BOLETIM 160-DEZ 2019

BOLETIM DA FRATERNIDADE SACERDOTAL JESUS + CARITAS 

(Circulação interna – pro manuscrito)


Este Boletim nº 160 é uma publicação trimestral da Fraternidade  Sacerdotal Jesus Caritas no Brasil, e tem como objetivo criar laços  entre as diversas fraternidades por meio de estudos e comunicações entre  seus membros, espalhados em todo o território do país. 

Equipe de organização e Redação 

Pe. Edivaldo Pereira dos Santos 

Pe. Nelito Dornelas 

Magda Melo 

Colaboradores neste número 160 

Equipe Internacional 

Conselho da Fraternidade no Brasil 

Pe. Carlos Roberto dos Santos 

Dom Edson Damian 

Pe. Nelito Dornelas  

Pe. Maurício da Silva Jardim 

Magda Melo 

Pe José de Anchieta 

Ilustração e capa 

Magda Melo 

Editoração 

Magda Melo 

Revisão 

Pe. Carlos Roberto dos Santos 

Pe. Edivaldo Pereira dos Santos 


DA REDAÇÃO

APRESENTAÇÃO 

Pe. Carlos Roberto dos Santos - Tupã/SP  

Irmão responsável nacional. 

Irmãos e irmãs de todo o Brasil, está chegando em suas mãos o Boletim da Fraternidade número 160, o terceiro de 2019.  

Estamos animados com o tempo do Natal do Senhor, que se aproxima  e nos traz esperanças. Aliás estas esperanças vêm, também, do Sínodo  Pan-Amazônico, acontecido lá em Roma. Aguardamos ansiosos o  documento que virá, pois a oração, a sinodalidade, a partilha e a  corresponsabilidade que fez parte dos acontecimentos diários do Sínodo 

nos encantou a todos que o acompanhamos, e sonhamos com a ‘terra sem  males”. Precisamos desta esperança nestes tempos de trevas em que vive  o nosso povo, por causa de um desgoverno que tira paulatinamente os  direitos e a dignidade dos mais pobres. 

O boletim apresenta a primeira Carta da Equipe Internacional, que já  começou a trabalhar os desafios que nossas fraternidades lhes confiou por  ocasião da Assembleia de Cebu. Dom Edson T. Damian e Pe. Maurício  Jardim, dois irmãos que participaram no Sínodo da Amazônia, relatam um  pouco da alegria que lá viveram, e partilham conosco os “Novos  Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. 

Na sessão “espiritualidade do irmão Carlos”, apresentamos três artigos: um do Papa Francisco, recordando o centenário de morte do Ir. Carlos de Foucauld; outro de Pierre Sourisseau, do livro intitulado Charles de Foucauld em nova biografia” e o último, escrito pelo Pe.  

Nelito, por ocasião dos trinta anos da páscoa definitiva da irmãzinha  Madalena de Jesus.  

O Boletim ainda traz um discurso do Papa Francisco sobre a  importância de construirmos “Uma teologia do acolhimento e do diálogo”  e, não poderíamos deixar de registrar, o “Pacto as Catacumbas pela Casa  Comum: por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e servidora,  profética e samaritana”.  

Um grande abraço a todos, e boa leitura. 


FRATERNIDADES EM MISSÃO

FRATERNIDADE SACERDOTAL IESUS + CARITAS 

EQUIPE INTERNACIONAL 

CARTA DOS IRMÃOS DA EQUIPE INTERNACIONAL Fraternidades em missão1 

“Quando terminaram a oração, tremeu o  

lugar onde estavam reunidos. Todos ficaram  

cheios do Espírito Santo e anunciavam  

corajosamente a palavra de Deus. A  

multidão dos fiéis era um só coração e uma  

só alma” (At 4, 31-32). 

Irmãos bem amados, 

Em solidariedade com os bispos reunidos para o Sínodo da  Amazônia, nós, seus irmãos da equipe internacional - sem a presença  do Tony, porque infelizmente ele não conseguiu o visto - estamos  reunidos neste lugar bonito e calmo, chamado Casa de Retiros Sagrado  Coração de Maria Mirinae, localizado num vale cercado por colinas  com árvores coloridas no outono. Reunimo-nos com catorze irmãos de  quatro países asiáticos em sua Assembleia Continental, de 11 a 18 de  outubro de 2019.  

A beleza do local nos fala profundamente sobre nosso desejo de paz  e sossego para descansar nossos corpos cansados e sobrecarregados  com o barulho e os peso do nosso ministério. Nossa adoração diária, a  celebração eucarística, a partilha do Evangelho e o dia de deserto 

tornaram-se encontros calorosos com Jesus e com os irmãos. Durante  a nossa estadia, apreciamos a culinária coreana e a hospitalidade da  jovem e vibrante Comunidade das Irmãs do Sagrado Coração de Maria. 

1 Traduzido para o português-BR por Pe. Carlos Roberto dos Santos 

A Assembleia de Cebu confiou algumas preocupações e desafios às  nossas fraternidades. Essas preocupações foram sentidas em três áreas  de nossas vidas: nossas sociedades, nossas igrejas e nossas  fraternidades. Conscientes destes desafios e das conclusões de nossas  reflexões e discernimentos sobre a realidade de nossas fraternidades,  gostaríamos de convidá-los a se tornarem promotores da Fraternidade.  Acreditamos que a construção e a vivencia da fraternidade como um  dom de Deus nos levará a viver a missão fraterna com nossos irmãos  sacerdotes, em nossas igrejas e em nossas sociedades. 

Gratidão e carinho por nossos irmãos mais velhos 

“Plantados na casa do Senhor, crescerão nos  

átrios do nosso Deus. Mesmo na velhice darão  

frutos, serão cheios de seiva e verdejantes” (Sl  

92, 13-14). 

Contemplando a realidade de nossas fraternidades em Cebu,  descobrimos que os membros das fraternidades ocidentais estavam  diminuindo ou envelhecendo. Envelhecer é um processo de  crescimento, um presente de Deus. Nossos irmãos mais velhos são,  portanto, presentes preciosos em nossas fraternidades. Eles  envelheceram em fraternidade com fidelidade, são veteranos em  fraternidade. Gostaríamos de expressar nossa profunda gratidão por  sua presença entre nós. Vocês são os canais pelos quais Jesus conduziu  cada um de nós nas belas fraternidades Jesus Caritas. 

Quando muitos de vocês, como padres fidei donum, viajaram pelo  mundo proclamando a Boa Nova de Jesus, seguindo os passos do  irmão Carlos, voces levaram as fraternidades de Jesus Caritas para as  Américas, Ásia e África. Apesar do peso da idade, muitos de vocês  fazem, ainda hoje, esforços extraordinários para poder participar, o  máximo que puder, dos encontros da fraternidade. Sua fidelidade é um  exemplo a ser imitado.  

Queridos irmãos mais velhos, e mais experientes, nós valorizamos  muito a presença de vocês entre nós. Queremos ouvi-los e aprender  com sua sabedoria e experiência fraterna. Contamos também com suas  orações fiéis para que possamos viver a fraternidade. À medida que suas forças vão diminuindo, nós nos unimos a vocês na oração do  abandono, do irmão Carlos, pedindo para vocês a graça de uma entrega  total ao amor de Deus. 

Pedimos a todos para prestarem mais atenção aos nossos irmãos  mais velhos: visitando-os, mantendo-os informados sobre a vida das  fraternidades, celebrando seus aniversários de nascimento e ordenação  sacerdotal, partilhando suas alegrias e tristezas, etc. Muitos de nós já  estão fazendo isso muito bem, e nós os incentivamos a continuar com  este serviço exemplar. 

Enriquecido com o entusiasmo e a vitalidade dos irmãos jovens 

"Que ninguém o despreze por ser jovem.  

Quanto a você mesmo, seja para os fiéis um  

modelo na palavra, na conduta, no amor, na  

fé, e na pureza " (1Tm 4,12). 

Em vários países, principalmente na Ásia e na África, nossas  fraternidades estão recebendo novos membros. Jovens sacerdotes se  juntam a nós, seguindo os passos do irmão Carlos. A entrada destes  padres jovens enche nossos corações de felicidade e gratidão a Deus,  pois nossas fraternidades se renovam com sua vitalidade e entusiasmo  juvenil. Isto é um sinal muito claro de que a experiência espiritual do  irmão Carlos ainda é muito significativa e fascinante. 

A entrada de membros novos e jovens [na fraternidade] é uma  grande graça, mas também um desafio. Antes de tudo, devemos  acolhê-los com sinceridade e abrir nossos corações às suas aspirações  mais profundas. Também somos convidados a fazer que nossas  fraternidades sejam lugares onde eles possam encontrar o apoio  fraterno dos irmãos mais velhos. Temos o delicado dever de cuidar  deles e ajudá-los a viver esta transição, muitas vezes difícil, entre a  vida protegida do Seminário Maior e os grandes desafios de seu início  na vida sacerdotal. Eles precisam encontrar mentores amáveis e  bondosos entre nós.


A chegada de novos membros em nossas fraternidades é um  presente de Deus, mas nosso testemunho de vida e nosso desejo de ter  novos irmãos é muito importante. No Brasil, nossos irmãos estão  organizando várias atividades para permitir que seminaristas maiores  descubram a beleza e a relevância da experiência espiritual do irmão  Carlos. Tais experiências de partilha sobre o que estamos vivendo e  convites para novos membros deveriam ser promovidas em nossas  fraternidades. 

Acreditamos que nossas fraternidades são um precioso presente de  Deus e não podemos guardá-lo só para nós mesmos. Devemos partilhar  esta convicção de que a Fraternidade Sacerdotal Jesus Caritas pode nos  ajudar a ser bons padres diocesanos.  

Nas igrejas onde os padres vêm de diferentes partes do mundo para  prestar serviço pastoral ou para estudar, nossas fraternidades estão  convidadas a mostrar-lhes uma especial hospitalidade. Entre eles, os  padres pertencentes às fraternidades Jesus Caritas precisam ser  integrados em nossas fraternidades. Não percamos esta oportunidade  de viver uma fraternidade universal com nossos irmãos sacerdotes.  Convidamos vocês, irmãos, a serem os primeiros a estender-lhes as  mãos, indo ao encontro deles, para oferecer-lhes nosso amor fraterno. 

“Jamais arrière”, “Nunca voltar atrás”, mas fidelidade e perseverança 

“Conheço sua conduta: o amor, a fé, a  

dedicação, a perseverança e as suas obras  

mais recentes, ainda mais numerosas que as  

primeiras” (Ap 2,19). 

A Assembleia de Cebu revelou que em muitas de nossas  fraternidades há uma falta de fidelidade aos principais meios de nosso  crescimento espiritual. Nunca é demais enfatizar suficientemente a  importância e a necessidade da adoração eucarística diária, o dia  mensal do deserto, a revisão da vida, as reuniões mensais da  fraternidade e a partilha do Evangelho para o nosso crescimento  espiritual. Gostaríamos de agradecer e felicitar todos os irmãos e  fraternidades que estão vivendo fielmente esses importantes meios de crescimento espiritual. Queridos irmãos, encorajamos vocês a  permanecerem firmes nesta fidelidade, que é uma bênção para todos  nós. 

Quanto a vocês, irmãos que estão lutando para serem fiéis a esses  meios, nós os exortamos a nunca desistirem do pouco que estão  conseguindo fazer. O lema da família do irmão Carlos era: “Jamais  arrière”, "Nunca voltar atrás". Ele disse que, quando saímos para fazer  algo, nunca devemos voltar sem tê-lo feito. Com seu espírito e seu  exemplo de determinação, um dia alcançaremos a fidelidade perfeita.  Portanto, ninguém desista do que já está fazendo! 

Devido às grandes distâncias, ao isolamento e à falta de recursos  financeiros, muitos irmãos não podem participar regularmente dos  encontros da fraternidade. É difícil aproveitar os meios de crescimento  espiritual sem essa participação regular nos encontros fraternos, por  isso, exortamos vocês, irmãos, a serem mais criativos nessa situação.  Em lugares onde não é possível encontrar padres, viver a fraternidade  com outros membros da família espiritual do irmão Carlos não é  somente uma alternativa frutífera, mas também uma oportunidade  valiosa. 

A fraternidade nos impulsiona à missão 

“O Senhor escolheu outros setenta e dois  

discípulos, e os enviou dois a dois, na sua  

frente, para toda cidade e lugar aonde Ele  

próprio devia ir” (Lc 10,1). 

Como sacerdotes diocesanos missionários que seguem os passos de  Carlos de Foucauld, uma especificidade de nossa missão é construir  fraternidade, ser especialistas em amor fraterno e tornarmo-nos irmãos  universais. Utilizar os meios espirituais disponíveis em nossas  fraternidades Jesus Caritas, para promover nosso crescimento  espiritual, também é uma característica do nosso ser missionário.  Cuidar de nossa vida espiritual e crescer em santidade é, portanto,  necessário para a fecundidade de nossos esforços missionários.


Depois de uma longa reflexão sobre a missão na Assembleia de  Cebu, agora desejamos encorajá-los em seus respectivos  compromissos missionários. Convidamos vocês a identificarem,  durante os encontros de fraternidades e nas suas assembleias, as muitas  atividades missionárias nas quais vocês já estão comprometidos. A  partilha e a reflexão de suas experiências missionárias, a escuta das  diversas experiências e histórias de missão certamente vos  enriquecerão e vos ajudarão a reacender seu entusiasmo missionário. 

Gratidão 

Agradecemos ao Philip e aos irmãos coreanos pela calorosa  hospitalidade, a Arthur Charles pelo serviço prestado aos irmãos  asiáticos nos últimos seis anos e à comunidade das irmãs pela alegria  contagiante em cuidar de nós. Também agradecemos aos irmãozinhos  e irmãzinhas, e aos membros da fraternidade leiga pela visita e pelos  presentes que prepararam para nós. 

Casa de Retiro Sagrado Coração de Maria Merinae, 

sexta-feira, 18 de outubro de 2019. 

Eric LOSADA, Fernando TAPIA MIRANDA, 

Matthias KEIL e Honoré SAVADOGO 

Seus irmãos da equipe internacional


Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral 2  Dom Edson T. Damian

 

Desde o dia 15 de outubro de 2017, quando o Papa Francisco nos  surpreendeu com a boa notícia da convocação do Sínodo Especial para  a Amazônia, alegria e esperança foram os sentimentos que tomaram  conta de todos os amazônidas. 

Tive a graça de acompanhar o encontro do Papa com quatro mil  representantes dos Povos Indígenas em Puerto Maldonado, Peru, no  dia 19 de janeiro de 2018. Ainda ressoam a palavras proféticas do seu  discurso: “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos  estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora”. No  entanto, “a sua visão do mundo, a sua sabedoria, têm muito para  ensinar a nós que não pertencemos à sua cultura. Todos os esforços  que fizermos para melhorar a vida dos povos amazônicos serão sempre  poucos”. Por isso “irmãos indígenas, ajudai os vossos bispos, ajudai os  vossos missionários e missionárias a se fazerem um só convosco e,  assim, dialogando com todos, plasmar uma Igreja com rosto  amazônico e uma Igreja com rosto indígena”. Para que isto aconteça,  concluiu o Papa, “convoquei o sínodo que inicia com uma reunião hoje  à tarde”. 

Com o Documento Preparatório iniciou-se longo e abrangente  processo de escuta. Nenhum dos sínodos anteriores envolveram tantas  pessoas e instituições. Basta constatar que dos 340 povos indígenas da  região, 179 participaram de alguma roda de conversa ou assembleia.  Participaram também desta escuta centenas de outras comunidades de  ribeirinhos, agricultores, quilombolas e moradores das cidades. Para  redigir o Instrumentum Laboris, o Conselho pré-sinodal recebeu 1.200  páginas de propostas enviadas pelos nove países que integram o bioma  amazônico. Com este Instrumento de Trabalho iniciamos a preparação  intensa para o Sínodo. 

No dia 06 de outubro de 2019, na basílica de São Pedro, em Roma,  concelebramos com o papa Francisco a Eucaristia de abertura. Em um  Sínodo que deseja abrir novos caminhos, o Papa deixou claro que  "reacender o dom no fogo do Espírito é o oposto de deixar as coisas correr sem se fazer nada", denunciando os momentos em que "houve  colonização em vez de evangelização!”, e pedindo firmemente que  “Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos” e daqueles  que querem “fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio  grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”. Insistiu  que "o anúncio do Evangelho é o critério primeiro para a vida da  Igreja". E concluiu dizendo: “Muitos irmãos e irmãs na Amazônia  carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação libertadora do  Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles,  caminhemos juntos”. 

Durante três semanas com sessões plenárias de escuta e trabalhos  em grupos, fomos aprofundando e ampliando as propostas do  Instrumentum Laboris. Mesmo os leigos e as quarenta mulheres, que  não tinham direito ao voto, puderam “falar livremente e com coragem 

para dizer toda a verdade”, como solicitou o Papa no início dos  trabalhos. Cada vez que falava uma mulher ou representante dos Povos  Indígenas, o Papa percorria os olhos para localizar a pessoa no  plenário. Escutava atentamente, fazia pequenas anotações e era o  primeiro a aplaudir. 

Na sessão de encerramento, no dia 26 de outubro, os 181 eleitores  aprovaram os 120 parágrafos do documento final com a maioria  necessária de dois terços. Dividido em cinco capítulos, o documento  reúne as contribuições dos participantes no processo sinodal. Não  apenas daqueles que estiveram presentes na assembleia, mas de tantos  outros que participaram de um processo de escuta que, com a passagem  do tempo, foi se demonstrando como determinante, porque captou a  voz da Amazônia e dos seus povos. 

Seguem os capítulos. 

Cap. 1 - Amazônia: da escuta à conversão integral 

Cap. 2 – Novos caminhos de conversão pastoral 

Cap. 3 – Novos caminhos de conversão cultural 

Cap. 4 – Novos caminhos de conversão ecológica 

Cap. 5 – Novos caminhos de conversão sinodal 

A Amazônia é uma fonte de vida, mas, ao mesmo tempo, é “uma  beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência”, expressa no  clamor da terra e no grito dos pobres. Nesse contexto, reconhecendo  erros históricos, a Igreja quer “se diferenciar das novas potências colonizadoras, escutando os povos da Amazônia, a fim de exercer sua  atitude profética com transparência”. Ao mesmo tempo, somos  convidados a uma conversão integral, que se traduz em “uma vida  simples e sóbria”, pessoal e comunitariamente. 

Os novos caminhos da conversão pastoral requerem uma Igreja em  saída missionária, definida como samaritana, misericordiosa, solidária,  em diálogo ecumênico, inter-religioso e cultural. Uma Igreja que “sirva  e acompanhe os povos amazônicos”, uma Igreja com rosto indígena,  camponês e afrodescendente, migrante e jovem, uma Igreja que precisa  responder aos desafios da pastoral urbana, em uma região onde 80%  da população habita na cidade. 

A participação ativa dos povos indígenas, tanto no processo de  escuta quanto na assembleia sinodal, evidenciou a necessidade de uma  conversão cultural. Inculturação e interculturalidade que superem  definitivamente uma tradição colonial monocultural, clericalista e  impositiva. A pluriforme diversidade cultural dos povos “deve ser  reconhecida, respeitada e promovida na Igreja e na sociedade”. As  sementes do Verbo, presentes nestas culturas contém uma visão global  e integradora da realidade, que contrasta com a fragmentação do  pensamento ocidental. Neste âmbito foi solicitado que se consolide a  teologia índia e também se elabore um rito amazônico. 

Meses atrás, o Papa Francisco definiu o Sínodo como filho da  Laudato Si, que é a base da conversão ecológica. O documento  reconhece as ameaças contra o bioma amazônico e seus povos e coloca  como desafio a criação de novos modelos de desenvolvimento justo,  solidário e sustentável. A evangelização deve ter uma dimensão  socioambiental que torne real uma Igreja que cuida da Casa Comum,  uma Igreja pobre, com e para os pobres. Nesta conversão, o documento  fala de pecado ecológico, chegando a propor ministérios especiais para  os cuidados da Casa Comum. Solicita a criação de um Observatório  socioambiental pastoral, ligado ao Dicastério para o Serviço do  Desenvolvimento Humano Integral, corroborado pelo Papa em seu  discurso final. 

O último capítulo do documento aborda os novos caminhos da  conversão sinodal. Sinodalidade é a grande contribuição do Papa  Francisco para a história da Igreja. Significa “aprender a ser Igreja,  caminhar juntos, envolver cada vez mais pessoas nessa caminhada”. 


Guiada pelo Espírito Santo, a Igreja sinodal promove a escuta, o  diálogo, o discernimento, o consenso e a comunhão, que possibilitam  espaços e processos de decisão conjunta, superando o centralismo, o  autoritarismo, o clericalismo e dando acesso aos leigos e às mulheres.  Entre os novos caminhos para a sinodalidade, solicita-se a criação de  um organismo eclesial amazônico, para o qual alguns membros já  foram escolhidos. 

Em relação às mulheres, o documento pede que sua voz seja ouvida,  que sejam consultadas e participem nas decisões. Elas mantêm vivas a  maioria das comunidades da Amazônia. Pela primeira vez, pede-se que  elas recebam os ministérios do leitorado e do acolitado e que seja  instituído o ministério da “mulher líder da comunidade”. O documento  reconhece que foi demandado por muitos o diaconato permanente para  as mulheres. O Papa havia criado uma “Comissão de estudo sobre o  diaconato da mulher”, que chegou a um resultado parcial. No discurso  final, o Papa disse que a parte da mulher no documento “ficou aquém”  e que “o papel da mulher na Igreja vai além da funcionalidade”.  Prometeu também renomear uma nova comissão para levar adiante o  estudo sobre o diaconato feminino. 

O número 111, parágrafo que teve menos votos a favor, 128,  baseado na Lumen Gentium 26, pede “para ordenar sacerdotes a  homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um  diaconato fecundo e recebam uma formação adequada para o  presbiterado, podendo ter uma família legitimamente constituída e  estável, para sustentar a vida da comunidade cristã através da pregação  da Palavra e da celebração dos Sacramentos nas áreas mais remotas da  região amazônica”. Proposta inovadora para passar de uma pastoral de  visita para uma pastoral de presença que exigirá de nós muita  criatividade e investimentos. 

Merecem destaque eventos que aconteceram fora da sala sinodal. A  tenda da Amazônia que celebrava diariamente a memória dos mártires,  promovia conferências e rodas de conversa. A vigília no início do  Sínodo e a Via Sacra na Via della Conciliazione na véspera do  enceramento. As coletivas de imprensa realizadas diariamente com o  auditório sempre repleto de jornalistas internacionais. Destaque  especial merece a celebração nas Catacumbas de Santa Domitila com  a assinatura do Pacto das Catacumbas pela Casa Comum. Os compromissos assumidos encontram-se na página...para que você  também, caro leitor, se solidarize conosco. 

A assembleia sinodal terminou, mas “este é um caminho que  continua”. Agora, como o Papa apontou na sala sinodal, vamos nos  centrar nos diagnósticos, superando pequenas questões disciplinares,  para que a sociedade cuide de tudo o que foi descoberto neste Sínodo.  Não vamos seguir os interesses daqueles a quem Francisco se referiu  como elites católicas, “que que ficam nos detalhes e esquecem o  conjunto”, daqueles que “porque não têm coragem de estar com o  mundo, pensam que são com Deus, porque eles não têm coragem de se  comprometer com os homens, dizem que se comprometem com Deus,  porque não amam ninguém, pensam que amam a Deus”.  

Agora temos que esperar a exortação pós-sinodal. O Papa disse que  planeja escrevê-la antes do final do ano, “se vocês me derem tempo  para pensar”. Face às propostas do documento aprovado por  unanimidade, das falas e testemunhos dos participantes, o Papa dispõe  de excelente material para uma exortação com caminhos inovadores,  criativos e corajosos para a Igreja e para a ecologia integral da  Amazônia e da Casa Comum.


Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral 3 

Sínodo significa caminhar juntos numa atitude de escuta: “O Sínodo  dos Bispos deve tornar-se cada vez um instrumento privilegiado de  escuta do Povo de Deus: Para os Padres sinodais, pedimos antes de  mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus, até  ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo até respirar nele a  vontade a que Deus nos chama” (Episcopalis communio, n. 6).  

O processo sinodal se desdobrou em três momentos: Fase  preparatória que aconteceu desde a convocação do Papa Francisco  no 15 de outubro de 2017, onde iniciou o processo de escuta sinodal,  do qual nasceu o instrumento de trabalho. A escuta aconteceu nas  assembleias e rodas de conversas, envolvendo 87 mil pessoas dos nove  países da Panamazônia. A Assembleia Sinodal realizada em Roma,  num encontro fraterno de 21 dias, de 6 a 27 outubro de 2019 e o Pós  Sínodo com a publicação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal do  Papa Francisco e a recepção das indicações do sínodo em todas as  Igrejas locais do território Panamozônico. 

O chamado à conversão foi um dos destaques da assembleia sinodal. O documento final se estrutura em cinco capítulos que nos  convoca a uma conversão Integral que parte da “única conversão ao  Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, que se desdobra em quatro  dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias  existenciais, sociais e geográficas da Amazônia: conversão pastoral,  cultural, ecológica e sinodal” (Documento final, 19). Na prática à  conversão pastoral se dá saindo de uma pastoral de conservação para  uma pastoral mais ousada, missionária e que vai ao encontro das  pessoas. O sínodo indicou um caminho novo neste âmbito pastoral:  ‘sair de uma pastoral de visita e passar a uma pastoral da presença´ que  se traduza numa evangelização de diálogo intercultural, permanecendo  junto às comunidades dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas.  O sínodo fez recepção a três importantes documentos do magistério  do Papa Francisco Laudato Si (‘Louvado sejas’) sobre o cuidado da  Casa Comum, que chamou à conversão ecológica; Exortação  apostólica Evangelli Gaudium (‘A Alegria do Evangelho’), que nos  chamou à conversão missionária; Constituição apostólica Episcopalis  communio’, que nos chamou à conversão a sinodalidade.  Para a recepção dos novos caminhos para Igreja e para uma  Ecologia Integral, destaco a importância de nos focarmos nos quatro  diagnósticos que nasceram da escuta: pastoral, social, ecológico e  cultural. 

Diagnóstico Pastoral: Na Amazônia a maioria das comunidades  não tem acesso a celebração eucarística e são coordenadas e animadas  por leigos, em grande parte mulheres. “Como Igreja de discípulos  missionários, suplicamos a graça da conversão que "implica deixar  fluir todas as consequências do encontro com Jesus Cristo nas relações  com o mundo que nos rodeia" (LS 21); uma conversão pessoal e  comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente  com a obra criadora de Deus, que é a "casa comum"; uma conversão  que promove a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da  criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que  reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve  a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos  amazônicos (Documento final do sínodo, 18). É fundamental no  âmbito da Igreja em saída, superar um modelo de missão colonizadora  que não considera a realidade locais. 

Diagnóstico social: Há no território Amazônico uma crise  socioambiental sem precedentes que ameaça a vida do bioma  amazônico e seus povos originários: “Amazônia hoje é uma beleza  ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza  têm consequências para a vida dos povos. Essa crise socioambiental  única se refletiu nas escutas pré-sinodais que sinalizaram para as  seguintes ameaças contra a vida: apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água; concessões florestais e a entrada de  madeireiras ilegais; caça e pesca predatórias; megaprojetos  insustentáveis (hidrelétricas, concessões florestais, exploração  massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias, ferrovias e  projetos de mineração e petróleo); contaminação causada pela  indústria extrativista e lixões urbanos; e, sobretudo, mudança  climática. São ameaças reais associadas a graves consequências  sociais: doenças derivadas da contaminação, narcotráfico, grupos  armados ilegais, alcoolismo, violência contra a mulher, exploração  sexual, tráfico humano, venda de órgãos, turismo sexual, perda da  cultura originária e da identidade (língua, práticas espirituais e  costumes), criminalização e assassinato de lideranças e defensores do  território. Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e  políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns  governantes e algumas autoridades indígenas. As vítimas são os  setores mais vulneráveis, crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra  (Documento final do sínodo, n. 10). 

Diagnóstico ecológico: “Todos os participantes expressaram uma  profunda consciência da dramática situação de destruição que afeta a  Amazônia. Isso significa o desaparecimento do território e de seus  habitantes, especialmente dos povos indígenas. A floresta amazônica  é um "coração biológico" para a terra cada vez mais ameaçada. Se  encontra em uma corrida desenfreada para a morte. Requer mudanças  radicais de suma urgência e um novo direcionamento que permita  salvá-la. Está cientificamente comprovado que o desaparecimento do  bioma Amazônia trará um impacto catastrófico para o planeta!”  (Documento final do sínodo, 2).


O diagnóstico cultural apontou que todos somos convocados ao respeito às culturas e aos direitos dos povos: “Todos nós somos  convidados a nos aproximarmos dos povos amazônicos de igual para  igual, respeitando sua história, suas culturas, seu estilo de "bem viver"  (PF 06.10.19). O colonialismo é a imposição de certos modos de vida  de alguns povos sobre outros, seja economicamente, culturalmente ou  religiosamente. Rejeitamos uma evangelização ao estilo colonial.  Anunciar a Boa Nova de Jesus implica reconhecer as sementes do  Verbo já presentes nas culturas. A evangelização que hoje propomos  para a Amazônia é o anúncio inculturado que gera processos de  interculturalidade, que promovem a vida da Igreja com identidade e  rosto amazônicos (Documento final do sínodo, 55).  

Concluo, constatando que participar de um sínodo é uma graça de  Deus por três motivos. O primeiro é sentir na prática o que significa  ser Igreja Povo de Deus na comunhão, na escuta e no discernimento  conjunto. Caminhar juntos na Igreja não anula as diferentes visões  sobre qualquer tema. Outro motivo é experimentar que o sínodo não é  um parlamento onde alguns saem vencedores e outros perdedores.  Todos saímos vencedores após um longo caminho de escuta, reflexão  e consenso. Terceiro é a proximidade com o Papa Francisco que  presidiu a Assembleia Sinodal numa atitude atenta de escuta e  proximidade com os participantes. Que estejamos abertos aos novos  caminhos que a o processo sinodal nos indicou. 

3 Pe. Maurício da Silva Jardim, Diretor Nacional das POM - Brasil 


ESPIRITUALIDADE DO IRMÃO CARLOS

Papa recorda 100 anos do assassinato do Ir. Carlos de Foucauld 

Assaltantes mataram o sacerdote Charles de Foucauld, porque queriam roubar o ‘tesouro’ do qual ele tanto falava. 

Papa Francisco recordou, (hoje 103 anos) do assassinato de Charles de Foucauld. O Santo Padre ressaltou o testemunho de vida desse  sacerdote que tanto bem fez à Igreja. Sua beatificação foi realizada por  Bento XVI em 2005. 

Francisco rezou para que o beato nos abençoe e nos ajude a  caminhar na pobreza, na contemplação e no serviço aos pobres. Quando morei em Roma, entre os anos de 2002 e 2007, tive contato  com a história desse homem santo, especialmente por meio das  Irmãzinhas de Jesus, que vivem uma vida muito simples na periferia  de Roma. Foi assim que conheci mais sobre Charles de Foucauld e  sobre a oração composta por ele, que está no fim deste texto. Nascido na França, em 1958, Carlos de Jesus perdeu os pais quando  tinha seis anos. Na juventude, entrou para o exército, mas foi  despedido por indisciplina. A partir disso, começou a viajar pelo norte  da África como explorador. Era descrente de tudo, mas acabou  encontrando a fé no confessionário. 

Dessa maneira, Charles de Foucauld descobriu que Deus é  misericordioso e, sem saber, era o que ele sempre buscava. Tornou-se  padre e viveu no deserto em  meio aos árabes. Anunciou o  Evangelho vivendo a pobreza  radical. Era mais pobre que os pobres do Saara. 

Carlos era amigo dos  tuaregues, um povoado  constituído por pastores  seminômades, agricultores e  comerciantes, a maioria  muçulmanos. Foi morto por assaltantes que queriam descobrir o tesouro do qual ele tanto falava.  Não compreenderam que o tesouro estava no sacrário: era Jesus na  Eucaristia, o centro de sua vida. 

Espero que você, ao rezar a Oração de Abandono, faça uma bela  experiência de liberdade interior com o amor de Deus: 

“Meu Pai, 

a vós me abandono: 

fazei de mim o que quiserdes. 

O que de mim fizerdes, 

Eu vos agradeço. 

Estou pronto para tudo, aceito tudo. 

Contanto que a vossa vontade se faça em mim 

e em todas as vossas criaturas, 

Não quero outra coisa meu Deus. 

Entrego a minha vida em vossas mãos. 

Eu vo-la dou, meu Deus, 

com todo o amor do meu coração, 

porque eu vos amo. 

E porque é para mim uma necessidade de amor 

dar-me, entregar-me em vossas mãos 

sem medida, com infinita confiança  

Porque sois meu Pai!”


Charles de Foucauld em nova biografia4 

"Charles de Foucauld 1858-1916". No título do livro de Pierre  Sourisseau, somente o nome e duas datas, a de nascimento em uma  nobre família rica em Estrasburgo e a da morte violenta no deserto do  Saara, na Argélia. 

"Um padre de sacerdócio atípico, desejoso de fraternidade, ardente  de fogo missionário", e antes ainda, "um oficial de cavalaria sempre  pronto para a ação, um explorador brilhante e cientista, uma vocação  obstinadamente buscada, uma alma sedenta de solidão e do Absoluta,  aberta ao universal, um dos principais especialistas do mundo Tuareg  

Uma biografia com escritos inéditos 

Foram necessárias 768 páginas, incluindo 32 de material  fotográfico, para contar a fascinante vida desse homem assassinado em  uma emboscada aos 58 anos, transcorridos entre a França, o norte da  África e o Oriente Médio. 

Assim, são tantos os aspectos que "se sobrepõem, se misturam, se  complementam" nesta biografia convincente e exaustiva, construída a  partir dos escritos de Charles de Foucauld, beatificado em 2005 pelo  Papa Bento XVI, e pelas mais recente pesquisas da causa de  canonização, da qual o autor Sourisseau é arquivista há mais de trinta  anos 

Do conforto ao exército, às explorações científicas 

A narrativa se desenvolve a partir da infância do pequeno Charles,  órfão de ambos os pais aos 6 anos, crescido com sua irmã na casa de  seu avô materno, educado na religião católica da qual se afasta; aos 20  anos herdou de seu avô a herança familiar. Ao ingressar na carreira  militar, foi enviado inicialmente para a Argélia e depois para a Tunísia.  Mas ao retornar à França, depois de quatro anos, ele se demitiu do  exército, passando então a viajar para explorar países e conhecer  pessoas. 

Ele se estabelece em Argel, partindo mais tarde para o Marrocos,  muito perigoso para os cristãos, percorrendo três mil quilômetros em  11 meses, com grandes riscos e sacrifícios, recorrendo a disfarces e  truques para esconder a sua identidade europeia. 


4 Pierre Sourisseau, editora Ephpheta – Vatican News por Roberta Gisotti



O chamado ao sacerdócio e a missão na África 

Em seu retorno para Argel é acolhido com entusiasmo pela  comunidade científica internacional, mas para o jovem Charles, não  interessa a glória e retorna a Paris. Impulsionado por um forte chamado  interior, entra aos 32 anos para uma comunidade trapista, onde  permanece por sete anos. 

Após um período na Terra Santa, em Nazaré, volta a Paris, sendo  ordenado sacerdote e enviado como missionário à Argélia, onde se  estabelece entre os nativos Beni Abbes, transferindo-se então para o  coração do deserto do Saara entre a população Tuareg: “Seria  necessário que muitos religiosos e religiosas e bons cristãos – escrevia  padre Charles - vivessem aqui para fazer contato com todos esses  pobres muçulmanos e instruí-los". 

A morte no Saara ao lado dos amigos tuaregues 

São anos de intensa oração e muito trabalho: "Os tuaregues perto de  mim dão a maior doçura e satisfação; entre eles tenho excelentes  amigos". Mas depois de 10 anos - observa em seus escritos - “nem  mesmo um único convertido! Devemos orar, trabalhar e ser pacientes". 

E ainda profeticamente escreve o missionário francês: "Estou  convencido de que aquilo que devemos buscar para os nativos das  nossas colônias, não são nem uma rápida assimilação nem uma simples  associação, nem sua união sincera conosco, mas o progresso, que será altamente desigual e deverá ser buscado com meios às vezes muito  diferentes: o progresso deve ser intelectual, moral e material". Em 1916 a guerra na Europa também chegou ao deserto do Saara e  o padre Charles foi vítima de uma emboscada em 1º de dezembro de  1916. 

Um bem comum para toda a Igreja 

Para enriquecer o livro, o prefácio do padre Bernard Ardura,  postulador da causa de canonização do Beato Charles de Foucauld,  cujo espírito - como observa Pierre Sourisseau na conclusão da  biografia - depois de sua morte, "rapidamente tornou-se um bem  comum da Igreja" e "o seu carisma se manifesta sob muitas formas nos  compromissos de homens e mulheres" do nosso tempo. 

A infância espiritual e a mensagem do presépio na  espiritualidade das irmãzinhas de Jesus 5 ( Pe. Nelito Dornelas)


Ao celebrarmos os trinta anos da páscoa definitiva de Irmãzinha  Madalena de Jesus, aos 9 de novembro de 2019, merece fazer memória  à espiritualidade do Presépio, que a moveu e que sustenta as  Irmãzinhas. 

O Pequenino Jesus entrou na Fraternidade a partir dos primeiros  dias de sua fundação em 13 de novembro de 1939. Ele foi entronizado  na primeira fraternidade em Tugurte, no Saara. No dia 1º de julho de  1941 toda a congregação foi consagrada ao Menino Jesus, no primeiro  noviciado de Sante Foy, em Lyon com as seguintes palavras: “Faço 

te Rei da minha querida e pequena família religiosa, que já não é  minha é do teu reino e propriedade tua. Faça dela o que quiseres. Eu a entrego ao teu amor”. 

E desde os primeiros dias, o Pequenino Jesus no presépio sempre  foi para as irmãzinhas o modelo incomparável de infância espiritual e  uma das primeiras fontes de sua espiritualidade. 

Aos 25 de dezembro de 1940 escreve a Irmãzinha Madalena: “Não  pode haver nada mais doce do que o querido Pequenino Jesus do  presépio. Nele vocês podem encontrar tudo: humildade, pobreza e  obediência”. 

Aos 2 de julho de 1941 escreve a irmãzinha: “Tenho uma confiança  imensa nesta devoção a Nossa Senhora do Saara entregando o seu  Pequenino Jesus aos nômades do deserto”. E aos 15 de agosto de  1942 faz a seguinte revelação: “Eu, nesta manhã na missa, fiquei de  novo admirada com o lugar que o Pequenino Jesus deve ocupar entre  nós. Eu lhes garanto que essa devoção não é ingênua nem sentimental,  mas é a verdadeira devoção dos grandes Santos e Santas. O Pequenino  Jesus é uma criancinha cheia de mansidão, de ternura e de aparente  fraqueza, mas é Deus mesmo com o seu poder e inteligência sem  Limites. Peço-lhes que ponham a mão na sua mãozinha, feche os olhos  e o deixem-se guiar por ele”. 

É também da Irmãzinha Madalena estas orientações escritas em 1º  de outubro de 1942: “Após este mês passado junto de vocês, reunindo  tudo que ouvi quero agora expressar minha conclusão. Sobre as  lacunas do passado e os desejos do futuro digo-lhes  novamente: se vocês não se  tornarem como criancinhas, poderão fazer parte  do corpo da Fraternidade  das irmãzinhas de Jesus, mas não farão parte do seu  Espírito. Isto eu o repetirei  sempre como São João repetia sem cessar: ‘meus  filhinhos amai-vos uns aos  outros’. Ser criancinha  quer dizer ser simplesmente  irmãzinha, irmãzinha sem  importância, dos quais  ninguém fará caso, que os  grandes não compreenderão e, às vezes, vão rir de vocês. É preciso  não desviar deste caminho traçado pelo nosso querido irmão Carlos  de Jesus. E grave isso no coração: vocês sabem o quanto custa ser pedras angulares de toda construção. Abasteçam-se do espírito de seu  pai espiritual. Cada pensamento dele, cada uma de suas palavras, todos os seus desejos devem ser recolhidos por vocês com amor. Vocês  são suas filhas e, para que permaneçam pequeninas, após ter me  aconselhado sobre a oportunidade deste ensino com aqueles que têm  direito de nos dirigir, falarei muitas e muitas vezes a vocês de Jesus  Pequenino, no qual tudo se encontra: Deus em todos os seus mistérios, 

Deus em toda sua sabedoria e inteligência, em toda sua força e que, no entanto, quis ocultar toda sua grandeza para que este mistério fosse  acessível nos pequenos. Aos menores de todos revelou todas essas  coisas, aos humildes e aos pequeninos e se ocultou aos grandes e aos  poderosos”. 

Nota-se tanta convicção nesta fonte de espiritualidade que a  Irmãzinha Madalena chega a afirmar que a devoção ao Menino Jesus  deve ser a marca principal das Fraternidade. 

A devoção ao Menino Jesus remonta aos primeiros séculos da  igreja. Em suas homilias sobre São Lucas, Orígenes, no século terceiro,  não se contenta em propor como modelo de fé aos pastores, a  espiritualidade do Presépio. Ele demonstra tanta familiaridade com  esta espiritualidade, que expressa essa intimidade quase familiar, este  fervor que o anima pelo seu Senhor e seu Cristo, afirmando que todo  aquele que como Simeão aspira à liberdade, deve tomar Jesus em seus  braços. Somente assim poderá então alegrar-se e ir aonde quiser, para  que por meio de sua voz, outros possam também tomar o Filho de  Deus, abraçá-lo, merecer as graças do perdão e do progresso,  consciente de rezando a este Deus Menino, está se rezando ao Deus  onipotente, com quem desejamos falar carregando-o em nossos braços.  A espiritualidade do Presépio também se  

expressa pela alegria do velho Simeão, homem  sábio por excelência, que reconheceu, imediatamente, como Salvador do mundo e proclamou como Luz para iluminar as nações e  glória de Israel a criancinha que recebeu em  seus braços.  

Que seja esta a nossa espiritualidade no hoje  de nossa Igreja e da sociedade.


Discurso do Papa Francisco:  Uma teologia do acolhimento e do diálogo 6 

Caros alunos e professores 

Caros Irmãos Bispos e Sacerdotes, Senhores Cardeais! 

Tenho a satisfação de encontrá-los hoje e participar desta  conferência. Eu calorosamente retribuo a saudação do caro irmão Patriarca Bartolomeu, um grande precursor da Laudato-si - há anos  precursor -, que queria contribuir para a reflexão com uma mensagem  pessoal. Obrigado a Bartolomeu, amado irmão. 

“O diálogo é, antes de tudo, um método de discernimento  e proclamação da Palavra de amor, dirigida a cada pessoa e que, no coração de cada um, quer fixar morada” 

Papa Francisco 

O Mediterrâneo desde sempre foi um lugar de trânsitos, de trocas e,  às vezes, até mesmo de conflitos. Conhecemos muitos. Este lugar hoje  nos apresenta várias questões, muitas vezes dramáticas. Elas podem  ser traduzidas em algumas perguntas que formulamos no encontro  inter-religioso de Abu-Dhabi: 

• como cuidar uns dos outros na mesma família humana? • como alimentar uma convivência tolerante e pacífica que se  traduza em autêntica fraternidade? 

• como fazer prevalecer em nossas comunidades o acolhimento do  outro e daquele que é diferente de nós porque pertence a uma  tradição religiosa e cultural diferente da nossa? 

• como as religiões podem ser formas de fraternidade em vez de  muros de separação? 

Essas e outras questões pedem para serem interpretadas em vários  níveis, e pedem um generoso empenho de escuta, de estudo e de troca  ideias para promover processos de libertação, de paz, de irmandade e  de justiça. Temos que nos convencer: trata-se de iniciar processos, não  fazer definições de espaços, ocupar espaços ... Iniciar processos. 


6 Proferido por ocasião do encontro promovido pela Pontifícia Faculdade Teológica da Itália  Meridional São Luís, Nápoles. O tema: "A teologia após a Veritatis Gaudium no contexto do  Mediterrâneo" de 21-06-2019. tradução Luisa Rabolini.



Uma teologia do acolhimento e do diálogo 

Não apologética, não os manuais, 

como ouvimos: evangelizar.  

No centro está a evangelização,  

o que não significa proselitismo  

Papa Francisco 

Durante esta Conferência, vocês primeiro analisaram contradições  e dificuldades na área do Mediterrâneo, e depois se perguntaram sobre  as melhores soluções. Nesse sentido, vocês se perguntam qual teologia  seja adequada ao contexto em que vocês vivem e trabalham. Eu diria  que a teologia, particularmente neste contexto, é chamada a ser uma teologia do acolhimento e a desenvolver um diálogo sincero com  instituições sociais e civis, com centros universitários e de pesquisa,  com os líderes religiosos e com todas as mulheres e homens de boa  vontade, para a construção na paz de uma sociedade inclusiva e fraterna e também para a custódia da criação. 

Quando no Proêmio da Veritatis Gaudium se menciona o  aprofundamento do kerygma e do diálogo como critérios de renovação  dos estudos, entende-se dizer que eles estão a serviço do caminho de  uma Igreja que coloca cada vez mais a evangelização no centro. Não  apologética, não os manuais - como ouvimos: evangelizar. No centro  está a evangelização, o que não significa proselitismo. Em diálogo com  as culturas e as religiões, a Igreja anuncia a Boa Nova de Jesus e a  prática do amor evangélico que Ele pregava como síntese de todo o  ensino da Lei, das visões dos Profetas e da vontade do Pai. 

O diálogo é, antes de tudo, um método de discernimento e  proclamação da Palavra de amor, dirigida a cada pessoa e que, no  coração de cada um, quer fixar morada. Somente ouvindo essa Palavra  e na experiência do amor que ela comunica, pode-se discernir a  atualidade do kerygma. Esse diálogo, assim entendido, é uma forma de  acolhimento. 

Gostaria de reiterar que "o discernimento espiritual não exclui as  contribuições da sabedoria humana, existencial, psicológica, sociológica e moral. Mas as transcende. Não bastam sequer as sábias  normas da Igreja. Lembremo-nos sempre de que o discernimento é  uma graça - um presente. Em suma, o discernimento leva à própria  fonte da vida que não morre, isto é, ‘conhecer o Pai, o único Deus  verdadeiro, e a quem Ele enviou, Jesus Cristo’ (cf. Jo 17, 3)."  (Exortação apostólica Gaudete et exsultate 170). 

As escolas de teologia se renovam com a prática do discernimento  e uma maneira de proceder dialógica capaz de criar um correspondente  clima espiritual e de prática intelectual. É um diálogo tanto na  colocação dos problemas quanto na busca juntos de vias de solução.  Um diálogo capaz de integrar o critério vivo da Páscoa de Jesus com o  movimento de analogia, que lê na realidade, na criação e na história,  nexos, signos e referências teológicas. Isso comporta a assunção  hermenêutica do mistério do caminho de Jesus que o leva à cruz e à  ressurreição e ao dom do Espírito. Assumir essa lógica jesuana e pascal  é indispensável para compreender como a realidade histórica e criada  é questionada pela revelação do mistério do amor de Deus. Daquele  Deus que na história de Jesus se manifesta - toda vez e dentro de cada  contradição - maior no amor e na capacidade de recuperar do mal. 

Ambos os movimentos são necessários, complementares: um  movimento de baixo para o alto que pode dialogar, com sentido de  escuta e discernimento, com cada instância humana e histórica,  levando em conta toda a dimensão do ser humano; e um movimento  do alto para baixo - onde o "alto" é aquele de Jesus elevado na cruz - que permite, ao mesmo tempo, discernir os sinais do Reino de Deus na  história e compreender de maneira profética os sinais do anti-Reino  que desfiguram a alma e a história humana. É um método que permite  - numa dinâmica constante – confrontar-se com cada instância humana  e compreender que luz cristã ilumina as dobras da realidade e quais  energias o Espírito do Crucifixo Ressuscitado está despertando, em  cada oportunidades, aqui e agora. 

O modo dialógico de proceder é o caminho para alcançar onde se  formam os paradigmas, as formas de sentir, os símbolos e as  representações das pessoas e dos povos. Chegar lá - como "etnógrafos  espirituais" da alma dos povos, vamos dizer - para poder dialogar em  profundidade e, se possível, contribuir para o seu desenvolvimento  com a anunciação do Evangelho do Reino de Deus, cujo fruto é o amadurecimento de uma fraternidade. Cada vez mais dilatada e  inclusiva. Diálogo e anúncio do Evangelho que podem ocorrer nos  moldes delineados por Francisco de Assis na Regra não bulada,  justamente logo após sua viagem ao oriente mediterrâneo. Para  Francisco há um primeiro modo em que, simplesmente, se vive como  cristãos: "O primeiro modo consiste em se absterem de rixas e disputas,  submetendo-se ‘a todos os homens por causa do Senhor’ e confessando  serem cristãos. " (XVI:FF43). Depois, há um segundo modo pela qual,  sempre dóceis aos sinais e à ação do Senhor Ressuscitado e ao seu  Espírito de paz, a fé cristã é anunciada como uma manifestação em  Jesus do amor de Deus por todos os homens. Fico impressionado com  aquele conselho de Francisco aos frades: “Preguem o Evangelho; se  necessário usem palavras”. É o testemunho! 

Essa docilidade ao Espírito implica um estilo de vida e de  proclamação sem espírito de conquista, sem vontade de fazer  proselitismo - esta é a praga! - e sem uma intenção agressiva de  refutação. Uma modalidade que entra em diálogo "de dentro" com os  homens e suas culturas, suas histórias, suas diferentes tradições  religiosas; uma modalidade que, coerentemente com o Evangelho,  inclui também o testemunho até o sacrifício da vida, como mostram os  exemplos luminosos de Charles de Foucauld, dos monges de Tibhirine,  o bispo de Oran Pierre Claverie e de tantos irmãos e irmãs que, com o  graça de Cristo, foram fiéis com mansidão e humildade e morreram  com o nome de Jesus em seus lábios e a misericórdia em seus corações.  E aqui estou pensando na não violência como horizonte e saber sobre  o mundo, ao qual a teologia deve olhar como seu elemento  constitutivo. Os escritos e práticas de Martin Luther King e Lanza del  Vasto e outros "artesãos" da paz aqui nos ajudam. Também nos ajuda  e encoraja a memória do Beato Giustino Russolillo, que foi aluno desta  Faculdade, e de Dom Peppino Diana, o jovem pároco morto pela  camorra, que também estudou aqui. E aqui gostaria de mencionar uma  síndrome perigosa, que é a "síndrome de Babel". Pensamos que a  "síndrome de Babel" seja a confusão que se origina por não entender o  que o outro está dizendo. Este é o primeiro passo. Mas a verdadeira  "síndrome de Babel" é a de não escutar o que o outro diz e de acreditar  que eu sei o que o outro o pensa e o que o outro vai dizer. Esta é a  praga!


Exemplos de diálogo para uma teologia do acolhimento 

"Diálogo" não é uma fórmula mágica, mas certamente a teologia é  ajudada na sua renovação quando o assume seriamente, quando ele é  encorajado e favorecido entre professores e alunos, bem como com as  outras formas de saber e com as outras religiões, especialmente o 

judaísmo e o islamismo. Os estudantes de teologia deveriam ser  educados ao diálogo com o judaísmo e o islamismo para entender as  raízes comuns e as diferenças de nossas identidades religiosas e, assim,  contribuir mais efetivamente para a construção de uma sociedade que  valorize a diversidade e promova o respeito, a fraternidade e a  coexistência pacífica. 

Educar os alunos nisso. Estudei no tempo da teologia decadente, da escolástica decadente, na época dos manuais. Entre nós fazíamos uma  brincadeira, todas as teses teológicas eram testadas com esse esquema,  um silogismo: 1º. As coisas parecem ser assim. 2º. O catolicismo está  sempre certo. 3º Ergo ou seja, uma teologia de tipo defensivo,  apologética, fechada em um manual. Nós brincávamos assim, mas  eram as coisas que nos apresentavam naquele tempo de escolástica  decadente. 

“A verdadeira "síndrome de Babel"  

é a de não escutar o que o outro diz 

e de acreditar que eu sei o que o outro pensa  

e o que o outro vai dizer. Esta é a praga!” 

Papa Francisco 

Buscar uma convivência pacífica dialógica. Com os muçulmanos somos chamados a dialogar para construir o futuro das nossas  sociedades e nossas cidades; somos chamados a considerá-los  parceiros para construir uma convivência pacífica, mesmo quando se  verificam episódios chocantes executados por grupos fanáticos  inimigos do diálogo, como a tragédia da última pascoa no Sri Lanka.  Ontem, o cardeal de Colombo me disse: "Depois de ter feito o que eu  tinha que fazer, percebi que um grupo de pessoas, cristãos, queria ir ao  bairro muçulmano para matá-los. Convidei o Imã comigo, de carro, e  juntos fomos lá para convencer os cristãos que somos amigos, que  aqueles são extremistas, que não são os nossos." Essa é uma atitude de  proximidade e diálogo. Formar os estudantes ao diálogo com os judeus implica educá-los no conhecimento de sua cultura, seu modo de  pensar, de sua língua, a fim de compreender e viver melhor a nossa  relação no plano religioso. Nas faculdades teológicas e nas  universidades eclesiásticas, os cursos de língua e cultura árabe e  hebraica devem ser encorajados, assim como o entendimento mútuo  entre estudante cristãos, judeus e muçulmanos. 

“Apreender sensibilidades novas: este é o desafio" 

Papa Francisco 

Eu gostaria de apresentar dois exemplos concretos de como o  diálogo que caracteriza uma teologia do acolhimento pode ser aplicado  aos estudos eclesiásticos. Primeiro de tudo, o diálogo pode ser um  método de estudo, além de um ensinamento. 

Quando lemos um texto, dialogamos com ele e com o "mundo" do  qual é expressão; e isso também se aplica a textos sagrados, como a Bíblia, o Talmud e o Alcorão. Frequentemente, então, interpretamos  um determinado texto em diálogo com outros da mesma época ou de  diferentes épocas. Os textos das grandes tradições monoteístas, em  alguns casos, são o resultado de um diálogo. Podem ocorrer casos de  textos que são escritos para responder a perguntas sobre questões  importantes da vida postas por textos que os precederam. Essa é  também uma forma de diálogo. 

O segundo exemplo é que o diálogo pode ser realizado como  hermenêutica teológica em um tempo e um lugar específicos. No nosso  caso: o Mediterrâneo no início do terceiro milênio. Não é possível ler  este espaço de forma realista, senão em diálogo e como uma ponte - 

histórica, geográfica, humana - entre a Europa, a África e a Ásia. É um  espaço em que a ausência de paz produziu múltiplos desequilíbrios  regionais e mundiais, e cuja pacificação, através da prática do diálogo,  poderia, ao contrário, contribuir enormemente para iniciar processos  de reconciliação e paz. Giorgio La Pira nos diria que se trata, para a  teologia, de uma questão de contribuir para construir sobre toda a bacia  do Mediterrâneo uma "grande tenda de paz", onde os diferentes filhos  do pai comum Abraão possam conviver em respeito mútuo. Não  esqueçamos o pai comum.


“O diálogo como hermenêutica teológica, 

pressupõe e comporta  

a escuta consciente” 

Papa Francisco 

Uma teologia do acolhimento é uma teologia da escuta O diálogo como hermenêutica teológica pressupõe e comporta a escuta consciente. Isso também significa escutar a história e a vivência  dos povos que compartilham o espaço mediterrâneo para poder  decifrar os eventos que ligam o passado ao presente e poder apreender  suas feridas junto com suas potencialidades. Em particular, trata-se de  apreender a maneira pela qual as comunidades cristãs e as existências  proféticas individuais souberam - até recentemente - encarnar da fé  cristã em contextos eventualmente de conflito, de minoria e de  convivência plural com outras tradições religiosas. 

Tal escuta deve ser profundamente interna às culturas e povos  também por outro motivo. O Mediterrâneo é precisamente o mar da  mestiçagem - se não compreendermos a mestiçagem, nunca compre enderemos o Mediterrâneo - um mar geograficamente fechado em  relação aos oceanos, mas culturalmente sempre aberto ao encontro, ao  diálogo e à inculturação recíproca. Também há a necessidade de  narrativas renovadas e compartilhadas que - a partir da escuta das  raízes e do presente - falem aos corações das pessoas, narrativas em  que seja possível reconhecer-se de maneira construtiva, pacífica e  geradora de esperança. 

“Nada se perde com o diálogo. Sempre se ganha.  

No monólogo todos perdemos” 

Papa Francisco 

A realidade multicultural e plurirreligiosa do novo Mediterrâneo é  formada com essas narrativas, no diálogo que nasce da escuta das  pessoas e dos textos das grandes religiões monoteístas e,  especialmente, na escuta dos jovens. Estou me referindo nos estudantes  de nossas faculdades de teologia, àqueles das universidades "leigas"  ou de outras inspirações religiosas. “Quando a Igreja - e, podemos  acrescentar, a teologia - abandona esquemas rígidos e se abre para uma  escuta atenta e disponível dos jovens, essa empatia a enriquece, porque  ‘permite aos jovens dar sua contribuição à comunidade, ajudando-a a apreender sensibilidades novas e propor perguntas inéditas’" (Ex. ap.  pós sin. Christus vivit, 65). Apreender sensibilidades novas: este é o  desafio. 

O aprofundamento do kerygma é feito com a experiência do diálogo que nasce da escuta e que gera comunhão. O próprio Jesus anunciou o  reino de Deus dialogando com todo tipo e categoria de pessoas do judaísmo de seu tempo: com os escribas, os fariseus, os doutores da  lei, os publicanos, os doutos, os simples, os pecadores. A uma mulher  samaritana Ele revelou, na escuta e no diálogo, o dom de Deus e sua  própria identidade: abriu-lhe o mistério de sua comunhão com o Pai e  da abundante plenitude que emana dessa comunhão. A sua divina  escuta ao coração humano abre esse coração para acolher a plenitude  do Amor e a alegria da vida. Nada se perde com o diálogo. Sempre  se ganha. No monólogo todos perdemos

Uma teologia interdisciplinar 

“Uma teologia do acolhimento  

que adota o discernimento e o diálogo sincero,  

necessita de teólogos que saibam trabalhar juntos  

e de forma interdisciplinar, superando o individualismo  no trabalho intelectual” 

Papa Francisco 

Uma teologia do acolhimento que, como método interpretativo da  realidade, adota o discernimento e o diálogo sincero, necessita de  teólogos que saibam trabalhar juntos e de forma interdisciplinar,  superando o individualismo no trabalho intelectual. Precisamos de  teólogos - homens e mulheres, presbíteros, leigos e religiosos - que,  em um enraizamento histórico e eclesial e, ao mesmo tempo, abertos  às inesgotáveis novidades do Espírito, saibam fugir das lógicas  autorreferenciais, competitivas e, de fato, ofuscantes que muitas vezes  também existem em nossas instituições acadêmicas e escondidas,  muitas vezes, entre as escolas teológicas. 

Nesse caminho contínuo de saída de si mesmo e de encontro com o  outro, é importante que o teólogos sejam homens e mulheres de  compaixão ressalto isso: que sejam homens e mulheres de compaixão  -, tocados pela vida oprimida de muitos, pelas formas de escravidão de hoje, pelos flagelos sociais, pela violência, pelas guerras e pelas  enormes injustiças sofridas por tantos pobres que vivem nas margens  desse "mar comum". Sem comunhão e sem compaixão,  constantemente alimentados pela oração - isso é importante: a teologia  só pode ser feita "de joelhos" -, a teologia não só perde a alma, mas  perde a inteligência e a capacidade de interpretar a realidade de um  modo cristão. Sem compaixão, buscada no Coração de Cristo, os  teólogos correm o risco de ser engolidos pela condição do privilégio  de quem se coloca prudentemente fora do mundo e não compartilha  nada arriscado com a maioria da humanidade. A teologia de  laboratório, a teologia pura e "destilada", destilada como água, a água  destilada, que não tem nenhum sabor. 

“Revisitar a tradição! E requestionar.  

Não nos esqueçamos de que a tradição  

é uma raiz que nos dá vida: nos transmite a vida  

para que possamos crescer e florescer, dar frutos” 

Papa Francisco 

Eu gostaria de dar um exemplo de como a interdisciplinaridade que  interpreta a história pode ser um aprofundamento do kerygma e, se  animada pela misericórdia, pode estar aberta transdisciplinaridade.  Refiro-me em particular a todas as atitudes agressivas e belicosas que  marcaram o modo de habitar o espaço mediterrâneo de povos que se  diziam cristãos. Aqui devem ser incluídas, tanto as atitudes e as  práticas coloniais que tanto moldaram a imaginação e as políticas de  tais povos, quanto as justificativas para todos os tipos de guerras, e  todas as perseguições cometidas em nome de uma religião ou suposta  pureza racial ou doutrinária. Nós também fizemos essas perseguições.  Eu me lembro, na Chanson de Roland, depois de vencer a batalha, os  muçulmanos eram enfileirados, todos na frente da pia batismal. Ali  ficava um sujeito com uma espada. E faziam eles escolherem: ou você  se batiza ou adeus! Você vai para o outro lado. Ou o batismo ou a  morte. Nós fizemos isso. Comparado a essa complexa e dolorosa  história, o método de diálogo e da escuta, guiado pelo critério  evangélico da misericórdia, pode enriquecer muito o conhecimento e  a releitura interdisciplinar, fazendo emergir também, por contraste, as  profecias de paz que o Espírito nunca deixou de despertar.


“A tradição é a garantia do futuro, não a guardiã das cinzas” Gustav Mahler 

A interdisciplinaridade como critério para a renovação da teologia  e dos estudos eclesiásticos comporta o empenho de revisitar e  requestionar continuamente a tradição. Revisitar a tradição! E  requestionar. De fato, a escuta como teólogos cristãos não acontece a  partir do nada, mas de um patrimônio teológico que - justamente dentro  do espaço mediterrâneo - afunda suas raízes nas comunidades do Novo  Testamento, na rica reflexão dos Padres e em múltiplas gerações de  pensadores e testemunhas. É aquela tradição viva que chegou até nós  que pode contribuir a iluminar e decifrar muitas questões  contemporâneas. Desde que seja relida com o desejo sincero de  purificação da memória, ou seja, sabendo discernir qual foi o veículo  da intenção originária de Deus, revelada no Espírito de Jesus Cristo, e  quanto foi, ao contrário, infiel a essa misericordiosa e salvífica  intenção. Não nos esqueçamos de que a tradição é uma raiz que nos dá  vida: nos transmite a vida para que possamos crescer e florescer, dar  frutos. Muitas vezes pensamos na tradição como em um museu. Não!  Na semana passada, ou na anterior, li uma citação de Gustav Mahler que dizia: "A tradição é a garantia do futuro, não a guardiã das cinzas".  É lindo! Vivemos a tradição como uma árvore que vive e cresce. Já no  século V, Vicente de Lérins compreendia-o bem: o crescimento da fé,  da tradição, com estes três critérios: annis consolidetur, dilatetur  tempore, sublimetur aetate. É a tradição! Mas sem tradição você não  pode crescer! Tradição para crescer, como a raiz da árvore.


Uma teologia em rede 

“A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia em rede  e, no contexto do Mediterrâneo, em solidariedade  

com todos os "náufragos" da história” 

Papa Francisco 

A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia em rede e, no  contexto do Mediterrâneo, em solidariedade com todos os "náufragos"  da história. Na tarefa teológica que nos espera, lembremos de São  Paulo e do caminho do cristianismo das origens que liga o Oriente ao  Ocidente. Aqui, muito perto de onde Paulo desembarcou, não se pode  esquecer que as viagens do Apóstolo foram marcadas por evidentes  momentos críticos, como no naufrágio no centro do Mediterrâneo (At:27,9). 

Naufrágio que faz pensar naquele de Jonas. Mas Paulo não foge e  pode, aliás, pensar que Roma seja a sua Nínive. Pode pensar em  corrigir a atitude derrotista de Jonas ao redimir sua fuga. Agora que o  cristianismo ocidental aprendeu com os tantos erros e questões críticas  do passado, pode retornar às suas fontes na esperança de poder  testemunhar a Boa Nova aos povos do oriente e do ocidente, do norte  e do sul. Teologia - manter a mente e o coração fixos no "Deus  misericordioso e clemente" (cf. Jonas 4,12) - pode ajudar a Igreja e a  sociedade civil a retomar o caminho na companhia de tantos náufragos,  encorajando as populações do Mediterrâneo a recusar toda tentação de  reconquista e fechamento identitário. Ambas nascem, se alimentam e  crescem do medo. Teologia não pode ser feita em um ambiente de  medo. 

“Teologia não pode ser feita em um ambiente de medo” Papa Francisco 

O trabalho das faculdades teológicas e das universidades  eclesiásticas contribui para a construção de uma sociedade justa e  fraterna, na qual o cuidado da criação e a construção da paz são o  resultado da colaboração entre instituições civis, eclesiais e inter 

religiosas. É antes de tudo um trabalho em "rede evangélica", ou seja,  em comunhão com o Espírito de Jesus que é o Espírito de paz, Espírito  de amor em ação na criação e nos corações de homens e mulheres de  boa vontade de toda raça, cultura e religião. Como a linguagem usada 


por Jesus para falar do Reino de Deus, assim, analogamente, a  interdisciplinaridade e o trabalho em rede querem favorecer o  discernimento da presença do Espírito do Ressuscitado na realidade. A  partir da compreensão da Palavra de Deus em seu contexto  mediterrâneo originário, é possível discernir os sinais dos tempos em  novos contextos. 

A teologia depois da "Veritatis gaudium" no contexto do  Mediterrâneo 

“Até os bons teólogos, como os bons pastores,  

têm o cheiro de povo e de rua e, com a sua reflexão,  derramam óleo e vinho nas feridas dos homens” 

Papa Francisco 

Eu enfatizei tanto a Veritatis Gaudium. Gostaria de agradecer  publicamente aqui, porque está presente, D. Zani, que foi um dos  autores deste documento. Obrigado! Qual é então a função da teologia  depois da Veritatis gaudium no contexto do Mediterrâneo? Então, qual  é a tarefa? Deve sintonizar-se com o Espírito de Jesus Ressuscitado,  com a sua liberdade de andar pelo mundo e alcançar as periferias,  mesmo aquelas do pensamento. Aos teólogos cabe a tarefa de sempre  favorecer o encontro das culturas com as fontes da Revelação e da  Tradição. As antigas arquiteturas do pensamento, as grandes sínteses  teológicas do passado são minas da sabedoria teológica, mas não  podem ser aplicadas mecanicamente às questões atuais. 

Trata-se de uma questão de valorizá-las para encontrar novos  caminhos. Graças a Deus, as fontes primeiras da teologia, isto é, a  Palavra de Deus e o Espírito Santo, são inesgotáveis e sempre  fecundas; portanto, pode-se e deve-se trabalhar na direção de um  "Pentecostes teológico", que permita às mulheres e aos homens do  nosso tempo escutar "em sua própria língua" uma reflexão cristã que  responda à sua busca de sentido e de vida plena. Para que isso aconteça,  algumas suposições são indispensáveis. 

“A teologia, pela via da misericórdia,  

defende-se da domesticação do mistério” 

Papa Francisco


Antes de mais nada, é preciso partir do Evangelho da misericórdia,  isto é, do anúncio feito pelo próprio Jesus e dos contextos originais da  evangelização. A teologia nasce no meio de seres humanos concretos,  encontrados com o olhar e o coração de Deus, que vai à sua busca com  amor misericordioso. Até mesmo fazer teologia é um ato de  misericórdia. Gostaria de repetir aqui, desta cidade onde não há apenas  episódios de violência, mas que conserva tantas tradições e tantos  exemplos de santidade – além de uma obra-prima de Caravaggio sobre  as obras de misericórdia e o testemunho do santo médico Giuseppe  Moscati - gostaria de repetir o que escrevi na Faculdade de Teologia  da Universidade Católica da Argentina: “Até os bons teólogos, como  os bons pastores, têm o cheiro de povo e de rua e, com a sua reflexão,  derramam óleo e vinho nas feridas dos homens. Que a teologia seja  expressão de uma Igreja que é ‘hospital de campo’, que vive sua  missão de salvação e cura no mundo! A misericórdia não é apenas uma  atitude pastoral, mas é a própria substância do Evangelho de Jesus.  Encorajo vocês a estudar como, nas várias disciplinas - dogmática,  moral, espiritualidade, direito e assim por diante - pode ser refletida a  centralidade da misericórdia. Sem misericórdia, a nossa teologia, o  nosso direito, nosso cuidado pastoral correm o risco de desmoronar na  mesquinhez burocrática ou na ideológica, que por sua natureza quer  domesticar o mistério". A teologia, pela via da misericórdia, defende se da domesticação do mistério. 

Em segundo lugar, é necessária uma séria assunção da história  dentro da teologia, como espaço aberto ao encontro com o Senhor. "A  capacidade de vislumbrar a presença de Cristo e o caminho da Igreja  na história nos tornam humildes e nos afastam da tentação de nos  refugiarmos no passado para evitar o presente. E essa foi a experiência  de tantos estudiosos, que começaram, eu não digo ateus, mas um tanto  agnósticos, e depois encontraram Cristo. Porque a história não poderia  ser entendida sem essa força". 

“É indispensável dotar-se de estruturas leves e flexíveis,  que manifestem a prioridade dada ao acolhimento e ao diálogo,  ao trabalho interdisciplinar e transdisciplinar e em rede” Papa Francisco


A liberdade teológica é necessária. Sem a possibilidade de  experimentar novos caminhos, nada de novo se cria, e não resta espaço  para a novidade do Espírito do Ressuscitado: "A quantos sonham com  uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá  parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade  ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da  riqueza inesgotável do Evangelho" (Exortação Apostólica Evangelii  gaudium, 40). Isso também significa uma revisão adequada da ratio  studiorum. Sobre a liberdade de reflexão teológica, eu faria uma  distinção. Entre os estudiosos, é preciso avançar com liberdade;  depois, em última análise, será o magistério a dizer algo, mas uma  teologia não pode ser feita sem essa liberdade. Mas, ao pregar ao Povo  de Deus, por favor, não ferir a fé do Povo de Deus com questões  controversas! As questões controversas devem permanecer apenas  entre os teólogos. É o seu trabalho. Mas para o povo de Deus é  necessário dar a substância que alimenta a fé e que não a relativiza. 


Finalmente, é indispensável dotar-se de estruturas leves e flexíveis,  que manifestem a prioridade dada ao acolhimento e ao diálogo, ao  trabalho interdisciplinar e transdisciplinar e em rede. Os estatutos, a  organização interna, o método de ensino e a ordenação dos estudos  deveriam refletir a fisionomia da Igreja “em saída”. Tudo deve ser  orientado nos tempos e nas maneiras de favorecer, tanto quanto  possível, a participação daqueles que desejem estudar teologia: além  de seminaristas e dos religiosos, também mulheres e homens leigos e  religiosos. Em particular, a contribuição que as mulheres estão dando  e pode dar à teologia é indispensável e sua participação deve, portanto,  ser apoiada, como fazem nesta Faculdade, onde há uma boa  participação de mulheres como professoras e como estudantes. 


“Os estatutos, a organização interna,  

o método de ensino e a ordenação dos estudos  

deveriam refletir a fisionomia da Igreja "em saída" Papa Francisco 


Este belíssimo lugar, sede da Faculdade teológica dedicada a São  Luís, cuja festa é celebrada hoje, é um símbolo de uma beleza a ser  compartilhada, aberta a todos. Sonho Faculdades reológicas onde se  viva a convivência das diferenças, onde se pratique uma teologia do  diálogo e do acolhimento; onde se experimente o modelo do poliedro do saber teológico em vez de uma esfera estática e desencarnada. Onde  a pesquisa teológica seja capaz de promover um processo de  inculturação desafiador, mas cativante. 

Os critérios do Proemio da Constituição Apostólica Veritatis  Gaudium são critérios evangélicos. O kerygma, o diálogo, o  discernimento, a colaboração, a rede – eu acrescentaria também a  parrésia, que foi citada como critério, que é a capacidade de estar no  limite, junto com o hypomoné, de tolerar, estar no limite para ir para a  frente - são elementos e critérios que traduzem o modo como o  Evangelho foi vivido e anunciado por Jesus e com o qual também pode  ser transmitido hoje pelos seus discípulos. 

A teologia após a Veritatis gaudium é uma teologia kerygmática,  uma teologia do discernimento, da misericórdia e do acolhimento, que  é colocada em diálogo com a sociedade, as culturas e as religiões para  a construção da convivência pacífica de pessoas e povos. O 

Mediterrâneo é a matriz histórica, geográfica e cultural do acolhimento  kerygmático praticado com o diálogo e com a misericórdia. Dessa  pesquisa teológica, Nápoles é exemplo e um laboratório especial. Bom  trabalho!


NOTÍCIAS

PACTO DAS CATACUMBAS PELA CASA COMUM 

Por uma Igreja com rosto amazônico,  

pobre e servidora, profética e samaritana  

Nós, participantes do Sínodo Pan-amazônico, partilhamos a alegria  de habitar em meio a numerosos povos indígenas, quilombolas,  ribeirinhos, migrantes, comunidades na periferia das cidades desse  imenso território do Planeta. Com eles temos experimentado a força  do Evangelho que atua nos pequenos. O encontro com esses povos nos  interpela e nos convida a uma vida mais simples de partilha e  gratuidade. Marcados pela escuta dos seus clamores e lágrimas,  acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco: 

“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes  pesadas e aguardam pela consolação libertadora do  Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles,  com eles, caminhemos juntos”7

Evocamos com gratidão aqueles bispos que, nas Catacumbas de  Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, firmaram o Pacto  por uma Igreja servidora e pobre8. Recordamos com veneração todos  os mártires membros das comunidades eclesiais de base, de pastorais  e movimentos populares; lideranças indígenas, missionárias e  missionários, leigas e leigos, padres e bispos, que derramaram seu  sangue, por causa desta opção pelos pobres, por defender a vida e lutar  pela salvaguarda da nossa Casa Comum9. À gratidão por seu heroísmo  unimos nossa decisão de continuar sua luta com firmeza e coragem. É  

7 Homília do Papa Francisco na Missa de abertura do Sínodo, Roma 06-10-2019 8 Pacto por uma Igreja servidora e pobre. Catacumbas de Santa Domitila, Roma 16 de  novembro de 1965. O Pacto assinado por 42 concelebrantes, recebeu em seguida a adesão de  cerca de 500 padres conciliares. 

9 DAp 98, 140, 275, 383, 396. 


um sentimento de urgência que se impõe ante as agressões que hoje  devastam o território amazônico, ameaçado pela violência de um  sistema econômico predatório e consumista.  

Diante da Trindade Santa, de nossas Igrejas particulares, das Igrejas da  América Latina e do Caribe e daquelas que nos são solidárias na África,  Ásia, Oceania, Europa e no norte do continente americano, aos pés dos  apóstolos Pedro e Paulo e da multidão dos mártires de Roma, da América  Latina e em especial da nossa Amazônia, em profunda comunhão com o  sucessor de Pedro, invocamos o Espírito Santo, e nos comprometemos  pessoal e comunitariamente com o que se segue:  

1. Assumir, diante da extrema ameaça do aquecimento global e da  exaustão dos recursos naturais, o compromisso de defender em  nossos territórios e com nossas atitudes a floresta amazônica em pé.  Dela vêm as dádivas das águas para grande parte do território sul 

americano, a contribuição para o ciclo do carbono e regulação do  clima global, uma incalculável biodiversidade e rica socio  diversidade para a humanidade e a Terra inteira. 

2. Reconhecer que não somos donos da mãe terra, mas seus filhos e  filhas, formados do pó da terra (Gn 2, 7-8) 10, hóspedes e  

107 Então o SENHOR Deus formou o ser humano com o pó do solo, soprou-lhe nas narinas  o sopro da vida e Ele tornou-se um ser vivente. 8 Depois, o Senhor Deus plantou um jardim  em Éden, a oriente, e pôs ali o homem que havia formado”.


peregrinos (1 Pd 1, 17b e 1 Pd 2, 11)11, chamados a ser seus zelosos  cuidadores e cuidadoras (Gn 1, 26)12. Para tanto, comprometemo nos com uma ecologia integral, na qual tudo está interligado, o  gênero humano e toda a criação porque a totalidade dos seres são  filhas e filhos da terra e sobre eles paira o Espírito de Deus (Gn 1,  2).  

3. Acolher e renovar a cada dia a aliança de Deus com todo o criado:  “De minha parte, vou estabelecer minha aliança convosco e com  vossa descendência, com todos os seres vivos que estão  convosco, aves, animais domésticos e selvagens, enfim, com  todos os animais da terra que convosco saíram da arca (Gn 9,  9-10 e Gn 9, 12-1713). 

4. Renovar em nossas igrejas a opção preferencial pelos pobres, em  especial pelos povos originários, e junto com eles garantir o  direito de serem protagonistas na sociedade e na Igreja. Ajudá los a preservar suas terras, culturas, línguas, histórias,  identidades e espiritualidades. Crescer na consciência de que  estas devem ser respeitadas local e globalmente e,  consequentemente favorecer, por todos os meios ao nosso  alcance, que sejam acolhidas em pé de igualdade no concerto  mundial dos demais povos e culturas.  

5. Abandonar, como decorrência, em nossas paróquias, dioceses e  grupos toda espécie de mentalidade e postura colonialista,  acolhendo e valorizando a diversidade cultural, étnica e  linguística num diálogo respeitoso com todas as tradições  espirituais. 

11 “... vivei no temor o tempo de vossa permanência como migrantes” (1 Pd 1, 17b) e  “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros...” (1 Pd, 2, 11). 

12 26 Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para  que domine [cuide] sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os  animais selvagens e todos os animais que 

se movem pelo chão’. 27 Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou”. 13 12 E Deus disse: “Eis o sinal da aliança que estabeleço entre mim e vós e todos os seres  vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras. 13 Ponho meu arco nas nuvens, como  sinal de aliança entre mim e a terra. 14 Quando eu cobrir de nuvens a terra, aparecerá o  arco-íris nas nuvens. 15 Então me lembrarei de minha aliança convosco e com todas as  espécies de seres vivos, e as águas não se tornarão mais um dilúvio para destruir toda carne.  16 Quando o arco-íris estiver nas nuvens, eu o contemplarei como recordação da aliança  eterna entre Deus e todas as espécies de seres vivos sobre a terra”. 17 Deus disse a Noé:  “Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda a carne sobre a terra”.


6. Denunciar todas as formas de violência e agressão à autonomia  e direitos dos povos originários, à sua identidade, aos seus  territórios e às suas formas de vida. 

7. Anunciar a novidade libertadora do evangelho de Jesus Cristo,  na acolhida ao outro e ao diferente, como sucedeu com Pedro na  casa de Cornélio: “Vós bem sabeis que a um judeu é proibido  relacionar-se com um estrangeiro ou entrar em sua casa. Ora,  Deus me mostrou que não se deve dizer que algum homem é  profano ou impuro” (At 10, 28)14

8. Caminhar ecumenicamente com outras comunidades cristãs no  anúncio inculturado e libertador do evangelho, e com as outras  religiões e pessoas de boa vontade, na solidariedade com os  povos originários, com os pobres e pequenos, na defesa dos seus  direitos e na preservação da Casa Comum 

9. Instaurar em nossas igrejas particulares um estilo de vida  sinodal, onde representantes dos povos originários, missionários  e missionárias, leigos e leigas, em razão do seu batismo, e em  comunhão com seus pastores, tenham voz e voto nas assembleias  diocesanas, nos conselhos pastorais e paroquiais, enfim em tudo  que lhes compete no governo das comunidades. 

10. Empenhar-nos no urgente reconhecimento dos ministérios  eclesiais já existentes nas comunidades, exercidos por agentes de  pastoral, catequistas indígenas, ministras e ministros e da  Palavra, valorizando em especial seu cuidado em relação aos  mais vulneráveis e excluídos. 

11. Tornar efetiva nas comunidades a nós confiadas a passagem de  uma pastoral de visita a uma pastoral de presença, assegurando  que o direito à Mesa da Palavra e à Mesa de Eucaristia se torne  efetivo em todas as comunidades.  

12. Reconhecer os serviços e a real diaconia do grande número de  mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia e procurar  consolidá-los com um ministério adequado de mulheres  dirigentes de comunidade. 

14 4 Então, Pedro tomou a palavra: “De fato”, disse, “estou compreendendo que Deus não faz  discriminação entre as pessoas. 35 Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça,  qualquer que seja a nação a que pertença (At 10, 34-35).


13. Buscar novos caminhos de ação pastoral nas cidades onde  atuamos, com protagonismo de leigos e jovens, com atenção às  suas periferias e aos migrantes, aos trabalhadores e aos  desempregados, aos estudantes, educadores, pesquisadores e ao  mundo da cultura e da comunicação15

14. Assumir diante da avalanche do consumismo um estilo de vida  alegremente sóbrio, simples e solidário com os que pouco ou  nada tem; reduzir a produção de lixo e o uso de plásticos,  favorecer a produção e comercialização de produtos  agroecológicos, utilizar sempre que possível o transporte  público. 

15. Colocar-nos ao lado dos que são perseguidos pelo profético  serviço de denúncia e reparação de injustiças, de defesa da terra  e dos direitos dos pequenos, de acolhida e apoio a migrantes e  refugiados. Cultivar amizades verdadeiras com os pobres, visitar  as pessoas mais simples e os enfermos, exercitando o ministério  da escuta, da consolação e do apoio que trazem alento e renovam  a esperança.  

Conscientes de nossas fragilidades, de nossa pobreza e pequenez  diante de tão grandes e graves desafios, confiamo-nos à oração da  Igreja. Que sobretudo nossas Comunidades Eclesiais nos socorram  

15 Cfr. DSD 302.1.3


com sua intercessão, afeto no Senhor e, sempre que necessário, com a  caridade da correção fraterna. 

Acolhemos de coração aberto o convite do Cardeal Hummes para  nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo nestes dias do Sínodo e no  retorno às nossas igrejas: 

“Deixem-se envolver no manto da Mãe de Deus e Rainha da  Amazônia. Não deixemos que nos vença a auto-referencialidade, mas  sim a misericórdia diante do grito dos pobres e da terra. Será  necessária muita oração, meditação e discernimento, além de uma  prática concreta de comunhão eclesial e espírito sinodal. Este sínodo  é como uma mesa que Deus preparou para os seus pobres e nos pede  a nós que sejamos aqueles que servem à mesa16.  

Celebramos esta Eucaristia do Pacto como “um ato de amor  cósmico. “Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno  altar duma igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo  modo, sobre o altar do mundo”. A Eucaristia une o céu e a terra,  abraça e penetra toda a criação. O mundo saído das mãos de Deus,  volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico “a criação  propende para a divinização, para as santas núpcias, para a  unificação com o próprio  

Criador”. “Por isso, a  

Eucaristia é também fonte  

de luz e motivação para as  

nossas preocupações pelo  

meio ambiente, e leva-nos a  

ser guardiões da criação  

inteira”.17 

Catacumbas de Santa  

Domitila 

Roma, 20 de outubro de  

2019. 

16 HUMMES, Card. Cláudio, 1ª. Congregação Geral do Sínodo Amazônico, Relação  introdutória do Relator Geral, Roma, 07-10-2019 (BO 792). 

17 Laudato Si’, 237.


AGENDA 2019 - 2020 

Reunião do Conselho da Fraternidade 

Data: Dia 17 a 20 de agosto 2020 

Local: a definir, em São Paulo 

Próxima Assembleia Pan Americana 

Data: 20 a 24 de setembro de 2021 

Local: Argentina 

Participantes: a escolher oportunamente. 

COLABORAÇÃO ANUAL  

Lembramos aos membros das diversas fraternidades do Brasil o  compromisso de colaborar financeiramente, uma vez ao ano, com  10% do seu salario mensal, para a manuteção da Fraternidade. 

Calcule o valor e faça sua colaboração no Encontro Regional da sua  Fraternidade. No entanto, se necessário, sua colaboração também pode ser feita no Retiro Anual, com o tesoureiro da Fraternidade. 

FAÇA SUA ASSINATURA ANUAL DO BOLETIM OU RENOVE SUA ASSINATURA  (VEJA OS DETALHES ATUALIZADOS NO ÚLTIMO BOLETIM PUBLICADO, POR FAVOR)


Li, ASSISTI e INDICO

INDICAÇÃO DE LIVROS 

Recuperar o projeto de Jesus, José Antônio Pagola. Ed Vozes, 2019. 

Espiritualidade do Padre Diocesano, Humberto Robson de Carvalho  e Fernando Lorenz. Ed Paulus, 2019. 

Conscientização e Purificação, Ed CNBB, 2019. 

INDICAÇÃO DE SITES 

https://sites.google.com/site/jesuscaritascarlosdefoucauld

 https://gritaroevangelho.blogspot.com/ 

www.vatican.va 

blog:www.hermanitasdejesus.org/brasil/brasilnuestrahistoria.htm htpp://www.ihu.unisinos.br 

htpp://www.cartacapital.com 

agencia.ecclesia.pt 

portalcatolico.org.br 

INDICAÇÃO DE FILMES 

Filme: The Farewell 

Esse filme aqui está com 100% no Rotten Tomatoes e a sinopse já  entrega que a ideia é fazer com que o choro corra solto. Uma família  descobriu que a avó está com uma doença em estado terminal, mas não  contou para ela. Em vez disso, os filhos e netos arrumaram um  casamento de última hora para a matriarca. A intenção era reunir todos  os amigos e parentes dela uma última vez. A forma como lidam com  temas relacionados a família e amor é ao mesmo tempo divertida e  super emocionante. Filme meio americano, meio chinês. 



FAMILIA ESPIRITUAL DO IRMÃO CARLOS DE FOUCAULD NO BRASIL (VEJA A LISTA ATUALIZADA NO ÚLTIMO BOLETIM PUBLICADO, POR FAVOR).