BOLETIM 160-DEZ 2019
BOLETIM DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS + CARITAS
(Circulação interna – pro manuscrito)
Este Boletim nº 160 é uma publicação trimestral da Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas no Brasil, e tem como objetivo criar laços entre as diversas fraternidades por meio de estudos e comunicações entre seus membros, espalhados em todo o território do país.
Equipe de organização e Redação
Pe. Edivaldo Pereira dos Santos
Pe. Nelito Dornelas
Magda Melo
Colaboradores neste número 160
Equipe Internacional
Conselho da Fraternidade no Brasil
Pe. Carlos Roberto dos Santos
Dom Edson Damian
Pe. Nelito Dornelas
Pe. Maurício da Silva Jardim
Magda Melo
Pe José de Anchieta
Ilustração e capa
Magda Melo
Editoração
Magda Melo
Revisão
Pe. Carlos Roberto dos Santos
Pe. Edivaldo Pereira dos Santos
DA REDAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Pe. Carlos Roberto dos Santos - Tupã/SP
Irmão responsável nacional.
Irmãos e irmãs de todo o Brasil, está chegando em suas mãos o Boletim da Fraternidade número 160, o terceiro de 2019.
Estamos animados com o tempo do Natal do Senhor, que se aproxima e nos traz esperanças. Aliás estas esperanças vêm, também, do Sínodo Pan-Amazônico, acontecido lá em Roma. Aguardamos ansiosos o documento que virá, pois a oração, a sinodalidade, a partilha e a corresponsabilidade que fez parte dos acontecimentos diários do Sínodo
nos encantou a todos que o acompanhamos, e sonhamos com a ‘terra sem males”. Precisamos desta esperança nestes tempos de trevas em que vive o nosso povo, por causa de um desgoverno que tira paulatinamente os direitos e a dignidade dos mais pobres.
O boletim apresenta a primeira Carta da Equipe Internacional, que já começou a trabalhar os desafios que nossas fraternidades lhes confiou por ocasião da Assembleia de Cebu. Dom Edson T. Damian e Pe. Maurício Jardim, dois irmãos que participaram no Sínodo da Amazônia, relatam um pouco da alegria que lá viveram, e partilham conosco os “Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”.
Na sessão “espiritualidade do irmão Carlos”, apresentamos três artigos: um do Papa Francisco, recordando o centenário de morte do Ir. Carlos de Foucauld; outro de Pierre Sourisseau, do livro intitulado “Charles de Foucauld em nova biografia” e o último, escrito pelo Pe.
Nelito, por ocasião dos trinta anos da páscoa definitiva da irmãzinha Madalena de Jesus.
O Boletim ainda traz um discurso do Papa Francisco sobre a importância de construirmos “Uma teologia do acolhimento e do diálogo” e, não poderíamos deixar de registrar, o “Pacto as Catacumbas pela Casa Comum: por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora, profética e samaritana”.
Um grande abraço a todos, e boa leitura.
FRATERNIDADES EM MISSÃO
FRATERNIDADE SACERDOTAL IESUS + CARITAS
EQUIPE INTERNACIONAL
CARTA DOS IRMÃOS DA EQUIPE INTERNACIONAL Fraternidades em missão1
“Quando terminaram a oração, tremeu o
lugar onde estavam reunidos. Todos ficaram
cheios do Espírito Santo e anunciavam
corajosamente a palavra de Deus. A
multidão dos fiéis era um só coração e uma
só alma” (At 4, 31-32).
Irmãos bem amados,
Em solidariedade com os bispos reunidos para o Sínodo da Amazônia, nós, seus irmãos da equipe internacional - sem a presença do Tony, porque infelizmente ele não conseguiu o visto - estamos reunidos neste lugar bonito e calmo, chamado Casa de Retiros Sagrado Coração de Maria Mirinae, localizado num vale cercado por colinas com árvores coloridas no outono. Reunimo-nos com catorze irmãos de quatro países asiáticos em sua Assembleia Continental, de 11 a 18 de outubro de 2019.
A beleza do local nos fala profundamente sobre nosso desejo de paz e sossego para descansar nossos corpos cansados e sobrecarregados com o barulho e os peso do nosso ministério. Nossa adoração diária, a celebração eucarística, a partilha do Evangelho e o dia de deserto
tornaram-se encontros calorosos com Jesus e com os irmãos. Durante a nossa estadia, apreciamos a culinária coreana e a hospitalidade da jovem e vibrante Comunidade das Irmãs do Sagrado Coração de Maria.
1 Traduzido para o português-BR por Pe. Carlos Roberto dos Santos
A Assembleia de Cebu confiou algumas preocupações e desafios às nossas fraternidades. Essas preocupações foram sentidas em três áreas de nossas vidas: nossas sociedades, nossas igrejas e nossas fraternidades. Conscientes destes desafios e das conclusões de nossas reflexões e discernimentos sobre a realidade de nossas fraternidades, gostaríamos de convidá-los a se tornarem promotores da Fraternidade. Acreditamos que a construção e a vivencia da fraternidade como um dom de Deus nos levará a viver a missão fraterna com nossos irmãos sacerdotes, em nossas igrejas e em nossas sociedades.
Gratidão e carinho por nossos irmãos mais velhos
“Plantados na casa do Senhor, crescerão nos
átrios do nosso Deus. Mesmo na velhice darão
frutos, serão cheios de seiva e verdejantes” (Sl
92, 13-14).
Contemplando a realidade de nossas fraternidades em Cebu, descobrimos que os membros das fraternidades ocidentais estavam diminuindo ou envelhecendo. Envelhecer é um processo de crescimento, um presente de Deus. Nossos irmãos mais velhos são, portanto, presentes preciosos em nossas fraternidades. Eles envelheceram em fraternidade com fidelidade, são veteranos em fraternidade. Gostaríamos de expressar nossa profunda gratidão por sua presença entre nós. Vocês são os canais pelos quais Jesus conduziu cada um de nós nas belas fraternidades Jesus Caritas.
Quando muitos de vocês, como padres fidei donum, viajaram pelo mundo proclamando a Boa Nova de Jesus, seguindo os passos do irmão Carlos, voces levaram as fraternidades de Jesus Caritas para as Américas, Ásia e África. Apesar do peso da idade, muitos de vocês fazem, ainda hoje, esforços extraordinários para poder participar, o máximo que puder, dos encontros da fraternidade. Sua fidelidade é um exemplo a ser imitado.
Queridos irmãos mais velhos, e mais experientes, nós valorizamos muito a presença de vocês entre nós. Queremos ouvi-los e aprender com sua sabedoria e experiência fraterna. Contamos também com suas orações fiéis para que possamos viver a fraternidade. À medida que suas forças vão diminuindo, nós nos unimos a vocês na oração do abandono, do irmão Carlos, pedindo para vocês a graça de uma entrega total ao amor de Deus.
Pedimos a todos para prestarem mais atenção aos nossos irmãos mais velhos: visitando-os, mantendo-os informados sobre a vida das fraternidades, celebrando seus aniversários de nascimento e ordenação sacerdotal, partilhando suas alegrias e tristezas, etc. Muitos de nós já estão fazendo isso muito bem, e nós os incentivamos a continuar com este serviço exemplar.
Enriquecido com o entusiasmo e a vitalidade dos irmãos jovens
"Que ninguém o despreze por ser jovem.
Quanto a você mesmo, seja para os fiéis um
modelo na palavra, na conduta, no amor, na
fé, e na pureza " (1Tm 4,12).
Em vários países, principalmente na Ásia e na África, nossas fraternidades estão recebendo novos membros. Jovens sacerdotes se juntam a nós, seguindo os passos do irmão Carlos. A entrada destes padres jovens enche nossos corações de felicidade e gratidão a Deus, pois nossas fraternidades se renovam com sua vitalidade e entusiasmo juvenil. Isto é um sinal muito claro de que a experiência espiritual do irmão Carlos ainda é muito significativa e fascinante.
A entrada de membros novos e jovens [na fraternidade] é uma grande graça, mas também um desafio. Antes de tudo, devemos acolhê-los com sinceridade e abrir nossos corações às suas aspirações mais profundas. Também somos convidados a fazer que nossas fraternidades sejam lugares onde eles possam encontrar o apoio fraterno dos irmãos mais velhos. Temos o delicado dever de cuidar deles e ajudá-los a viver esta transição, muitas vezes difícil, entre a vida protegida do Seminário Maior e os grandes desafios de seu início na vida sacerdotal. Eles precisam encontrar mentores amáveis e bondosos entre nós.
A chegada de novos membros em nossas fraternidades é um presente de Deus, mas nosso testemunho de vida e nosso desejo de ter novos irmãos é muito importante. No Brasil, nossos irmãos estão organizando várias atividades para permitir que seminaristas maiores descubram a beleza e a relevância da experiência espiritual do irmão Carlos. Tais experiências de partilha sobre o que estamos vivendo e convites para novos membros deveriam ser promovidas em nossas fraternidades.
Acreditamos que nossas fraternidades são um precioso presente de Deus e não podemos guardá-lo só para nós mesmos. Devemos partilhar esta convicção de que a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas pode nos ajudar a ser bons padres diocesanos.
Nas igrejas onde os padres vêm de diferentes partes do mundo para prestar serviço pastoral ou para estudar, nossas fraternidades estão convidadas a mostrar-lhes uma especial hospitalidade. Entre eles, os padres pertencentes às fraternidades Jesus Caritas precisam ser integrados em nossas fraternidades. Não percamos esta oportunidade de viver uma fraternidade universal com nossos irmãos sacerdotes. Convidamos vocês, irmãos, a serem os primeiros a estender-lhes as mãos, indo ao encontro deles, para oferecer-lhes nosso amor fraterno.
“Jamais arrière”, “Nunca voltar atrás”, mas fidelidade e perseverança
“Conheço sua conduta: o amor, a fé, a
dedicação, a perseverança e as suas obras
mais recentes, ainda mais numerosas que as
primeiras” (Ap 2,19).
A Assembleia de Cebu revelou que em muitas de nossas fraternidades há uma falta de fidelidade aos principais meios de nosso crescimento espiritual. Nunca é demais enfatizar suficientemente a importância e a necessidade da adoração eucarística diária, o dia mensal do deserto, a revisão da vida, as reuniões mensais da fraternidade e a partilha do Evangelho para o nosso crescimento espiritual. Gostaríamos de agradecer e felicitar todos os irmãos e fraternidades que estão vivendo fielmente esses importantes meios de crescimento espiritual. Queridos irmãos, encorajamos vocês a permanecerem firmes nesta fidelidade, que é uma bênção para todos nós.
Quanto a vocês, irmãos que estão lutando para serem fiéis a esses meios, nós os exortamos a nunca desistirem do pouco que estão conseguindo fazer. O lema da família do irmão Carlos era: “Jamais arrière”, "Nunca voltar atrás". Ele disse que, quando saímos para fazer algo, nunca devemos voltar sem tê-lo feito. Com seu espírito e seu exemplo de determinação, um dia alcançaremos a fidelidade perfeita. Portanto, ninguém desista do que já está fazendo!
Devido às grandes distâncias, ao isolamento e à falta de recursos financeiros, muitos irmãos não podem participar regularmente dos encontros da fraternidade. É difícil aproveitar os meios de crescimento espiritual sem essa participação regular nos encontros fraternos, por isso, exortamos vocês, irmãos, a serem mais criativos nessa situação. Em lugares onde não é possível encontrar padres, viver a fraternidade com outros membros da família espiritual do irmão Carlos não é somente uma alternativa frutífera, mas também uma oportunidade valiosa.
A fraternidade nos impulsiona à missão
“O Senhor escolheu outros setenta e dois
discípulos, e os enviou dois a dois, na sua
frente, para toda cidade e lugar aonde Ele
próprio devia ir” (Lc 10,1).
Como sacerdotes diocesanos missionários que seguem os passos de Carlos de Foucauld, uma especificidade de nossa missão é construir fraternidade, ser especialistas em amor fraterno e tornarmo-nos irmãos universais. Utilizar os meios espirituais disponíveis em nossas fraternidades Jesus Caritas, para promover nosso crescimento espiritual, também é uma característica do nosso ser missionário. Cuidar de nossa vida espiritual e crescer em santidade é, portanto, necessário para a fecundidade de nossos esforços missionários.
Depois de uma longa reflexão sobre a missão na Assembleia de Cebu, agora desejamos encorajá-los em seus respectivos compromissos missionários. Convidamos vocês a identificarem, durante os encontros de fraternidades e nas suas assembleias, as muitas atividades missionárias nas quais vocês já estão comprometidos. A partilha e a reflexão de suas experiências missionárias, a escuta das diversas experiências e histórias de missão certamente vos enriquecerão e vos ajudarão a reacender seu entusiasmo missionário.
Gratidão
Agradecemos ao Philip e aos irmãos coreanos pela calorosa hospitalidade, a Arthur Charles pelo serviço prestado aos irmãos asiáticos nos últimos seis anos e à comunidade das irmãs pela alegria contagiante em cuidar de nós. Também agradecemos aos irmãozinhos e irmãzinhas, e aos membros da fraternidade leiga pela visita e pelos presentes que prepararam para nós.
Casa de Retiro Sagrado Coração de Maria Merinae,
sexta-feira, 18 de outubro de 2019.
Eric LOSADA, Fernando TAPIA MIRANDA,
Matthias KEIL e Honoré SAVADOGO
Seus irmãos da equipe internacional
Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral 2 Dom Edson T. Damian
Desde o dia 15 de outubro de 2017, quando o Papa Francisco nos surpreendeu com a boa notícia da convocação do Sínodo Especial para a Amazônia, alegria e esperança foram os sentimentos que tomaram conta de todos os amazônidas.
Tive a graça de acompanhar o encontro do Papa com quatro mil representantes dos Povos Indígenas em Puerto Maldonado, Peru, no dia 19 de janeiro de 2018. Ainda ressoam a palavras proféticas do seu discurso: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”. No entanto, “a sua visão do mundo, a sua sabedoria, têm muito para ensinar a nós que não pertencemos à sua cultura. Todos os esforços que fizermos para melhorar a vida dos povos amazônicos serão sempre poucos”. Por isso “irmãos indígenas, ajudai os vossos bispos, ajudai os vossos missionários e missionárias a se fazerem um só convosco e, assim, dialogando com todos, plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena”. Para que isto aconteça, concluiu o Papa, “convoquei o sínodo que inicia com uma reunião hoje à tarde”.
Com o Documento Preparatório iniciou-se longo e abrangente processo de escuta. Nenhum dos sínodos anteriores envolveram tantas pessoas e instituições. Basta constatar que dos 340 povos indígenas da região, 179 participaram de alguma roda de conversa ou assembleia. Participaram também desta escuta centenas de outras comunidades de ribeirinhos, agricultores, quilombolas e moradores das cidades. Para redigir o Instrumentum Laboris, o Conselho pré-sinodal recebeu 1.200 páginas de propostas enviadas pelos nove países que integram o bioma amazônico. Com este Instrumento de Trabalho iniciamos a preparação intensa para o Sínodo.
No dia 06 de outubro de 2019, na basílica de São Pedro, em Roma, concelebramos com o papa Francisco a Eucaristia de abertura. Em um Sínodo que deseja abrir novos caminhos, o Papa deixou claro que "reacender o dom no fogo do Espírito é o oposto de deixar as coisas correr sem se fazer nada", denunciando os momentos em que "houve colonização em vez de evangelização!”, e pedindo firmemente que “Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos” e daqueles que querem “fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”. Insistiu que "o anúncio do Evangelho é o critério primeiro para a vida da Igreja". E concluiu dizendo: “Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos”.
Durante três semanas com sessões plenárias de escuta e trabalhos em grupos, fomos aprofundando e ampliando as propostas do Instrumentum Laboris. Mesmo os leigos e as quarenta mulheres, que não tinham direito ao voto, puderam “falar livremente e com coragem
para dizer toda a verdade”, como solicitou o Papa no início dos trabalhos. Cada vez que falava uma mulher ou representante dos Povos Indígenas, o Papa percorria os olhos para localizar a pessoa no plenário. Escutava atentamente, fazia pequenas anotações e era o primeiro a aplaudir.
Na sessão de encerramento, no dia 26 de outubro, os 181 eleitores aprovaram os 120 parágrafos do documento final com a maioria necessária de dois terços. Dividido em cinco capítulos, o documento reúne as contribuições dos participantes no processo sinodal. Não apenas daqueles que estiveram presentes na assembleia, mas de tantos outros que participaram de um processo de escuta que, com a passagem do tempo, foi se demonstrando como determinante, porque captou a voz da Amazônia e dos seus povos.
Seguem os capítulos.
Cap. 1 - Amazônia: da escuta à conversão integral
Cap. 2 – Novos caminhos de conversão pastoral
Cap. 3 – Novos caminhos de conversão cultural
Cap. 4 – Novos caminhos de conversão ecológica
Cap. 5 – Novos caminhos de conversão sinodal
A Amazônia é uma fonte de vida, mas, ao mesmo tempo, é “uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência”, expressa no clamor da terra e no grito dos pobres. Nesse contexto, reconhecendo erros históricos, a Igreja quer “se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos da Amazônia, a fim de exercer sua atitude profética com transparência”. Ao mesmo tempo, somos convidados a uma conversão integral, que se traduz em “uma vida simples e sóbria”, pessoal e comunitariamente.
Os novos caminhos da conversão pastoral requerem uma Igreja em saída missionária, definida como samaritana, misericordiosa, solidária, em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural. Uma Igreja que “sirva e acompanhe os povos amazônicos”, uma Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente, migrante e jovem, uma Igreja que precisa responder aos desafios da pastoral urbana, em uma região onde 80% da população habita na cidade.
A participação ativa dos povos indígenas, tanto no processo de escuta quanto na assembleia sinodal, evidenciou a necessidade de uma conversão cultural. Inculturação e interculturalidade que superem definitivamente uma tradição colonial monocultural, clericalista e impositiva. A pluriforme diversidade cultural dos povos “deve ser reconhecida, respeitada e promovida na Igreja e na sociedade”. As sementes do Verbo, presentes nestas culturas contém uma visão global e integradora da realidade, que contrasta com a fragmentação do pensamento ocidental. Neste âmbito foi solicitado que se consolide a teologia índia e também se elabore um rito amazônico.
Meses atrás, o Papa Francisco definiu o Sínodo como filho da Laudato Si, que é a base da conversão ecológica. O documento reconhece as ameaças contra o bioma amazônico e seus povos e coloca como desafio a criação de novos modelos de desenvolvimento justo, solidário e sustentável. A evangelização deve ter uma dimensão socioambiental que torne real uma Igreja que cuida da Casa Comum, uma Igreja pobre, com e para os pobres. Nesta conversão, o documento fala de pecado ecológico, chegando a propor ministérios especiais para os cuidados da Casa Comum. Solicita a criação de um Observatório socioambiental pastoral, ligado ao Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, corroborado pelo Papa em seu discurso final.
O último capítulo do documento aborda os novos caminhos da conversão sinodal. Sinodalidade é a grande contribuição do Papa Francisco para a história da Igreja. Significa “aprender a ser Igreja, caminhar juntos, envolver cada vez mais pessoas nessa caminhada”.
Guiada pelo Espírito Santo, a Igreja sinodal promove a escuta, o diálogo, o discernimento, o consenso e a comunhão, que possibilitam espaços e processos de decisão conjunta, superando o centralismo, o autoritarismo, o clericalismo e dando acesso aos leigos e às mulheres. Entre os novos caminhos para a sinodalidade, solicita-se a criação de um organismo eclesial amazônico, para o qual alguns membros já foram escolhidos.
Em relação às mulheres, o documento pede que sua voz seja ouvida, que sejam consultadas e participem nas decisões. Elas mantêm vivas a maioria das comunidades da Amazônia. Pela primeira vez, pede-se que elas recebam os ministérios do leitorado e do acolitado e que seja instituído o ministério da “mulher líder da comunidade”. O documento reconhece que foi demandado por muitos o diaconato permanente para as mulheres. O Papa havia criado uma “Comissão de estudo sobre o diaconato da mulher”, que chegou a um resultado parcial. No discurso final, o Papa disse que a parte da mulher no documento “ficou aquém” e que “o papel da mulher na Igreja vai além da funcionalidade”. Prometeu também renomear uma nova comissão para levar adiante o estudo sobre o diaconato feminino.
O número 111, parágrafo que teve menos votos a favor, 128, baseado na Lumen Gentium 26, pede “para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterado, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável, para sustentar a vida da comunidade cristã através da pregação da Palavra e da celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da região amazônica”. Proposta inovadora para passar de uma pastoral de visita para uma pastoral de presença que exigirá de nós muita criatividade e investimentos.
Merecem destaque eventos que aconteceram fora da sala sinodal. A tenda da Amazônia que celebrava diariamente a memória dos mártires, promovia conferências e rodas de conversa. A vigília no início do Sínodo e a Via Sacra na Via della Conciliazione na véspera do enceramento. As coletivas de imprensa realizadas diariamente com o auditório sempre repleto de jornalistas internacionais. Destaque especial merece a celebração nas Catacumbas de Santa Domitila com a assinatura do Pacto das Catacumbas pela Casa Comum. Os compromissos assumidos encontram-se na página...para que você também, caro leitor, se solidarize conosco.
A assembleia sinodal terminou, mas “este é um caminho que continua”. Agora, como o Papa apontou na sala sinodal, vamos nos centrar nos diagnósticos, superando pequenas questões disciplinares, para que a sociedade cuide de tudo o que foi descoberto neste Sínodo. Não vamos seguir os interesses daqueles a quem Francisco se referiu como elites católicas, “que que ficam nos detalhes e esquecem o conjunto”, daqueles que “porque não têm coragem de estar com o mundo, pensam que são com Deus, porque eles não têm coragem de se comprometer com os homens, dizem que se comprometem com Deus, porque não amam ninguém, pensam que amam a Deus”.
Agora temos que esperar a exortação pós-sinodal. O Papa disse que planeja escrevê-la antes do final do ano, “se vocês me derem tempo para pensar”. Face às propostas do documento aprovado por unanimidade, das falas e testemunhos dos participantes, o Papa dispõe de excelente material para uma exortação com caminhos inovadores, criativos e corajosos para a Igreja e para a ecologia integral da Amazônia e da Casa Comum.
Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral 3
Sínodo significa caminhar juntos numa atitude de escuta: “O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez um instrumento privilegiado de escuta do Povo de Deus: Para os Padres sinodais, pedimos antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo até respirar nele a vontade a que Deus nos chama” (Episcopalis communio, n. 6).
O processo sinodal se desdobrou em três momentos: Fase preparatória que aconteceu desde a convocação do Papa Francisco no 15 de outubro de 2017, onde iniciou o processo de escuta sinodal, do qual nasceu o instrumento de trabalho. A escuta aconteceu nas assembleias e rodas de conversas, envolvendo 87 mil pessoas dos nove países da Panamazônia. A Assembleia Sinodal realizada em Roma, num encontro fraterno de 21 dias, de 6 a 27 outubro de 2019 e o Pós Sínodo com a publicação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Francisco e a recepção das indicações do sínodo em todas as Igrejas locais do território Panamozônico.
O chamado à conversão foi um dos destaques da assembleia sinodal. O documento final se estrutura em cinco capítulos que nos convoca a uma conversão Integral que parte da “única conversão ao Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, que se desdobra em quatro dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias existenciais, sociais e geográficas da Amazônia: conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal” (Documento final, 19). Na prática à conversão pastoral se dá saindo de uma pastoral de conservação para uma pastoral mais ousada, missionária e que vai ao encontro das pessoas. O sínodo indicou um caminho novo neste âmbito pastoral: ‘sair de uma pastoral de visita e passar a uma pastoral da presença´ que se traduza numa evangelização de diálogo intercultural, permanecendo junto às comunidades dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. O sínodo fez recepção a três importantes documentos do magistério do Papa Francisco Laudato Si (‘Louvado sejas’) sobre o cuidado da Casa Comum, que chamou à conversão ecológica; Exortação apostólica Evangelli Gaudium (‘A Alegria do Evangelho’), que nos chamou à conversão missionária; Constituição apostólica ‘Episcopalis communio’, que nos chamou à conversão a sinodalidade. Para a recepção dos novos caminhos para Igreja e para uma Ecologia Integral, destaco a importância de nos focarmos nos quatro diagnósticos que nasceram da escuta: pastoral, social, ecológico e cultural.
Diagnóstico Pastoral: Na Amazônia a maioria das comunidades não tem acesso a celebração eucarística e são coordenadas e animadas por leigos, em grande parte mulheres. “Como Igreja de discípulos missionários, suplicamos a graça da conversão que "implica deixar fluir todas as consequências do encontro com Jesus Cristo nas relações com o mundo que nos rodeia" (LS 21); uma conversão pessoal e comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a "casa comum"; uma conversão que promove a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos amazônicos (Documento final do sínodo, 18). É fundamental no âmbito da Igreja em saída, superar um modelo de missão colonizadora que não considera a realidade locais.
Diagnóstico social: Há no território Amazônico uma crise socioambiental sem precedentes que ameaça a vida do bioma amazônico e seus povos originários: “Amazônia hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências para a vida dos povos. Essa crise socioambiental única se refletiu nas escutas pré-sinodais que sinalizaram para as seguintes ameaças contra a vida: apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; concessões florestais e a entrada de madeireiras ilegais; caça e pesca predatórias; megaprojetos insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e projetos de mineração e petróleo); contaminação causada pela indústria extrativista e lixões urbanos; e, sobretudo, mudança climática. São ameaças reais associadas a graves consequências sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra (Documento final do sínodo, n. 10).
Diagnóstico ecológico: “Todos os participantes expressaram uma profunda consciência da dramática situação de destruição que afeta a Amazônia. Isso significa o desaparecimento do território e de seus habitantes, especialmente dos povos indígenas. A floresta amazônica é um "coração biológico" para a terra cada vez mais ameaçada. Se encontra em uma corrida desenfreada para a morte. Requer mudanças radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita salvá-la. Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do bioma Amazônia trará um impacto catastrófico para o planeta!” (Documento final do sínodo, 2).
O diagnóstico cultural apontou que todos somos convocados ao respeito às culturas e aos direitos dos povos: “Todos nós somos convidados a nos aproximarmos dos povos amazônicos de igual para igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de "bem viver" (PF 06.10.19). O colonialismo é a imposição de certos modos de vida de alguns povos sobre outros, seja economicamente, culturalmente ou religiosamente. Rejeitamos uma evangelização ao estilo colonial. Anunciar a Boa Nova de Jesus implica reconhecer as sementes do Verbo já presentes nas culturas. A evangelização que hoje propomos para a Amazônia é o anúncio inculturado que gera processos de interculturalidade, que promovem a vida da Igreja com identidade e rosto amazônicos (Documento final do sínodo, 55).
Concluo, constatando que participar de um sínodo é uma graça de Deus por três motivos. O primeiro é sentir na prática o que significa ser Igreja Povo de Deus na comunhão, na escuta e no discernimento conjunto. Caminhar juntos na Igreja não anula as diferentes visões sobre qualquer tema. Outro motivo é experimentar que o sínodo não é um parlamento onde alguns saem vencedores e outros perdedores. Todos saímos vencedores após um longo caminho de escuta, reflexão e consenso. Terceiro é a proximidade com o Papa Francisco que presidiu a Assembleia Sinodal numa atitude atenta de escuta e proximidade com os participantes. Que estejamos abertos aos novos caminhos que a o processo sinodal nos indicou.
3 Pe. Maurício da Silva Jardim, Diretor Nacional das POM - Brasil
ESPIRITUALIDADE DO IRMÃO CARLOS
Papa recorda 100 anos do assassinato do Ir. Carlos de Foucauld
Assaltantes mataram o sacerdote Charles de Foucauld, porque queriam roubar o ‘tesouro’ do qual ele tanto falava.
Papa Francisco recordou, (hoje 103 anos) do assassinato de Charles de Foucauld. O Santo Padre ressaltou o testemunho de vida desse sacerdote que tanto bem fez à Igreja. Sua beatificação foi realizada por Bento XVI em 2005.
Francisco rezou para que o beato nos abençoe e nos ajude a caminhar na pobreza, na contemplação e no serviço aos pobres. Quando morei em Roma, entre os anos de 2002 e 2007, tive contato com a história desse homem santo, especialmente por meio das Irmãzinhas de Jesus, que vivem uma vida muito simples na periferia de Roma. Foi assim que conheci mais sobre Charles de Foucauld e sobre a oração composta por ele, que está no fim deste texto. Nascido na França, em 1958, Carlos de Jesus perdeu os pais quando tinha seis anos. Na juventude, entrou para o exército, mas foi despedido por indisciplina. A partir disso, começou a viajar pelo norte da África como explorador. Era descrente de tudo, mas acabou encontrando a fé no confessionário.
Dessa maneira, Charles de Foucauld descobriu que Deus é misericordioso e, sem saber, era o que ele sempre buscava. Tornou-se padre e viveu no deserto em meio aos árabes. Anunciou o Evangelho vivendo a pobreza radical. Era mais pobre que os pobres do Saara.
Carlos era amigo dos tuaregues, um povoado constituído por pastores seminômades, agricultores e comerciantes, a maioria muçulmanos. Foi morto por assaltantes que queriam descobrir o tesouro do qual ele tanto falava. Não compreenderam que o tesouro estava no sacrário: era Jesus na Eucaristia, o centro de sua vida.
Espero que você, ao rezar a Oração de Abandono, faça uma bela experiência de liberdade interior com o amor de Deus:
“Meu Pai,
a vós me abandono:
fazei de mim o que quiserdes.
O que de mim fizerdes,
Eu vos agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Contanto que a vossa vontade se faça em mim
e em todas as vossas criaturas,
Não quero outra coisa meu Deus.
Entrego a minha vida em vossas mãos.
Eu vo-la dou, meu Deus,
com todo o amor do meu coração,
porque eu vos amo.
E porque é para mim uma necessidade de amor
dar-me, entregar-me em vossas mãos
sem medida, com infinita confiança
Porque sois meu Pai!”
Charles de Foucauld em nova biografia4
"Charles de Foucauld 1858-1916". No título do livro de Pierre Sourisseau, somente o nome e duas datas, a de nascimento em uma nobre família rica em Estrasburgo e a da morte violenta no deserto do Saara, na Argélia.
"Um padre de sacerdócio atípico, desejoso de fraternidade, ardente de fogo missionário", e antes ainda, "um oficial de cavalaria sempre pronto para a ação, um explorador brilhante e cientista, uma vocação obstinadamente buscada, uma alma sedenta de solidão e do Absoluta, aberta ao universal, um dos principais especialistas do mundo Tuareg
Uma biografia com escritos inéditos
Foram necessárias 768 páginas, incluindo 32 de material fotográfico, para contar a fascinante vida desse homem assassinado em uma emboscada aos 58 anos, transcorridos entre a França, o norte da África e o Oriente Médio.
Assim, são tantos os aspectos que "se sobrepõem, se misturam, se complementam" nesta biografia convincente e exaustiva, construída a partir dos escritos de Charles de Foucauld, beatificado em 2005 pelo Papa Bento XVI, e pelas mais recente pesquisas da causa de canonização, da qual o autor Sourisseau é arquivista há mais de trinta anos
Do conforto ao exército, às explorações científicas
A narrativa se desenvolve a partir da infância do pequeno Charles, órfão de ambos os pais aos 6 anos, crescido com sua irmã na casa de seu avô materno, educado na religião católica da qual se afasta; aos 20 anos herdou de seu avô a herança familiar. Ao ingressar na carreira militar, foi enviado inicialmente para a Argélia e depois para a Tunísia. Mas ao retornar à França, depois de quatro anos, ele se demitiu do exército, passando então a viajar para explorar países e conhecer pessoas.
Ele se estabelece em Argel, partindo mais tarde para o Marrocos, muito perigoso para os cristãos, percorrendo três mil quilômetros em 11 meses, com grandes riscos e sacrifícios, recorrendo a disfarces e truques para esconder a sua identidade europeia.
4 Pierre Sourisseau, editora Ephpheta – Vatican News por Roberta Gisotti
O chamado ao sacerdócio e a missão na África
Em seu retorno para Argel é acolhido com entusiasmo pela comunidade científica internacional, mas para o jovem Charles, não interessa a glória e retorna a Paris. Impulsionado por um forte chamado interior, entra aos 32 anos para uma comunidade trapista, onde permanece por sete anos.
Após um período na Terra Santa, em Nazaré, volta a Paris, sendo ordenado sacerdote e enviado como missionário à Argélia, onde se estabelece entre os nativos Beni Abbes, transferindo-se então para o coração do deserto do Saara entre a população Tuareg: “Seria necessário que muitos religiosos e religiosas e bons cristãos – escrevia padre Charles - vivessem aqui para fazer contato com todos esses pobres muçulmanos e instruí-los".
A morte no Saara ao lado dos amigos tuaregues
São anos de intensa oração e muito trabalho: "Os tuaregues perto de mim dão a maior doçura e satisfação; entre eles tenho excelentes amigos". Mas depois de 10 anos - observa em seus escritos - “nem mesmo um único convertido! Devemos orar, trabalhar e ser pacientes".
E ainda profeticamente escreve o missionário francês: "Estou convencido de que aquilo que devemos buscar para os nativos das nossas colônias, não são nem uma rápida assimilação nem uma simples associação, nem sua união sincera conosco, mas o progresso, que será altamente desigual e deverá ser buscado com meios às vezes muito diferentes: o progresso deve ser intelectual, moral e material". Em 1916 a guerra na Europa também chegou ao deserto do Saara e o padre Charles foi vítima de uma emboscada em 1º de dezembro de 1916.
Um bem comum para toda a Igreja
Para enriquecer o livro, o prefácio do padre Bernard Ardura, postulador da causa de canonização do Beato Charles de Foucauld, cujo espírito - como observa Pierre Sourisseau na conclusão da biografia - depois de sua morte, "rapidamente tornou-se um bem comum da Igreja" e "o seu carisma se manifesta sob muitas formas nos compromissos de homens e mulheres" do nosso tempo.
A infância espiritual e a mensagem do presépio na espiritualidade das irmãzinhas de Jesus 5 ( Pe. Nelito Dornelas)
Ao celebrarmos os trinta anos da páscoa definitiva de Irmãzinha Madalena de Jesus, aos 9 de novembro de 2019, merece fazer memória à espiritualidade do Presépio, que a moveu e que sustenta as Irmãzinhas.
O Pequenino Jesus entrou na Fraternidade a partir dos primeiros dias de sua fundação em 13 de novembro de 1939. Ele foi entronizado na primeira fraternidade em Tugurte, no Saara. No dia 1º de julho de 1941 toda a congregação foi consagrada ao Menino Jesus, no primeiro noviciado de Sante Foy, em Lyon com as seguintes palavras: “Faço
te Rei da minha querida e pequena família religiosa, que já não é minha é do teu reino e propriedade tua. Faça dela o que quiseres. Eu a entrego ao teu amor”.
E desde os primeiros dias, o Pequenino Jesus no presépio sempre foi para as irmãzinhas o modelo incomparável de infância espiritual e uma das primeiras fontes de sua espiritualidade.
Aos 25 de dezembro de 1940 escreve a Irmãzinha Madalena: “Não pode haver nada mais doce do que o querido Pequenino Jesus do presépio. Nele vocês podem encontrar tudo: humildade, pobreza e obediência”.
Aos 2 de julho de 1941 escreve a irmãzinha: “Tenho uma confiança imensa nesta devoção a Nossa Senhora do Saara entregando o seu Pequenino Jesus aos nômades do deserto”. E aos 15 de agosto de 1942 faz a seguinte revelação: “Eu, nesta manhã na missa, fiquei de novo admirada com o lugar que o Pequenino Jesus deve ocupar entre nós. Eu lhes garanto que essa devoção não é ingênua nem sentimental, mas é a verdadeira devoção dos grandes Santos e Santas. O Pequenino Jesus é uma criancinha cheia de mansidão, de ternura e de aparente fraqueza, mas é Deus mesmo com o seu poder e inteligência sem Limites. Peço-lhes que ponham a mão na sua mãozinha, feche os olhos e o deixem-se guiar por ele”.
É também da Irmãzinha Madalena estas orientações escritas em 1º de outubro de 1942: “Após este mês passado junto de vocês, reunindo tudo que ouvi quero agora expressar minha conclusão. Sobre as lacunas do passado e os desejos do futuro digo-lhes novamente: se vocês não se tornarem como criancinhas, poderão fazer parte do corpo da Fraternidade das irmãzinhas de Jesus, mas não farão parte do seu Espírito. Isto eu o repetirei sempre como São João repetia sem cessar: ‘meus filhinhos amai-vos uns aos outros’. Ser criancinha quer dizer ser simplesmente irmãzinha, irmãzinha sem importância, dos quais ninguém fará caso, que os grandes não compreenderão e, às vezes, vão rir de vocês. É preciso não desviar deste caminho traçado pelo nosso querido irmão Carlos de Jesus. E grave isso no coração: vocês sabem o quanto custa ser pedras angulares de toda construção. Abasteçam-se do espírito de seu pai espiritual. Cada pensamento dele, cada uma de suas palavras, todos os seus desejos devem ser recolhidos por vocês com amor. Vocês são suas filhas e, para que permaneçam pequeninas, após ter me aconselhado sobre a oportunidade deste ensino com aqueles que têm direito de nos dirigir, falarei muitas e muitas vezes a vocês de Jesus Pequenino, no qual tudo se encontra: Deus em todos os seus mistérios,
Deus em toda sua sabedoria e inteligência, em toda sua força e que, no entanto, quis ocultar toda sua grandeza para que este mistério fosse acessível nos pequenos. Aos menores de todos revelou todas essas coisas, aos humildes e aos pequeninos e se ocultou aos grandes e aos poderosos”.
Nota-se tanta convicção nesta fonte de espiritualidade que a Irmãzinha Madalena chega a afirmar que a devoção ao Menino Jesus deve ser a marca principal das Fraternidade.
A devoção ao Menino Jesus remonta aos primeiros séculos da igreja. Em suas homilias sobre São Lucas, Orígenes, no século terceiro, não se contenta em propor como modelo de fé aos pastores, a espiritualidade do Presépio. Ele demonstra tanta familiaridade com esta espiritualidade, que expressa essa intimidade quase familiar, este fervor que o anima pelo seu Senhor e seu Cristo, afirmando que todo aquele que como Simeão aspira à liberdade, deve tomar Jesus em seus braços. Somente assim poderá então alegrar-se e ir aonde quiser, para que por meio de sua voz, outros possam também tomar o Filho de Deus, abraçá-lo, merecer as graças do perdão e do progresso, consciente de rezando a este Deus Menino, está se rezando ao Deus onipotente, com quem desejamos falar carregando-o em nossos braços. A espiritualidade do Presépio também se
expressa pela alegria do velho Simeão, homem sábio por excelência, que reconheceu, imediatamente, como Salvador do mundo e proclamou como Luz para iluminar as nações e glória de Israel a criancinha que recebeu em seus braços.
Que seja esta a nossa espiritualidade no hoje de nossa Igreja e da sociedade.
Discurso do Papa Francisco: Uma teologia do acolhimento e do diálogo 6
Caros alunos e professores
Caros Irmãos Bispos e Sacerdotes, Senhores Cardeais!
Tenho a satisfação de encontrá-los hoje e participar desta conferência. Eu calorosamente retribuo a saudação do caro irmão Patriarca Bartolomeu, um grande precursor da Laudato-si - há anos precursor -, que queria contribuir para a reflexão com uma mensagem pessoal. Obrigado a Bartolomeu, amado irmão.
“O diálogo é, antes de tudo, um método de discernimento e proclamação da Palavra de amor, dirigida a cada pessoa e que, no coração de cada um, quer fixar morada”
Papa Francisco
O Mediterrâneo desde sempre foi um lugar de trânsitos, de trocas e, às vezes, até mesmo de conflitos. Conhecemos muitos. Este lugar hoje nos apresenta várias questões, muitas vezes dramáticas. Elas podem ser traduzidas em algumas perguntas que formulamos no encontro inter-religioso de Abu-Dhabi:
• como cuidar uns dos outros na mesma família humana? • como alimentar uma convivência tolerante e pacífica que se traduza em autêntica fraternidade?
• como fazer prevalecer em nossas comunidades o acolhimento do outro e daquele que é diferente de nós porque pertence a uma tradição religiosa e cultural diferente da nossa?
• como as religiões podem ser formas de fraternidade em vez de muros de separação?
Essas e outras questões pedem para serem interpretadas em vários níveis, e pedem um generoso empenho de escuta, de estudo e de troca ideias para promover processos de libertação, de paz, de irmandade e de justiça. Temos que nos convencer: trata-se de iniciar processos, não fazer definições de espaços, ocupar espaços ... Iniciar processos.
6 Proferido por ocasião do encontro promovido pela Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional São Luís, Nápoles. O tema: "A teologia após a Veritatis Gaudium no contexto do Mediterrâneo" de 21-06-2019. tradução Luisa Rabolini.
Uma teologia do acolhimento e do diálogo
Não apologética, não os manuais,
como ouvimos: evangelizar.
No centro está a evangelização,
o que não significa proselitismo
Papa Francisco
Durante esta Conferência, vocês primeiro analisaram contradições e dificuldades na área do Mediterrâneo, e depois se perguntaram sobre as melhores soluções. Nesse sentido, vocês se perguntam qual teologia seja adequada ao contexto em que vocês vivem e trabalham. Eu diria que a teologia, particularmente neste contexto, é chamada a ser uma teologia do acolhimento e a desenvolver um diálogo sincero com instituições sociais e civis, com centros universitários e de pesquisa, com os líderes religiosos e com todas as mulheres e homens de boa vontade, para a construção na paz de uma sociedade inclusiva e fraterna e também para a custódia da criação.
Quando no Proêmio da Veritatis Gaudium se menciona o aprofundamento do kerygma e do diálogo como critérios de renovação dos estudos, entende-se dizer que eles estão a serviço do caminho de uma Igreja que coloca cada vez mais a evangelização no centro. Não apologética, não os manuais - como ouvimos: evangelizar. No centro está a evangelização, o que não significa proselitismo. Em diálogo com as culturas e as religiões, a Igreja anuncia a Boa Nova de Jesus e a prática do amor evangélico que Ele pregava como síntese de todo o ensino da Lei, das visões dos Profetas e da vontade do Pai.
O diálogo é, antes de tudo, um método de discernimento e proclamação da Palavra de amor, dirigida a cada pessoa e que, no coração de cada um, quer fixar morada. Somente ouvindo essa Palavra e na experiência do amor que ela comunica, pode-se discernir a atualidade do kerygma. Esse diálogo, assim entendido, é uma forma de acolhimento.
Gostaria de reiterar que "o discernimento espiritual não exclui as contribuições da sabedoria humana, existencial, psicológica, sociológica e moral. Mas as transcende. Não bastam sequer as sábias normas da Igreja. Lembremo-nos sempre de que o discernimento é uma graça - um presente. Em suma, o discernimento leva à própria fonte da vida que não morre, isto é, ‘conhecer o Pai, o único Deus verdadeiro, e a quem Ele enviou, Jesus Cristo’ (cf. Jo 17, 3)." (Exortação apostólica Gaudete et exsultate 170).
As escolas de teologia se renovam com a prática do discernimento e uma maneira de proceder dialógica capaz de criar um correspondente clima espiritual e de prática intelectual. É um diálogo tanto na colocação dos problemas quanto na busca juntos de vias de solução. Um diálogo capaz de integrar o critério vivo da Páscoa de Jesus com o movimento de analogia, que lê na realidade, na criação e na história, nexos, signos e referências teológicas. Isso comporta a assunção hermenêutica do mistério do caminho de Jesus que o leva à cruz e à ressurreição e ao dom do Espírito. Assumir essa lógica jesuana e pascal é indispensável para compreender como a realidade histórica e criada é questionada pela revelação do mistério do amor de Deus. Daquele Deus que na história de Jesus se manifesta - toda vez e dentro de cada contradição - maior no amor e na capacidade de recuperar do mal.
Ambos os movimentos são necessários, complementares: um movimento de baixo para o alto que pode dialogar, com sentido de escuta e discernimento, com cada instância humana e histórica, levando em conta toda a dimensão do ser humano; e um movimento do alto para baixo - onde o "alto" é aquele de Jesus elevado na cruz - que permite, ao mesmo tempo, discernir os sinais do Reino de Deus na história e compreender de maneira profética os sinais do anti-Reino que desfiguram a alma e a história humana. É um método que permite - numa dinâmica constante – confrontar-se com cada instância humana e compreender que luz cristã ilumina as dobras da realidade e quais energias o Espírito do Crucifixo Ressuscitado está despertando, em cada oportunidades, aqui e agora.
O modo dialógico de proceder é o caminho para alcançar onde se formam os paradigmas, as formas de sentir, os símbolos e as representações das pessoas e dos povos. Chegar lá - como "etnógrafos espirituais" da alma dos povos, vamos dizer - para poder dialogar em profundidade e, se possível, contribuir para o seu desenvolvimento com a anunciação do Evangelho do Reino de Deus, cujo fruto é o amadurecimento de uma fraternidade. Cada vez mais dilatada e inclusiva. Diálogo e anúncio do Evangelho que podem ocorrer nos moldes delineados por Francisco de Assis na Regra não bulada, justamente logo após sua viagem ao oriente mediterrâneo. Para Francisco há um primeiro modo em que, simplesmente, se vive como cristãos: "O primeiro modo consiste em se absterem de rixas e disputas, submetendo-se ‘a todos os homens por causa do Senhor’ e confessando serem cristãos. " (XVI:FF43). Depois, há um segundo modo pela qual, sempre dóceis aos sinais e à ação do Senhor Ressuscitado e ao seu Espírito de paz, a fé cristã é anunciada como uma manifestação em Jesus do amor de Deus por todos os homens. Fico impressionado com aquele conselho de Francisco aos frades: “Preguem o Evangelho; se necessário usem palavras”. É o testemunho!
Essa docilidade ao Espírito implica um estilo de vida e de proclamação sem espírito de conquista, sem vontade de fazer proselitismo - esta é a praga! - e sem uma intenção agressiva de refutação. Uma modalidade que entra em diálogo "de dentro" com os homens e suas culturas, suas histórias, suas diferentes tradições religiosas; uma modalidade que, coerentemente com o Evangelho, inclui também o testemunho até o sacrifício da vida, como mostram os exemplos luminosos de Charles de Foucauld, dos monges de Tibhirine, o bispo de Oran Pierre Claverie e de tantos irmãos e irmãs que, com o graça de Cristo, foram fiéis com mansidão e humildade e morreram com o nome de Jesus em seus lábios e a misericórdia em seus corações. E aqui estou pensando na não violência como horizonte e saber sobre o mundo, ao qual a teologia deve olhar como seu elemento constitutivo. Os escritos e práticas de Martin Luther King e Lanza del Vasto e outros "artesãos" da paz aqui nos ajudam. Também nos ajuda e encoraja a memória do Beato Giustino Russolillo, que foi aluno desta Faculdade, e de Dom Peppino Diana, o jovem pároco morto pela camorra, que também estudou aqui. E aqui gostaria de mencionar uma síndrome perigosa, que é a "síndrome de Babel". Pensamos que a "síndrome de Babel" seja a confusão que se origina por não entender o que o outro está dizendo. Este é o primeiro passo. Mas a verdadeira "síndrome de Babel" é a de não escutar o que o outro diz e de acreditar que eu sei o que o outro o pensa e o que o outro vai dizer. Esta é a praga!
Exemplos de diálogo para uma teologia do acolhimento
"Diálogo" não é uma fórmula mágica, mas certamente a teologia é ajudada na sua renovação quando o assume seriamente, quando ele é encorajado e favorecido entre professores e alunos, bem como com as outras formas de saber e com as outras religiões, especialmente o
judaísmo e o islamismo. Os estudantes de teologia deveriam ser educados ao diálogo com o judaísmo e o islamismo para entender as raízes comuns e as diferenças de nossas identidades religiosas e, assim, contribuir mais efetivamente para a construção de uma sociedade que valorize a diversidade e promova o respeito, a fraternidade e a coexistência pacífica.
Educar os alunos nisso. Estudei no tempo da teologia decadente, da escolástica decadente, na época dos manuais. Entre nós fazíamos uma brincadeira, todas as teses teológicas eram testadas com esse esquema, um silogismo: 1º. As coisas parecem ser assim. 2º. O catolicismo está sempre certo. 3º Ergo ou seja, uma teologia de tipo defensivo, apologética, fechada em um manual. Nós brincávamos assim, mas eram as coisas que nos apresentavam naquele tempo de escolástica decadente.
“A verdadeira "síndrome de Babel"
é a de não escutar o que o outro diz
e de acreditar que eu sei o que o outro pensa
e o que o outro vai dizer. Esta é a praga!”
Papa Francisco
Buscar uma convivência pacífica dialógica. Com os muçulmanos somos chamados a dialogar para construir o futuro das nossas sociedades e nossas cidades; somos chamados a considerá-los parceiros para construir uma convivência pacífica, mesmo quando se verificam episódios chocantes executados por grupos fanáticos inimigos do diálogo, como a tragédia da última pascoa no Sri Lanka. Ontem, o cardeal de Colombo me disse: "Depois de ter feito o que eu tinha que fazer, percebi que um grupo de pessoas, cristãos, queria ir ao bairro muçulmano para matá-los. Convidei o Imã comigo, de carro, e juntos fomos lá para convencer os cristãos que somos amigos, que aqueles são extremistas, que não são os nossos." Essa é uma atitude de proximidade e diálogo. Formar os estudantes ao diálogo com os judeus implica educá-los no conhecimento de sua cultura, seu modo de pensar, de sua língua, a fim de compreender e viver melhor a nossa relação no plano religioso. Nas faculdades teológicas e nas universidades eclesiásticas, os cursos de língua e cultura árabe e hebraica devem ser encorajados, assim como o entendimento mútuo entre estudante cristãos, judeus e muçulmanos.
“Apreender sensibilidades novas: este é o desafio"
Papa Francisco
Eu gostaria de apresentar dois exemplos concretos de como o diálogo que caracteriza uma teologia do acolhimento pode ser aplicado aos estudos eclesiásticos. Primeiro de tudo, o diálogo pode ser um método de estudo, além de um ensinamento.
Quando lemos um texto, dialogamos com ele e com o "mundo" do qual é expressão; e isso também se aplica a textos sagrados, como a Bíblia, o Talmud e o Alcorão. Frequentemente, então, interpretamos um determinado texto em diálogo com outros da mesma época ou de diferentes épocas. Os textos das grandes tradições monoteístas, em alguns casos, são o resultado de um diálogo. Podem ocorrer casos de textos que são escritos para responder a perguntas sobre questões importantes da vida postas por textos que os precederam. Essa é também uma forma de diálogo.
O segundo exemplo é que o diálogo pode ser realizado como hermenêutica teológica em um tempo e um lugar específicos. No nosso caso: o Mediterrâneo no início do terceiro milênio. Não é possível ler este espaço de forma realista, senão em diálogo e como uma ponte -
histórica, geográfica, humana - entre a Europa, a África e a Ásia. É um espaço em que a ausência de paz produziu múltiplos desequilíbrios regionais e mundiais, e cuja pacificação, através da prática do diálogo, poderia, ao contrário, contribuir enormemente para iniciar processos de reconciliação e paz. Giorgio La Pira nos diria que se trata, para a teologia, de uma questão de contribuir para construir sobre toda a bacia do Mediterrâneo uma "grande tenda de paz", onde os diferentes filhos do pai comum Abraão possam conviver em respeito mútuo. Não esqueçamos o pai comum.
“O diálogo como hermenêutica teológica,
pressupõe e comporta
a escuta consciente”
Papa Francisco
Uma teologia do acolhimento é uma teologia da escuta O diálogo como hermenêutica teológica pressupõe e comporta a escuta consciente. Isso também significa escutar a história e a vivência dos povos que compartilham o espaço mediterrâneo para poder decifrar os eventos que ligam o passado ao presente e poder apreender suas feridas junto com suas potencialidades. Em particular, trata-se de apreender a maneira pela qual as comunidades cristãs e as existências proféticas individuais souberam - até recentemente - encarnar da fé cristã em contextos eventualmente de conflito, de minoria e de convivência plural com outras tradições religiosas.
Tal escuta deve ser profundamente interna às culturas e povos também por outro motivo. O Mediterrâneo é precisamente o mar da mestiçagem - se não compreendermos a mestiçagem, nunca compre enderemos o Mediterrâneo - um mar geograficamente fechado em relação aos oceanos, mas culturalmente sempre aberto ao encontro, ao diálogo e à inculturação recíproca. Também há a necessidade de narrativas renovadas e compartilhadas que - a partir da escuta das raízes e do presente - falem aos corações das pessoas, narrativas em que seja possível reconhecer-se de maneira construtiva, pacífica e geradora de esperança.
“Nada se perde com o diálogo. Sempre se ganha.
No monólogo todos perdemos”
Papa Francisco
A realidade multicultural e plurirreligiosa do novo Mediterrâneo é formada com essas narrativas, no diálogo que nasce da escuta das pessoas e dos textos das grandes religiões monoteístas e, especialmente, na escuta dos jovens. Estou me referindo nos estudantes de nossas faculdades de teologia, àqueles das universidades "leigas" ou de outras inspirações religiosas. “Quando a Igreja - e, podemos acrescentar, a teologia - abandona esquemas rígidos e se abre para uma escuta atenta e disponível dos jovens, essa empatia a enriquece, porque ‘permite aos jovens dar sua contribuição à comunidade, ajudando-a a apreender sensibilidades novas e propor perguntas inéditas’" (Ex. ap. pós sin. Christus vivit, 65). Apreender sensibilidades novas: este é o desafio.
O aprofundamento do kerygma é feito com a experiência do diálogo que nasce da escuta e que gera comunhão. O próprio Jesus anunciou o reino de Deus dialogando com todo tipo e categoria de pessoas do judaísmo de seu tempo: com os escribas, os fariseus, os doutores da lei, os publicanos, os doutos, os simples, os pecadores. A uma mulher samaritana Ele revelou, na escuta e no diálogo, o dom de Deus e sua própria identidade: abriu-lhe o mistério de sua comunhão com o Pai e da abundante plenitude que emana dessa comunhão. A sua divina escuta ao coração humano abre esse coração para acolher a plenitude do Amor e a alegria da vida. Nada se perde com o diálogo. Sempre se ganha. No monólogo todos perdemos.
Uma teologia interdisciplinar
“Uma teologia do acolhimento
que adota o discernimento e o diálogo sincero,
necessita de teólogos que saibam trabalhar juntos
e de forma interdisciplinar, superando o individualismo no trabalho intelectual”
Papa Francisco
Uma teologia do acolhimento que, como método interpretativo da realidade, adota o discernimento e o diálogo sincero, necessita de teólogos que saibam trabalhar juntos e de forma interdisciplinar, superando o individualismo no trabalho intelectual. Precisamos de teólogos - homens e mulheres, presbíteros, leigos e religiosos - que, em um enraizamento histórico e eclesial e, ao mesmo tempo, abertos às inesgotáveis novidades do Espírito, saibam fugir das lógicas autorreferenciais, competitivas e, de fato, ofuscantes que muitas vezes também existem em nossas instituições acadêmicas e escondidas, muitas vezes, entre as escolas teológicas.
Nesse caminho contínuo de saída de si mesmo e de encontro com o outro, é importante que o teólogos sejam homens e mulheres de compaixão – ressalto isso: que sejam homens e mulheres de compaixão -, tocados pela vida oprimida de muitos, pelas formas de escravidão de hoje, pelos flagelos sociais, pela violência, pelas guerras e pelas enormes injustiças sofridas por tantos pobres que vivem nas margens desse "mar comum". Sem comunhão e sem compaixão, constantemente alimentados pela oração - isso é importante: a teologia só pode ser feita "de joelhos" -, a teologia não só perde a alma, mas perde a inteligência e a capacidade de interpretar a realidade de um modo cristão. Sem compaixão, buscada no Coração de Cristo, os teólogos correm o risco de ser engolidos pela condição do privilégio de quem se coloca prudentemente fora do mundo e não compartilha nada arriscado com a maioria da humanidade. A teologia de laboratório, a teologia pura e "destilada", destilada como água, a água destilada, que não tem nenhum sabor.
“Revisitar a tradição! E requestionar.
Não nos esqueçamos de que a tradição
é uma raiz que nos dá vida: nos transmite a vida
para que possamos crescer e florescer, dar frutos”
Papa Francisco
Eu gostaria de dar um exemplo de como a interdisciplinaridade que interpreta a história pode ser um aprofundamento do kerygma e, se animada pela misericórdia, pode estar aberta transdisciplinaridade. Refiro-me em particular a todas as atitudes agressivas e belicosas que marcaram o modo de habitar o espaço mediterrâneo de povos que se diziam cristãos. Aqui devem ser incluídas, tanto as atitudes e as práticas coloniais que tanto moldaram a imaginação e as políticas de tais povos, quanto as justificativas para todos os tipos de guerras, e todas as perseguições cometidas em nome de uma religião ou suposta pureza racial ou doutrinária. Nós também fizemos essas perseguições. Eu me lembro, na Chanson de Roland, depois de vencer a batalha, os muçulmanos eram enfileirados, todos na frente da pia batismal. Ali ficava um sujeito com uma espada. E faziam eles escolherem: ou você se batiza ou adeus! Você vai para o outro lado. Ou o batismo ou a morte. Nós fizemos isso. Comparado a essa complexa e dolorosa história, o método de diálogo e da escuta, guiado pelo critério evangélico da misericórdia, pode enriquecer muito o conhecimento e a releitura interdisciplinar, fazendo emergir também, por contraste, as profecias de paz que o Espírito nunca deixou de despertar.
“A tradição é a garantia do futuro, não a guardiã das cinzas” Gustav Mahler
A interdisciplinaridade como critério para a renovação da teologia e dos estudos eclesiásticos comporta o empenho de revisitar e requestionar continuamente a tradição. Revisitar a tradição! E requestionar. De fato, a escuta como teólogos cristãos não acontece a partir do nada, mas de um patrimônio teológico que - justamente dentro do espaço mediterrâneo - afunda suas raízes nas comunidades do Novo Testamento, na rica reflexão dos Padres e em múltiplas gerações de pensadores e testemunhas. É aquela tradição viva que chegou até nós que pode contribuir a iluminar e decifrar muitas questões contemporâneas. Desde que seja relida com o desejo sincero de purificação da memória, ou seja, sabendo discernir qual foi o veículo da intenção originária de Deus, revelada no Espírito de Jesus Cristo, e quanto foi, ao contrário, infiel a essa misericordiosa e salvífica intenção. Não nos esqueçamos de que a tradição é uma raiz que nos dá vida: nos transmite a vida para que possamos crescer e florescer, dar frutos. Muitas vezes pensamos na tradição como em um museu. Não! Na semana passada, ou na anterior, li uma citação de Gustav Mahler que dizia: "A tradição é a garantia do futuro, não a guardiã das cinzas". É lindo! Vivemos a tradição como uma árvore que vive e cresce. Já no século V, Vicente de Lérins compreendia-o bem: o crescimento da fé, da tradição, com estes três critérios: annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate. É a tradição! Mas sem tradição você não pode crescer! Tradição para crescer, como a raiz da árvore.
Uma teologia em rede
“A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia em rede e, no contexto do Mediterrâneo, em solidariedade
com todos os "náufragos" da história”
Papa Francisco
A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia em rede e, no contexto do Mediterrâneo, em solidariedade com todos os "náufragos" da história. Na tarefa teológica que nos espera, lembremos de São Paulo e do caminho do cristianismo das origens que liga o Oriente ao Ocidente. Aqui, muito perto de onde Paulo desembarcou, não se pode esquecer que as viagens do Apóstolo foram marcadas por evidentes momentos críticos, como no naufrágio no centro do Mediterrâneo (At:27,9).
Naufrágio que faz pensar naquele de Jonas. Mas Paulo não foge e pode, aliás, pensar que Roma seja a sua Nínive. Pode pensar em corrigir a atitude derrotista de Jonas ao redimir sua fuga. Agora que o cristianismo ocidental aprendeu com os tantos erros e questões críticas do passado, pode retornar às suas fontes na esperança de poder testemunhar a Boa Nova aos povos do oriente e do ocidente, do norte e do sul. Teologia - manter a mente e o coração fixos no "Deus misericordioso e clemente" (cf. Jonas 4,12) - pode ajudar a Igreja e a sociedade civil a retomar o caminho na companhia de tantos náufragos, encorajando as populações do Mediterrâneo a recusar toda tentação de reconquista e fechamento identitário. Ambas nascem, se alimentam e crescem do medo. Teologia não pode ser feita em um ambiente de medo.
“Teologia não pode ser feita em um ambiente de medo” Papa Francisco
O trabalho das faculdades teológicas e das universidades eclesiásticas contribui para a construção de uma sociedade justa e fraterna, na qual o cuidado da criação e a construção da paz são o resultado da colaboração entre instituições civis, eclesiais e inter
religiosas. É antes de tudo um trabalho em "rede evangélica", ou seja, em comunhão com o Espírito de Jesus que é o Espírito de paz, Espírito de amor em ação na criação e nos corações de homens e mulheres de boa vontade de toda raça, cultura e religião. Como a linguagem usada
por Jesus para falar do Reino de Deus, assim, analogamente, a interdisciplinaridade e o trabalho em rede querem favorecer o discernimento da presença do Espírito do Ressuscitado na realidade. A partir da compreensão da Palavra de Deus em seu contexto mediterrâneo originário, é possível discernir os sinais dos tempos em novos contextos.
A teologia depois da "Veritatis gaudium" no contexto do Mediterrâneo
“Até os bons teólogos, como os bons pastores,
têm o cheiro de povo e de rua e, com a sua reflexão, derramam óleo e vinho nas feridas dos homens”
Papa Francisco
Eu enfatizei tanto a Veritatis Gaudium. Gostaria de agradecer publicamente aqui, porque está presente, D. Zani, que foi um dos autores deste documento. Obrigado! Qual é então a função da teologia depois da Veritatis gaudium no contexto do Mediterrâneo? Então, qual é a tarefa? Deve sintonizar-se com o Espírito de Jesus Ressuscitado, com a sua liberdade de andar pelo mundo e alcançar as periferias, mesmo aquelas do pensamento. Aos teólogos cabe a tarefa de sempre favorecer o encontro das culturas com as fontes da Revelação e da Tradição. As antigas arquiteturas do pensamento, as grandes sínteses teológicas do passado são minas da sabedoria teológica, mas não podem ser aplicadas mecanicamente às questões atuais.
Trata-se de uma questão de valorizá-las para encontrar novos caminhos. Graças a Deus, as fontes primeiras da teologia, isto é, a Palavra de Deus e o Espírito Santo, são inesgotáveis e sempre fecundas; portanto, pode-se e deve-se trabalhar na direção de um "Pentecostes teológico", que permita às mulheres e aos homens do nosso tempo escutar "em sua própria língua" uma reflexão cristã que responda à sua busca de sentido e de vida plena. Para que isso aconteça, algumas suposições são indispensáveis.
“A teologia, pela via da misericórdia,
defende-se da domesticação do mistério”
Papa Francisco
Antes de mais nada, é preciso partir do Evangelho da misericórdia, isto é, do anúncio feito pelo próprio Jesus e dos contextos originais da evangelização. A teologia nasce no meio de seres humanos concretos, encontrados com o olhar e o coração de Deus, que vai à sua busca com amor misericordioso. Até mesmo fazer teologia é um ato de misericórdia. Gostaria de repetir aqui, desta cidade onde não há apenas episódios de violência, mas que conserva tantas tradições e tantos exemplos de santidade – além de uma obra-prima de Caravaggio sobre as obras de misericórdia e o testemunho do santo médico Giuseppe Moscati - gostaria de repetir o que escrevi na Faculdade de Teologia da Universidade Católica da Argentina: “Até os bons teólogos, como os bons pastores, têm o cheiro de povo e de rua e, com a sua reflexão, derramam óleo e vinho nas feridas dos homens. Que a teologia seja expressão de uma Igreja que é ‘hospital de campo’, que vive sua missão de salvação e cura no mundo! A misericórdia não é apenas uma atitude pastoral, mas é a própria substância do Evangelho de Jesus. Encorajo vocês a estudar como, nas várias disciplinas - dogmática, moral, espiritualidade, direito e assim por diante - pode ser refletida a centralidade da misericórdia. Sem misericórdia, a nossa teologia, o nosso direito, nosso cuidado pastoral correm o risco de desmoronar na mesquinhez burocrática ou na ideológica, que por sua natureza quer domesticar o mistério". A teologia, pela via da misericórdia, defende se da domesticação do mistério.
Em segundo lugar, é necessária uma séria assunção da história dentro da teologia, como espaço aberto ao encontro com o Senhor. "A capacidade de vislumbrar a presença de Cristo e o caminho da Igreja na história nos tornam humildes e nos afastam da tentação de nos refugiarmos no passado para evitar o presente. E essa foi a experiência de tantos estudiosos, que começaram, eu não digo ateus, mas um tanto agnósticos, e depois encontraram Cristo. Porque a história não poderia ser entendida sem essa força".
“É indispensável dotar-se de estruturas leves e flexíveis, que manifestem a prioridade dada ao acolhimento e ao diálogo, ao trabalho interdisciplinar e transdisciplinar e em rede” Papa Francisco
A liberdade teológica é necessária. Sem a possibilidade de experimentar novos caminhos, nada de novo se cria, e não resta espaço para a novidade do Espírito do Ressuscitado: "A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho" (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 40). Isso também significa uma revisão adequada da ratio studiorum. Sobre a liberdade de reflexão teológica, eu faria uma distinção. Entre os estudiosos, é preciso avançar com liberdade; depois, em última análise, será o magistério a dizer algo, mas uma teologia não pode ser feita sem essa liberdade. Mas, ao pregar ao Povo de Deus, por favor, não ferir a fé do Povo de Deus com questões controversas! As questões controversas devem permanecer apenas entre os teólogos. É o seu trabalho. Mas para o povo de Deus é necessário dar a substância que alimenta a fé e que não a relativiza.
Finalmente, é indispensável dotar-se de estruturas leves e flexíveis, que manifestem a prioridade dada ao acolhimento e ao diálogo, ao trabalho interdisciplinar e transdisciplinar e em rede. Os estatutos, a organização interna, o método de ensino e a ordenação dos estudos deveriam refletir a fisionomia da Igreja “em saída”. Tudo deve ser orientado nos tempos e nas maneiras de favorecer, tanto quanto possível, a participação daqueles que desejem estudar teologia: além de seminaristas e dos religiosos, também mulheres e homens leigos e religiosos. Em particular, a contribuição que as mulheres estão dando e pode dar à teologia é indispensável e sua participação deve, portanto, ser apoiada, como fazem nesta Faculdade, onde há uma boa participação de mulheres como professoras e como estudantes.
“Os estatutos, a organização interna,
o método de ensino e a ordenação dos estudos
deveriam refletir a fisionomia da Igreja "em saída" Papa Francisco
Este belíssimo lugar, sede da Faculdade teológica dedicada a São Luís, cuja festa é celebrada hoje, é um símbolo de uma beleza a ser compartilhada, aberta a todos. Sonho Faculdades reológicas onde se viva a convivência das diferenças, onde se pratique uma teologia do diálogo e do acolhimento; onde se experimente o modelo do poliedro do saber teológico em vez de uma esfera estática e desencarnada. Onde a pesquisa teológica seja capaz de promover um processo de inculturação desafiador, mas cativante.
Os critérios do Proemio da Constituição Apostólica Veritatis Gaudium são critérios evangélicos. O kerygma, o diálogo, o discernimento, a colaboração, a rede – eu acrescentaria também a parrésia, que foi citada como critério, que é a capacidade de estar no limite, junto com o hypomoné, de tolerar, estar no limite para ir para a frente - são elementos e critérios que traduzem o modo como o Evangelho foi vivido e anunciado por Jesus e com o qual também pode ser transmitido hoje pelos seus discípulos.
A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia kerygmática, uma teologia do discernimento, da misericórdia e do acolhimento, que é colocada em diálogo com a sociedade, as culturas e as religiões para a construção da convivência pacífica de pessoas e povos. O
Mediterrâneo é a matriz histórica, geográfica e cultural do acolhimento kerygmático praticado com o diálogo e com a misericórdia. Dessa pesquisa teológica, Nápoles é exemplo e um laboratório especial. Bom trabalho!
NOTÍCIAS
PACTO DAS CATACUMBAS PELA CASA COMUM
Por uma Igreja com rosto amazônico,
pobre e servidora, profética e samaritana
Nós, participantes do Sínodo Pan-amazônico, partilhamos a alegria de habitar em meio a numerosos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, migrantes, comunidades na periferia das cidades desse imenso território do Planeta. Com eles temos experimentado a força do Evangelho que atua nos pequenos. O encontro com esses povos nos interpela e nos convida a uma vida mais simples de partilha e gratuidade. Marcados pela escuta dos seus clamores e lágrimas, acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco:
“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos”7.
Evocamos com gratidão aqueles bispos que, nas Catacumbas de Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, firmaram o Pacto por uma Igreja servidora e pobre8. Recordamos com veneração todos os mártires membros das comunidades eclesiais de base, de pastorais e movimentos populares; lideranças indígenas, missionárias e missionários, leigas e leigos, padres e bispos, que derramaram seu sangue, por causa desta opção pelos pobres, por defender a vida e lutar pela salvaguarda da nossa Casa Comum9. À gratidão por seu heroísmo unimos nossa decisão de continuar sua luta com firmeza e coragem. É
7 Homília do Papa Francisco na Missa de abertura do Sínodo, Roma 06-10-2019 8 Pacto por uma Igreja servidora e pobre. Catacumbas de Santa Domitila, Roma 16 de novembro de 1965. O Pacto assinado por 42 concelebrantes, recebeu em seguida a adesão de cerca de 500 padres conciliares.
9 DAp 98, 140, 275, 383, 396.
um sentimento de urgência que se impõe ante as agressões que hoje devastam o território amazônico, ameaçado pela violência de um sistema econômico predatório e consumista.
Diante da Trindade Santa, de nossas Igrejas particulares, das Igrejas da América Latina e do Caribe e daquelas que nos são solidárias na África, Ásia, Oceania, Europa e no norte do continente americano, aos pés dos apóstolos Pedro e Paulo e da multidão dos mártires de Roma, da América Latina e em especial da nossa Amazônia, em profunda comunhão com o sucessor de Pedro, invocamos o Espírito Santo, e nos comprometemos pessoal e comunitariamente com o que se segue:
1. Assumir, diante da extrema ameaça do aquecimento global e da exaustão dos recursos naturais, o compromisso de defender em nossos territórios e com nossas atitudes a floresta amazônica em pé. Dela vêm as dádivas das águas para grande parte do território sul
americano, a contribuição para o ciclo do carbono e regulação do clima global, uma incalculável biodiversidade e rica socio diversidade para a humanidade e a Terra inteira.
2. Reconhecer que não somos donos da mãe terra, mas seus filhos e filhas, formados do pó da terra (Gn 2, 7-8) 10, hóspedes e
10“7 Então o SENHOR Deus formou o ser humano com o pó do solo, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e Ele tornou-se um ser vivente. 8 Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e pôs ali o homem que havia formado”.
peregrinos (1 Pd 1, 17b e 1 Pd 2, 11)11, chamados a ser seus zelosos cuidadores e cuidadoras (Gn 1, 26)12. Para tanto, comprometemo nos com uma ecologia integral, na qual tudo está interligado, o gênero humano e toda a criação porque a totalidade dos seres são filhas e filhos da terra e sobre eles paira o Espírito de Deus (Gn 1, 2).
3. Acolher e renovar a cada dia a aliança de Deus com todo o criado: “De minha parte, vou estabelecer minha aliança convosco e com vossa descendência, com todos os seres vivos que estão convosco, aves, animais domésticos e selvagens, enfim, com todos os animais da terra que convosco saíram da arca (Gn 9, 9-10 e Gn 9, 12-1713).
4. Renovar em nossas igrejas a opção preferencial pelos pobres, em especial pelos povos originários, e junto com eles garantir o direito de serem protagonistas na sociedade e na Igreja. Ajudá los a preservar suas terras, culturas, línguas, histórias, identidades e espiritualidades. Crescer na consciência de que estas devem ser respeitadas local e globalmente e, consequentemente favorecer, por todos os meios ao nosso alcance, que sejam acolhidas em pé de igualdade no concerto mundial dos demais povos e culturas.
5. Abandonar, como decorrência, em nossas paróquias, dioceses e grupos toda espécie de mentalidade e postura colonialista, acolhendo e valorizando a diversidade cultural, étnica e linguística num diálogo respeitoso com todas as tradições espirituais.
11 “... vivei no temor o tempo de vossa permanência como migrantes” (1 Pd 1, 17b) e “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros...” (1 Pd, 2, 11).
12 “26 Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para que domine [cuide] sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais selvagens e todos os animais que
se movem pelo chão’. 27 Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou”. 13 12 E Deus disse: “Eis o sinal da aliança que estabeleço entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras. 13 Ponho meu arco nas nuvens, como sinal de aliança entre mim e a terra. 14 Quando eu cobrir de nuvens a terra, aparecerá o arco-íris nas nuvens. 15 Então me lembrarei de minha aliança convosco e com todas as espécies de seres vivos, e as águas não se tornarão mais um dilúvio para destruir toda carne. 16 Quando o arco-íris estiver nas nuvens, eu o contemplarei como recordação da aliança eterna entre Deus e todas as espécies de seres vivos sobre a terra”. 17 Deus disse a Noé: “Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda a carne sobre a terra”.
6. Denunciar todas as formas de violência e agressão à autonomia e direitos dos povos originários, à sua identidade, aos seus territórios e às suas formas de vida.
7. Anunciar a novidade libertadora do evangelho de Jesus Cristo, na acolhida ao outro e ao diferente, como sucedeu com Pedro na casa de Cornélio: “Vós bem sabeis que a um judeu é proibido relacionar-se com um estrangeiro ou entrar em sua casa. Ora, Deus me mostrou que não se deve dizer que algum homem é profano ou impuro” (At 10, 28)14.
8. Caminhar ecumenicamente com outras comunidades cristãs no anúncio inculturado e libertador do evangelho, e com as outras religiões e pessoas de boa vontade, na solidariedade com os povos originários, com os pobres e pequenos, na defesa dos seus direitos e na preservação da Casa Comum
9. Instaurar em nossas igrejas particulares um estilo de vida sinodal, onde representantes dos povos originários, missionários e missionárias, leigos e leigas, em razão do seu batismo, e em comunhão com seus pastores, tenham voz e voto nas assembleias diocesanas, nos conselhos pastorais e paroquiais, enfim em tudo que lhes compete no governo das comunidades.
10. Empenhar-nos no urgente reconhecimento dos ministérios eclesiais já existentes nas comunidades, exercidos por agentes de pastoral, catequistas indígenas, ministras e ministros e da Palavra, valorizando em especial seu cuidado em relação aos mais vulneráveis e excluídos.
11. Tornar efetiva nas comunidades a nós confiadas a passagem de uma pastoral de visita a uma pastoral de presença, assegurando que o direito à Mesa da Palavra e à Mesa de Eucaristia se torne efetivo em todas as comunidades.
12. Reconhecer os serviços e a real diaconia do grande número de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia e procurar consolidá-los com um ministério adequado de mulheres dirigentes de comunidade.
14 4 Então, Pedro tomou a palavra: “De fato”, disse, “estou compreendendo que Deus não faz discriminação entre as pessoas. 35 Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença (At 10, 34-35).
13. Buscar novos caminhos de ação pastoral nas cidades onde atuamos, com protagonismo de leigos e jovens, com atenção às suas periferias e aos migrantes, aos trabalhadores e aos desempregados, aos estudantes, educadores, pesquisadores e ao mundo da cultura e da comunicação15.
14. Assumir diante da avalanche do consumismo um estilo de vida alegremente sóbrio, simples e solidário com os que pouco ou nada tem; reduzir a produção de lixo e o uso de plásticos, favorecer a produção e comercialização de produtos agroecológicos, utilizar sempre que possível o transporte público.
15. Colocar-nos ao lado dos que são perseguidos pelo profético serviço de denúncia e reparação de injustiças, de defesa da terra e dos direitos dos pequenos, de acolhida e apoio a migrantes e refugiados. Cultivar amizades verdadeiras com os pobres, visitar as pessoas mais simples e os enfermos, exercitando o ministério da escuta, da consolação e do apoio que trazem alento e renovam a esperança.
Conscientes de nossas fragilidades, de nossa pobreza e pequenez diante de tão grandes e graves desafios, confiamo-nos à oração da Igreja. Que sobretudo nossas Comunidades Eclesiais nos socorram
15 Cfr. DSD 302.1.3
com sua intercessão, afeto no Senhor e, sempre que necessário, com a caridade da correção fraterna.
Acolhemos de coração aberto o convite do Cardeal Hummes para nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo nestes dias do Sínodo e no retorno às nossas igrejas:
“Deixem-se envolver no manto da Mãe de Deus e Rainha da Amazônia. Não deixemos que nos vença a auto-referencialidade, mas sim a misericórdia diante do grito dos pobres e da terra. Será necessária muita oração, meditação e discernimento, além de uma prática concreta de comunhão eclesial e espírito sinodal. Este sínodo é como uma mesa que Deus preparou para os seus pobres e nos pede a nós que sejamos aqueles que servem à mesa”16.
Celebramos esta Eucaristia do Pacto como “um ato de amor cósmico. “Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo”. A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico “a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio
Criador”. “Por isso, a
Eucaristia é também fonte
de luz e motivação para as
nossas preocupações pelo
meio ambiente, e leva-nos a
ser guardiões da criação
inteira”.17
Catacumbas de Santa
Domitila
Roma, 20 de outubro de
2019.
16 HUMMES, Card. Cláudio, 1ª. Congregação Geral do Sínodo Amazônico, Relação introdutória do Relator Geral, Roma, 07-10-2019 (BO 792).
17 Laudato Si’, 237.
AGENDA 2019 - 2020
Reunião do Conselho da Fraternidade
Data: Dia 17 a 20 de agosto 2020
Local: a definir, em São Paulo
Próxima Assembleia Pan Americana
Data: 20 a 24 de setembro de 2021
Local: Argentina
Participantes: a escolher oportunamente.
COLABORAÇÃO ANUAL
Lembramos aos membros das diversas fraternidades do Brasil o compromisso de colaborar financeiramente, uma vez ao ano, com 10% do seu salario mensal, para a manuteção da Fraternidade.
Calcule o valor e faça sua colaboração no Encontro Regional da sua Fraternidade. No entanto, se necessário, sua colaboração também pode ser feita no Retiro Anual, com o tesoureiro da Fraternidade.
FAÇA SUA ASSINATURA ANUAL DO BOLETIM OU RENOVE SUA ASSINATURA (VEJA OS DETALHES ATUALIZADOS NO ÚLTIMO BOLETIM PUBLICADO, POR FAVOR)
Li, ASSISTI e INDICO
INDICAÇÃO DE LIVROS
Recuperar o projeto de Jesus, José Antônio Pagola. Ed Vozes, 2019.
Espiritualidade do Padre Diocesano, Humberto Robson de Carvalho e Fernando Lorenz. Ed Paulus, 2019.
Conscientização e Purificação, Ed CNBB, 2019.
INDICAÇÃO DE SITES
https://sites.google.com/site/jesuscaritascarlosdefoucauld
https://gritaroevangelho.blogspot.com/
blog:www.hermanitasdejesus.org/brasil/brasilnuestrahistoria.htm htpp://www.ihu.unisinos.br
INDICAÇÃO DE FILMES
Filme: The Farewell
Esse filme aqui está com 100% no Rotten Tomatoes e a sinopse já entrega que a ideia é fazer com que o choro corra solto. Uma família descobriu que a avó está com uma doença em estado terminal, mas não contou para ela. Em vez disso, os filhos e netos arrumaram um casamento de última hora para a matriarca. A intenção era reunir todos os amigos e parentes dela uma última vez. A forma como lidam com temas relacionados a família e amor é ao mesmo tempo divertida e super emocionante. Filme meio americano, meio chinês.
FAMILIA ESPIRITUAL DO IRMÃO CARLOS DE FOUCAULD NO BRASIL (VEJA A LISTA ATUALIZADA NO ÚLTIMO BOLETIM PUBLICADO, POR FAVOR).