PE. MARIANO PUGA

MARIANO CHEGOU AO PAI

MARIANO PUGA CONCHA

Santiago de Chile

* 25 ABRIL 1931

+ 14 MARÇO 2020

VEJA O VÍDEO DO MARIANO CANTANDO E PREGANDO CLICANDO AQUI:

AS EXÉQUIAS DO PADRE MARIANO PUGA

Juan Barraza, responsável pela Fraternidade Chilena.

Queridos irmãos e irmãs:

Saúdo todos neste momento em que estamos neste templo, para nos despedirmos do nosso querido irmão Mariano , com emoção, com tristeza, mas também com esperança no Jesus ressuscitado. Mariano partiu, mas sua memória permanecerá para sempre no coração do povo chileno.

Antes de tudo, quero me apresentar . Meu nome é Juan Barraza, pároco de Caldera em Copiapó, e estou aqui, com humildade, para celebrar com vocês esta Ceia do Senhor seguindo os passos de alguém que era mestre de uma liturgia com base científica, histórica e inculturada. Vivi 10 anos com Mariano nos anos 80, na comunidade de São Romero do povoado Digna Rosa da comuna de Cerro Navia. Sou de origem modesta e, nessa condição, fui acolhido por Mariano na "nova família" que ele constituiu com os pobres e marginalizados, sem renunciarem às suas famílias biológicas. Pelo contrário, ele sempre quis convidá-los a imitar o compromisso que ele havia feito com o Senhor Jesus.


Nesta ocasião, desejo agradecer a seus pais, Sr. Mariano e Sra. Elena, e a toda a sua família, que generosa e desinteressadamente o deram aos pobres para sempre. Também me parece um dever de justiça agradecer às comunidades onde ele morou, seus parentes e muitas pessoas que se preocuparam com a saúde de nosso irmão, mas devemos expressar uma gratidão especial à comunidade da casa de Mariano chamada “La Minga” (grupo que se reúne para algum trabalho seguido de refeição em comum), por sua atenção permanente, dia e noite, e por muitos meses em sua doença.


Pretendo, nesta oportunidade , relembrar brevemente algumas etapas de sua vida e relembrar a força interior de sua espiritualidade e criatividade, que sempre o marcaram. Valorizamos sua coerência, sua coragem de enfrentar conflitos e, acima de tudo, seu compromisso com Jesus e com os pobres.


Mariano sempre se lembrava, com humor, do início de sua conversão. Quando ele estava trabalhando com um grupo de estudantes universitários, chamado “São Manuel”, nas populações “callampas” (barracos paupérrimos) de Zanjón de la Aguada nos anos 50, um colega de repente perguntou-lhe com urgência: “E o que você espera para se converter, cara? ” Confuso, ele perguntou: "E o que eu tenho que fazer para me converter?" "Leia o evangelho e o leve a sério", respondeu seu companheiro. Assim começou sua vida de fé e compromisso com os pobres, com o evangelho, com a Bíblia e com Jesus.


Mariano nasceu em 1931 em uma família aristocrática e católica, entrou no Seminário de Santiago, foi ordenado sacerdote em 1959, estudou liturgia por dois anos em Paris e Roma e depois voltou ao Chile para desempenhar seu ministério sacerdotal. Por 40 anos, entre 1962 e 2002, viveu e trabalhou em Santiago, especialmente em Villa Francia, La Legua e Digna Rosa. Em 2002, ele foi como missionário itinerante para Chiloé até 2012, ano em que voltou a Villa Francia novamente.


Durante esses anos, atuou como assessor universitário, formador no Seminário Pontifício, responsável por três comunidades diferentes, difusor da Bíblia, promotor de uma liturgia renovada e inculturada, opositor da ditadura e defensor dos direitos humanos. Mas talvez, o que muitas pessoas se lembrem mais, seja que, durante 20 anos, ele foi padre operário, pintor que usa brochas.


Essa descrição é claramente insuficiente e poderia ser enganosa e errada sem conhecermos as profundas motivações que o levaram a viver um sacerdócio único, criativo, corajoso e comprometido. Sedento pelo absoluto de Deus, incansável peregrino de Jesus e do Evangelho, amigo universal, especialmente dos pobres, profeta de Deus, de Jesus e da Igreja.


Gostaria de dar um passo adiante e aprofundar, com temor e humildade, algumas características de sua vida, seu compromisso pastoral e político e sua espiritualidade de seguir Jesus. A seguir, apontarei algumas de suas características.


Herdeiro de Medellín e precursor da Igreja em saída


Gostaria de colocar, brevemente, o serviço pastoral de Mariano no contexto histórico em que ele viveu. Ele foi ordenado sacerdote em 1959 e seguiu de perto a "revolução eclesial" do Vaticano II e a reinterpretação, a partir dos pobres, do Conselho reformador, na Conferência de Medellín. A hierarquia chilena da época já estava preparada para incorporar o Concílio devido à visão antecipada de alguns pioneiros, como o bispo Manuel Larraín e o padre Alberto Hurtado. Mariano viveu intensamente esse tempo evangélico e comprometido da Igreja chilena, com a luta pela justiça, com o apoio à reforma agrária, com as Comunidades de Base, que duraram vários anos, durante a ditadura, na proteção dos perseguidos e na defesa Direitos Humanos.


Durante o período da Unidade Popular, ele apoiou os projetos libertadores do Presidente Allende, criticou a falta de coerência de alguns líderes e se envolveu nas organizações de padres que buscavam uma reforma do modelo econômico-social e uma renovação da Igreja. . Em particular, ele era membro do grupo de "cristãos pelo socialismo" que buscavam mudanças sociais e do grupo dos "200", que lutavam por uma profunda reforma da Igreja institucional, à luz da fé e da fé e do seguimento de Jesus.


Ele sofreu muito no final dos anos 80,


quando a Igreja chilena experimentou um abalo semelhante a um "tsunami", que veio do exterior e procurou mudar a aplicação do Concílio e de Medellín. A hierarquia mudou, a autoridade eclesiástica nomeou bispos conservadores e controlou a formação dos seminaristas. Por medo do marxismo e medo do compromisso político, a Igreja, em amplos setores, fechou-se em si mesma, com uma espiritualidade intimista, uma pastoral focada em seus problemas internos, fechada ao mundo exterior, com medo do novo e longe das preocupações reais da vida do povo. Algumas gerações de padres e bispos cresceram e se desenvolveram sem a devida atenção ao Concílio, Medellín e Puebla. Posteriormente, a crise na hierarquia tornou-se mais visível. O ensino social foi abandonado, em parte, e focado mais no ensino moral, familiar e sexual.


Felizmente, deve-se reconhecer que, graças a Deus, uma Igreja profética sempre permaneceu comprometida, minoritária, mas cheia de força evangélica libertadora. Mariano foi, dentro dela, um líder carismático, corajoso e criativo, que amou a Igreja e lutou por ela.


A situação da Igreja se tornou mais crítica quando foram denunciados os abusos de poder, consciência e crimes sexuais cometidos por alguns padres bem conhecidos e altamente influentes no país. A hierarquia teve dificuldade em enfrentar crimes e demorou em denunciar e punir esses crimes. Em consequência, chegamos a um ponto triste e doloroso em que a Igreja perdeu credibilidade e confiança. No entanto, não perdemos a esperança. Confiamos na promessa de Jesus de que ele nunca nos abandonará e convidamos hoje, com o legado de Mariano, especialmente homens e mulheres leigos e leigas, a trabalharem arduamente para tornar realidade o sonho do Papa Francisco, de uma “ Igreja em saída ” e construir uma igreja. " Igreja dos pobres e para os pobres ".


A vida de Mariano foi profundamente marcada pela experiência do padre francês, contemplativo e missionário Carlos de Foucauld . Certamente, a vida em movimento e seu caminhar de peregrino inspiraram profundamente seu estilo de vida. Uma das mais belas definições da pessoa de Jesus, proposta pelo irmão Carlos, é a que o chama de "o Senhor do impossível". O irmão Carlos e nosso irmão Mariano buscavam o impossível. Ambos ousaram romper as barreiras do conhecido, entrando em culturas completamente diferentes das suas e entrando nas profundezas de suas próprias vidas. Nessa lógica da viagem, eles entendiam o amor como risco e saída. Saída de suas próprias comodidades, de sua cultura e, em definitivo, de si mesmos.


Mariano era um homem da Igreja que ele amava profundamente, apesar de às vezes ver sua contradição e distância do evangelho. Ele ficou profundamente impressionado com uma frase do bispo Pedro Casaldáliga: "Acreditei na Igreja, apesar da Igreja". Mariano amou a Igreja e sofreu com ela. Apesar das muitas dores, ele nunca se sentiu fora dela, e seu senso crítico sempre foi uma expressão de seu amor por ela. Ele sempre tentou dialogar com seus bispos, que na maioria dos casos sempre o recebiam bem, ele se relacionava e buscava a amizade de padres e religiosos do presbitério de Santiago, fortalecia o relacionamento com muitas religiosas e vivia a amizade com milhares de pessoas do Chile e do exterior.


A vida de Mariano era uma mesa aberta, onde todos e todas encontravam um lugar. Sua grande utopia para o Chile era que algum dia estaremos todos sentados à mesa, participando da festa, sem excluídos nem marginalizados. Assim, nosso irmão estava construindo o reino ao ritmo da Eucaristia, "fraterna" e "subversiva". Cada uma de suas celebrações, que queriam apressar a utopia, era fruto de muitas mãos, de muitas histórias que convergiam para formar um único pão. A Eucaristia é subversiva, porque é uma lembrança e atualização da vida e da morte daquele que não aceitou e não aceita a injustiça em que vivem muitos homens e mulheres de nosso tempo. Ele achava que, se a Eucaristia não é uma mesa compartilhada, ela se parece com uma blasfêmia. A Eucaristia que Mariano celebrava era a comemoração da morte de Jesus, que continua morrendo com o povo e pelo povo.


A experiência da amizade.

Mariano foi um discípulo de um Deus que, na Encarnação, por amor "se tornou um de muitos". Esse mistério foi a centralidade de toda a sua vida e sua entrega. A paixão fundamental de sua vida foi abraçar a experiência desse Deus que se torna homem "sem teto, sem trabalho, sem documentos". Um Deus "cotidiano, silencioso, amável e pequeno". À luz da encarnação de Deus em Jesus Cristo, Mariano aprofundou várias experiências humanas. Uma delas é a experiência de amizade. O valor da amizade foi essencial em sua vida e, diante do essencial, ele não vacilava. Ele viajou muitos quilômetros para abraçar amigos e amigas muito queridos. Ele não tinha agenda de compromissos nem falta de tempo para se despedir dos amigos que partiam. Inspirado no evangelho de Jesus e na espiritualidade do irmão Charles, ele viveu "o evangelho da amizade", fazendo-se irmão universal para crentes, irmãos de outras religiões e também de não crentes.


Mariano e os conflitos.


Sua caminhada e seu compromisso em muitos lugares nos lembram que seguir a Jesus custa, "a graça tem um preço". Sua vida foi marcada e ferida por sua coerência com o evangelho. As cruzes de sua história são as cruzes históricas de nosso povo, que ele assumiu por sua opção amorosa e teimosa por Cristo e seu evangelho. Eu testemunhei seus momentos de solidão, silêncios profundos e noites escuras. A caminhada de Mariano experimentou a incerteza, o medo, os fracassos e a incompreensão de alguns representantes da hierarquia eclesiástica. As palavras "tortura", "desumanização" e "repressão", que historicamente marcaram e continuam marcando a história de nosso povo, também encontraram em sua vida um lugar concreto e real. Por exemplo, sua estadia em Villa Grimaldi, onde o levaremos após esta celebração.


Mariano admirou e tornou-se discípulo de monsenhor Óscar Romero . Seguindo o bispo mártir, ele sabia que o evangelho não pode ser amigo de todos . Para melhor esclarecer essa afirmação controversa, gostaria de citar uma homilia do Monsenhor Romero de 1977, que diz: “ Como saber se sou cristão, irmãos? Vocês querem saber se o seu cristianismo é autêntico? Aqui está a pedra de toque. Com quem você está bem? Quem te critica? Quem não te admite? Quem lisonjeia você? Saiba aqui o que Cristo disse um dia: 'Eu não vim para trazer a paz, mas a divisão'. ” Palavras autênticas de Jesus, misteriosas e difíceis de entender, que custam a vida de Monsenhor Romero e que nos convidam a um discernimento crítico e comprometido.


O evangelho não é neutro .


Ao longo de sua vida, Mariano reconheceu em Cristo o rosto humano de Deus. Que Deus em carne humana não é neutro. Deus não só se faz homem, mas também um homem pobre, um colono, um trabalhador, um marginalizado, etc. O evangelho nos diz: "O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça". Como sabemos, Mariano pertencia a uma família rica e poderia ter vivido confortavelmente. Ele preferiu a vida dura e austera de um simples colono. Sua vida se transformou em um amor amplo, expresso em uma casa simples, onde todos e todas encontraram um lugar. A experiência da mesa compartilhada foi uma opção fundamental em sua vida. Todo mundo que queria, encontrava um lugar em sua casa, em sua mesa, em sua vida e em suas celebrações. Sua vida foi entregue sem reservas.


Colono e trabalhador padre .


Como dissemos, Mariano foi profundamente influenciado pelo irmão Carlos de Foucauld. Esse religioso consagrou sua vida totalmente ao Deus dos pobres. Em sua biografia, ele escreveu: “ Meu Deus, não sei se é possível para certas almas ver-vos como pobre e ainda assim ser rico e continuar tranquilamente ricas. Ser rico, ficar à vontade, viver de meus bens, quando vós fostes pobre. Eu não posso fazer isso, meu Deu". Mariano reproduziu literalmente essas palavras em sua vida. Mas ele continuou mais de perto imitando o sacerdote missionário. Como Jesus, todas as manhãs ele se fazia operário, trabalhador, companheiro, calejar as mãos, desgastava-se com longas horas de trabalho e retornava à sua comunidade à tarde para o trabalho pastoral.


Contradição vital interior.


Entre seus muitos sofrimentos e frustrações, Mariano viveu uma tensão vital entre a solidão e o prestígio social. Por um lado, seguindo o irmão Carlos, ele empreendeu uma jornada de família aristocrática para a vida de colono, um processo de descer, de abaixar-se. Ele descobriu que a plenitude não estava em cima, no subir, mas em se abaixar. Ao mesmo tempo, ele não escondeu que o que sempre lhe causava profunda tristeza e aborrecimento, era que eles seguiam a ele e não a Jesus. Ficou consternado por eles não o entenderem. Por um lado, ele lutou contra o "marianismo", para que não o considerassem o centro. Ao mesmo tempo, sua presença, sua figura, seu testemunho e a força de sua palavra fizeram com que ele se destacasse, o fizessem conhecido, o colocassem "no topo". Até seus últimos dias ele lutou, muitas vezes sem sucesso, contra o "marianismo".


Mariano não era um santo de altar .


Muitas vezes temos uma visão errada dos santos, como pessoas perfeitas, sem defeitos, sem pecados. Mariano sempre se considerou um pecador que cometia erros, que queria impor suas opiniões, era autoritário e, nos últimos meses, às vezes impaciente e irascível. Reconhecendo nele esse comportamento, também reconhecemos que isso tudo era característico de um homem apaixonado que pressiona pelas suas convicções, um líder dotado de carismas, impaciente com a lentidão em entenderem e reagirem às suas propostas de renovação, um homem de carne e osso que muitas vezes foi vencido pela solidão, exaustão e decepção. Muitas vezes ele pediu perdão, mas nem sempre se corrigia. Suas falhas humanas não obscureceram a plenitude de seu grande testemunho evangélico.


Profeta de Deus, de Jesus Cristo e do evangelho.


Mariano foi um profeta. Profeta com voz e estatura poderosas, instigando consciências, interpelando e desafiando a partir da realidade e da dignidade do povo humilde, empobrecido, humilhado, reprimido e excluído. Nenhuma categoria define Mariano melhor que a palavra "profeta". Nestes últimos dias ouvimos falar de sua coerência e coragem, que ele viveu com uma profundidade que o levou a denunciar sempre a injustiça e a violação dos direitos humanos, produzindo a incompreensão e a solidão próprias do discípulo de Jesus. Mariano fez da vida um compromisso radical com o evangelho do Deus do não-poder, que entende o amor como "arriscar a vida para compartilhar com aqueles que a arriscam dia a dia". Ele detestava a palavra "cuide-se", porque a bem-aventurança do evangelho só pode ser entendida com outra palavra: "arrisque-se".


Mariano e o surto social .


Ele estava no hospital da Universidade Católica em 18 de outubro de 2019. Dolorosamente, ele se inclinou pela janela tentando ver os jovens que estavam indo para a "Praça da Dignidade". Ele imediatamente escreveu uma carta aberta afirmando que "o despertar não tem que morrer nunca mais". Devido à sua doença progressiva, ele não pôde participar, mas, a partir de seu leito de doente, encorajou, por palavra e por escrito os cristãos, para que se unissem aos protestos legítimos, para que, pela primeira vez, depois de 30 anos, fossem ouvidos os gritos por maior justiça, igualdade e dignidade. Alguns dias atrás, com um esforço sobre-humano, ele veio ao pátio do tribunal de justiça para celebrar a Ceia do Senhor com familiares das pessoas que foram mutiladas, feridas e presas.


Palavras finais .


Receio ter me estendido demais e, ao mesmo tempo, acredito que ainda não comecei a descrever a vida desse grande homem, amigo e irmão universal. A única coisa que preciso dizer para concluir que a melhor definição de Mariano é que ele sempre pertenceu a Jesus Cristo e que agora ficará frente à frente com Ele. Ali está a sua pertença final, radical e definitiva. Jesus sempre foi seu mestre, sua paixão, aquele que deu sentido a toda a sua vida. Ninguém como ele nos apresentou a Jesus de Nazaré de uma maneira tão viva, convincente, exigente e comprometedora. Ele o amou com paixão, falou dele com o entusiasmo de um apaixonado, reproduzia suas palavras com uma força que o comovia, principalmente quando ele nos lembrava as bem-aventuranças.


Mariano partiu do modo como viveu .


Ele queria morrer como os pobres. Ele não aceitou uma cama especial clínica até não poder mais se opor. Sua morte é a realização de seu maior desejo, pertencer totalmente ao seu Senhor e para sempre.


MARIANO DESCANSA EM PAZ NO CORAÇÃO DE JESUS ​​E NA MEMÓRIA DO POVO!


Muito obrigado


(Santiago do Chile, março de 2020. Juan BARRAZA é o responsável regional da fraternidade chilena)




CARTA DO PE. ÉRIC

Nosso irmão Mariano PUGA

16 março 2020

“Não verei mais o Senhor na terra dos vivos, já não contemplarei a ninguém entre os habitantes do mundo. Minha morada foi arrancada, removida para longe de mim, como tenda de pastores; como tecelão enrolei a minha vida, e me cortaram a trama” (Is 38, 11-12).

“Existe uma boa morte. Somos responsáveis pela forma em que morremos. Temos que escolher entre aferrar-nos à vida de tal maneira que a morte se converta em apenas um fracasso, ou deixar que a vida siga em liberdade para que possamos ser entregues aos outros como uma fonte de esperança“. (Henri Nouwen, A vida do amado)

Amados irmãos,

sentindo profundamente tanto a gratidão pelo dom como a tristeza pela perda, eu lhes anuncio a passagem de nosso grande irmão, querido amigo e ícone vivo de nossa fraternidade, MARIANO PUGA CONCHA de Santiago, Chile. Ele faleceu no último 14 de março de 2020, na idade de 88 anos (poucos dias para 89). Morreu de câncer linfático.

Permitam-me honrar a irmandade de alma que tivemos com Mariano com as seguintes linhas:

Meu primeiro encontro com ele foi na Assembleia Geral do Cairo no ano 2000. Antes de sua eleição como Responsável Geral, sua presença na Assembleia foi como um vírus que nos contaminava com alegria e risos, com seu delicioso canto acompanhado de acordeão. Pouco sabia eu que essas canções eram dos bairros baixos de Santiago; muito jovial e ponderado e nunca deprimido. Era como um trovador cantando com seus pulmões e coração os sonhos e aspirações de sua gente de Santiago. Seu espírito impetuoso e sua música cheia de alegria me cativaram.

Meu segundo encontro foi nos Estados Unidos em 2002. Ele estava visitando a fraternidade dos Estados Unidos, enquanto eu estava em meu ano sabático. O falecido Howard Caulkins, outro querido amigo, me propôs que, se eu fosse com ele à Assembleia do país em Minesota, ele me levaria à Abadia Mepkin, onde eu faria meu ano sabático como hóspede do mosteiro. De fato, viajamos juntos e lá me encontrei com Mariano de novo. Muito facilmente nos reconectamos, alma com alma, numa forma profundamente pessoal e íntima. Eu estava partilhando com ele minha crise com a Igreja, com meus demônios pessoais e com Deus, e nunca me senti tão ouvido. Ele simplesmente me abraçou firmemente, como um irmão mais velho confortando um irmão mais novo, com lágrimas nos olhos, sentindo minha dor. Depois me sorriu com estas sossegadas palavras: “tudo estará bem”. Nós nos separamos com a promessa de termo-nos um ao outro presente na oração, eu para a Abadia e ele para Tammanraset.

Meu encontro mais recente com ele foi no ano passado em Cebu, durante a Assembleia Geral. Com 88 anos, viajar através do globo teve um alto preço para ele. Foi hospitalizado duas vezes, e nas duas ocasiões eu estive com ele. Sua sabedoria chamava-me a sair do túmulo de minhas pretensões e partilhar testemunhos pessoais. Facilmente nos reconectamos, irmão a irmão, valorizando cada uma de nossas histórias, na sala de emergência (onde ele esteve 5 horas), depois dentro de seu quarto (em que ele ficou contrariado, porque queria estar no quarto comum com os pobres), até muito tarde. Então, com um sorriso em seu rosto, sussurrou-me: “a Assembleia já terminou e eu poderia agora ir a casa”. Voltei à casa essa noite muito humilhado, mas muito enriquecido por este comovedor intercâmbio, nossa revisão de vida, a qual para Mariano está no coração de qualquer assembleia de irmãos.

Permitam-me também partilhar algumas linhas que Fernando Tapia me escreveu acerca de Mariano: “Mariano foi um apaixonado buscador de Deus e

um enamorado de Jesus de Nazaré. Seu encontro com ele através dos pobres dum lixão mudou sua vida para sempre. Ele deixou tudo e entrou no Seminário. Aí encontrou Carlos de Foucauld e seguiu sua espiritualidade até ao fim de sua vida. Foi Padre Espiritual e formador no Seminário de Santiago. Depois se transformou em sacerdote operário por mais de 30 anos, partilhando a vida dos pobres. Sempre viveu no meio deles. Foi seu pastor, seu defensor durante o tempo da ditadura militar de Pinochet, sofrendo a prisão 7 vezes. Promoveu uma Igreja comprometida com os pobres. Pregou muitos retiros em Chile e fora de Chile. Foi um homem de oração, alegre, próximo de todos, amigo de crentes e não crentes, um missionário nas periferias da sociedade chilena, seguindo as pegadas do Irmão Carlos. O Evangelho foi seu guia, que ele desejava gritar com sua própria vida”.


Mariano, irmão, amigo, muito obrigado. Obrigado por teu louco testemunho de um Deus louco em Jesus de Nazaré. Compartilho a gratidão e a tristeza dos pobres de Santiago, que tu tocaste com teu testemunho.

Que Jesus, o Bom Pastor, te receba para sempre em tua nova morada, essa que Ele prepara para aqueles que são fiéis.


Irmãos, eu rezo com Mariano para que, em nossas reuniões e assembleia, continuemos arriscando-nos a partilhar uns com outros nossa pobreza e vulnerabilidade. É nossa pobreza que nos une, nos qualifica e nos liberta como irmãos em fraternidade. É também o trampolim para nossa missão entre os pobres, como dissemos em Cebu. Seja também nossa humilde, mas firme resolução a de partilhar a vida missionária de Jesus de Nazaré com os pobres, seguindo as pegadas do Irmão Carlos.


Com meu abraço fraterno,

Eric LOZADA

(Tradução da irmãzinha de Jesús Josefa FALGUERAS)

PDF:Este post foi publicado em: por: Fraternidad Iesus Caritas. Arquivado em: Link permanente.


(Publicado em 09 de março, 5 dias antes do falecimento).

MARIANO PUGA

Mariano está ficando… porque quando uma pessoa como ele morre fica definitivamente entre nós, em nossos corações e em nossa história…


Mariano, como todos nós, tem muitos defeitos, mas suas virtudes são tão pouco comuns que eclipsam totalmente tudo o que poderia nos desgostar nele.


Destaca-se a fortaleza de sua austeridade honesta e consistente, além da humildade de sua bondosa disposição, especialmente atenta aos mais pobres e sofridos. E agradecemos por sua inteligência não ser irônica... e por saber cantar bem e tocar o acordeão.


Recordo-me que uma noite meu xará, o padre Roberto Mosher, descendo a rua Los Baqueanos, em Peñalolén, com as luzes de Santiago aos nossos pés e rodeados pelas vozes do bairro, ele me disse:


"Eu não sei se nós cuidamos do povo ou é o povo que cuida de nós".


E eu creio que Mariano Puga é um padre que tem sido cuidado pelo povo. O povo reconheceu neste "cuico" de nascimento (que nasceu na classe nobre) um homem profunda e verdadeiramente apaixonado pelo caminho dos pobres.


As pessoas o têm acompanhado em todos os bairros onde ele esteve, e ele sempre acompanhou de perto a vida e os caminhos de todos com quem ele se encontrou durante a vida, sem se importar absolutamente se era crente ou não.


Seu coração largo e generoso tem memória muito boa. Ouvi falar de Mariano Puga em 1979 e o conheci no inverno de 86, quando Rufino me convidou a tomar um café da tarde na Penélope, na casinha (meia-água) onde vivia Mariano no bairro Digna Rosa.


Ali moravam também, nesse tempo, Juan Barraza, o Ticho e mais dois ou três. Eram os tempos difíceis da ditadura e comentavam sobre a repressão naquela região.


Mariano liderava ol Movimento contra a Tortura Sebastião Azevedo, de que fazia parte minha avó Josefina. Mariano me impressionou. Pela pobreza de seu estilo e pelas notícias que minha avó contava sobre ele nas ações de rua; quando, por exemplo, pôs-se de pé em frente a um policial e indicando-lhe o cassetete disse-lhe: "Você veio aqui para castigar o povo; bata em mim, pois aqui estou eu, bata em mim"! Minha avó me disse que o policial lhe deu as costas e coreu.


Eu sou filho de um "cuico" (burguês, pessoa da classe alta) que se fez marxista e do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) e sei que enamorar-se pelo caminho dos pobres e apostar por defendê-los frente à injusta agressão do Senhor Dinheiro, não é fácil nem gratuito. Entretanto, para Mariano, o ideal não era uma dinâmica social, mas apenas uma pessoa: Jesus de Nazaré e seu Evangelho, quando nos diz que o Deusinho (o próprio Deus mesmo! O Criador da criação!) estava com os pobres.


É preciso dizer que nos anos 60 e 70 houve muitos padres e freiras que optaram claramente pelos pobres e se uniram a eles cúmplices na amizade (dom Enrique Alvear, Alfonso Baeza, don Fernando Ariztía, Roberto Bolton, Pablo Richard, Blanca Rengifo, Ronaldo Muñoz, Meche e Elena Chaín, Esteban Gumucio, Karoline Meyer, Pepe Aldunate, Anita Gossens, Ignacio Vergara…).


Mariano nunca foi um solitário. Mariano foi muito motivado a seguir Jesus no estilo do francês Carlos de Foucauld, um visconde que se fez pobre e "irmão de todos", seguindo Jesus.


Puga se fez operário com uma equipe de pintores de edifícios, trabalhando todas as manhãs até a hora do almoço e reservar a tarde para atender as comunidades. Certa vez, indo à casa de minha mãe à rua Lastarria, ouvi: “Robeeeertoooo…!!!” Era o Mariano, de cima de um andaime, com seu cone de papelão cheio de tinta que me fazia gestos de saudações. Ele estava sempre atento ao seu redor. Agora ele está morrendo em La Minga, sua casa em Villa Francia, sempre cercada por nomes.


Pelo ano 90 ou 91 alguém disse: " Mariano Puga está presente na consciência de todos os padres do Chile" e eu creio que é verdade e isso irrita a quase todos os bispos e a muitos padres que fazem atendimento com horários e 'condições respeitáveis'. E isso lhe custou. Mariano, algumas vezes, me falou de Nestor Paz Zamora e me deu seu blog. Nestor Paz foi um ex-seminarista boliviano (irmão do Jaime que foi presidente da Bolívia), que se uniu à guerrilha deixando após sua morte uma mensagem de amor e luta por um mundo melhor. Mariano deseja constantemente ser radical. Visitou-me em 2013 na África, meses depois do funeral de Pierre Dubois, que depois de uma entrevista, a revista "The Clinic" a intitulara "Os bispos não acertam uma".


Isso lhe trouxe problemas com os mencionados(ainda que agora é patente -e referendado pelo Papa - que o padre tinha toda razão) e Mariano desceu mais. Não lhe agrada ter inimizade com ninguém. Embora não seja baseado nos critérios do evangelho, é amigável mesmo com aqueles que pensam diametralmente opostos a ele.


Ele foi cadete nos tempos do tenente Augusto Pinochet na Escola Militar, mas duvido que lhe tivesse dado comunhão em alguma Missa após o golpe de 1973. Esteve preso na Villa Grimaldi e nos contou que um agente da DINA (Direção da Inteligência Nacional) acercou-se dele perguntando-lhe: "Padre, como posso fazer para batizar o meu filho"? Anos depois Mariano presidiu a Liturgia com a qual se abriu o Parque da Paz no mesmo lugar em que havia o horroroso quartel Terranova, onde desapareceram muitas pessoas.


Neste padre querido qualquer um(a) de nós se pode encontrar acolhido(a), muito especialmente nas dores que sofrem. É por isso que Mariano vai continuar por muitos anos na memória deste Chile que precisa gritar para consolar tantas feridas que a ganância deixa todos os dias em nossas populações e que arranca olhos violentamente, tentando em vão esconder seu pecado.

Roberto Guzmán

La Bandera, 9 de março de 2020

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(FOTOS NO FINAL DA PÁGINA)

JUBILEU DE DIAMANTE DO MARIANO-por Fraternidad Iesus Caritas Nosso irmão Mariano celebrou seu Jubileu de diamante (60 anos ) de ministério sacerdotal em Villa Francia, Santiago do Chile. No dia 25 de maio várias comunidades cristãs, agentes sociais e o povo de Deus se uniram para celebrar a alegria e o dom de Deus na vida do Mariano. Parabéns e felicitações de todas as fraternidades! VEJA O VÍDEO DO MARIANO CANTANDO E PREGANDO CLICANDO AQUI: https://www.iesuscaritas.org/wp-content/uploads/2019/06/VID-20190612-WA0021.mp4


ALGO DE MARIANO PUGA POR ELE MESMO



No retiro de Coronel Fabriciano, de 04 a 11 de janeiro de 2002, pregado pelo Pe. Mariano.

Éramos sete irmãos de família burguesa do Chile, criados num ambiente conservador, tradicional. Estudamos num colégio anglicano. Tinha o rigor característico do império britânico dos anos 40. Depois fui matriculado para fazer o ensino secundário numa escola militar de Santiago. De lá, saí para fazer arquitetura na Universidade Católica.


Vinha de família sacramental, de piedade tradicional. Na Universidade encontrei um monge que me questionou: “E tu o que esperas para te converter? Retruquei: “ sou católico, converter mais o quê? Não sou evangélico para pensar em conversão" .


Naquele tempo, ter bíblia era coisa de padres ou de anglicano, mas não de leigo católico. Perguntei-lhe: “O que devo fazer?” Ele me respondeu: “Começa a ler o Evangelho”. Ele me indicou o capítulo 25 de Mateus. Quando o li, senti uma espécie de vazio. Percebi que era um católico praticante, de missa dominical, mas um ignorante de Cristo.


O reitor da Universidade Católica era um sacerdote. Nas férias, ele promoveu uma atividade para alguns alunos. Lembro-me que chovia bastante. Fomos visitar pessoas que viviam às margens do rio. Das minhas visitas, lembro-me de uma senhora eu vivia com seus três filhos, dois cachorros. Quando cheguei, ela estava fervendo o leite. O pão era sobra que tirava do lixo e servia às crianças com um arame. Não sabia na época o que era tuberculose. Essa foi a minha primeira experiência com os pobres.


Depois veio a experiência do Lixão São Manoel. Era tempo de abertura da Universidade aos pobres nos anos de 50 a 53. Começava todo um questionamento de fé, de vivência do cristianismo, de compromisso. Dos que nos sentimos tocados, uns 11 entramos no seminário. Era tempo do Papa Pio XII. Ele acabava de proibir a experiência dos sacerdotes operários. E todos nós queríamos ser padres operários.


Quando entrei no seminário, deixei nova, arquitetura, experiência com os pobres, com o lixão... Cheguei à conclusão: vale a pena deixar tudo e partir para o seminário! No seminário, havia mais de 14 nacionalidades, vindos da América Latina e da Europa. Era um seminário de ponta da América Latina. Tempo marcado pelo Evangelho, pela Doutrina Social da Igreja, pelo Irmão Carlos, pelo Pe. Voillaume.


As coisas não eram tão tranquilas. Tivemos até visitador de Roma. Mas, confesso-lhes, foi uma época riquíssima.


Depois da ordenação fui a Paria, estudar liturgia. Até hoje não sei por que fui fazer liturgia. Nossos professores eram monges, não tinham nenhuma pastoral. E nós queríamos uma pastoral renovada. Os monges diziam que não estávamos lá para isso. Era para fazer liturgia séria. Tínhamos uma forte carga de história da liturgia. Aí aprendi que se gasta meia hora de preparação das oferendas no rito copta. Porém, também descobri um sentido da liturgia e não das rubricas. Eu me debrucei sobre a fonte da liturgia...


Acabei ficando doente e tive de voltar ao Chile. O cardeal Silva Henriquez me convidou para viver com ele, para que pudesse cuidar de mim. Por uns seis meses eu morei no centro de Santiago. Depois o cardeal me propôs que eu fosse procurar uma casa para sair do palácio episcopal. Encontrei uma num bairro de classe média. Acabei indo morar com alguns seminaristas e fazer experiência de pequenas comunidades no meio dos pobres. Era a perspectiva do ano de Medellin, 1968, criar pequenos grupos de seminaristas vivendo no meio dos pobres, na periferia. Foi muito rico viver aí por uns cinco anos. Tempo de socialismo, cristãos para o socialismo...


Todos nós que fizemos essa opção fomos mandados embora. Roma queria recuperar o grande seminário. Falei ao cardeal que estava partindo para o norte do Chile para fazer uma experiência como sacerdote operário, com um padre meio louco, mas quem se adaptava à loucura dele podia aprender muito.


Era uma experiência que reunia gente de todo o lado e tele-revisada por Karl Rahner. Era uma experiência pastoral da Igreja, sem contato com o bispo (transferido daí por nossa culpa). Consistia praticamente em viver no meio do povo e como o povo; frequentando os sindicatos, os partidos, os movimentos populares. Depois de ter sido padre espiritual do seminário e professor de liturgia, depois da descoberta dos pobres e dessa experiência no norte do Chile, aconteceu o golpe de Pinochet. Todos os estrangeiros foram mandados embora e eu fiquei por ser chileno.


O golpe para nós era impensável. Vivíamos numa prepotência muito grande. O golpe era praticamente impensável por nós, que nos julgávamos como a única democracia estável na América Latina. O golpe destruiu nossas entranhas. Penso que o golpe chileno foi muito mais duro que em outros países. Algo inesperado! A crueldade do golpe quebrou todas as estruturas populares do Chile (sindicatos, partidos, associações...). Arrasaram tudo!


Alguns bispos, com um grupo de padres e religiosas começaram a dar asilo a estrangeiros e a chilenos perseguidos. Chegamos mais ou menos a umas 680 pessoas. Foi uma experiência impressionante com marxistas. Eles nos diziam: “Como vocês nos recebem assim, mesmo sabendo que somos inimigos e os acusamos de fomentar a religião, a que chamamos ópio do povo? Mesmo assim, vocês correm o risco por nossa causa!” Foi um ótimo tempo de solidariedade acima de todas as fronteiras.


Começamos também a ser perseguidos e detidos. Até hoje há gente do nosso grupo que foi detida e está desaparecida!


Quando fui detido, a comunidade colocou-se frente à seguinte questão: “Nós, como cristãos, vamos baixar a guarda, ou tomar uma decisão”? Decidiram manter-se fiéis. Depois de alguns dias, um que tinha se destacado nesta decisão foi detido e nunca mais foi encontrado.


Bem, essa experiência vocês viveram aqui também no Brasil. A Igreja na América Latina era uma força para nós. O Continente tornou-se um altar de mártires.


Numa dessas perseguições, fui chamado por Pinochet, junto com outros, por termos sido alunos dos militares. Preparamos o que falar. Quando chegamos, o general disse, olhando para mim: “Você que foi tão bom aluno, como caiu nas mãos dos marxistas?” Respondi: “General, tenho um grande agradecimento a vocês, pois no colégio militar vocês me ensinaram a disciplina, me ensinaram que ordens dos superiores não se discutem. Sendo assim, não discuto ordens do meu general que se chama Jesus Cristo. Ele me ensinou a amar os pobres. A disciplina que aprendi no colégio militar eu a direciono ao meu general Jesus Cristo e ao Evangelho”.


Pinochet disse: “Não sou como Franco e Fidel Castro e vocês católicos estão contra mim! Os evangélicos me apoiam. Se vocês continuarem assim, não há como continuar conversando com vocês!” Olhando para mim, disse: “Você precisa de um tempo de retiro!”


Assim, fui viver dois meses de exílio em Lima, com os Irmãozinhos de Jesus. Tinha o hábito de, a cada cinco anos, fazer um mês de Nazaré. Desta vez, fiz dois. Depois, voltei ao Chile e ao grupo de trabalho. O bispo me transferiu com outros dois padres. Fizemos uma experiência de comunidade. Todos trabalhávamos e ganhávamos cinco mil pesos (15 dólares) cada um.


Foi um tempo rico de partilha com o povo. Experiência única de solidariedade com o povo. Começava, nessa época, o movimento de protestos. As favelas se manifestavam de forma pacífica; havia denúncias de torturas. Estava forte o movimento da não violência ativa, que tinha Gandhi como grande inspirador.


Tenho muito a agradecer a Deus pelas diversas oportunidades que tive na vida. Em 1986, passei um paraíso de três meses com D. Pedro Casaldáliga, em São Félix do Araguaia. Em 1990, mais três meses com Leonardo Boff. Em 1992, com 60 anos, assumi como pároco de São Caetano, distrito violento de Santiago. É um bairro quente, violento. Se você tomar um taxi em Santiago e disser que quer ir para lá, o taxista não o leva. Entretanto, se você disser que vai para a casa do Pe. Mariano, ele aceita.


Amanhã, dia 11 de janeiro (de 2002) começaremos na paróquia uma avaliação da caminhada para passar a paróquia ao novo pároco, um bom sacerdote do Prado. Vou para a diocese de Chiloé, no sul do Chile, com um bispo com o qual fiz aquela experiência no norte do país. Bom, sou um missionário itinerante!


Um último recado (esta era a última pregação do retiro que ele pregava em Cel. Fabriciano). Não é justo que a Igreja do Brasil fique fechada dentro deste país. Mesmo hoje, quando muitos de vocês dizem que as tendências são outras e há retrocessos nesta Igreja. Vocês têm uma caminhada história de renovação eclesial e compromissos sociais com os pobres que têm muito a transmitir à América Latina.


O mundo é maior que o Brasil e vocês têm responsabilidade com as Igrejas do Continente. As fraternidades do Brasil têm responsabilidade na América Latina e na África. Não é justo esse fechamento de vocês. Faço-lhes este pedido em nome do povo da América Latina, que precisa conhecer e aprender com a renovação pastoral e teológica que vocês realizam na Igreja do Brasil.


Fechar-se aqui na Igreja do Brasil é pecado contra Cristo e contra os pobres!

Essas primeiras quatro fotos são do jubileu de diamante sacerdotal do Mariano (60 anos de sacerdócio)

pregando

Chiloé

Cliloé

Chiloé