Mas ainda vela o menino impossível, aí ao lado,

enquanto todas as crianças mansas dormem,

acalentadas por mão-negra da noite.


O menino impossível que destruiu os brinquedos perfeitos que os vovós lhe deram:

o urso de Nuremberg,

o velho barbado iugoslavo,

as poupées de Paris aux cheveux crêpes (as bonecas de Paris de cabelos crespos),

o carrinho português feito de folha-de-flandres,

a caixa de música tcheco-eslovaca,

o polichinelo italiano made in England,

o trem de ferro de USA,

e o macaco brasileiro de Buenos Aires, movendo la cola y la cabeza...


O menino impossível, que destruiu até os soldados de chumbo de Moscou,

e furou os olhos de um Papai-Noel,

brinca com sabugos de milho,

caixas vazias,

tacos de pau,

pedrinhas brancas do rio.


"Faz de conta que os sabugos são bois...

faz de conta...

faz de conta..."


E os sabugos de milho mugem como bois de verdade!

E os tacos que deveriam ser soldadinhos de chumbo

são cangaceiros de chapéu-de-couro.


E as pedrinhas balem...

coitadinhas das ovelhas mansas,

longe das mães,

presas nos currais de papelão


É boquinha da noite,

no mundo que o menino impossível povoou sozinho.


A mamãe cochila,

o papai cabeceia,

o relógio badala.



e vem descendo uma noite encantada,

da lâmpada que expira lentamente na parede da sala.


E o menino pousa a testa

e sonha

dentro da noite quieta

da lâmpada apagada,

COM O MUNDO MARAVILHOSO QUE ELE TIROU DO NADA!



HOMENAGEIO AQUI SANTA TERESINHA, QUE SOUBE TÃO BEM TIRAR DO NADA QUE POSSUÍA UMA VIDA MISSIONÁRIA, SEM SAIR DO CONVENTO. DISSE UM DIA:


"A alegria não está nos objetos, mas no fundo do coração.

Podemos senti-la tanto no mais rico palácio,

como na mais pobre prisão".



03- ORDENAÇÃO DE UM ÍNDIO

HOMILIA DE D. EDSON DAMIAN


HOMILIA DA ORDENAÇÃO DIACONAL

de Sérgio de Jesus Alves Azevedo

“Fazei tudo o que Ele vos disser”(Jo 2,6)

No domingo passado, 11 de dezembro 2011, véspera da festa de N. Sra de Guadalupe, com emoção e alegria ordenei o primeiro diácono diocesano.


Chama-se Sérgio de Jesus Alves Azevedo. É indígena. Seu pai, José, é Tukano. Anita, sua mãe, é Desano. No dia 12/12 ele completou 30 anos.


Com a idade com que nosso Querido Irmão e Senhor Jesus iniciou a vida pública. Segue a homilia da ordenação.


Agradeço de coração o Pe Olindo, o Pe João e os 08 Diáconos, companheiros de estudo do Sérgio, que vieram de Manaus e arredores para apoiar o Sérgio.


Em comunhão de preces abraço você com estima fraterna.

+ edson damian

Na véspera da festa de N. Sra de Guadalupe e do dia em que completarás 30 anos, caríssimo Sérgio, entregas a Deus tua vida para servir o seu Povo como diácono. Índio que és, como Juan Diego, anunciarás o Evangelho inculturado que encontra na Virgem de Guadalupe sua inspiração e concretização mais perfeitas. Recordarás sempre as palavras carinhosas e encorajadoras que a Mãe de Guadalupe disse a Juan Diego: “Ouve e guarda em teu coração, filho meu o mais desamparado. Acaso não sou eu a tua mãe? Não estás sob minha sombra e proteção? Não estás na dobra do meu manto, justo onde cruzo meus braços? Porque eu sou a Mãe da Misericórdia, tua e de todas as nações que vivem nesta terra, que me amem, que me falem, me busquem e em mim confiem”.


Em nossa última conversa, lembravas emocionado o despertar de tua vocação, em 2001, quando tinhas concluído o ensino fundamental. A Ir Elizabete, Filha de Maria Auxiliadora, convidou-te para ajudá-la na construção das casas para o Hupedas na Nova Fundação. Um Tukano trabalhar para os Hupedas, considerados inferiores em tudo? Na tradição do teu povo era o contrário que acontecia. Mas, a Ir Elizabete conseguiu te convencer com a palavra mais comprometedora de Jesus: “Tudo o que fizeres a um destes irmãos mais pequeninos, é a mim que o fazes” (Mt 25, 40). E te introduziu também na prática da oração que no início te parecia pouco atraente e cansativa. Tua vocação, Sérgio, já nasceu como serviço aos mais pobres e excluídos do teu povo. Sendo Tukano aprendeste a servir aqueles que deveriam servir-te. O Evangelho anunciado pela Ir Elizabete provocou em ti uma reviravolta, uma conversão. Nas bodas de Caná foi a Mãe Maria quem incentivou Jesus para que realizasse o primeiro sinal. Em Pari Cachoeira foi a Ir Elizabete quem descobriu o Sérgio e insistiu para que o Pe Ivo Cassol o convidasse para ser padre.


Em 2009, quando cursavas o segundo ano de teologia, participaste de um retiro inspirado na espiritualidade de Charles de Foucauld. Conhecendo este irmão apaixonado por Jesus que buscou sempre o último lugar para servir os mais pobres e excluídos, lembraste teu serviço aos Hupedas. Calaram fundo em teu coração estas palavras de Charles Foucuald:

“Meu Deus, não sei se é possível para alguém, ver-te pobre e continuar rico como antes... Quanto a mim, não posso conceber o amor sem a necessidade imperiosa de identificação, de semelhança e sobretudo de partilha, de todos os sofrimentos, de todas as dificuldades, de todas as durezas da vida...a semelhança é a medida do amor”. Este retiro foi tão marcante em tua vida que teus formadores logo perceberam a mudança. O Pe Olindo chegou a dizer que foi um marco divisor: houve um antes e um depois na vida do Sérgio. Alegro-me ao saber que também com o Joãonilton e o Andalúcio (nossos indígenas do 3º ano de teologia) está acontecendo algo semelhante.


Quando te comuniquei que irias exercer o ministério de diácono em Pari Cachoeira, tua terá natal, logo disseste: “Que bom, estarei voltando à minha casa, às minhas origens, às raízes culturais do meu povo. Além disso, trabalharei com o Pe Ivo, que me acolheu e encaminhou ao seminário, em 2002”. Aliás, teus pais, José e Anita, apresentaram ao Pe Ivo, dois filhos. E qual foi a reação dele? “Que barbaridade. Dois filhos padres? Assim vai acabar a família! Um deve ficar para casar-se”.


Durante o primeiro semestre do próximo ano visitarás cada uma das 45 comunidades da paróquia de Pari Cachoeira, muitas das quais ainda não conheces. Teus parentes ficarão contentes e agradecidos. Vendo-te feliz e realizado no ministério de diácono, darás excelente testemunho vocacional e contribuirás para a recuperação ou consolidação da autoestima dos irmãos indígenas. Nesta caminhada irás te preparando para a ordenação presbiteral que desejas receber na comunidade onde nasceste.


Viverás o ministério diaconal sob a proteção e inspiração do testamento de N. Sra de Guadalupe que escolheste com teu lema: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,6). Logo mais, quando receberes o livro da Santa Palavra, escutarás:

“Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina o que creres e procura realizar o que ensinares”.

E Charles de Foucuald te dirá ao pé do ouvido: Sérgio, “grita o Evangelho com a vida!”


O Papa João Paulo II usou expressões iluminadoras sobre a relação entre ministério e Palavra de Deus: “O ministro ordenado é o primeiro crente na Palavra, com plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d´Aquele que o enviou. Desta Palavra ele não é dono: é servo. Desta Palavra ele não é o único possuidor: é devedor ao Povo de Deus. Precisamente porque evangeliza e para que possa evangelizar, o diácono deve crescer na consciência de sua permanente necessidade de ser evangelizado” (PDV 47).


Sérgio, se te deixares conduzir pelo Espírito Santo e pela força da Palavra de Deus “resplandecerão em ti as virtudes evangélicas: o amor sincero, a solicitude para com os enfermos e os pobres, a autoridade como serviço e a simplicidade de coração” (rito da Ordenação Diaconal).


Por fim, o sinal que Jesus realizou nas bodas de Caná oferecendo o vinho melhor quando a festa já ia adiantada, ajuda-nos a compreender que em nossa vida e missão, o melhor vem depois. “Tudo é graça!”. É dom de Deus e também fruto de nosso trabalho realizado com generosidade, gratuidade, alegria e esperança. O melhor vai acontecendo na medida em que nos entregamos e nos abandonamos nas mãos no Pai com absoluta confiança e seguimos Jesus no seu jeito radical de amar e servir. Lembremos as palavras testamentais do nosso Bem Amado Irmão e Senhor:


“Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” ( Jo 15,12). Após o lava-pés: “Entendeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais assim como eu fiz para vós” (Jo 13,12a-15).


A palavra como: “como eu vos amei” e “façais como eu fiz para vós”, não é uma mera comparação, mas uma convocação para amar e servir do mesmo jeito, da mesma maneira, com a mesma medida de Jesus, pois “a semelhança é a medida do amor”.Tudo isso, Sérgio, descobriste formulado e sintetizado na Oração do Abandono que colocaste no convite de tua ordenação. Convido vocês a rezarmos juntos com o Sérgio esta oração que o predispõe a entregar-se inteiro ao ministério de diácono para o qual será ordenado dentro de instantes.


“Meu Pai, a vós me abandono.

Fazei de mim o que quiserdes.

O que de mim fizerdes, eu vos agradeço.

Estou pronto para tudo, aceito tudo.

Contanto que a vossa vontade

se faça em mim e em todas as criaturas.

Não quero outra coisa, meu Deus.

Entrego a minha vida em vossas mãos.

Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração,

porque eu vos amo e porque é para mim

uma necessidade de amor dar-me e entregar-me em vossas mãos

sem medida e com infinita confiança,

porque sois meu Pai”. (Charles de Foucauld)


+ Edson Damian

Bispo Diocesano