SÁBADO SANTO

Sábado Santo: O que o Sábado Santo nos ensina?

João 19,38-42 Mc 15,42-47.

Pe Adroaldo

É Sábado e Jerusalém voltou à sua normalidade: nada mudou, ao menos aparentemente, na história. Silêncio gélido, desconcerto, frustração e indiferença cobrem a cidade santa como um manto de densa neblina.

Como seguidores(as) de Jesus vivemos nossos adventos, natais, quaresmas, páscoas e pentecostes; vivemos nossas sextas-feiras; é preciso aprender a viver o incômodo silêncio dos sábados santos.

No caminho do seguimento de Jesus há “Sábados Santos”, tanto no nível pessoal como comunitário: passamos por contínuas mortes, noites escuras, crises, silêncios carregados de tristeza, falta de esperança, dúvidas de fé, fracassos, traumas...

A humanidade inteira vive um grande “Sábado Santo”; há uma espera angustiada dos povos. Envolve-nos a “noite sabática”, que deve re-alimentar a paixão pela vida.

Sábado Santo da dor, da tristeza, do fracasso..., mas também Sábado Santo da espera e da esperança.

É o Sábado Santo que nos abre às surpresas de Deus.

Onde encontrar, então, a razão, o segredo e o sentido deste dia que dá a sensação de um “dia morto”?

Certamente está neste fato: se o Crucificado não tivesse descido até os “infernos” da vida, em quem os homens e as mulheres que ali vivem poderiam se apoiar? A quem poderiam ter por companheiro, amigo e irmão? De quem poderiam sentir uma presença consoladora?

Somente porque Jesus desceu nos “infernos” da vida é que pode salvar-nos deles, transformá-los em caminho. “Porque foi provado no sofrimento, pode ajudar os que são provados” (Heb. 2,18).

Os “crucificados da história”, os sofredores e as vítimas são lugar de encontro, sempre e para todos; eles são sacramento do mundo que Jesus veio transformar, porque não corresponde ao que o Pai sonhou a respeito deste mesmo mundo; são um compromisso obrigatório para encontrar Aquele que viveu a verdadeira Paixão em favor da vida.

Talvez nem todos possamos estar ao lado das vítimas e dos últimos, próximos deles, participando de sua vida. No entanto, todos devemos estar a favor deles, junto Àquele que, na sua morte, faz-se solidário com todos e caminha ao lado de todos eles.

As “mediações” que Deus utiliza em sua ação salvífica são o amor humilde, a pobreza solidária e a participação no sofrimento humano. Loucuras do amor de Deus. Só o amor que se entrega, salva.

É em sua morte na Cruz que Jesus desce até o extremo de sua condição humana. Com estas duas palavras, “descer” e “subir”, o evangelista João descreve o mistério da Redenção realizada por Cristo.

“Ninguém subiu ao céu senão Aquele que desceu do céu, o Filho do Homem” (Jô. 3,13)

A Igreja primitiva viu a “descida entre os mortos” como paradigma da Redenção. No Sábado de Aleluia, ela lembra este “descer” às profundezas da terra e da humanidade.

Na “descida aos infernos”, lá onde o ser humano chegou ao extremo, onde ele se encontra excluído de toda comunicação e comunhão, onde não pode fazer mais coisa alguma, aí Jesus o toma pelas mãos e ressurge com ele para a vida. Jesus Cristo acolheu tudo quanto é humano e desta maneira tudo redimiu. Ele “subiu” ao céu porque “desceu” às profundezas da terra.

A descida aos “infernos” é imagem da descida de Jesus às regiões sombrias de nossa existência.

Descobrimo-Lo presente nos nossos “infernos interiores. As profundezas de nosso ser se iluminam, e tudo quanto foi reprimido, recalcado, ferido... é tocado e assumido por Jesus e nos desperta para a vida.

É preciso descer, com Jesus, ao túmulo de nossa interioridade, transitar pelos espaços e dimensões não integradas. Só quem desce às profundezas de si mesmo é capaz de vislumbrar potencialidades de vida que não foram ativadas. É preciso morrer ao “ego”, “descer” aos “infernos” interiores e sociais para expandir a vida em novas direções.

“Descer” e “subir”, portanto, são imagens para descrever o processo de transformação realizado por Jesus morto, e também sepultado, no interior de cada um de nós.

Se com Ele quisermos subir ao Pai, temos primeiro de descer com Ele à terra, afundar os pés na nossa própria condição humana. Não podemos subir ao céu se não estivermos dispostos a descer com Jesus aos nossos “húmus”, às nossas sombras, à condição terrena, ao inconsciente, à nossa fraqueza humana.

Nós “subimos” a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e da humildade, da mansidão e da misericórdia.

O coração, a quem nada do que é “humano” lhe é estranho, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma e ressuscita tudo o que é humano.

Ao fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, vamos ao encontro de nossa realidade e nos colocamos diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto em nós existe, para que sejamos totalmente perpassados pelo Espírito de Deus.

O evangelista João nos diz que Jesus, após sua crucifixão, foi colocado em um “sepulcro novo”.

O sepulcro representa a “passagem” entre o antigo e o novo. Ao ser fechado com uma pedra, no entardecer da Sexta-Feira Santa, encerrava-se um ciclo. Ao se abrir, na madrugada do domingo, inaugura-se um novo tempo, uma nova Criação. Os sinais estão ali, no ventre aberto da Terra. Sinais que podem ser mudos para nós e fazendo-nos deter no passado, ou podem ser umbral de novas significações.

Neste Sábado Santo, situemo-nos junto ao sepulcro, lugar onde tivemos os últimos sinais ou notícias d’Aquele que foi fiel até o fim. Ali podemos permanecer com as velhas interpretações ou podemos nos dispor a acolher a surpresa que irrompe, o novo que quebra o que é caduco e sem sentido.

“O Sábado Santo é o tempo de uma gravidez: podemos dizer de uma “segunda gestação” de Jesus Cristo. Se a “primeira gestação” de Jesus foi a entrada de Deus na carne humana, no Shábbat se gesta a divinização do ser humano e da história na carne de Deus. O sepulcro é o ventre da terra onde foi sepultado o cadáver de Jesus. Nesse corpo inerte, torturado e deformado, acontecerá uma metamorfose. Ali a matéria se divinizará. Toda a criação, contida na corporeidade de Jesus, é chamada a ressuscitar. O Verbo se fez carne para que a Carne se divinize.

Tudo isso acontecerá secreta e simbolicamente entre o Shábbat e a alvorada de uma nova criação. A terra está ameaçada e grávida de ressurreição.

O Sepulcro era novo, dizem os relatos, como virgem era o ventre de Maria. Disponível, inocente, livre. O vazio como possibilidade, como fecundidade: “Feliz tu, cheia de graça, porque está vazia de ti mesma. Teu espaço interior te faz matriz do Verbo, da Palavra pela qual Deus se historiza”.

Assim como as entranhas de Maria albergaram o primeiro nascimento de Jesus, as entranhas da Terra e da história albergam as sementes de seu segundo nascimento.

O sepulcro é uma manjedoura de vida nova, de humanidade inaugurada por uma Presença nascente. Tudo está grávido de ressurreição”. (Javier Melloni – El Cristo interior – Herder).

Sábado Santo ajuda a dar sentido à solidão: há solidão vazia, que deprime, mas há solidão (solitude) que nos faz ter acesso às dimensões desconhecidas de nossa vida... As experiências de fracasso, de crise, de desolação... ativam outros recursos e nos motivam a purificar nossa adesão a Deus.

S. Inácio nos convida a passar este dia na casa de Maria, em comunhão com seus sentimentos e sua esperança.

É a única que tem certeza de que a Vida do seu Filho não permanece na morte.

Sua atitude revela-se antecipadora da Ressurreição, assim como ela antecipou o primeiro “sinal” de Jesus nas Bodas de Caná.

O que se passou?

Sábado, 16 de abril de 2022: Vigília Pascal - Ano C

Marcel Domergue

A Vigília Pascal é a matriz da nossa identidade cristã. Nesta noite, viemos celebrar o milagre dos milagres, para que o Senhor nos regenere em seu amor. Façamos de cada momento da celebração um passo a mais em direção à vida.

Temos, no início, um profeta galileu que fez certo barulho; barulho, aliás, que não teve eco fora da pequena região que vai da Galileia até à Judeia. Surpreendeu, contudo, os seus contemporâneos a ponto de terem levantado a questão da sua identidade: «Quem é ele?» «De onde teria vindo?». Cercou-se de discípulos e inquietou de tal modo as autoridades locais vigentes que foi o bastante para o conduzirem à morte. Ninguém, no entanto, escreve uma linha sequer sobre ele, naquele momento: nada que se assemelhe às nossas reportagens ou artigos. Tudo está inscrito nas memórias. E eis que surge uma notícia surpreendente: ele voltou a viver. Sempre se podem dizer coisas deste tipo, podendo-se encontrar testemunhas que irão afirmar terem visto o ressuscitado. Pascal até pode dizer que, havendo testemunhas que se deixem matar para sustentarem seu testemunho, então ele acredita. Mas isto não nos convence totalmente. Notemos, porém, que, mesmo havendo pessoas que são capazes de afrontarem a morte para sustentar uma causa ou uma ideia, poucos são os que são capazes de morrer para atestarem um fato simplesmente.

O que mais surpreende vem em seguida.

Este tipo de notícia jamais movimentou muitas pessoas. O que no caso de Jesus é único, uma exceção, é que, miste­riosamente, pessoas em número cada vez maior tivessem passado a acreditar nisto. «Misteriosamente» porque, de um lado, este fato é inacreditável. E, do outro, os destinatários desta mensagem têm apenas a palavra e os atos das testemunhas, para fundamentarem a sua fé. A ressurreição de Jesus não é uma «prova» e não há prova: ela é um apelo à fé. Outro fato único é o dinamismo extraordinário que se apoderou das testemunhas. O que se pode dizer é que elas se libertaram. Foram tomadas por um dinamismo que, não só as fazem falar e agir, mas que, também, concedeu-lhes uma espécie de poder sobre as coisas (ver os milagres, os «sinais» relatados nos Atos dos Apóstolos). O poder que ressuscitou Jesus está em operação também nos crentes! E é aí que se pode tocá-la com o dedo. Estas testemunhas são judeus: que descobrem que esta ressurreição está em coerência com tudo o que leram nas Escrituras; que era isto o que estava sendo preparado; que toda esta história devia resultar nisto mesmo: Jesus ressuscitou «conforme as Escrituras»; e elas assim «se cumpriram».

E isto continua

Eis, pois, testemunhas conscientes de que estão de posse da chave de toda a história. Este Jesus que está aí desde o princípio, já que a história toda prepara a sua vinda (a Bíblia revela não somente o sentido da história de Israel, mas, a partir de Israel, o sentido da história do mundo todo), este Jesus é também o homem do término. Por ora, ainda estamos a caminho, mas para encontrá-lo ali onde Ele está; para nos juntarmos à sua ressurreição. E é aí que o dinamismo de que falei (uma palavra bastante imprópria) nos conduz. O dinamismo é o próprio Espírito. A Palavra vai fazer-se escrita: um escrito que sai da comunidade dos crentes, portadores do Espírito; um escrito, também, a partir do qual a comu­nidade se constitui e se perpetua. Este escrito vai ser redigido de modo a nos mostrar que o Cristo é a Palavra que funda, sustenta, conduz e preenche todo o universo. O Corpo dos crentes é o lugar onde o Cristo-Palavra ganha carne.

E agora

Falando dos discípulos de Cristo, o doutor da Lei Gamaliel dizia: «Varões de Israel, atentai bem no que fareis a estes homens (...) deixai de ocupar-vos com estes homens; soltai-os. Pois, se o seu intento ou sua obra provém dos homens, destruir-se-á por si mesma; se vem de Deus, porém, não podereis destruí-los. Não aconteça que vos encontreis movendo guerra a Deus» (Atos 5,35-39). Este é o ponto no qual estamos: nada pode «destruir este intento, esta obra». O milagre dos milagres, este que confere testemunho ao poder da Ressurreição, é que vinte séculos após a morte de Jesus de Nazaré, homens e mulheres se ponham a crer. A «prova» da fé é a nossa mesma fé. Uma fé «no Deus que faz viver os mortos» (Romanos 4,17). O milagre é que a Palavra continua a se dar um Corpo, que tem o nome de Igreja.

Marcel Domergue, jesuíta (1922-2015)

Tradução livre de www.croire.com pelos irmãos Lara

Lucas 24.1-12

Gerd Uwe Kliewer

Ao formular o relato de Lc 24,1-12, o evangelista Lucas tinha diante de si o relato do evangelista Marcos. Mas na sua obra, que continua com Atos dos Apóstolos, esta perícope tem outra posição que em Marcos e também Mateus. Para estes, o relato das mulheres que encontram o túmulo vazio e recebem o anúncio da ressurreição de Jesus está no fim do Evangelho, enquanto que para Lucas ele é o centro da história que ele conta, que continua em Atos dos Apóstolos. Ele continua falando da ressurreição mais adiante, p. ex. no texto Atos 10 que acompanha a perícope deste domingo.

Lucas difere em alguns pontos em comparação com Marcos. É todo um grupo de mulheres, discípulas de Jesus desde a Galiléia (Lc 8,1-3) e testemunhas de sua paixão e morte, que vão ao túmulo, trazendo os aromas que haviam preparado, entre elas também as mulheres nominadas por Marcos (v.10). É madrugada, não o raiar do dia, como em Marcos. São dois os anjos que os esperam no túmulo. Estes, de maneira didática, as fazem relembrar o que Jesus mesmo tinha anunciado a respeito da sua morte e ressurreição. Em Marcos, as mulheres não acreditam no anúncio da ressurreição, fogem apavoradas e não dizem nada aos discípulos. Em Lucas, as mulheres aceitam o anúncio da ressurreição, e anunciam o que viram e ouviram aos onze discípulos e outros seguidores de Jesus. Mas estes acham que é bobagem, não acreditam no que as mulheres relatam. E Pedro, que corre para o túmulo, apenas fica perplexo e não consegue entender o que aconteceu.

No fim da nossa perícope, apenas as mulheres crêem na ressurreição de Jesus. Para convencer os homens incrédulos, Deus é obrigado a usar chumbo mais grosso. Jesus ressuscitado, em corpo e alma, precisa apresentar-se para despertar-lhes a fé. E para vencer as suas dúvidas, precisa comer, para provar que não é um espírito, uma aparição imaterial. Lucas gasta o restante do capítulo 24 para descrever este processo.

Considerações a partir do texto:

1. Ninguém viu a ressurreição de Jesus Cristo acontecer. Apesar de Jesus mesmo ter anunciado a sua morte e ressurreição (Lc 9,22 e outros), após a sua morte na 6ª Feira Santa nenhum dos seus seguidores, nenhuma das suas seguidoras parece ter esperado por ela. A fé na ressurreição começa no túmulo vazio com o anúncio dos anjos às mulheres que aceitam este anúncio. E é despertada nos discípulos descrentes pelo encontro pessoal com o Jesus ressurreto. Este encontro lhes muda a visão, lhes dá compreensão e a coragem, a convicção e a fé de anunciar a ressurreição de Cristo, como faz, p. ex., Pedro em Atos 10,40s. E também Paulo baseia a sua pregação no encontro “fora do tempo” com o Ressurreto no caminho para Damasco (veja 1 Co 15,8). Portanto, não é fé na ressurreição, mas fé em Jesus que ressurgiu da morte, depois de viver entre os homens, sofrer e morrer na cruz pelos pecados da humanidade, e que, depois do encontro com os discípulos, é levado ao céu, à direita de Deus Pai. É este o conjunto que está englobado na fé em Jesus ressurreto. E a esta fé junta-se a fé na ressurreição dos mortos, já bem antes de serem redigidos os evangelhos, como mostra a terceira leitura bíblica deste domingo, 1.Co 15,19-26, complementada pela visão do Cristo ressurreto sentado à direita de Deus Pai, julgando “os vivos e os mortos”.

2. Portanto, não são fatos, mas fé que pregamos no Domingo de Páscoa. De fatos históricos comprováveis mesmo temos somente o túmulo vazio (mas veja o item 5.4 deste auxílio!). Tudo o mais são testemunhos. A não ser que queiramos considerar como fato a transformação da comunidade atemorizada e desanimada, prestes a debandar, num grupo cheio de esperança, na expectativa de novas ordens, de novos desafios colocados pelo seu Senhor. Significa isto que a fé cristã pode prescindir da ressurreição de Jesus Cristo como um fato? Não, afirmamos que a ressurreição é real, é fato, mas esta afirmação não se baseia em prova histórica, mas na experiência transformadora que o encontro com o Ressurreto produz entre os seguidores e as seguidoras de Jesus, experiência que se repete até hoje naquelas pessoas que nele crêem.

3. O Cristo Ressurreto não foi visto no túmulo. O anjo, que conforme Mateus, removeu a pedra, o faz para que os que chegam ao túmulo possam entrar e ver que ele está vazio. O Ressurreto aparece, conforme João, à Maria Madalena, quando ela volta triste e desesperada do túmulo. Em Lucas. caminha com os dois discípulos deprimidos para Emaús. Junta-se à comunidade atemorizada reunida em Jerusalém. Pode-se dizer que é visto lá onde há pessoas que precisam de consolo, orientação e reanimação. Aparece para trazer esperança e vida. Não há clareza sobre a localização do túmulo em que o corpo de Jesus foi colocado. Há dois lugares em Jerusalém que são apontados. Quase 300 anos depois da crucificação, Helena, a mãe do Imperador Constantino, empenhou-se em recuperar o lugar. No local que lhe fora indicado, construiu a Capela da Ressurreição, com recursos doados pelo imperador. Afinal, tratava-se de lembrar alguém que vive. Mais tarde foi encontrado outro túmulo, considerado mais provável. Mas qual a importância de saber o lugar exato? Pela fé no Cristo Ressurreto sabemos que ele não permaneceu no túmulo. Portanto, a cristandade não venera um túmulo nem uma lápide.

4. Todos os evangelistas coincidem no relato de que foram mulheres as primeiras a chegarem ao túmulo. Lucas, e Mateus também, relatam que as mulheres acreditaram no que os mensageiros lhes anunciaram, de que Jesus ressuscitara. Creram sem ver, creram quando são lembrados da promessa. Creram no sentido que é dado à fé na carta aos Hebreus: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem”. (He 11,1). E imbuídas desta fé correm para anunciar a ressurreição de Jesus aos discípulos. Nisto são semelhantes a nós, a todas as pessoas cristãs que creram e crêem na boa nova do Cristo ressurreto, sem vê-lo pessoalmente. Apenas Maria Madalena, conforme João, secundado por Marcos, teve um encontro com o Ressurreto (Mc 16,9ss; Jo 20,11ss). Mas os discípulos não acreditam nela. Parece que esta primazia das mulheres depois foi esquecida pela Igreja primitiva. Quando Pedro, em Atos 10,41, fala das testemunhas da ressurreição “anteriormente escolhidas” por Deus, está evidente que se refere a si mesmo e aos outros apóstolos. Paulo, quando em 1. Co 15 fala das testemunhas que viram o Ressurreto, menciona somente homens. Lucas, que na parte do seu escrito que relata a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, parece valorizar a presença das mulheres, não lhes dá mais destaque no livro de Atos. Há apenas a menção em Atos 1,14 de que Maria, mãe de Jesus, e as mulheres – provavelmente o grupo que acompanhou Jesus em vida, estava embaixo da cruz e foi ao túmulo no dia da Páscoa – estava junto nas orações dos discípulos antes do dia de Pentecostes. Será que o testemunho das mulheres foi suprimido porque não tinha valor na sociedade e nos tribunais? Ou os homens, quando viram que este movimento de Jesus estava dando certo, estava progredindo, se impuseram, tomaram conta e puxaram os méritos para o seu lado, como muitas vezes acontece numa sociedade dominada pelos homens? Seja qual for o motivo, convém lembrar esta primazia das mulheres na fé e no testemunho do Cristo Ressurreto.

5. A paixão e morte de Jesus não teria sentido sem a sua ressurreição. Olhando para os textos complementares, Atos 10,34ss e 1. Co 15,19ss, pode-se concluir que foi a fé no Cristo ressurreto que deu força e vigor à pregação dos apóstolos e da Igreja primitiva em geral. Muitas outras passagens confirmam isto.

6. - A pergunta dos anjos: “Por que buscais entre os mortos o que vive?” pode ensejar a seguinte reflexão e atualização: Às mulheres é explicado que o propósito delas de cuidar do corpo do falecido está fora do contexto. Não é Jesus crucificado que precisa de cuidados. O que cabe agora é o anúncio do Cristo ressurreto aos outros seguidores e seguidoras de Jesus e a toda a humanidade, no presente e no futuro. Nisto podemos ver um questionamento às comunidades da IECLB, entre cujos membros está muito difundida a crença e atitude de que se precisa da igreja para o caso da morte, para garantir “um lugar no cemitério”. Não seria isto também “procurar o vivo entre os mortos?” Os cuidados em torno da morte, do enterro – com pastor seguindo o caixão - e do cemitério são uma necessidade, e podem até ser uma das oportunidades de pregar a fé no Ressurreto, mas a primeira tarefa da comunidade é pregar a vida nova que temos em Jesus Cristo. Na fé cristã, cemitérios e túmulos não são lugares de veneração, de lamentação saudosa, mas lembretes de que Cristo vive e incluiu as pessoas que nele crêem na sua ressurreição.

Madrugada é – José Vicente

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SABADO SANTO – VIGILIA PASCAL

3ª leitura: Ex 14,15-15,1

Esta leitura representa o ápice da libertação da escravidão do Egito, uma experiência fundamental do povo de Deus. Os judeus a leem ou narram na sua celebração da páscoa (seder, haggadá). Os cristãos a leem como 3ª leitura na vigília pascal prefigurando a salvação pelas águas do batismo.

A passagem pelo mar “vermelho” (13,18; em hebraico, “dos caniços” ou “dos juncos”; cf. 2,3; 2Rs 9,26) assinala topograficamente a saída do povo: é a última batalha, não combativa, a última fronteira.

O mar Vermelho divide a geografia (entre a África e a Ásia), divide a história e se converte em linha divisória da existência. A passagem pelo mar é como que nascimento do povo de Israel, sua liberdade e independência. Para os israelitas é como paradigma, para nós “passar” é salvar-se. O mar Vermelho é a fronteira do Egito; passando o mar, o povo de Israel deixa o território do Egito, e consequentemente, ganha outra condição: passa da escravidão à liberdade.

O faraó se arrepende de ter permitido a saída dos escravos e lança os exércitos para recapturar o povo que, com rapidez, iniciou o Êxodo (palavra grega que significa: “saída”; cf. 12,37-42; 13,17-20; 14,5-9). Os israelitas, vendo os soldados e os carros do faraó no encalço, se apavoram e se rebelam contra Moisés e contra Deus (vv. 10-12). Moisés consola reafirmando o propósito de Javé para libertar seu povo (3,7s; 6,1): “Não temais! Permanecei firmes e vereis o que o Senhor fará hoje para vos salvar… O Senhor combaterá por vós e vós ficai tranquilos” (vv. 13-14).

15O Senhor disse a Moisés: “Por que clamas a mim por socorro? Dize aos filhos de Israel que se ponham em marcha.16Quanto a ti, ergue a vara, estende o braço sobre o mar e divide-o, para que os filhos de Israel caminhem em seco pelo meio do mar.17De minha parte, endurecerei o coração dos egípcios, para que sigam atrás deles, e eu seja glorificado às custas do Faraó, e de todo o seu exército, dos seus carros e cavaleiros.18E os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando eu for glorificado às custas do Faraó, dos seus carros e cavaleiros”.

A pergunta de Deus supõe uma peça que faltava: uma súplica de Moisés como na oração de 5,22s. Repete-se o esquema de ordem e anúncio (cf. vv. 1-4). A ação avançará para enfrentar o limite extremo do perigo. Aí se mostrará a glória de Javé.

A narrativa da passagem pelo mar é uma mescla de pelo menos duas tradições: a tradição mais antiga fala de certo vento que baixa a maré (v. 21) e permite a passagem dos israelitas; a tradição mais nova (sacerdotal) destaca o papel de Moisés como intermediário que recebe ordem e a cumpre, “ergue a vara, estende o braço sobre o mar e divide-o”, assim abrirá caminho seco entre duas muralhas de água.

“Saberão que eu sou o Senhor, quando eu for glorificado …”. Expressão usada em que lembra o profeta Ezequiel (Ez 6,7.13; 7,4.9; 11,10.12 etc.) mostrando o caráter nacionalista e as vezes discriminador a teologia oficial pós-exílica (Javé com poder universal, israelitas separados como povo eleito, cf. 8,18; 9,4.26; 10,23; 11,7; 33,16). A glória do Senhor se revelará no deserto (16,7.10), na nuvem luminosa do Sinai (24,16s etc.) e depois no templo de Jerusalém (1Rs 8,10s).

19Então, o anjo do Senhor, que caminhava à frente do acampamento dos filhos de Israel, mudou de posição e foi para trás deles; e com ele, ao mesmo tempo, a coluna de nuvem, que estava na frente, colocou-se atrás,20inserindo-se entre o acampamento dos egípcios e o acampamento dos filhos de Israel. Para aqueles a nuvem era tenebrosa, para estes, iluminava a noite. Assim, durante a noite inteira, uns não puderam aproximar-se dos outros.

A função destes dois vv. é atrasar a solução e abrir espaço para uma descrição de grande densidade simbólica. A nuvem condutora desempenha uma função nova: adensar a escuridão e imobilizar os atores até o momento oportuno.

Introduz-se o anjo do Senhor (cf. 3,2; 23,20-23) que representa o próprio Senhor (Javé). Pela “coluna (de fogo e) da nuvem” (cf. v. 24; 13,21s), Javé separa os povos: ilumina o caminho do seu povo, enquanto o obscurece para os egípcios. A coluna de nuvem e de fogo representa a presença e a direção de Deus, função posterior do templo, da lei e dos sacerdotes no pós-exílio (cf. Ex 40,34-38; Lv 9,24; Nm 11,24-30; Dt 4,11-14; Ne 9,12-14; Is 4,5; 30,19).

21Moisés estendeu a mão sobre o mar, e durante toda a noite o Senhor fez soprar sobre o mar um vento leste muito forte; e as águas se dividiram.22Então, os filhos de Israel entraram pelo meio do mar a pé enxuto, enquanto as águas formavam como que uma muralha à direita e à esquerda. 23Os egípcios puseram-se a prossegui-los, e todos os cavalos do Faraó, carros e cavaleiros os seguiram mar adentro (vv. 21-24).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 90) comenta: Uma tradição mais antiga fala de certo vento que baixa a maré e permite a passagem dos israelitas, mas não dos carros que são tragados pela subida das águas. Sobrepõe-se uma tradição mais nova, segundo a qual Moises abre caminho seco entre duas muralhas de água. Não se sabe o que de fato aconteceu. Mas a vitória será usada pela teologia exílica e pós-exílica como fundamento do poder de Javé (vv. 18.31, cf. Dt 1,30; 11,4; Js 24,7…). Todo esse poder, porém, só é de fato sagrado se estiver a serviço da libertação dos oprimidos e da construção de uma sociedade justa, solidaria e fraterna

Existem neste livro do Êxodo várias versões do mesmo fato da libertação: uma versão em forma de poesia, o canto heroico de Ex 15 (o salmo responsorial desta leitura); em nossa leitura, temos duas versões misturadas num único relato: uma versão mais realista e psicológica, e outra mais litúrgica, doutrinal e abstrata, atribuída à redação sacerdotal no exílio babilônico. Com essas duas, o último redator (Esdras?) compôs o presente capítulo (no pós exílio). Isso explica as repetições temáticas e as mudanças de tonalidade.

Na tradição mais velha, o faraó toma a iniciativa, o povo discute com Moisés (vv. 5-7.10-12), depois entram em jogo os elementos (vento, mar, chão seco, noite) e a derrota egípcia é salvação para os israelitas. Na tradição posterior (sacerdotal), Deus toma a iniciativa (vv. 1-4.8-9) e Moisés é intermediário (ordens e anúncios, em seguida execução e cumprimento) que, como numa liturgia, “estende a mão” com a vara (v. 16) para “dividir o mar” que fica “como uma muralha”.

Na escuridão, o silêncio da noite e dois elementos cósmicos: o mar hostil, devorador, e o vento a serviço de Deus (Sl 104,4). “De pé enxuto”, lit. “sobre a terra seca”, como numa nova criação e no final do dilúvio, a água se retira e a terra seca aparece no meio dela (Gn 1,9; 8,1-5). A água hostil (cf. Gn 1,2; Sl 18,5s) se transforma em muralha protetora, em passagem segura para a luz do amanhecer que vem do leste. Direita e esquerda significam também sul e norte.

24Ora, de madrugada, o Senhor lançou um olhar, desde a coluna de fogo e da nuvem, sobre as tropas egípcias e as pôs em pânico. 25Bloqueou as rodas dos seus carros, de modo que só a muito custo podiam avançar. Disseram, então, os egípcios: “Fujamos de Israel! Pois o Senhor combate a favor deles, contra nós” (vv. 24-25).

Os egípcios penetravam pelo mesmo caminho. Onde os escravos fugitivos com sua bagagem leve passaram com facilidade, os “600 carros” (cf. v. 7) do exército atolaram. Agora é a vez dos egípcios de ter medo, entrar em pânico e fugir. O momento é a última vigília da noite, das 2 às 6h da manhã. A salvação costuma chegar pela manhã (Sl 17,15; 57). Quem combate, não é o povo dos hebreus que só assiste (cf. vv. 13s) é Javé, “o Senhor combate”, como guerreiro (cf. 15,3), em favor deles.

Menciona-se um elemento que faltava, o fogo, sinal da presença de Deus em Gn 15,17 e depois em Ex 19,18. Poderíamos relacionar a “coluna de fogo e de nuvem” (13,21; 14,19s) com a explosão vulcânica em Santorin (Thera), uma ilha grega onde surgiu uma cratera enorme no mar e causou a maior erupção vulcânica dos últimos 10.000 anos. Um vento pode ter levado a nuvem vulcânica (piroclasto) até o Egito (800 km de distância) onde causou trevas, granizo e chuvas de pedra e fogo, poluindo o rio Nilo e provocando pragas e doenças. A coluna alta de fogo e nuvem de cinzas pode ter se elevado até a estratosfera, mas do Egito talvez não teria sido mais visível. Metade da ilha caiu no mar e, junto com a erupção, pode ter causado um enorme tsunami que chegou ao Egito com 2 m de altura (suficiente para acabar com os cavalos e cavaleiros). Em todo tsunami, antes de chegar a onda gigante (“como muralha”), as ondas pequenas se retiram e abrem o chão do mar, assim os hebreus fugitivos podiam ter passado rapidamente pelo mar raso dos juncos “de pé enxuto”.

A erupção em Santorin aconteceu entre 1600 e 1500 a.C., mas não se conhecem registros egípcios da erupção ao não ser as trevas, barulhos e chuvas torrenciais que devastaram grande parte do Egito e foram descritas na “Estela da tempestade” do faraó Amósis (1539–1528). A ausência de tais registros é por vezes atribuída à desordem geral no Egito em torno do Segundo Período Intermediário. Mas os efeitos da erupção junto com o tsunami por ela causada devem ter ficado na memória da região toda influenciando a descrição de elementos na tradição do êxodo (no tempo de Ramsés II, 1250 a.C.) como também o desaparecimento de Atlântida descrito por Platão (em Timaios e Critias). O relato platônico originalmente deriva dos relatos do legislador ateniense Sólon (638–558) que, durante sua viagem em Saís, no delta do Nilo, tomou conhecimento, por intermédio de sacerdotes egípcios, do desaparecimento de um grande império insular.

26O Senhor disse a Moisés: “Estende a mão sobre o mar, para que as águas se voltem contra os egípcios, seus carros e cavaleiros”. 27Moisés estendeu a mão sobre o mar e, ao romper da manhã, o mar voltou ao seu leito normal, enquanto os egípcios, em fuga, corriam ao encontro das águas, e o Senhor os mergulhou no meio das ondas. 28As águas voltaram e cobriram carros, cavaleiros e todo o exército do Faraó, que tinha entrado no mar em perseguição de Israel. Não escapou um só. 29Os filhos de Israel, ao contrário, tinham passado a pé enxuto pelo meio do mar, cujas águas lhes formavam uma muralha à direita e à esquerda (vv. 26-29).

Quando os egípcios vão atrás deles, as águas se fecham e os engolem (Sb 10,18s), mas não sem nova ordem litúrgica (“Estende a mão…”) e sua execução imediata. Os egípcios são engolidos pelo o refluxo do mar (maré alta, tsunami?). Na narrativa mais antiga, somente Javé é que intervém; talvez nem se falava de uma passagem do mar pelos israelitas, mas apenas da miraculosa destruição dos egípcios pelos elementos.

30Naquele dia, o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios, e Israel viu os egípcios mortos nas praias do mar, 31e a mão poderosa do Senhor agir contra eles. O povo temeu o Senhor, e teve fé no Senhor e em Moisés, seu servo (vv. 30-31).

Do exército inimigo só restavam cadáveres (cf. Is 37,36). Morte dos opressores e vida com liberdade, assim é o final do juízo de separação. Os israelitas são testemunhas e por isso mudam de atitude. O medo o povo de antes se transforma em “respeito” reverencial (“temeu”, a mesma palavra hebraica) e a desconfiança (cf. vv. 10-12) se muda em fé “no seu servo Moisés” (em 4,16 e 7,1, Moisés é quase um deus pelo qual Javé fala e age; cf. Nm 12).

A recordação desta passagem aflora muitas vezes no AT, a tal ponto que esta libertação foi cantada como o milagre por excelência (Sl 77,17-20; 106,9). Isaías fala da volta do exílio babilônico como de um novo êxodo (Is 43,16-21). Nos registros do Antigo Egito, porém, não se encontra nada sobre esta fuga dos escravos hebreus, talvez por vergonha sobre a derrota (costumam-se registrar só as vitórias do faraó) ou por que achassem insignificante a fuga de alguns grupos de escravos. Pode ser que tivessem acontecido várias fugas de grupos distintos que se uniram depois num relato épico e único. Pelo menos um grupo atribuiu a libertação a seu deus Javé (os “Shasu-nômades de Yahu” mencionados em duas listas no Egito? O termo “hebreu” pode vir de hapiru com que os egípcios designavam grupos marginalizados de diversas etnias).

Não temos registros de Moisés fora da Bíblia. Mas estes grupos tinham seus líderes. O nome egípcio de Moisés indica alguém que pode ter tido conhecimento dos pontos fracos das fronteiras e do exército egípcio, assim os fugitivos não escolheram a rota mais curta seguindo pela praia, mas a mais longa (cf. 13,17s) por onde o exército não conseguiu mais seguir, mas atolou (afundou). No texto hebraico, o mar é o “mar dos juncos” (13,17s), só na tradução grega tornou-se o mar Vermelho.

Não é possível determinar o lugar e o modo deste acontecimento de Ex 14; mas aos olhos das testemunhas apareceu com uma intervenção espetacular de “Javé guerreiro” (Ex 15,3) e tornou-se um artigo fundamental da fé javista (Dt 11,4; Js 24,7; cf. Dt 1,30; 6,21-22; 26,7-8). Este milagre do mar foi colocado em paralelo com outro milagre da água, a passagem do Jordão (Js 3-4) na entrada da terra prometida. A tradição cristã considerou a passagem pelo mar como uma figura da salvação, e mais especialmente a salvação pelo batismo (1Cor 10,1) e torna sua leitura obrigatória na vigília pascal.

15,1Então, Moisés e os filhos de Israel cantaram ao Senhor este cântico (15,1).

“Este cântico” de Moisés é o salmo responsorial de hoje (as estrofes: 15,8-10.12.17) no estilo de um salmo de ação de graças. É o primeiro e o mais celebre dos “cânticos” que a liturgia cristã toma do AT. É repetido pelo cântico antigo da profetisa Miriâm, irmã de Moisés, em 15,21 que retém somente a destruição dos egípcios. Miriâm é o nome hebraico traduzido por “Maria” em grego (cf. a participação feminina da libertação nos caps. 1-2). No livro sagrado dos muçulmanos (Alcorão), o fundador do islã, Maomé, confundiu esta irmã de Moisés (Ex 2,4-8; Nm 12) com Maria, a mãe de Jesus.

O hino trata em toda a sua ampliação o tema da salvação miraculosa através do poder e da solicitude de Javé para com seu povo. O canto da vitória, que Miriam entoa em v. 21, é ampliado até englobar o conjunto das maravilhas do êxodo e da conquista de Canaã e até a construção do templo de Jerusalém, “em vosso monte, no lugar que preparastes para a vossa habitação, no santuário construído pelas vossas próprias mãos” (15,17).

Evangelho (Ano C): Lc 24,1-12

O evangelho da vigília apresenta as mulheres encontrando o túmulo vazio. A Bíblia do Peregrino (p. 2538) comenta: Um sinal e dois testemunhos proclamam a notícia da Páscoa. O sinal é um dado provável e desconcertante: a pedra esta rolada, o sepulcro está vazio. Mas esse sinal não revela por si só. Vem o testemunho angélico, celeste (também no nascimento houve um sinal, “um menino na manjedoura”, e uma mensagem angélica, luminosa), de duas testemunhas (Dt 19,15): “ressuscitou” (que se converte em saudação pascal aos gregos).

A ressurreição de Jesus é um mistério, que transcende a história e vai além da nossa experiência natural, mas como acontecimento real que é, teve manifestações historicamente comprováveis. A primeira destas foi a verificação do túmulo vazio.

Esta verificação não constitui uma prova da ressurreição, nem é apresentado como tal pelos quatros evangelistas, é apenas um sinal que pode ser interpretado diferente: em Jo 20,1, Maria Madalena pensou num roubo ou transladação por parte do funcionário do cemitério; em Mt 28,11-15, as autoridades judaicas divulgam o boato de os próprios discípulos terem escondido o corpo. A interpretação verdadeira é comunicada por um (Mc, Mt) ou dois (Lc, Jo) anjos: “Ele não está aqui. Ressuscitou!” (v. 6)

Diferente de Mc e Mt, Lc apresenta no túmulo vazio logo dois anjos, e estes não enviam os discípulos para Galileia, porque em Lc as aparições só acontecem em Jerusalém e redor. O evangelho de Lc começa e termina em Jerusalém de onde parte também a evangelização dos apóstolos narrada no seu segundo volume (cf. At 1,8).

Cada evangelista narra a paixão, morte e ressurreição de maneira diferente, conforme sua intenção, sua situação e a dos seus leitores. Mas a concordância entre os quatro evangelhos é bastante; as dificuldades para uma perfeita harmonização quanto a acertos pormenores são mais um indício a veracidade do que o contrário (cf. pensamento único imposto por uma ditadura).

No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo de Jesus, levando os perfumes que haviam preparado (v. 1).

Todos os evangelistas começam seu relato da ressurreição com a ida das mulheres para o túmulo “no primeiro dia da semana, bem de madrugada” (v. 1) O raiar da luz neste dia lembra o início da criação (Gn 1,3);“este é o dia que o Senhor agiu” (Sl 118,24), este é o dia da “luz perpetua” (Is 60,19-20). A ressurreição significa uma “nova criação” e Jesus o novo homem (Adão = homem; cf. Jo 20,15; 1Cor 15,21-22.45; 2Cor 5,17; Ef 5,14; Rm 4,17; 5,12-20).

Este dia torna-se o dia Santo do Senhor, o “dia do Senhor”, o “domingo”, dia daquele que domina (latim: dominus= Senhor), e neste dia os cristãos se reúnem para celebrar a presença do ressuscitado na missa (At 20,7; Ap 1,10; cf. Jo 20,26). Todas as igrejas cristãs celebram este dia (com exceção dos adventistas que surgiram no século 19 e voltaram atrás para celebrar o sábado como os judeus no Antigo Testamento).

As mulheres não tinham fugido junto com os apóstolos, mas acompanharam a morte (à distância) e o funeral de Jesus; elas sabiam do lugar do túmulo (23,55). Parece que o funeral não estava completo, porque faltou tempo na sexta feira à tardezinha “e o sábado começou a luzir” (23,54). Como em Mc, as mulheres prepararam os unguentos para um tratamento digno do corpo, mas que poderia ser realizado apenas quando passasse o sábado (23,54-56; Mc 16,1). No sábado era proibido trabalhar, muito menos no cemitério (os mortos eram considerados impuros;cf. Lv21,1.11; Nm 6,9; 19,11-13; 31,19; Ag 2,13; Ez 44,25-27; Is 65,4).Os perfumes procuram deter piedosamente o caráter hediondo da morte (Jo 11,40).

Elas encontraram a pedra do túmulo removida. Mas ao entrar, não encontraram o corpo do Senhor Jesus e ficaram sem saber o que estava acontecendo (vv. 1-4a).

Como em Mc, a pedra pesada, que era rolada para fechar a entrada, já estava removida. Lc é o único a mencionar primeiro que as mulheres “ao entrar, não encontraram o corpo do Senhor Jesus e ficaram sem saber o que estava acontecendo”, ficaram desnorteadas (cf. Jo 20,2). Em Mt e Mc, o fato inicial é a mensagem angélica.

A Bíblia do Peregrino (p. 2538) comenta: Primeiro precisam experimentar o espanto e a dor da ausência (como Elias, 1Rs 19). Ao que se acrescenta a perplexidade de não compreender o fato.

A formula o “Senhor Jesus” é única no evangelho de Lc, mas frequente nos Atos (1,21; 8,16; 11,20; 15,11…), com isso, Lc assinala a condição nova de Jesus ressuscitado.

Nisso, dois homens com roupas brilhantes pararam perto delas (v. 4b).

As mulheres reconhecem que “dois homens com roupas brilhantes” são “anjos” (v. 23) que, em Lc, aparecem em momentos importantes (1,11.26; 2,9; 22,43). Nas passagens paralelas, Mc 16,5 menciona um “jovem de roupa branca”, Mt 28,25 um “anjo do senhor” e Jo 20,12, “dois anjos/mensageiros vestidos de branco” (Jo tem algumas coisas em comum com Lc).

Em Lc, são “dois homens com roupas brilhantes” (cf. At 2,10), talvez para lembrar Moisés e Elias que aparecem na transfiguração de Jesus “conversando sobre o êxodo de Jesus que irá acontecer em Jerusalém” (9,30-31), ou simplesmente para cumprir a lei de que “uma só testemunha não é suficiente” (Dt 19,15).

Tomadas de medo, elas olhavam para o chão, mas os dois homens disseram: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? (v. 5)

Lc gosta de colocar perguntas (cf. vv. 17.26.32.38.41; etc.). Assim ele caracteriza Jesus não somente como aquele que “ressuscitou” (Mc 16,6; Mt 28,6), mas “aquele que está vivo”, “o vivente”. Este título evoca o do próprio Deus do Antigo Testamento (Js 3,10 ; Jz 8,19; 1Sm 14,39 etc.; cf. Mt 16,16). Em João, Tomé vai proclamar diante do ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus.” (Jo 20,28). A ressurreição dois mortos é obra própria de Deus como a criação a partir do nada (cf. Rm 4,17)

A Bíblia do Peregrino (p. 2538) comenta: Um proverbio em forma de pergunta retorica propõe uma norma fundamental de conduta: não buscar entre os mortos aquele que está vivo (cf. Is 26,14.19). Jesus não é mais um na corrente dos homens ilustres que se foram.

Ele não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou, quando ainda estava na Galileia: ’O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia’”. Então as mulheres se lembraram das palavras de Jesus (vv. 6-8).

Na ausência do cadáver, ressoa o grande anúncio da ressurreição (da carne, cf. vv. 39-42). As mulheres não encontraram o que procuram; todavia, por procurar com diligencia, encontram muito mais. Não está aqui” o cadáver, porque não há cadáver: “não deixaras que teu santo conheça a corrupção” (cf. Sl 16,10, citado por Pedro em At 2,27).

No lugar do envio a Galileia (Mc 16,7p, cf. Mc 14,28p omitido também por Lc), Lc acrescenta a lembrança dos anúncios da paixão. Para ele, todo o mistério pascal cumpre-se em Jerusalém, de onde os apóstolos partirão para levar o Evangelho (cf. Lc 9,51; 24,49; At 1,8). A morte do messias era necessária; conforme a escrituras (cf. 1Cor 15,3-5), “deve” (vv. 26.46; cf. 9,22.44; 13,33; 17,25; 18,31-33) acontecer para a salvação.

A Bíblia do Peregrino (p. 2538) comenta: O testemunho profético de Jesus arremata o testemunho angélico: o que ele mesmo anunciou reiteradamente se cumpriu (9,22; 17,25; 18,32-33). Os unguentos devotos e o sepulcro não servem mais (a basílica que nós chamamos de Santo Sepulcro, os gregos a chamam de Anástasis, Ressurreição).

Voltaram do túmulo e anunciaram tudo isso aos Onze e a todos os outros. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que estavam com elas contaram essas coisas aos apóstolos. Mas eles acharam que tudo isso era desvario, e não acreditaram (vv. 9-11).

Então são as mulheres as primeiras que testemunham a ressurreição, em Mc e Lc o sinal do túmulo vazio (em Mt e Jo, também a primeira aparição do ressuscitado). Maria Madalena (cf. 8,2) é a primeira testemunha, citada por todos os quatros evangelistas (a tradição que ela é a pecadora de Lc 7,36-50 surgiu só pela proximidade de Lc 8,2), junto com outra Maria (cf. Mt 28,2; mc 16,1) “de Tiago” (alguns manuscritos especificam “mãe” ou “filha”).Lc substitui Salomé (Mc 16,1) por Joana, que também foi mencionada em 8,2s: “a mulher de Cuza, o procurador de Herodes”. Lc costuma acrescentar outras pessoas indefinidas, aqui “as outras mulheres” (cf. 8,3; cf. os outros discípulos além dos apóstolos em 9,1s e 10,1).

Mas o testemunho de mulheres não era reconhecido pelos tribunais da época (talvez por isso, Paulo não as menciona em 1Cor 15,4s). Os apóstolos achavam “que tudo isso era desvario e não acreditavam nas mulheres” (v. 11; cf. Is 53,1: “Quem acreditou em nosso anúncio?”).

Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que havia acontecido (v. 12).

Só Pedro “correu ao túmulo” (junto com o discípulo amado em Jo 20,2-10; cf. Lc 24,24). “Olhou para dentro e viu apenas os lençóis”, que indicam que não houve roubo ou transladação do cadáver (Jo20,2.5-7; cf. Mt 27,64). Ele “voltou para casa, admirado” assombrado, nem incrédulo nem crente. Ainda lhe falta o olhar do Mestre (22,61), haverá uma aparição do ressuscitado diante do Pedro como primeiro dos doze (24,34; 1Cor 15,5; cf. Jo 21).

O versículo falta em alguns manuscritos antigos, e pode ser considerado secundário.A Bíblia de Jerusalém (p. 1976) comenta: Está no estilo de Lc, ao mesmo tempo que no de Jo, e representa uma tradição comum ao terceiro e ao quarto evangelhos. Lc 24,24 faz-lhe eco e dá a entender que Pedro não estava só nessa corrida.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1289) comenta: A intervenção divina para ressuscitar Jesus confronta o poder dos que o mataram. Às mulheres essa manifestação é o motivo de alegria e confiança: o Mestre que vinha ensinando a justiça de Deus está vivo. A morte e a violência não têm a última palavra, e Deus confirmou o caminho do Messias dos pobres. A incredulidade dos discípulos diante do anuncio das mulheres é a mostra de que eles estão ainda marcados pelo conformismo, produzido pela brutalidade do poder que recai sobre Jesus: como pensar na possibilidade de um crucificado estar vivo?

O site da CNBB comenta: Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Jesus não pode ser encontrado entre os mortos nem nos sinais de morte que estão presentes na sociedade moderna. Páscoa é vida nova em Cristo, é a força da graça transformadora que muda escravidão em liberdade, pecado em santidade, morte em vida, trevas em luz. É força motivadora para a participação na missão da Igreja a fim de que o Ressuscitado seja conhecido, amado e louvado por todos. Páscoa é reconhecer a presença viva e atuante de Cristo na sua Igreja e no mundo.