COMO NASCEMOS

AS ORIGENS DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS CARITAS

( Do boletim especial 126 de 2016)

No Seminário de São Sulpício, em Issy-les-Moulineaux, na França, alguns estudantes trocam ideias sobre a vida e os projetos de Carlos de Foucauld, que chegaram até eles pela obra de René Bazin, a primeira a apresentar a biografia do Irmão Carlos de Jesus. Graças a Louis Massignon, um filho espiritual do Padre de Foucauld, os seminaristas têm acesso também ao manuscrito do Diretório para as Fraternidades escrito pelo Padre de Foucauld. Leem e estudam os textos, procurando visualizar a espiritualidade do Irmão Carlos na vida de padres seculares em seu ministério pastoral. Alguns seminaristas pensavam numa Congregação que realizasse o projeto do Irmão Carlos, pensamento que se concretizou na fundação dos Irmãozinhos de Jesus. Dois nomes que se destacam nesse primeiro momento são os de René Voillaume e Gabriel Isaac. Gabriel, do clero de Lyon, fará parte do primeiro grupo da Fraternidade Sacerdotal.

Voillaume, fundador dos Irmãozinhos de Jesus, e dos Irmãozinhos do Evangelho, será o grande inspirador de toda a Família espiritual do Irmão Carlos. Gabriel Isaac e René Voillaume se conheceram em 1926, no Seminário de São Sulpício.

René Voillaume é ordenado padre em 1929 e nos anos de 1932 e 1933 prega dois retiros preparando a fundação dos Irmãozinhos de Jesus. Gabriel participa dos retiros. No dia 8 de setembro de 1933, quatro primeiros Irmãozinhos fazem seus votos em Montmartre e partem para El Abiodh Sidi Cheikh, na Argélia. Aí tem inicio a primeira fraternidade e o noviciado dos Irmãozinhos.

Em Lyon existia a Associação Carlos de Foucauld, que depois se chamou de Fraternidade Carlos de Foucauld, agrupando todos os discípulos do Irmão Carlos. Alguns padres faziam parte da Associação, sempre buscando inspiração em Carlos de Foucauld para sua vida de padres diocesanos. Ligados aos Irmãozinhos e orientados pelo Pe. Voillaume, os padres se organizam com o nome de União dos Irmãos do Sagrado Coração de Jesus. Encontram-se mensalmente nma das fraternidades dos Irmãozinhos. Em 1946, o sacerdote Voillaume conhece Henry le Masne, em Lyon.

Em junho de 1951, Pe. Voillaume redige uma nota sobre um projeto de fundação para padres diocesanos de um novo ramo ligado aos Irmãozinhos. No mesmo ano, em setembro, prega um retiro para as Irmãzinhas de Jesus no Tubet, perto de Marselha. Os padres são convidados. Está presente o Pe. Pierre Cimetière, o Vieux Frère, que vem assistir os votos de uma de suas sobrinhas. Presente também Mons. de Provenchères, arcebispo de Aix em Provence, que acompanhava as fundações da família do Padre de Foucauld.

Em março de 1952, no encontro em Montbard, o grupo de padres passa a se chamar de União dos Irmãos de Jesus. Piere Cimetière é escolhido como responsável e são redigidos os estatutos. Em agosto de 1955 acontece o primeiro Mês de Nazaré na abadia de Boquen, na Bretanha, com a participação de cerca de 50 padres. Ao todo, 17 fazem a consagração. Guy Riobé é eleito responsável geral. Em julho de 1962, realiza-se a primeira Assembleia Internacional em Taybeh, na Terra Santa. Participam 50 padres de 18 nações, entre eles Martin Huthman, de origem alemã, que há anos trabalha na diocese de Rondonópolis; Rui Coutinho, de Belém e Hélio Campos, de Fortaleza; Henry le Masne, de Lyon; Emile Biayenda, que será Cardeal Arcebispo no Congo Brazzaville e será assassinado, e Simon M’peke, Baba Simon, dos Camarões, que está com um processo de beatificação encaminhado.

A Fraternidade Sacerdotal nasceu pouco a pouco e colegialmente com momentos fortes nas etapas de formação e com pessoas marcadas pelo carisma do Irmão Carlos. Depois de Guy Riobé, Pierre Loubier veio ao Brasil em 1964 consolidar a Região brasileira. Em 1965 Paulo Oliveira participa da Assembleia de Valmont.

“Minha missão deve ser o apostolado da bondade. Se alguém me perguntar porque sou manso e bom, deverei responder: ‘Porque eu sou o servidor de um Outro que é muito melhor que eu. Se você soubesse como é bom o meu Mestre Jesus!” Quero ser tão bom que possam dizer de mim: “Se o servidor é assim, como não será o Mestre?”

(Ir. Carlos)

Colaboração de Cônego Celso Pedro

Atualmente, a Família Carlos de Foucauld conta com vinte e um ramos, e alguns grupos ainda não filiados. A Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas tem o reconhecimento pontifício e está presente nos cinco continentes, em 60 países, organizada em 46 Regiões. Hoje existem 950 fraternidades, nas quais 4.572 presbíteros participam ativamente.

COMO SURGIRAM AS FRATERNIDADES SACERDOTAIS NO BRASIL

Aos 05 de julho de 1958, o padre francês Guy Riobé (1911-1978), responsável geral da “União Sacerdotal”, cujo nome mudará, depois do Concílio Vaticano II, para “Fraternidade Sacerdotal”, chega, pela primeira vez, ao Brasil, por um mês. Em cinco cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e Belém do Pará), ele mantem contatos com padres e seminaristas que conhecem a espiritualidade de Carlos de Foucauld.

O primeiro fruto concreto da visita aparece: dois padres brasileiros, Pe. Francisco Hélio Campos (1912-1975), do Ceará, e Pe. Ruy Coutinho (1921), do Pará, decidem ingressar oficialmente na “União Sacerdotal”, fundada na França em 1952, e se comprometem com ela. Como segundo fruto concreto da visita, Pe. Riobé anota, no seu diário da visita ao Brasil, que vários padres concordaram, nas cinco cidades visitadas por ele, em encontrar-se mensalmente para iniciar uma fraternidade da “União”.

Segundo Dom Paulo Eduardo Andrade Ponte (1931-2009), arcebispo emérito de São Luís do Maranhão, que fez parte alguns anos da fraternidade de Fortaleza, os primórdios da “União Sacerdotal”, em nível do Brasil, ocorreram no Ceará, no bairro pobre e violento do Pirambu, em Fortaleza, onde havia um grupo de padres simpatizantes reunidos, de vez em quando, por Pe. Francisco Campos; lembra ainda que o primeiro retiro em redor da espiritualidade de Carlos de Foucauld, para padres de todo Brasil, aconteceu em Pacatuba – CE, a uns 40 km de Fortaleza, no sitio do pai dele, em julho de 1959, com uns 60 participantes. O retiro foi orientado pelo padre francês René Voillaume (1905-2003), fundador dos Irmãozinhos de Jesus e autor do famoso livro “Fermento na Massa” (1950). Em maio de 1960, Dom Alberto G. Ramos, arcebispo de Belém do Pará, torna-se o primeiro bispo brasileiro a aprovar a “União” na sua Diocese.

“Por causa de Cristo e do Evangelho” é o lema das fraternidades.

O nosso compromisso é com Cristo e com todas as pessoas deste mundo

O nosso compromisso é viver num espírito de fraternidade universal. Estendendo pontes e encurtando distâncias

Assim, em Belém, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo e na Bahia as fraternidades começaram a se estruturar. Em 1962, na primeira Assembleia Internacional da “União”, na Terra Santa, havia cinco brasileiros, sendo três do Ceará e dois do Pará. Em 1965, o jovem padre de São Paulo, Celso Pedro da Silva, é indicado pelo sucessor de Riobé (nomeado Bispo de Orleans), Pierre Loubier (1923-1988), como responsável das fraternidades sacerdotais no Brasil. Ele é hoje o irmão mais antigo da Fraternidade Jesus Caritas no território brasileiro, tendo se engajado, em 1962, pouco tempo após a sua ordenação. O primeiro Mês de Nazaré no Brasil ocorreu em Vinhedo, no Estado de São Paulo, no mesmo ano da escolha de Celso Pedro, que prestou o serviço de coordenador até julho de 1973, sendo substituído sucessivamente por Roberto Delgado, até julho de 1974, e, em seguida, por Geraldo Lima (1974-1980). Na quarta Assembleia Internacional de Montefiolo (Itália-1976), houve a participação ativa de dois brasileiros: Celso Pedro e Geraldo Lima que, como latino-americanos, questionaram alguns moldes culturais franceses e europeus da Fraternidade Jesus Caritas, sugerindo que houvesse maior abertura aos diversos continentes.

De 1973 a 1978, a Fraternidade Jesus Caritas no Brasil passou por muitas dificuldades e quase morreu. Vários membros deixaram o ministério sacerdotal e se afastaram. O número de membros foi diminuindo, ficando em redor de 60. O desânimo ameaçava tomar conta dos grupos. Felizmente, em 1978, no retiro na cidade paulista de Ubatuba, venceu a decisão de continuar e a situação foi melhorando, aos poucos, nos anos seguintes. A providência divina ajudou dando um presente valioso para a renovação: a eleição inesperada, “surpresa”, na quinta Assembleia Internacional de Argel (Argélia-1982), do representante brasileiro, o Pe. Gunther Lendbradl, para responsável geral da “Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas”, tornando-se o quarto sucessor do profeta Guy Riobé, que, sem conhecer a língua portuguesa, arriscou-se no Brasil, lançando a semente da “União Sacerdotal”.

Colaboração de Pe. Jaime Jongmann

COMO TUDO COMEÇOU- de Tony Philpot, 2012

No início do século passado apareceu um santo, fora do comum, no coração da África. Seu nome era Carlos de Foucauld, francês. Viveu uma vida de muita luta, como militar, como explorador e, finalmente, como missionário isolado na Argélia. Foi um missionário diferente: ele não pregava aos árabes e tuaregues, no meio dos quais vivia. Tentou encarnar o Cristo no meio deles com humildade, amando-o como irmãos.

No mundo do século XX, dominado pelo poder militar e colonial, Irmão Carlos foi diferente. Foi assassinado por um levante tribal em 1916, durante a primeira guerra mundial. Em vida realizou pouca coisa. Após sua morte, seus amigos, refletindo sobre sua vida e juntando seus escritos, entenderam que ali havia um novo jeito autêntico de viver o Evangelho.

Várias congregações religiosas nasceram tomando como alicerce a vida e a espiritualidade dele. As duas congregações mais conhecidas são os Irmãozinhos e as Irmãzinhas de Jesus. Elas são diferentes das outras congregações religiosas porque os membros, além de serem contemplativos e de rezarem muito tempo diante do Santíssimo Sacramento, procuram trabalhar no meio dos mais pobres e mais abandonados; evitam promoções e ganham pouco dinheiro, vivendo com simplicidade, ao lado das pessoas de baixa renda e sem prestígio social. Como Carlos de Foucauld, eles não pregam: vivem segundo suas convicções e partilham o seu amor.

Em 1951 vários padres franceses decidiram dar as costas ao carreirismo e à “prosperidade” e viver no meio do povão, muitas vezes distante da Igreja. Escolheram viver seu ministério paroquial ou de capelão, como verdadeiros irmãos do povo, recusando qualquer atitude de dominação ou manipulação. Foi um apostolado da presença. Fizeram da Eucaristia a oração central d sua vida, tornando-se contemplativos, apesar das numerosas tarefas cansativas que eles assumiam.

Esta associação voluntária de padres diocesanos ficou conhecida como “Fraternidade Jesus Cáritas”; as palavras “Jesus Cáritas” lembram o logotipo escolhido por Carlos de Foucauld no Saara: ele escreveu estas palavras em cima de um desenho do Sagrado Coração de Jesus e colocou o conjunto na parede da casa, onde o desenho podia inspirá-lo. A Fraternidade atraiu numerosos padres em todos os cantos do mundo, a começar pela França e pela Europa. Durante o Concílio Vaticano II, um grupo de bispos de vários países ficou conhecido como “os pequenos bispos de Jesus”.

Carlos de Foucauld, o santo homem do deserto, livre como o ar, continua, hoje, vivo nos seus discípulos. Como ele, os seus discípulos estão procurando imitar o “bem amado Senhor Jesus” e gritar o Evangelho com a vida. Há, porém, uma diferença: Carlos de Foucauld sofreu bastante pela solidão de não ter conseguido sequer um companheiro que se juntasse a ele, embora tivesse planejado a constituição de uma congregação religiosa. A Fraternidade sacerdotal, de certo modo, foi a resposta ao sonho dele, tendo um objetivo claro: favorecer a amizade e ser uma verdadeira fraternidade entre os presbíteros, fortalecendo a doação e a comunicação sadia entre os padres.

Desde 1951, a Fraternidade foi reconhecida pela Igreja Católica e caminhou até hoje, acolhendo padres diocesanos de todos os continentes. Teve a alegria de acolher membros de congregações religiosas que manifestavam o desejo de fazer parte dela, achando que a pertença à Fraternidade “Jesus Cáritas” os ajudaria a ser missionários “de mão cheia”. Recentemente, alguns diáconos se juntaram também a ela.