BOLETIM 141 - 2011

Da Redação

 

Prezados irmãos e amigos leitores.

 

Vocês estão recebendo o Boletim das Fraternidades 141 com as reflexões sobre o Deserto, conforme decidido no último encontro da Equipe de Coordenação, em Porto Alegre, RS e apresentado e aprovado no retiro de Caeté, MG.

Aproveitem para ler e refletir, pessoalmente e no encontro de sua fraternidade, os excelentes textos apresentados neste número sobre a Espiritualidade do Deserto, a experiência de deserto do nosso irmão Yves Chaloult, e também os textos já publicados no diretório. 

          A agenda das Regiões está bastante vasta e rica em oportunidades para aprofundar o conhecimento do Ir. Carlos. Os encontros são sempre uma excelente ocasião para apresentar aos irmãos presbíteros, que ainda não a conhecem, a espiritualidade do Padre de Foucauld e, para todos, um tempo de vivência da “graça do encontro” e de renovação do compromisso com a causa de Jesus e de seu Evangelho. Vejam também as indicações de livros e aproveitem para presentear um amigo. 

Ainda neste número você encontrará a Missa em Honra do Beato Ir. Carlos de Jesus, que poderá ser celebrada por ocasião da memória de seu martírio no dis 1º de dezembro.

Os próximos Boletins de 2011 serão temáticos também, para ajudar as fraternidades locais a resgatarem os Meios da Espiritualidade da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas. Os próximos números irão tratar dos Meios: Adoração e Dia da Fraternidade, sempre com a finalidade de aprofundar o conhecimento e o compromisso da Espiritualidade Presbiteral.

Parabenizamos os seminaristas Almir José de Ramos, de Lages, SC e Francinaldo Alves de Menezes, de São Felix do Araguaia, MT, que participaram do retiro de Caeté, MG em preparação à Ordenação Diaconal e já foram Ordenados Diáconos para as suas respectivas Igrejas locais. 

 

Desejamos a cada um e aos irmãos e amigos da Fraternidade boa leitura.

 

1. DESERTO – LUGAR DO ENCONTRO COM DEUS

  

O primeiro impacto de Deus como Absoluto o Irmão Carlos vivenciou em sua viagem de reconhecimento ao Marrocos: na descoberta da “grandeza austera do deserto” e na simplicidade religiosa dos muçulmanos. Escreve à Marie de Bondy: 

“O que há de maravilhoso por aqui é o pôr-do-sol, o entardecer e a noite. Vendo esses belos crepúsculos, relembro o quanto eles lhe agradam, pois evocam a bonança que virá após a tormenta do nosso tempo. Os fins de tarde são tranqüilos, as noites tão serenas, este céu imenso e estes vastos horizontes parcialmente iluminados pelos astros são tão tranqüilos e, silenciosamente, de uma maneira tão penetrante cantam o Eterno, o Infinito, o Além, que seríamos capazes de passar noites inteiras nesta contemplação; no entanto, abrevio estas contemplações e, depois de alguns instantes, dirijo-me para o sacrário, pois há muito mais do que tudo isso no humilde sacrário. Tudo é nada comparado ao Bem-Amado”.

O deserto deixou no Irmão Carlos uma marca definitiva. Será como uma espécie de selo de família, de todos os ramos da família espiritual que tenham sua origem no carisma foucauldiano. Partindo de uma vasta tradição dos padres do deserto, escreve: “É necessário passar pelo deserto e nele permanecer para receber a graça de Deus: é no deserto que nos esvaziamos e nos desprendemos de tudo o que não seja Deus, onde esvaziamos completamente a casinha de nossa alma para deixar o espaço todo somente para Deus. Os hebreus passaram pelo deserto, Moisés viveu nele antes de receber a missão, Paulo, ao sair de Damasco, passou três anos na Arábia, São Jerônimo e São João Crisóstomo também se prepararam no deserto. É indispensável. É um tempo de graça. É um período pelo qual tem de passar necessariamente toda alma que queira dar fruto. É necessário este silêncio, este recolhimento, este esquecimento de tudo o que foi criado para que Deus estabeleça na alma o seu Reino e forme na alma o espírito interior, a vida íntima com Deus, a conversação da alma com Deus na fé, na esperança, na caridade... É na solidão, vivendo somente com Deus, no recolhimento profundo da alma que esquece o que existe para viver só em comunhão com Deus, onde Deus se entrega totalmente a quem se abandona totalmente a Ele”.

Desde Abraão, nosso pai na fé, que no deserto é enviado por Deus a uma terra estranha para consolidar sua vocação; passando por todos os profetas, desde Moisés e Elias até João Batista, todos eles purificados por Deus no deserto e consumidos aí por seu amor em vista da missão; até o próprio Jesus, conduzido pelo Espírito ao deserto da tentação e periodicamente indo a lugares ermos para orar – a espiritualidade bíblica é incompreensível sem a dimensão do deserto.

O Absoluto de Deus, descoberto e vivido num primeiro tempo, mediante o deserto e o Islã, produziu no Irmão Carlos uma experiência muito intensa de dependência como criatura, antes de chegar à consciência de filiação. A experiência do deserto rompeu o ceticismo-agnosticismo científico de Carlos de Foucauld; no entanto teve um longo caminho a percorrer para descobrir, através do caminho místico da vida cristã, sua condição de filho de Deus e irmão amado de Jesus.

A relação do Irmão Carlos com o Pai está expressa na “Oração do Abandono”, considerada a maior característica de sua espiritualidade.

 

Deserto, em primeiro lugar é experiência do Absoluto de Deus e do relativo de tudo o mais, incluídas aí as pessoas e nós mesmos. No deserto estamos sós diante de Deus, e esta presença deveria bastar para plenificar e dar sentido à nossa vida. No deserto, o amar e buscar a Deus com todo o coração, com toda a mente e com todas as forças, é a única alternativa possível e assim  experimentamos a verdade fundamental da mística cristã: Deus nos amou primeiro e vem ao nosso encontro. “Agora sou eu mesmo que vou seduzi-la, vou levá-la ao deserto e conquistar seu coração” (Os 2,16). Vamos ao deserto sem enfeites e sem máscaras, no silêncio e na pobreza do ser, para escutar Deus falar ao coração, para deixar Deus ser Deus. 

“O silêncio é a medida do amor. Só quem ama sabe curtir o silêncio a dois. É ruidoso o mundo em que vivemos. Há demasiadas máquinas de fazer barulho: telefone, fax, rádio, TV, veículos, campainhas. Nosso cérebro habitua-se tanto à sonoridade excessiva que custamos a desligá-lo. Uns preferem remédios que façam dormir. Outros, a bebida. Assusta-nos a hipótese de manter a casa em silêncio. Decretar o jejum de ruídos; desligar rádio, TV e telefone. Isso pode levar ao pânico. A “louca da casa”, a imaginação, entra em rebuliço, supondo que há uma notícia importante a ser ouvida ou um telefonema de¬ urgência a ser recebido. Ou experimenta-se o medo de si mesmo. Sentir-se ameaçado por si mesmo é uma forma de loucura frequente em quem, súbito, vê-se privado de sons exteriores. Como alguém preso no elevador. Não é a claustrofobia que amedronta. É o peso de suportar-se a si mesmo, entregue aos próprios ruídos interiores. É terrível o espectro de uma parcela dessa geração que se nutre de ruídos desconexos. Comunica-se por um código ilógico; balbucia letras musicais sem sentido; entope de sons os ouvidos, na ânsia de preencher o vazio do coração. São seres transcendentes, porém cegos. Trafegam por veredas perdidas, sem consciência de que procuram fora o que só pode ser encontrado dentro” (Frei Beto).

Os monges, os contemplativos inseridos no mundo como fermento na massa, nutrem-se de silêncio. No deserto aprendemos a gostar da solidão, ouvir a voz interior, estar só para sentir-nos intimamente acompanhados, tapar os ouvidos para es¬cutar e auscultar Aquele que faz em nós Sua morada. Enfim, fechar os olhos para ver melhor.

Espiritualidade é deixar-nos encontrar, amar e conduzir por Deus. Assim o deserto salienta a dimensão da espera, da expectativa da visita de Deus que vem ao encontro de nossa impotência e aridez e se revela sempre maior que o nosso coração. Como nos testemunha o Irmão Carlos: “Assim que eu acreditei que havia um Deus, compreendi que só podia viver unicamente para ele: minha vocação religiosa data da mesma hora que minha fé. Deus é tão grande! Há uma diferença tão grande entre Deus e tudo que não é ele!” Deus está sempre além das fórmulas teológicas, de qualquer utopia histórica e social, de qualquer acontecimento libertador ou de toda a beleza e bondade que vemos nas pessoas ou na natureza. No Evangelho, Jesus recomenda não multiplicarmos as palavras na oração. O Pai sabe de que necessitamos. Todavia, somos desatentos ao conselho. No Ocidente, falamos de Deus, a Deus, sobre Deus. Quase nunca deixamos Deus falar em nós. Agimos como aquela tia que liga para minha mãe: fala tanto, que nem se dá conta de que mamãe larga o fone, vai à cozinha mexer a panela e retorna. Quem muito se explica, muito se complica, pois teme a própria singularidade. 

“O silêncio ajuda-nos a descer em nós mesmos para ir ao encontro de Deus e ao nosso encontro também, pois revela ao homem o seu próprio mistério, o cerne do seu ser como pessoa livre, indefinível e inacessível a qualquer ciência humana. Há uma qualidade de silêncio que nos põe em estado de escuta total. É um silêncio que nos leva ao fundo de nós mesmos, em comunhão com o Ser Absoluto que nos deu a existência. Tal silêncio é sagrado e precisa ser absoluto. É tudo ou nada. É descer no mistério do“eu” que nos conduz à fronteira do Mistério de Deus e constitui uma última preparação para a escuta da Palavra incriada que nos deu a vida ao pronunciar o nosso nome” (René Voillaume).

Em segundo lugar, o deserto é o lugar da autenticidade e da verdade sobre nós mesmos, sobre o que habitualmente nos rodeia, sobre nossos trabalhos, sobre sociedade. A sós diante de Deus, no despojamento do deserto, não podemos mais nos enganar, nem continuar nos iludindo e mascarando nossa vida. Prestígio, realizações, relações pessoais, sempre mescladas de ilusões e inautenticidade, já não acobertam nossas pretensões e mentiras nem nos desviam da verdade sobre nós mesmos e a realidade que nos cerca. A ambigüidade de nossas motivações e de nossas “generosidades” vem à tona e nos vemos tal qual somos, ou melhor tal qual Deus nos vê. Por isso o deserto é o lugar da conversão e de purificação do coração porque somos ambíguos na posse dos bens (pobreza), nas relações interpessoais (amor, afeto) e no uso do poder, no exercício da autoridade (obediência). O nosso amor, vivido na castidade do celibato, exige tempo de deserto para não se perder no caminho, não se tornar coração endurecido nem transviado (cf Sl 94). Na verdade, se buscamos Deus, a tomada de consciência das mentiras e cegueiras que nos envolvem leva-nos a optar pela luz que nasce do deserto e a despegar-nos das trevas das nossas motivações, trabalhos e relações com os outros; leva-nos a silenciar as vozes enganadoras dos ídolos, das ideologias, das riquezas, do prestígio e do poder, das paixões desordenadas, das compensações sutis do prazer. O deserto é o caminho da libertação interior, onde “Deus fala ao coração” e onde o espírito do mundo, que nos fascina, pode emudecer.

Em terceiro lugar, o deserto nos abre à verdadeira solidariedade e misericórdia para com os irmãos e nos ajuda a amar verdadeiramente. A aprendizagem do amor fraterno requer a atitude de deserto; a fraternidade e o serviço da comunidade exigem que em nosso espírito haja espaço para a solidão e silêncio. Os Santos Padres nos ensinam que, paradoxalmente, a solidão dá lugar à misericórdia “porque nos faz morrer para o próximo”, isto é, nos impede de julgá-lo, criticá-lo, avaliá-lo, morrer a toda espécie de preconceitos, antipatias, rancores, ressentimentos e hostilidades. Isto se torna possível porque o deserto nos dá um agudo sentir de nossos próprios defeitos e misérias, nos faz “ver a trave em nosso olho” e nos brandos e misericordiosos quando se faz necessário ajudar a “tirar o cisco no olho do nosso irmão. “O silêncio nos predispõe à compreensão dos outros, pois o hábito do silêncio nos ajuda a ouvi-los atentamente e colocar-nos em seu lugar, em vez de nos impormos por atitudes ou palavras muitas vezes indiscretas e ofensivas. Esse silêncio faz-nos fugir da tagarelice inútil, permitindo-nos ultrapassar certa superficialidade das relações humanas nas quais tão facilmente nos refugiamos” (René Voillaume).

Durante o deserto vêm à tona nossas fraquezas, incoerências, ambiguidades, infidelidades e torna-se impossível escamoteá-las ou justificá-las. Os gaúchos costumam usar uma mala de garupa que colocam nos ombros para carregar coisas na frente e atrás. Há um provérbio que aconselha a virar de lado a mala, porque costumamos colocar os defeitos dos outros na frente e os nossos atrás. A solidão do deserto possibilita-nos encarar nossos defeitos e buscar os meios para superá-los. E como certos vícios e defeitos têm raízes profundas e somos impotentes para arrancá-los, precisamos da misericórdia e do perdão do Senhor. Por isso, o deserto constitui lugar privilegiado para preparar a revisão de vida e o sacramento da reconciliação. 

Em quarto lugar, o deserto é o lugar das tentações, da crise e também da superação das mesmas. É o lugar de nosso fortalecimento e amadurecimento, já que nosso espírito se torna forte mediante a coragem no enfrentamento da prova. Para os Santos Padres, o deserto é também o lugar do demônio e para lá se dirigiam para enfrentar e vencer as tentações, inspirados no testemunho de Jesus, quando esteve no deserto por quarenta dias. Como momento forte de espiritualidade, o deserto sempre gera crise. Nele encontramos Deus, mas também o demônio. Sem tentação correríamos o risco de apoderar-nos de Deus e torná-lo inofensivo e inócuo. Pela tentação experimentamos existencialmente nossa distância de Deus, percebemos a diferença entre o homem e Deus. Quando suplicamos; “Não nos deixeis cair em tentação” (Mt 6,13), não estamos pedindo para não sermos tentados, uma vez que isso seria até mesmo impossível, mas imploramos para não sermos devorados pela tentação ou fazermos algo que contrarie a vontade de Deus. Sem a tentação não sentiríamos o cuidado de Deus por nós, não adquiriríamos a confiança nele. Antes da tentação, poderíamos orar a Deus como a um ser longínquo, estranho. Após termos suportado a tentação por amor a Deus, Ele nos considera como alguém a quem fez um empréstimo e por isso tem o direito de receber juros, como um amigo que nos arrancou das mãos de um inimigo. Deus se torna mais próximo e familiar. Sem a tentação podemos nos tornar desleixados, descuidados de nós mesmos e passamos pura e simplesmente a vegetar. As tentações nos forçam a viver conscientemente, a exercitar a disciplina e a ascese, a permanecer sempre vigilantes e atentos. Porque nos torna mais humanos e humildes, a tentação torna-se caminho de crescimento e amadurecimento.

A miséria de que somos feitos emerge como verdade, como desânimo e até como desespero. Somos tentados a fugir do deserto porque é difícil agüentar o vazio, a solidão, as horas intermináveis, a aparente perda de tempo. Nossas agendas estão sempre abarrotadas de compromissos. Por formação e cultura capitalista, somos naturalmente voltados para a ação, para os resultados, para extroversão. O índex do totalitarismo do consenso neoliberal decreta, hoje, o silêncio dos conceitos altruístas. Gri¬ta-se competitividade, concorrência, “performance”, disputa, privatização... Cala-se solidariedade, cooperação, doação, partilha e socialização. Edifica-se a barbárie em nome de uma civilização prometéica, na qual muitos são os excluídos e poucos os escolhidos.

Temos medo do deserto porque o caminho mais difícil é aquele que nos leva para dentro de nós mesmos. Só quem conhece a beleza do silêncio, dentro e fora de si, é capaz de viajar por seu próprio mundo interior e encontrar o Senhor que habita no mais íntimo de nós. “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro e eu, fora. Aí te procurava e lançava-me nada belo ante a beleza que tu criaste. Estavas comigo e eu não contigo. Seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam, se não existissem em ti. Chamaste, clamaste e rompeste minha surdez! Brilhaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te, e  tenho fome e sede. Tocaste-me e ardi por tua paz” (Santo Agostinho, Confissões).

Portanto, é importante ajudar-nos em nossas fraternidades a não fugir do deserto, a realizá-lo com certa regularidade e fidelidade. Porque, ou nos entregamos a Deus, ou nos fechamos em nós mesmos, fugindo de Deus: nisto consiste a tentação. Estas duas alternativas são radicais e incompatíveis e a gravidade da crise persiste até que morramos à nossa imagem e acolhamos a presença de Deus e nos deixemos moldar e conduzir pelo seu Espírito. A graça do deserto consiste em vencer a tentação sutil que o demônio nos apresenta como um bem aparente. Deserto é o lugar de conversão e espaço vocacional. Na volta do deserto estamos mais preparados para assumir a Fraternidade (espaço eclesial), para receber o sacramento do perdão e entregar a vida ao olhar dos irmãos (revisão de vida) para buscar novos caminhos de entrega e serviço ao Senhor e aos irmãos. 

Nós vamos para o deserto: 

-         com o Povo de Deus que “no deserto andava” em busca da Terra Prometida: somos descendentes e herdeiros de homens e mulheres do deserto.

-         com os Profetas para que o fogo da paixão por Deus nos queime por dentro, e com o coração abrasado nos deixemos seduzir.

-         com Maria que “guardava e meditava no seu coração" e na hora certa soube dizer: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se me mim segundo a tua palavra”

-         com Jesus, nosso “único modelo”: vida toda aberta ao Pai e aos irmãos. Ele espera nossa resposta como a de Pedro: “Senhor tu conheces tudo, tu sabes que eu te amo”. Por sua vez nos dirá: “Apascenta as minhas ovelhas...Quando eras moço...Segue-me” (aqui atrás de mim); “por causa de Jesus e do Evangelho”

-         com os “grandes orantes” da Igreja de ontem e de hoje

-         com o testemunho fascinante e o incentivo cativante de nosso querido Ir Carlos para aprender a articular com ele a “Oração do Abandono” como Jesus no deserto e na cruz para fazer a vontade do Pai e para que venha o seu Reino.

 

Dom Edson Damian

Bispo de São Gabriel da Cachoeira

 

          2. DESERTO - LUGAR DE PROVAÇÃO E DE PAIXÃO

 

          Na vivência das nossas fraternidades, temos o deserto como exigência mensal. Precisamos nos ajudar a viver bem o deserto, e nos convencer de que o deserto é o “lugar onde Deus nos chama”

 

“… Eu mesmo a seduzirei, conduzirei no deserto e lhe falarei ao coração” (Os. 2, 16)

Deserto é lugar por onde passam o povo de Deus, os profetas, Jesus Cristo e os seus seguidores, todos aqueles que buscam a Deus e querem se deixar conduzir por Deus.

 

 

Ir ao deserto. Por que?

 

1)       Para reassumir nossas raízes: somos filhos da terra desértica; terra deserta e vazia (Gn 1,4). Somos filhos de Adão, filhos da terra, feitos de pó, frágeis. No deserto fazemos a experiência original de fragilidade e vazio. Deserto que chama pela criação, pelo Espírito de Deus, necessidade do “sopro criador”.

 

2)       Para fazer experiência da nossa fragilidade incontornável. Sentir no deserto o peso do tempo que passa, do silêncio e da solidão. Falar a Deus com o:

Sl. 102: “Coração ressequido como a erva cortada, dias que passam como fumaça”.

Sl.   42: “Sede de Deus como terra que deseja água…”.

Sl    50: “Senhor, tende piedade de mim…”.

Para disfarçar a fragilidade, a gente vai “alterando” a vida, acumulando, procurando segurança, aparências, enfeitando. Tentação permanente de se construir com o “espírito do mundo”.

Deserto é lugar da purificação (Sl 80) porque somos “ambíguos” na posse dos bens (pobreza), nas relações (amor, afeto), no uso do poder (obediência).

Deserto é lugar para abrir-nos ao Espírito de Deus que reconstrói nossa vida com a força da sua palavra (Dt 30, 11-20)

 

3)       Para se encontrar consigo mesmo, numa atitude cristã da Fé, Esperança e Caridade. Encontrar-nos com a verdade da nossa existência cotidiana - cara a cara: “Eis me aqui, Senhor…”, pecador, frágil, mas também “o teu filho amado”.

Deserto - espaço criado e aceito para responder a Deus que me chama na verdade do meu ser, do meu dia-a-dia.

Deserto - tempo e lugar da expressão da paixão amorosa de Deus que chama e de nós que respondemos: “Eis me aqui, Senhor… Seja feita a tua vontade”. “O Espírito e a Esposa dizem: Vem”. E a quem escuta se diz: ”Vem. Quem tiver sede venha e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 27,17)

 

A gente vai no deserto sem enfeites, no silêncio e na pobreza do “ser”, para escutar Deus falar ao coração, para olhar para mim e me deixar reconstruir no ter e no ser, nas relações.

 

Deserto é o lugar de conversão e “espaço vocacional”. Na volta do deserto, a gente está mais preparado para assumir a Fraternidade (espaço eclesial), para receber o sacramento do perdão e entregar a vida ao olhar dos irmãos (RdV) para buscar novos caminhos de serviço e entrega no seguimento a Jesus Cristo.

Deserto é lugar onde a gente faz a verdade sobre si mesmo. Espaço e tempo para se deixar questionar e responder: ”Senhor, Tu sabes que eu Te amo”.

Deserto é ato de Fé e de Amor, onde a gente se entrega ao amor misericordioso e criador do nosso Deus. A resposta ao Bem-Amado que convida: “Vem”. O nosso amor, vivido no amor de castidade, exige tempo de deserto para não se perder no caminho.

 

A gente vai para o deserto com:

•         O Povo de Deus que “no deserto andava…”;

•         Os profetas para quem o fogo queime por dentro;

•         Maria que “guardava e meditava no seu coração”; que soube falar na hora certa “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segunda a vossa vontade”;

•         com Jesus  - Vida aberta para o Pai e para os irmãos;

•         com os “os grandes orantes” da Igreja de hoje e

•         com o incentivo cativante do Irmão Carlos.

 

No deserto, a gente vai aprender a articular a oração do abandono como Jesus. No deserto e na cruz Ele se entregou nas mãos do Pai para fazer a sua vontade e para vir o seu Reino.

          Por fim, vamos para o deserto, porque somos seguidores de Jesus, consagrados pelo Batismo e ordenados para servir o Povo de Deus.

 

PE. TIAGO HAHUSSEAU                                

Boletim Jesus Caritas da Fraternidade Sacerdotal - n°. 96  ano 1996

 

          3. O PEQUENO COMO FORÇA PARA GRANDES ENTREGAS

 

 

São onze anos que venho praticando com freqüência o dia mensal de deserto. E, ainda que seja difícil apontar os frutos que esta experiência tem amadurecido em mim (o essencial do trabalho do Espírito é invisível aos nossos olhos), posso afirmar, com muita modéstia, que esta prática me fez mergulhar no silêncio interior, base da vida contemplativa. 

Em meus dias de deserto, tenho conhecido as horas de alegria e as de aridez, os encontros lúcidos e serenos com o Senhor e as longas e aborrecidas esperas que parecem conduzir a nada. O dia do deserto se revela sempre com um lance na aventura do coração crente em busca do seu Senhor. Porém, no conjunto desses anos transcorridos, mantendo com assiduidade a prática do deserto, posso ver agora, com certa perspectiva, que os dias cinzentos não estavam, de modo algum, mais longe do Senhor do que aqueles outros que nos pareciam luminosos e esplêndidos; o essencial, do dia do deserto, é esse desprendimento total, essa espera silenciosa de Deus, vivida na inatividade e na ruptura com as ocupações habituais.

 

POR QUE UM DIA MENSAL DE DESERTO?

 

          O fator “periodicidade” joga um papel determinante nesta experiência do dia do deserto. Trata-se de ir cultivando em nós uma capacidade e uma necessidade de agendar que não são filhas da improvisação, do acaso. Naturalmente, a todos nos custa romper com nossas ocupações do dia a dia (achamo-nos tão necessários na tarefa que cada um desempenha…!). Custa-nos também romper com nossos hábitos e comodidades domésticas, que nos proporcionam certa segurança e fortaleza no conjunto de nossa imagem social.

          Pois bem. O dia de deserto obriga, ao menos uma vez por mês, a romper com a atividade e as preocupações prefixadas, para poder descobrir que todo trabalho tem raízes mais profundas das que ordinariamente lhe atribuímos, e que os caminhos batidos demais atrofiam ou mantém adormecidas algumas das nossas melhores qualidades.

          Quantas vezes, ao sair de manhã bem cedo para o lugar deserto, vendo os meus vizinhos do bairro saírem também, mas… para os seus trabalhos cotidianos, tenho chegado a sentir vergonha e pensar que eu era privilegiado. Um dia inteiro para mim, para fazer o que eu quisesse. Quem pode dispor, pensava eu, deste luxo? Submergido, porém, nos caminhos da solidão dos dias de deserto, encontrava a resposta a tão acusadora inquietude. Sim, é um privilégio, ou melhor, é um dom que não se dá a mim somente. É uma graça que me ajuda a ser mais autêntico em meu ser e em meu agir. Nesse sentido, torno-me mais autêntico e solidário nos caminhos desses irmãos que não têm descoberto (e não é por culpa deles) a necessidade de uma pausa no caminho para sentir outras palpitações da vida que não se escutam entre o fazer, o ser protagonista e o competir a que nos força esta dura necessidade de sobreviver.

 

COMO SE FAZ UM DIA DE DESERTO?

 

          Para o dia de deserto não se deve preparar muitas coisas. É necessário preparar-se (isto sim) a si mesmo. Não se deve ir ao deserto somente com o corpo. É preciso levar o espírito convenientemente preparado mediante o desejo vivo do encontro com Deus. Esta disposição de ânimo deve vir propiciada por uma série de condições externos que é preciso cuidar com esmero.

          Minha experiência me adverte que, sem tais condições, o deserto degenera com facilidade num dia de campo, numa explosão de paisagens, coisas aliás boas em si, que podem ser integradas no dia do deserto, mas que jamais se podem comparar com ele. Estas condições mínimas podemos resumi-las assim:

 

CLIMA DE VERDADEIRA SOLIDÃO

 

          Buscar lugares distantes das pessoas. Esse espaço melhor nos dispõe a nos encontrarmos com as pessoas, das quais nós antes tínhamos nos distanciado, sob outras perspectivas que não seja o encontro massificado e barulhento de sempre.

NÃO OCUPAR O TEMPO COM LEITURAS

 

          A Bíblia,  o Saltério, podem ajudar. No início dedicava-me a eles na maior parte do dia de deserto. Pouco a pouco, porém, tenho sentido a necessidade de prescindir também desses livros. A Palavra de Deus vai ressoando vivo, de outra maneira, por dentro.

 

AUSTERIDADE NA COMIDA

 

          O ideal seria que a comida seja preparada pelo retirante no dia anterior. Tomar alimentos que não sejam pesados, que não induzem ao sono. No deserto, até a comida material nos deve lembrar que ali estamos para sermos alimentados por Deus. René Voillaume nos diz: “o deserto é uma tentativa de avançar despido, fraco, desprovido de todo apoio humano, em jejum total de alimento terreno, mesmo espiritual, ao encontro com Deus. É verdade que não podemos ir longe se Deus não nos envia Ele mesmo o alimento, como fez com Elias prostrado, esgotado e extenuado. O deserto é sempre uma respeitosa espera do alimento divino. É como um grito de socorro lançado a Deus.

 

ORAÇÃO SILENCIOSA

 

          O elemento “silêncio” deveria ser sublinhado até o infinito. Silêncio dos sentidos, silêncio da mente, silêncio da afetividade. Instantes passeando, instantes sentado ou de joelhos, conforme lhe permitam o clima e o espaço. Sempre, porém, atento ao passo do Senhor, mergulhando na escuta dEle. Esse Senhor nos fala com a eloquência penetrante do silêncio.

 

ENSINAMENTO DO DESERTO

 

          O deserto tem me conduzido a vivenciar a fé cristã como dom de si. Dom que se expressa não no ato imediato do serviço, no fato de dar-se aos outros, mas na gratuidade do puro oferecimento. Eu entro no deserto como quem vai ao encontro de Cristo na Cruz, para oferecer-me com Ele ao Pai pela salvação do mundo. O deserto se converte, assim, em lugar e escola de intercessão. Subjugado por um Jesus fraco e reduzido à impotência, um Jesus que nos ensina que o que importa é amar e que a libertação dos homens não está em proporção direta à quantidade de nossas ações, mas à qualidade de nosso ser entregue incondicionalmente à vontade do Pai. Os dias de deserto vão aperfeiçoando essa atitude de fé pura e transparente de entrega radical, mediante a qual nos sentimos instrumentos nas mãos de Deus para a transformação de nossa sociedade aos valores do Reino.

          A aridez dos dias de deserto, esse despojar-se, ou melhor, esse deixar-se despojar e conduzir por Ele, nos prepara para viver atentos ao passo de Deus na nossa história e para dar razão de nossa esperança nos tempos de crise em que vivemos. E assim, quando chegam aqueles outros desertos, que para todos chegam, ou seja, o fracasso, a doença, as situações sem saída, estamos preparados por Deus, trabalhados pelo Espírito para não derrubar-nos nas crises e reconhecer os próprios limites como a maior fonte de fecundidade e eficácia que a fé faz brotar no seio da existência de quem crê.

          Não poderia acabar esta reflexão - que, embora pobre, me permite ter uma visão de conjunto sobre estes dias de graça vividos sob a luz do deserto, - sem dizer, com a boca cheia: “Obrigado, Senhor, pelo dia mensal de deserto, sacramento do teu passo de amor silencioso por minha vida, e revelador dessa verdade tão consoladora, de que somente Deus salva”.

 

 

                                                     Antônio Lopez Baeza - em “Cadernos de Oração”- 1987

                                         

Boletim Jesus Caritas da Fraternidade Sacerdotal - n°. 88  ano 1992

 

4. Dia de Deserto 

 

O termo “deserto” vem da espiritualidade do irmão Carlos e é um tema clássico na história da espiritualidade cristã. O dia de deserto se entende como “dia de solidão”. O membro da fraternidade procura passar um dia de ao menos seis horas, cada mês, completamente à parte de tudo, a sós com o Senhor, de preferência sem nenhum material de leitura ou outras ajudas espirituais. É de grande utilidade começar na noite anterior e passar o dia seguinte em solidão. Os que são fiéis à prática do dia de deserto, descobrem o imenso benefício que ele traz para sua vida cristã e ministerial. A oração do dia consiste na entrega do nosso tempo a Deus, reconhecendo-o como o Absoluto de nossa vida. O deserto é um intenso despojamento em vista do essencial, juntamente com um forte sentido da presença de Deus e sua adoração. É uma experiência de esvaziamento de nós mesmos e experiência de que só Deus é o Absoluto de uma vida. Suspendendo nossas atividades, experimentamos a própria pobreza e a total dependência do Senhor. Experimentamos nossa fragilidade, nossa situação de criaturas. O deserto é freqüentemente um lugar de tentação. Alguns irmãos são tomados de melancolia, de desolação interior, de aridez. É então que sentimos a aguda necessidade do Espírito Santo para perseverarmos com coragem, apesar da nossa fraqueza, e permanecermos fiéis. Humanamente falando, a maior tentação pode ser a procura de resultados imediatos do dia de deserto. 

O deserto não é primeiramente um lugar físico. No entanto, quanto mais simples e sem distrações o ambiente, mais favoráveis as condições para um dia proveitoso. Isso é importante como é importante entrar no dia com o espírito aberto e generoso. Alguns procuram um sítio, outros vão a uma praia deserta ou fazem longas caminhadas. Outros simplesmente ficam num quarto vazio onde passam o dia. Nossa revisão de vida é preparada em oração no dia de deserto, refletindo e interpretando na fé a atual compreensão de nossa vida espiritual. 

 

 

 

II. O DIA DE DESERTO (Ler 1Rs 19, 1-16)

 

O povo de Israel, na noite que antecedeu a libertação do Egito, antes de peregrinar pelo deserto, celebrou a ceia com o cordeiro pascal. Assim, se prepararam recebendo a força de Deus para a longa travessia pelo deserto. Também nós passaremos a noite em adoração na companhia do Cordeiro de Deus, Cristo eucarístico imolado por nós, preparando-nos para o deserto que ocupará nosso dia de amanhã. O deserto será a culminância dos temas que refletimos nesses dias: a paternidade de Deus criou o mundo e gera a fraternidade universal. O deserto será também um prolongamento litúrgico de nossa noite na intimidade com o Querido Irmão e Senhor Jesus. 

O povo de Israel que nos precedeu na caminhada viveu o deserto, em primeiro lugar, como uma fuga para libertar-se da escravidão. Também Elias fugiu quando se sentiu ameaçado de morte pela rainha Jezabel, depois de ter derrotado os profetas de Baal. O importante é não fugir de Deus, não fugir de nós mesmos. Costumamos fugir dos perigos, dos atropelos do dia, das confusões e atritos com as pessoas, da rotina da vida, das atividades estressantes. A fuga nem sempre é negativa visto que nem sempre é retrocesso. Trata-se de uma fuga que nos desinstala e nos impulsiona para avançar, sair da escravidão para conquistar a liberdade. Moisés foge para Madian com medo da vingança e da missão e acabou encontrando Javé na sarça ardente (Ex 3, 1-15). Elias foge da rainha e da solidão pastoral e se encontrou com Javé no alto da montanha. Jonas é forçado a entrar no deserto interior (ventre da baleia) até aceitar a missão que havia recusado. Jacó foge do irmão até ser vencido pelo cansaço e pelo sono (Gn 28, 10-20). Às vezes é preciso fugir para encontrar-se. A fuga é positiva quando não fugimos de Deus, que nos acompanha e nos espera para um encontro em profundidade. 

No caminho do deserto relembramos os que nos precederam nessa experiência: os patriarcas, os profetas, João Batista, Jesus, Paulo, o Ir. Carlos e tantos outros que, antes de tomar qualquer decisão importante, retiraram-se para o deserto. Deserto é lugar de encontro com Deus e conosco mesmos. Deserto em hebraico “Da Bar” quer dizer o lugar onde floresce a Palavra. Deserto e Palavra são semelhantes. Deserto é o lugar onde se faz silêncio para escutar e acolher a Palavra, deixar-se modelar e transformar pela força da Palavra. Assim descobrimos a Palavra e reencontramos o caminho: “O Senhor estava neste lugar e eu não sabia” (Gn 28, 20). “Encontrei Deus face a face”. Esvaziar-nos de nós mesmos para escutar e ver a Deus. “É preciso atravessar o deserto e nele permanecer para receber a graça de Deus. É lá que nos esvaziamos de tudo o que não é Deus. É lá que se esvazia completamente a pequena morada de nossa alma para deixar todo o espaço só para Deus”, diz o Ir. Carlos ao Pe. Jerônimo (19/05/1897). Pensemos na fuga de Elias. Ficou só, esvaziado de tudo, inclusive de qualquer projeto existencial. Assim Javé pôde vir ao seu encontro. Também Jesus, sozinho e vencendo as tentações, encontra-se com o Projeto do Pai. 

Quando nos esvaziamos de nós mesmos começamos a escutar muitas vozes. O deserto é repleto de vozes e chamados. A voz de Deus se faz ouvir de muitos modos. Podemos carregar a Bíblia ou andar de mãos vazias, tentando escutar o eco da Palavra anunciada e meditada durante o retiro. Além disso, toda a criação fala de Deus, é sacramento de Deus. Basta lembrar os textos bíblicos indicados. Neles Deus se comunica pela brisa suave, pelo corvo, pelo pão e pela água, pela terra (tira as sandálias), pela sarça, pelas pedras e pela escada de Jacó. No deserto nos sentimos envolvidos pelas obras de Deus que cantam sua sabedoria, bondade e beleza. O deserto é cheio de vida. Saber escutar o vento, o trinar dos pássaros e dos grilos, as vozes e os silêncios. Francisco de Assis escutava o vento que se tornara seu melhor amigo. Livre, soprava para onde queria, como o Espírito do Senhor.

O deserto nunca foi uma realidade fácil. Foi exigente para Moisés, que tinha medo do Faraó e não queria assumir a missão. Foi comprometedor para Elias que teve que regressar o povo com várias tarefas complicadas. Foi assustador para Jonas que teve que passar pelo deserto interior da baleia até que se convertesse à misericórdia de Javé que o enviava para Nínive. 

Deserto é também lugar de luta. Jacó lutou a noite inteira com um Anjo de Javé (Gn 32, 23-32). Lutou contra o irmão que fugiu. Caiu no sono e Javé se comunicou com ele no sonho. No deserto Jesus luta com Satanás que o tenta de mil maneiras. No deserto afloram fantasias e tentações, realidades e pensamentos esquecidos retornam em profusão e confusão. No meio de tudo abre-se um espaço para o reencontro consigo mesmo, para a revisão de vida, para a luta contra os fantasmas, os temores, as incoerências, a auto-suficiência... Reencontra-se o rumo da caminhada, a missão que o Senhor nos confia, a vocação missionária. “Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás” (Mt 4, 1-11).

Deserto, enfim, é o lugar da sedução, da volta ao primeiro amor, da renovação da fidelidade. “Eis que vou eu mesmo seduzi-la, conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração” (Os 2, 16). Deserto é o lugar de saborear o Cântico dos Cânticos onde se procura o Bem Amado até encontrá-lo na intimidade e escutá-lo sem pressa, sem olhar para o relógio. No encontro recebe-se a força para caminhar quarenta dias e quarenta noites e até mais enquanto perdurar a travessia do deserto.

Deserto não é passeio para esfriar a cabeça, nem distração em meio à natureza exuberante, nem ocasião para resumir os temas do retiro. É providencial que ele aconteça no fim do retiro. À luz do encontro com o Senhor decidimos para onde vamos, como vamos realizar a travessia de peregrinos no jubileu da vida e da história. É o momento de dizer com magnanimidade e coragem: “Senhor, eu aceito ser libertador como Moisés; Aceito regressar ao povo como Elias, assumindo a missão confiada; Aceito ser como Jonas, que se deixou vencer pela tua misericórdia, que inundou sua vida e o impeliu a ir à Nínive com a certeza de que muitos se converteriam”. Urge retornar do deserto para a vida e o ministério e dizer: “Renasci a partir do encontro com o Senhor e vou retomar com garra e generosidade a missão que Ele me confia”.

 

Ex 3, 1-15    1Rs 19,1- 16     Jonas     Gn 28, 10-20    Mt 4,1-11   17,1-13

 

5. NOTICIAS

Deserto: Retiro no Asekrem, Argélia                                               

                                                                               Yves Chaloult*

 

          Em setembro de 2009 tive o privilégio de fazer um retiro de 10 dias num dos eremitérios do Asekrem onde o nosso irmão Charles de Foucauld morou de julho a dezembro de 1911.

       Após o retiro tive a oportunidade, em Tamanrasset, de conhecer melhor os irmãozinhos de Jesus que lá convivem há várias décadas, especialmente Antoine Chatelard, assim com as irmãzinhas do Sagrado Coração, fundadas em 1933.

A espiritualidade do irmão Carlos é muito imbuída do deserto o qual me marcou profundamente. O silêncio exterior absoluto durante 10 dias, sem encontrar uma única pessoa, me ajudou a captar e desvendar um pouco a alma do deserto.

Chegando ao Asekrem, planície vulcânica de rara beleza a 3000 metros de altitude, o passo a passo do dromedário nos conduz ao passo a passo de nossas vidas, penetrando no vazio para chegar ao Absoluto.

          Como diz um amigo, nesta caminhada do silêncio, além da abertura do coração, surge o encontro fortuito com o divino e a não temporalidade: o tempo desaparece e o infinito milenar surge numa paisagem fixada pelos anos. O deserto não é mais um lugar de morte mas de vida, em permanente e lenta transformação, como nos mesmos.

          Não habitamos o deserto, é ele que nos habita como riqueza de silêncio e fonte desconhecida. É um lugar privilegiado para a iniciação. O deserto nos molda à sua imagem como o vento esculpe as dunas e arredonda as pedras.

          No caminho, o olhar do nômade na sua calma profunda de mestre e no seu despojamento que nos confronta é um exemplo de vida livre da superficialidade da dita civilização. O seu canto carrega a sua poesia que o coração capta na inutilidade das palavras.

          O que dizer do espetáculo do sol, da lua e das estrelas, cobrindo com sua presença essa terra que gira sobre o seu olhar. Esta realidade majestuosa aniquila o tempo para dar ao momento presente todo o seu peso, sua importância e nos relembrar que o essencial é habitar totalmente o que existe, no “aqui e agora”. O mental lentamente desvanece na desestruturação na qual nos conduz o passo a passo do deserto. Confrontado com a vida, a morte e a história de nosso ser, construímos o caminho no encontro de nosso “sábio interior” que, nesses lugares, pode falar e se manifestar. Assim ele nos ilumina no que diz respeito à nossa presença nessa vida e nesse planeta. Como diz o profeta Oséias (2,16): “Eu te levarei para o deserto e falarei ao teu coração”.

          Quando encontramos o deserto na sua essência, ele toma conta de nos como um farol permanente que se manifesta tanto de dia quanto de noite. Nos momentos de dúvidas e contradições nas nossas vidas, o deserto está lá como luz e fonte do oásis que traz o reconforto após uma longa caminhada.

          O homem reencontra o homem, o coração reencontra a essência da vibração à vida e, se a escuta nos impregnar, o vazio fala de plenitude... do “Eu sou” em toda coisa, em todo ser e em todo momento. Desta forma a busca para, cedendo o lugar à verdadeira contemplação. Podemos assim vivenciar e nos entregar plenamente à “Oração do Abandono” do nosso Irmão Carlos.

*Desde o início de 2010 o autor está caminhando e partilhando com os 23 povos indígenas do alto rio negro na diocese de São Gabriel da Cachoeira do seu amigo Dom Edson Damian.

 

 

6. UM LIVRO UM AMIGO

 

1. Livros da espiritualidade do Ir. Carlos:

 

CHATELARD, Antoine, Charles de Foucauld, O caminho rumo a Tamanrasset, Paulinas, São Paulo, 2009.

 

DAMIAN, Pe. Edson T, Uma espiritualidade para o nosso tempo, Carlos de Foucauld, Paulinas, São Paulo, 2007.

 

FRAÇOIS SIX, Jean, Charles de Foucauld, O Irmãozinho de Jesus, Paulinas, São Paulo, 2008.

 

LAFON, Michel, 15 Dias de oração com Charles de Foucauld, Paulinas, São Paulo, 2005.

 

SILVA, Celso Pedro da e BIZON, J. (Orgs.). Meios para uma espiritualidade presbiteral, Loyola, São Paulo, 2005.

 

2. Diversos:

 

MAÇANEIRO Marcial, Religiões e Ecologia. cosmovisão, valores e tarefas. Paulinas, São Paulo, 2011.

 

PAGOLA, José Antonio. Jesus, aproximação histórica. Vozes, Petrópolis, RJ. 2010.

 

RIBEIRO Renato (Org.) Sustentar a vida. Paulinas. São Paulo, 2011

 

SUSIN, Luiz Carlos e SANTOS, Joe Marcial. Nosso Planeta Nossa Vida Ecologia e Teologia. Paulinas. São Paulo, 2011.

 

7-AGENDA

 

Retiro Anual

03 a 10 de janeiro de 2012

Local: Hidrolândia, GO

Assessoras: Irmãzinhas de Jesus

Resp. Pe. Celso Pedro da Silva

 

Mês de Nazaré

03 a 28 de janeiro de 2012

Local: Mosteiro da Anunciação, Goiás, GO

Resp. Pe. Freddy Goven e Equipe

 

Assembléia Internacional

06 a 21 de novembro de 2012

Local: Foyer de Charité, La Part-Dieu – Poissy,  França

Resp. Pe. Abraham Apolinário

 

Região Leste

29 a 31 de agosto de 2011

Local: Caeté, MG

24 a 26 de outubro de 2011

Local: Roças Novas, MG

30/11 a 01/12 de 2011

Piraí, RJ

Resp. Pe. Hideraldo Veríssimo Vieira

 

Região Nordeste

13 a 15 de setembro de 2011

Local: Alagoinhas, BA

Resp. Pe. Eliésio dos Santos

 

Região Sul

19 e 20 de setembro de 2011

Porto Alegre, RS

Resp. Pe. Silvio Guterres Dutra

 

Encontro da Equipe de Coordenação

18 a 21 de outubro de 2011

18/10 – início com o jantar

21/10 – término com o almoço

Local: São Paulo

Resp. Pe. Celso Pedro da Silva

 

 

8. MISSA EM HONRA DO BEATO IRMÃO CARLOS DE JESUS

 

ORAÇÃO

Oremos: Deus, nosso Pai, chamastes o Beato Irmão Carlos para viver do vosso amor na intimidade de vosso Filho, Jesus de Nazaré. Concedei-nos encontrar no Evangelho o fundamento de uma vida cristã sempre mais radiante, e na Eucaristia, a fonte da fraternidade universal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!

 

LEITURA DO LIVRO DA SABEDORIA (Sb 11,23-12,2)

 

23Senhor, de todos tens compaixão, porque tudo podes. Fechas os olhos aos pecados dos homens, para que se arrependam. 24Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa não a terias criado. 

25Da mesma forma, como poderia alguma coisa existir, se não a tivesses querido? Ou como poderia ser mantida, se por ti não fosse chamada? 

26A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida! 

12,1O teu espírito incorruptível está em todas as coisas! 2É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor.

- Palavra do Senhor.

 

SALMO RESPONSORIAL (Sl 39)

 

R/. Eu disse: Eis que venho, Senhor,

com prazer faço a vossa vontade!

 

2Esperando, esperei no Senhor, *

e inclinando-se, ouviu meu clamor.

4Canto novo ele pôs em meus lábios, *

um poema em louvor ao Senhor. 

 

7Sacrifício e oblação não quisestes, *

mas abristes, Senhor, meus ouvidos;

não pedistes ofertas nem vítimas, *

holocaustos por nossos pecados.

 

8E então eu vos disse: “Eis que venho!” *

Sobre mim está escrito no livro:

9“Com prazer faço a vossa vontade, *

guardo em meu coração vossa lei!”

 

10Boas novas de vossa justiça +

anunciei numa grande assembleia; *

vós sabeis: não fechei os meus lábios!

 

ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO (Jo 14,23)

 

R/. Aleluia, Aleluia, Aleluia.

V/. Quem me ama realmente guardará minha palavra, 

E meu Pai o amará, e a ele nós viremos. 

 

EVANGELHO (Jo 15,9-17)

 

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João.

 

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “9Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. 10Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. 11Eu vos disse isso, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena. 12Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. 13Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos. 4Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando.15Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai.16Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça. O que então pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo concederá.17Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros”.

 

Palavra da Salvação.

 

ORAÇÃO SOBRE AS OFERENDAS

 

Olhai, Senhor todo-poderoso, o sacrifício que vos oferecemos na festa do Beato Irmão Carlos, e concedei-nos testemunhar em nossa vida os mistérios da Paixão do Salvador, que celebramos nestes ritos sagrados. Por Cristo, nosso Senhor. Amém!

 

ANTIFONA DA COMUNHÃO (Jo 15,4a.5b)

 

Ficai em mim, e eu em vós hei de ficar, diz o Senhor;

quem em mim permanece, esse dá muito fruto. 

 

ORAÇÃO APÓS A COMUNHÃO

 

Oremos: Deus todo-poderoso, refizestes nossas forças nesta mesa sagrada. Concedei-nos imitar os exemplos do Beato Irmão Carlos, procurando vos servir com um coração sempre fiel, amando todos as pessoas com incansável caridade. Por Cristo, nosso Senhor. Amém!

 

 

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