TEXTOS DA SEMANA

Os textos ficam aqui por uma semana. Os textos dos que possuem blogs ou sites devem ser buscados pelos links a seguir:  INÁCIO VALE - MAGDA MELO - PE. NELITO DORNELAS -   MARCELO BARROS-    PE. GEOVANE   - FREI BETTO  -  LEONARDO BOFFDOM WALMOR - DOM FONTINELE 

01 de maio: Dia do Trabalhador e de São José operário - Magda Melo

O trabalho é fundamental para a dignidade da pessoa, contribui para a construção de uma sociedade justa. O trabalhador não é mercadoria, por isso, não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito à justa remuneração, que não se mede apenas pelo custo da força de trabalho, mas também pelo direito à qualidade de vida digna. 

Na Constituição Brasileira os artigos referentes a este assunto são encontrados no capítulo I, artigo 5°, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Cada um de nós tem o direito de viver e ser livre, ter sua casa, ser respeitado como pessoa, não ter medo, não ser pisado por causa de seu sexo, cor, idade, trabalho, da cidade de onde veio, da situação em que está, ou por causa de qualquer outra coisa, porque temos os mesmos direitos, esses direitos são sagrados e não podem ser violados e nem retirados de nós.

O evangelho é contra toda ganância, contra a exploração do trabalhador, contra as repressões e politicagens. Jesus de Nazaré veio para libertar seu povo e a Igreja continua sua missão na sociedade, caminhando à luz do Evangelho, lutando contra as injustiças que atingem os trabalhadores e trabalhadoras, para que todos possam participar dignamente dos frutos de seu trabalho. Diante disso, dizemos não ao “conceito economicista da sociedade, que procura o lucro egoísta, fora dos parâmetros da justiça social” (Papa Francisco, Audiência Geral, 1º. de maio de 2013).

A nossa fé não nos permite fazer diferença de raça, de religião, de partido político. Por isso, nós cristãos lutamos pelo bem de todos os trabalhadores, principalmente pelos que mais sofrem, pelo idosos, pelos deficientes, pelo homem, pela mulher, pelo trabalhador, pelas crianças, pelos jovens.

Ao celebrar a festa de São José Operário, inteiramente dedicada ao “pai adotivo” de Jesus, a Igreja não quer outra coisa senão colocar-se a serviço da classe trabalhadora, sob a proteção deste santo tão querido pelos brasileiros e ter a presença dos trabalhadores dentro da Igreja e ser a presença da Igreja junto aos trabalhadores.

Que a luta e a resistência, alimentada pela fé em Jesus de Nazaré e na devoção a São José Operário, nos fortaleça nessa caminhada rumo ao Reino que se constrói no caminho.

Por isso, há necessidade de defender o trabalho e a dignidade do trabalhador como nos tem pedido o Papa Francisco: 

Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.

O Brasil possui atualmente a média de 1,8 milhões de pessoas desempregadas! São José Operário, interceda ao nosso Deus misericordioso bençãos e nos fortaleça cada vez mais na justiça, na paz, na fraternidade. E olhe com olhar de Pai amoroso para o nosso povo, nosso Brasil e o mundo inteiro


A utopia Brasil - Pe. Nelito Dornelas

No dia 22 de abril de 2019. Nesta data comemoram-se o Dia Internacional da Mãe-Terra, declarado pela ONU; o Dia da Comunidade Luso-Brasileira, em homenagem ao desembarque de Pedro Álvares Cabral, em Porto Seguro-BA, em 1500; dia do desembarque de Hernán Cortês de Monroy, em Vera Cruz, com 600 soldados, 16 cavalos e peças de artilharia, em 1517. E neste dia acontece a celebração da primeira missa, em Monte Pascal-BA, pelo Frei Henrique de Coimbra.

Para ajudar a compreender este dia e jogar um pouco de luz sobre nossa história e o contexto atual, revisitei um dos escritos do antropólogo Darcy Ribeiro, denominado Utopia Brasil. Este texto foi produzido a pedido de Leonardo Boff e assumido como prefacio de seu livro O caminhar da Igreja com os oprimidos, publicado em 1980.

Fôramos, se a sorte sobejasse, o que buscava o Infante, queimando-se pelo amor de Deus com seu cinto de cilício e urdindo sua heresia pentecostal. Houve um Tempo do Pai de que reza o Velho Testamento. Depois, um Tempo do Filho de que o Novo Testamento é a crônica. Agora, é chegada a Hora do Espírito Santo, em que os homens edificarão o Paraíso neste mundo.

Os navegantes que primeiro aportaram às praias tropicais americanas com as naus de velas latinas, armadas de astrolábios, bússolas e lemes que o Infante lhes dera, cuidaram que chegaram ao Éden. Os europeus que primeiro põem os pés em terra brasileira se perguntam também, surpresos, se não seriam gente do Paraíso aquela indiada louçã na beleza inocente de sua nudez emplumada. Os índios, ouvindo a soleníssima missa primeira, na fala latina do padre engalanado, campainhas tinindo, galinhas inaugurais cacarejando, se perguntavam, certamente, se não seria o povo de Maíra que chegava para melhorar mais seu belo mundo já tão gozoso de se viver.

Inocentes marinheiros. Índios inocentes. Não podiam supor que presenciavam a montagem da mó do engenho que mais gente consumiu e corrompeu neste mundo, por amor da pecúnia.

Desde então, se desencadeia, atropelada, a porfia do real e da quimera. São golfadas de esperança vivida. São hecatombes de sofrimento atroz. No chão sólido do mundo, a comunidade indígena solidária do comunismo primevo, chamada à utopia da cristandade, se desfaz no cativeiro da civilização. Cento e sessenta aldeias incendiadas. Passado tudo a fio de espada, cantaria depois, em versos mil, o tolo santo, na louvação ao braço secular subjugador do gentio – De Gestis Mendi Saa.

No chão espiritual, a utopia outra vez é sonhada. Calvino funda no Rio de Janeiro do primeiro dia para ser a Cidade de Deus, sem jaça nem graça. Generosos e desatinados, tão cheios de amor como de fúria, seus doze apóstolos genebrinos nem veem ali os Tamoios atentos que, pronto, seriam desfeitos. Só veem e só creem é nos 1.000 huguenotes que na verde terra ensolarada edificariam a utopia protestante. Logo desavindos se engalfinham, enforcando-se uns aos outros, por boas razões de doutrina e se afundando na pestilência e no pecado. Estala aí, então, a suja guerra santa de Mairs contra Perós, da Reforma e da Contrarreforma que se guerreia com os corpos dos índios confederados. Dez mil morrem para não caírem em tentação.

No balanço final das contas, a seara de Calvino só deu frutos podres de dor e de morte. Mas dela surgiram, inspirados, os textos utópicos que por séculos acalentam os homens: Tomás Morus, Erasmo de Roterdam, Campanella, Rousseau invertem o entendimento humano. Desalojam a utopia do Paraíso Perdido do passado e a projetam, mirifica, no futuro. O Éden não foi, nem se perdeu, porque não é dádiva divina. É tarefa de homens que se farão a si mesmos, no porvir, quando proibirem o passado de gerar o futuro com suas marcas.

Utopia mais veraz e persistente, concreta utopia, também enganosa e sofrida, foi a de Loyola, o possesso. Atado a todo atraso só quer reter o passado parado. Restaurar, contra o tempo, a verdade que não fora. Em sua fé abrasada, erra no discurso e erra no mundo. Generosos erros, mea-culpa, erros de quem corre o risco de procurar acertar. No seu ímpeto sai ele, mundo afora, que nem Deus e o diabo, a refazer os mundos. Veda, enquanto pode, com suas parcas mãos, as águas fluentes dos mundos coloniais que seriam. Fracassa afinal.


CABELOS BRANCOS - Frei Betto

      Participei em Belo Horizonte, no início de abril, do 12º encontro nacional do Movimento Fé e Politica. Quase duas mil pessoas. Ao contrário dos encontros anteriores à pandemia, poucos jovens. A maioria de cabelos brancos ou tingidos. 

      Minha geração envelhece. Chego este ano aos 80. Nossas ideias, propostas e utopias, também envelhecem?

      É muito preocupante constatar que as forças progressistas não logram renovar seus quadros. Para vice de Boulos, na disputa pela prefeitura de São Paulo, em outubro próximo, o PT precisou importar uma mulher filiada a outro partido: Marta Suplicy, que fará 80 anos em março de 2025.

      No Rio, o PT parece não ter quem indicar para possível vice na chapa do prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição. Tende a importar Anielle Franco, do PSOL.  

      Tenho proferido conferências pelo Brasil afora e assessorado movimentos populares. Os cabelos brancos predominam na plateia. As poucas manifestações públicas convocadas pela esquerda reúnem número inexpressivo de pessoas e, em geral, a turma dos cabelos brancos.

      Nós, da esquerda, estamos acuados. Como diz a canção de Belchior, “minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos (...) como os nossos pais”. “Nossos ídolos ainda são os mesmos”. E não vemos que “o novo sempre vem”. 

      A queda do Muro de Berlim abalou as nossas esperanças em um mundo onde todos teriam a sua existência dignamente assegurada. E o capitalismo, gato de sete fôlegos, inovou-se pelos avanços da ciência e da tecnologia e, sobretudo, do neoliberalismo. 

      Primeiro, a privatização do patrimônio público; em seguida, das instituições sociais, reduzidas a duas por Margaret Tchatcher: o Estado e a família. E, por fim, o cidadão foi despido de seu manto aristotélico e condenado a ser mero consumista, inclusive de si mesmo ao passar horas a se mirar no espelho narcísico das redes digitais. 

      Há uma progressiva despolitização da sociedade. A direita é como uma maré que sobe e ameaça afogar o que nos resta de democracia liberal. Basta dizer que um dos três programas de maior audiência da TV Globo e, portanto, de faturamento, é o BBB, que bem espelha os tempos em que vivemos: ali são explícitas as regras do sistema capitalista. O único objetivo é competir. Todos sabem que, ao final, apenas uma pessoa haverá de amealhar o pote de ouro. E a missão dos concorrentes é cada um fazer tudo para que seus pares sejam eliminados. É o que milhões de adolescentes aprendem ao perder horas assistindo àquele simulacro de “O anjo exterminador”, de Buñuel.

      Na esquerda “ainda somos os mesmos”. Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder. Abandonamos as favelas, as zonas rurais de pobreza, os movimentos de bairros. E não aprendemos a atuar nas trincheiras digitais, monopolizadas pela direita como armas virtuais da ascensão neofascista. 

      Não sabemos como reagir diante do fundamentalismo religioso que mobiliza multidões, abastece urnas, elege inclusive bandidos notórios. Fundamentalismo que apaga as desigualdades sociais e as contradições de classe e ressalta que tudo se reduz à disputa entre Deus e o diabo. Todo sofrimento decorre do pecado. Eliminado o pecado, irrompe a prosperidade, que empodera e favorece o domínio: a confessionalização das instituições públicas; a deslaicização do Estado; a neocristandade que condena à fogueira da difamação e do cancelamento todos que não abraçam “a moral e os bons costumes” dos que clamam contra o aborto e homenageiam torturadores e milicianos assassinos.

      Precisamos fazer autocrítica, rever nossas ideias, ter a coragem de abrir espaços às novas gerações e reinventar o futuro. Nossos cabelos brancos denunciam o inverno que nos acomete. É hora de uma nova e florida primavera!

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

Frei Betto é autor de 78 livros editados no Brasil, dos quais 42 também no exterior. Você poderá adquiri-los com desconto na Livraria Virtual – www.freibetto.org   Ali os encontrará  a preços mais baratos e os receberá em casa pelo correio. 


Ler a Bíblia de forma fundamentalista é perigoso, gera ilusão

Por frei Gilvander Moreira 

Quem lê e interpreta textos bíblicos de forma fundamentalista lê e entende a Bíblia ao pé da letra, do jeito que está escrito e não pode ser levado em conta a época, a forma e o gênero literário, nem o contexto, a finalidade para o qual foi escrito o texto, seu significado e simbolismo. O desconhecimento das formas e dos gêneros literários pode levar o/a leitor/a a ter uma compreensão errônea dos textos bíblicos e a não apreender a verdadeira mensagem contida, tanto no Primeiro quanto no Segundo Testamento bíblico.  

Ensinamentos nos foram transmitidos por meio dos escritos conhecidos como: históricos, proféticos, poéticos, sapienciais, legislativos e apocalípticos. Mas, é preciso que o/a leitor/a busque o significado que os/as autores/as, em determinada circunstância, na sua cultura, com as formas e os gêneros literários em uso na época, queriam expressar e, de fato, se expressaram. Desconsiderar as formas e os gêneros literários leva à projeção das nossas concepções preconcebidas sobre os textos bíblicos, o que resulta em leitura fundamentalista.  Quem, por exemplo, desconsidera os gêneros literários, ao ler o Evangelho de Marcos, onde diz “o véu do templo se rompeu” (Mc 15,38) entende apenas como um pano se rasgando. Ou ao ler Apocalipse 21,3 onde diz: “Deus armou sua tenda entre nós”, conclui apenas que Deus como pessoa está entre nós. Entretanto, considerando os gêneros literários, podemos dizer que pelo ensinamento e práxis de Jesus Cristo condenado à pena de morte pelos poderes político, econômico e religioso opressores, o “véu do templo se rompeu” e não há mais separação entre o céu e a terra, o divino está no humano, Deus habita no ser humano e em todos os seres vivos. “Deus armou sua tenda entre nós”, diz o livro do Apocalipse da Bíblia (Ap 21,3). Deus não apenas está entre nós, mas está em nós, no próximo e primordialmente no outro que é oprimido e explorado. O evangelista Marcos e o autor do Apocalipse queriam superar todos os dualismos e separações que a cultura ocidental inoculou nas pessoas com o objetivo de retirar a dimensão de sacralidade de cada pessoa e abrir espaço para violentar o ser humano, após retirar dele a dimensão divina. 

O Documento da Pontifícia Comissão Bíblica Interpretação da Bíblia na Igreja faz uma análise de muitos métodos de interpretação bíblica. Entretanto, o único método rechaçado com veemência é a leitura fundamentalista da Bíblia.  Segundo esse Documento da Igreja, a leitura fundamentalista é perigosa, porque sufoca e inibe o pensamento. “A abordagem fundamentalista é perigosa, pois ela é atraente para as pessoas que procuram propostas bíblicas para os seus problemas da vida. Ela pode enganá-las oferecendo-lhes interpretações piedosas, mas, ilusórias, ao invés de lhes dizer que a Bíblia não contém necessariamente, uma resposta imediata a cada um desses problemas. A leitura fundamentalista convida, sem dizê-lo, a uma forma de suicídio do pensamento. Ela coloca na vida uma falsa certeza, pois confunde, inconscientemente, as limitações humanas da mensagem bíblica, com a substância divina dessa mensagem. ”

Quando uma pessoa diz: “a Bíblia não deve ser interpretada, mas apenas colocada em prática”, inconscientemente, essa pessoa está fazendo leitura fundamentalista. É verdade que a Palavra de Deus não está só contida na Bíblia, mas ela é uma das formas da revelação de Deus para o povo oprimido e escravizado que acredita no Deus da vida. A palavra de Deus está na Bíblia, mas também está presente na vida, na criação, no outro, prioritariamente a partir do outro que é oprimido e injustiçado, e, se manifesta plenamente no seu Filho Jesus, cujos ensinamentos e práxis estão na Bíblia. Como não são sensatas as interpretações aleatórias, ingênuas e nem fundamentalistas, necessário se faz compreender os textos bíblicos em uma leitura libertadora.

A leitura libertadora dos textos bíblicos consiste em interpretação comunitária, aberta ao outro, dinâmica, ecumênica e interreligiosa, geradora de vida, transformadora e multifacetária. A leitura libertadora leva em conta as formas e os gêneros literários, o contexto histórico, social econômico, cultural e religioso da época em que nasceram os escritos bíblicos. Daí a importância do estudo da Bíblia, também nas suas Formas e Gêneros Literários. Para uma boa compreensão da Bíblia é fundamental reconhecer e identificar os gêneros literários dos textos bíblicos.

Pessoas habituadas ao estudo da Bíblia entendem que as formas e os gêneros literários são maneiras de comunicação oral e escrita, usados pelos autores e autoras da Bíblia, para expressar o seu pensamento e a sua mensagem. A escolha da forma ou do gênero que os autores e autoras da Bíblia usaram dependeu de vários fatores, entre os quais, o conteúdo, o ambiente do/a autor/a, aquilo que ele/ela deseja comunicar, o povo destinatário que recebeu o anúncio. Deus quis se comunicar com o ser humano para revelar a sua mensagem, no seu imenso amor pelas suas criaturas. O/a autor/a muitas vezes se serviu de livros, textos que nasceram fora da história dos povos da Bíblia, mas foram introduzidos nela, como o livro de Jó, a narrativa do dilúvio... Outros sofreram influências de diferentes povos e culturas, com os quais conviviam e dos povos circunvizinhos, tais como, os sumério-acádicos, cananeus, egípcios, helenistas, romanos, amorreus, hititas, entre outros. 

Esses povos tinham suas divindades, a quem dedicavam hinos e salmos na forma épico-mítica, por meio dos quais, descreviam também suas características, confiavam suas batalhas e atribuíam suas conquistas. Muitos desses textos influenciaram os escritos bíblicos, como, por exemplo, o Salmo 104 teve sua inspiração no hino dedicado à divindade Aton, deus egípcio. As narrativas da criação em Gênesis 1,1-2,4a e 2,4b-7 sofreram influência do hino a Enuma Elish, mito babilônico da criação; a narrativa do dilúvio bíblico, do poema de Gilgamesh, mitos existentes na cultura acádica e babilônica que serviram de inspiração para os povos da Bíblia. No livro de Gênesis, os relatos da Criação estão em uma linguagem simbólica e podem ser considerados contramitos, isto é, mitos usados para “explicar” as origens e responder a mitos mistificantes dos povos vizinhos. Mito não é algo que não existe. Trata-se de uma tentativa de explicar o difícil de ser explicado. Por isso usa uma linguagem simbólica. 

“No início (bereshit, em hebraico) criou Deus ...” (Gen 1,1a). Assim abre-se a Bíblia. Normalmente se entende a primeira palavra da Bíblia de forma temporal, cronológica, como se tivesse tido um início a partir do nada e em tal data. Essa interpretação tem alimentado um conflito artificial entre Criação e Evolução. Darwin tem sido satanizado, caluniado e incompreendido pelos adeptos da “teoria da criação”. A questão não é criação ou evolução, mas criação na evolução. A palavra bereshit (= no início) é difícil de ser traduzida, pois é “início, começo, cabeça”, mas não no sentido temporal, cronológico. Trata-se de “início, começo” no sentido qualitativo, no mais profundo das relações da teia da vida. Temos que trazer à mente a distinção que os gregos fazem na ideia de tempo: chronos (tempo físico quantitativo, sucessão dos fatos) e kairos (tempo qualitativo, o divino tocando o humano, a graça contagiando tudo). O/a autor/a bíblico não quis estabelecer uma oposição entre Criação e Evolução, pois falou de “início” no sentido de algo profundamente qualificado tocando a evolução. A criação se dá na evolução. O dedo de Deus toca tudo. Tudo está permeado e perpassado pela dimensão divina. Evolução é a criação continuada, continuamente acontecendo.


Referência

Pontifícia Comissão Bíblica. A Interpretação da Bíblia na Igreja. Paulinas: São Paulo, 1994.


23/04/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Um Tom de resistência - Combatendo o fundamentalismo cristão na política

https://www.youtube.com/watch?v=5zOV-dOpW-Q  

2 - Bíblia: privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no Palavra Ética 

https://www.youtube.com/watch?v=pFRiBrjmcMQ 

3 - Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5

https://www.youtube.com/watch?v=8ACp7JOtRb8   

4 - Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)

https://www.youtube.com/watch?v=IBMdrHRNkB0  

5 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022

https://www.youtube.com/watch?v=nUsZeprbRBY 

6 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

https://www.youtube.com/watch?v=bcIzASpx9Lo 

7 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

https://www.youtube.com/watch?v=1uc95pm6GeE 

8 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

https://www.youtube.com/watch?v=csZGT2S49SA 

9 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

https://www.youtube.com/watch?v=IuTKCuFgfhw 

10 - Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste

https://www.youtube.com/watch?v=SHIi1O66RCg 

11 - Contexto para o estudo do Livro de Josué - Mês da Bíblia 2022 - Por frei Gilvander - 30/8/2022

https://www.youtube.com/watch?v=6XJpE9u8a18 

12 - CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres

https://www.youtube.com/watch?v=n8CGPjlaApE 



O essencial em tempos de crise - Marcelo Barros

        5º Domingo da Páscoa: Jo 15, 1- 8. 


Neste 5º domingo da Páscoa, o evangelho proposto à nossa leitura é  João 15, 1- 8. É o começo da segunda parte do discurso de Jesus depois da última ceia. Nestas palavras de despedida, Jesus afirma ao grupo de discípulos e discípulas que nada, nem ninguém abalará a relação íntima que existe entre o Cristo e a comunidade. Ele sabe que iria sair dali para ser preso e o grupo seria disperso. Assim mesmo, propõe um modo de superar todas as crises e dificuldades: permanecerem unidos a Ele. É o verbo principal desta passagem do evangelho: permaneçam em MIM. 

Para explicar isso, Jesus usa a alegoria da videira. Assim como o Iroko, a gameleira, é um Orixá para as comunidades do Candomblé e a Jurema sagrada é um sacramento para as culturas indígenas do Nordeste e  a Auasca para muitas comunidades que praticam o Daime, assim também para o povo da Bíblia, como para os povos orientais, a videira é uma árvore sagrada. A videira é essencial na cultura de alguns países europeus e mesmo em algumas regiões do Sul do Brasil. No Norte e Nordeste, a videira não faz parte da cultura tradicional. Por isso, não conhecemos o trabalho da poda no inverno e o que significa o cuidado com a vinha. No Oriente antigo, o vinho é a bebida dos deuses e se tornou símbolo da aliança de casamento. Alguém contou que, na Bíblia, o termo videira e vinho aparecem mais de 200 vezes. 

Em quase todos os textos, a videira representa o povo de Israel. O profeta Isaías tem um poema no qual o agricultor que é Deus se queixa de que apesar de todo o seu esforço e o seu cuidado com a vinha, ela só dá uva amarga ou não produz nada. (Is 5). No salmo 80, a comunidade se lamenta de que parece que Deus, o agricultor, abandonou a sua vinha nas mãos dos saqueadores. O salmo pede que Deus venha de novo cuidar de sua vinha. 


Na alegoria do evangelho lido hoje, Jesus retoma essa alegoria para dizer três coisas: a primeira é que Ele, o Cristo Ressuscitado, é a verdadeira videira. O Pai é o agricultor e sempre foi o vinhateiro de Israel e Jesus é a videira. A segunda coisa é que os ramos só têm vida se ficarem ligados ao tronco da videira e a terceira é que os ramos precisam dar fruto e os que não dão fruto secam e caem. 

A maioria das pessoas que comentam esse evangelho dizem que Jesus substitui Israel. Ao afirmar isso, opõem o Cristianismo ao Judaísmo e ainda atribuem a Jesus esse pensamento preconceituoso que têm. Provavelmente, a comunidade do evangelho lembrou essas palavras de Jesus, em uma época na qual os rabinos da sinagoga expulsaram os cristãos. No entanto, mesmo assim, deixam claro que a polêmica de Jesus e da comunidade joanina é com o judaísmo do templo e o fundamentalismo dos rabinos da sua época e não com o Judaísmo em si. Isso é importante para evitar compreensão anti-ecumênica e pior ainda antissemita. Ao se definir como “verdadeira videira”, Jesus não se substitui ao povo bíblico. Ao contrário, se identifica com o verdadeiro povo de Deus. Como hoje cada um de nós pode dizer: Eu sou negro, sou índio, sou mulher...

Neste evangelho,  Jesus nos propõe permanecer. Os outros evangelhos tinham afirmado que o verbo do discipulado é seguir. O discípulo e discípula segue Jesus. O quarto evangelho assume o seguir mas completa: é preciso seguir e permanecer nele. Como os ramos da videira só são vivos se permanecerem ligados ao tronco. E essa relação assim tão íntima se dá através da Palavra “Se permanecerem em mim e a minha Palavra permanecer em vocês...”. Há uma palavra que a gente escuta e passa. A palavra de Jesus tem de permanecer em nós para que permaneçamos nele. 

A terceira coisa que ele nos diz é que a videira não pode só ser uma árvore bonita. Ela precisa dar fruto e só dá fruto se for podada. Na história, esse versículo do evangelho provocou muitos problemas. Deu lugar a que as Igrejas excomungassem pessoas como galhos secos que não dão fruto. Na Idade Média, a Igreja queimou hereges, citando este evangelho. O herege seria o ramo que não deu fruto e, por isso, é tirado e jogado no fogo. 

Na realidade, na alegoria usada pelo evangelho, o que Jesus diz é que se o ramo não fica ligado ao tronco, seca e secando cai e aí sim é apanhado e jogado no fogo. A advertência é que o ramo precisa ficar unido ao tronco e dar fruto. O fruto serve como alimento, como bebida, como abastecimento da vida. Se a fé e a relação com Jesus não nos leva a essa eficácia de uma práxis que produz vida, é como ramo que não dá fruto e seca. Jesus sempre tinha dito que a glorificação do Pai, ou seja, o testemunho do seu amor no mundo seria dado pela entrega da sua vida na cruz. A cruz seria o testemunho supremo da presença do Pai no mundo. Agora, no último verso deste evangelho, Jesus diz que esse mesmo resultado (a glorificação do Pai) se dará pela fecundidade dos discípulos e discípulas: que sejais fecundos/as e vos torneis meus (minhas) discípulos/as. 

Essa palavra é estranha porque Jesus estava falando a pessoas que, há tempo,  já eram discípulas dele. Por que, então, diz: que vos torneis meus discípulos? Porque nós somos plenamente discípulos e discípulas de Jesus à medida que fazemos o que ele faz: dar a nossa vida uns aos outros e pela causa do amor de Deus no mundo: a justiça, a paz ecossocial e o bem-viver.   


Origem dos frutos – Dom Paulo Peixoto


Os frutos são consequência normal de uma árvore frutífera. Pode existir também a infecundidade, desvio de sua potencialidade. O mesmo pensamento podemos dizer das plantas, dos animais, da terra, do ser humano, de uma máquina, uma indústria, todos são destinados a produzir frutos. O que se espera é que todos eles sejam bons, de qualidade e agradáveis para o bem da humanidade.

No livro da bíblia podemos encontrar a expressão: “Sejam fecundos” (Gn 1,22). Essa fecundidade tem a força da história, da preservação da espécie humana, mas também da natureza criada, porque, o que está como alvo, é a vida na terra. Permitir uma árvore produzir frutos é colaborar na estabilidade do bem da humanidade. De forma generalizada, os frutos sejam consequências saudáveis.

Jesus diz que para produzir frutos, entendidos aqui como trabalhos que defendem a vida, constroem amizade social e o bem comum, é necessário permanecer estreitamente ligado a Ele. É a analogia do ramo que absorve a seiva produzida pelo tronco. Jesus é o troco e dele vem tudo aquilo que é necessário ser feito para ter como consequência os frutos dentro dos objetivos programados.

Os bons frutos amadurecem, ficam saudáveis e, depois, são colhidos. Numa realidade de discrepância ideológica do momento cultural, há o perigo dos nossos trabalhos não produzir frutos de vida feliz e a colheita ser um desastre. Em muitos casos, os frutos são de falta de liberdade, de violência e de morte. É sinal de que os ramos não estavam em sintonia prefeita com o tronco, com Deus.

A fecundidade da vida tem um núcleo central, que deve ser norteado pelo termo amor, o mais possível, dentro da lógica de Deus. Não é fruto penas de palavras, mas com ações de verdade. Uma verdade edificada no testemunho autêntico e capaz de provocar vida nova. Então, aquele que procura fazer o bem na comunidade, tem que permanecer em Deus e agir com os critérios de Deus.

A esterilidade social de uma pessoa equilibrada e normal pode ser expressão concreta de esvaziamento interior. Talvez esteja aí o sentido da baixa autoestima e perda do sentida da vida de muita gente. Um ramo tem que estar ligado ao outro e ao tronco para produzir frutos. É o perigo do subjetivismo e isolamento. Sem Deus no coração e sem amor ao irmão é impossível produzir bons frutos.

Dom Paulo Mendes Peixoto

Arcebispo de Uberaba.


Somos Terra que pensa, sente, ama e cuida - Leonardo Boff

abril 2024

Hoje 22/4 celebra-se o dia da Terra. Ela se transformou atualmente no grande e obscuro objeto da preocupação humana. Damo-nos conta de que podemos ser destruídos. Não por algum meteoro rasante, nem por algum cataclismo natural de proporções fantásticas. Mas por causa da irresponsável atividade humana especialmente pelo modo de produção capitalista dominante. Três máquinas de morte foram construídas e podem destruir a biosfera: o perigo nuclear, a sistemática agressão aos ecosistemas e a mudança climática.  Em razão deste triplo alarme, despertamos de um ancestral torpor. Somos responsáveis pela vida ou pela morte de nosso planeta vivo. Depende de nós o futuro comum, nosso e de nossa querida casa comum: a Terra que amamos entranhadamente.

Como meio de salvação da Terra é invocada a ecologia. Não apenas no seu sentido palmar e técnico como gerenciamento dos recursos naturais, mas como uma visão do mundo alternativa, como um novo paradigma de relacionamento respeitoso e sinergético para com a Terra, tida como um superorganismo vivo (Gaia) que se autorregula.

         Mais e mais entendemos que a ecologia se transformou no contexto geral de todos os problemas, da educação, do processo industrial, da urbanização, do direito e da reflexão filosófica e religiosa. A partir da ecologia se está elaborando e impondo um novo estado de consciência na humanidade que se caracteriza por mais benevolência, mais compaixão, mais sensibilidade, mais enternecimento, mais solidariedade, mais cooperação, mais responsabilidade para com a Terra e com sua preservação.

         A Terra pode e deve ser salva. E será salva. Ela já passou por mais de l5 grandes devastações. E sempre sobreviveu e salvaguardou o princípio da vida. E irá superar também os atuais impasses. Entretanto sob uma condição: de mudarmos de rumo, de senhores e donos para irmãos e irmãs entre nós e com todas as criaturas. Essa nova de ótica implica numa nova ética de responsabilidade partilhada, de cuidado e de sinergia para com a Terra.

O ser humano, nas várias culturas e fases históricas, revelou essa intuição segura: pertencemos à Terra; somos filhos e filhas da Terra;  somos Terra, pois, como se diz no Gênesis, viemos do pó da Terra (Gn 2,7). Daí que homem vem de húmus. Viemos da Terra e voltaremos à Terra. A Terra não está à nossa frente como algo distinto de nós mesmos. Temos a Terra dentro de nós. Somos a própria Terra que na sua evolução chegou ao momento de autorrealização e de auto-consciência.

         Inicialmente não há, pois, distância entre nós e a Terra. Formamos uma mesma realidade complexa, diversa e única.

         Foi o que testemunharam os vários astronautas, os primeiros a contemplar a Terra de fora da Terra. Disseram-no enfaticamente: daqui da Lua ou a bordo de nossas naves espaciais não notamos diferença entre Terra e humanidade, entre negros e brancos, democratas ou socialistas, ricos e pobres. Humanidade e Terra formamos uma única entidade esplêndida, reluzente, frágil e cheia de vigor. Essa percepção é radicalmente verdadeira.

         Dito em termos da moderna cosmologia: somos formados com as mesmas energias, com os mesmos elementos físico-químicos dentro da mesma rede de conexões de tudo com tudo que atuam há 13,7 bilhões de anos, desde que o universo, dentro de uma incomensurável instabilidade (big bang = inflação e explosão), emergiu na forma que hoje existe. Conhecendo um pouco esta história do universo e da Terra estamos conhecendo a nós mesmos e a nossa ancestralidade.

         Cinco grandes atos, nos ensinam os cosmólogos, estruturam o teatro universal do qual nós somos coautores.

         O primeiro é o cósmico; irromperam as energias e elementos primordiais que subjazem ao universo. Começou o em processo de expansão; e na medida em que se expandia, se autocriava e se diversificava. Nós estávamos lá nas virtualidades contidas nesse processo.

         O segundo é o químico: no seio das grandes estrelas vermelhas (os primeiros corpos que se densificaram e se formam há pelo menos 5 bilhões de anos) formaram-se todos os elementos pesados que hoje constituem cada um dos seres, como o oxigênio, o carbono, o silício, o nitrogênio etc. Com a explosão destas grandes estrelas (viraram super novas) tais elementos se espalharam por todo o espaço; constituiram as galáxias, as estrelas, os planetas, a Terra e os satélites da atual fase do universo. Aqueles elementos químicos circulam por todo o nosso corpo, sangue e cérebro.


          O terceiro ato é o biológico: da matéria que se complexifica e se enrola sobre si mesma, num processo chamado de autopoiese (auto-criação e auto-organização), irrompeu, há 3,8 bilhões de anos, a vida em todas as suas formas; atravessou gravíssimas dizimações mas sempre subsistiu e veio até nós em sua incomensurável diversidade.


         O quarto é o humano, subcapítulo da história da vida. O princípio de complexidade e de auto-criação  encontra nos seres humanos imensas possibilidades de expansão. A vida humana surgiu e floresceu na África cerca de 8-10 milhões de anos atrás.A partir dai, difundiu-se por todos os continentes até conquistar os confins mais remotos da Terra. O humano mostrou grande flexibilidade; adaptou-se a todos os ecosistemas, aos mais gélidos dos pólos aos mais tórridos dos trópicos, no solo, no sub-solo, no ar e fora de nosso Planeta, nas naves espaciais e na Lua.

Por fim, o quinto ato, é o planetário: a humanidade que estava dispersa, está voltando à Casa Comum, ao planeta Terra. Descobre-se como humanidade, com a mesma origem e o mesmo destino de todos os demais seres. Sente-se como a mente consciente da Terra, um sujeito coletivo, para além das culturas singulares e dos estados-nações. Através dos meios de comunicação globais, da interdependência de todos com todos, se está inaugurando uma nova fase de sua evolução, a fase planetária. A partir de  agora a história será a história da espécie homo, da humanidade unificada e interconectada com tudo e com todos.

         Só podemos entender o ser humano-Terra se o conectarmos com todo esse processo universal; nele os elementos materiais e as energias sutis conspiraram para que ele lentamente fosse sendo gestado e, finalmente, pudesse nascer.


Mas que significa concretamente, além de nossa ancestralidade, a nossa dimensão-Terra?


Significa, primeiramente, que somos parte e parcela da Terra. Somos produto de sua atividade evolucionária. Temos no corpo, no sangue, no coração, na mente e no espírito elementos-Terra. Dessa constatação resulta a consciência de profunda unidade e identificação com a Terra e com sua imensa diversidade. Não podemos cair na ilusão racionalista e objetivista de que nos situamos diante da Terra como diante de um objeto estranho ou como seus senhores e donos. Num primeiro momento vigora uma relação sem distância, sem vis-a-vis, sem separação. Somos um com ela. 

         Num segundo momento, podemos pensar a Terra, distanciarmo-nos dela para vê-la melhoor e intervir nela. E então, sim, nos distinguimos dela para  podermos estudá-la e poder atuar nela mais acertadamente. Esse distanciamento não rompe nosso cordão umbilical com ela. Portanto, esse segundo momento não invalida o primeiro.       

Ter esquecido nossa união com a Terra foi o equívoco  do racionalismo em todas as suas formas de expressão. Ele gerou a ruptura com a Mãe-Terra. Deu origem ao antropocentrismo, na ilusão de que, pelo fato de pensarmos a Terra e podermos intervir em seus ciclos, podermos  nos colocar sobre ela para dominá-la e para   dispôr dela a nosso bel prazer. Aqui reside a raiz da atual crise ecológica.

Por sentirmo-nos filhos e filhas da Terra, por sermos a própria Terra pensante e amante, vivemo-la como Mãe. Ela é um princípio generativo. Representa o Feminino  que concebe, gesta, e dá a luz. Emerge assim o arquétipo da Terra como Grande Mãe, Pacha Mama, Tonantzin,Nana e Gaia. Da mesma forma que  tudo gera e reproduz a vida, ela também tudo acolhe e tudo  recolhe  em seu seio. Ao morrer, voltamos à Mãe Terra. Regressamos ao seu útero generoso e fecundo. 

         Sentir que somos Terra nos faz ter os pés no chão. Faz-nos perceber tudo da Terra, seu frio e calor, sua força que  ameaça bem  como sua beleza que encanta. Sentir a chuva na pele, a brisa que refresca, o tufão que avassala. Sentir a respiração que nos entra, os odores que nos embriagam ou nos enfastiam. Sentir a Terra é sentir seus nichos ecológicos, captar o espírito de cada lugar(spiritus loci).  Ser Terra é sentir-se habitante de certa porção de terra. Habitando, nos fazemos  de certa maneira limitados a um lugar, a uma geografia, a um tipo de clima, de regime de chuvas e ventos, de uma maneira de morar e de trabalhar e de fazer história. Configura o nosso enraizamento.

Mas também significa nossa base firme, nosso ponto de contemplação do Todo, nossa plataforma para poder alçar vôo para além desta paisagem e deste pedaço de Terra, rumo ao Todo infinito.

         Por fim, sentir-se Terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade  de outros filhos e filhas da Terra. A Terra não produz apenas a nós seres humanos. Produz a miríade de micro-organismos que compõem 90% de toda a rede da vida, os insetos que constituem a biomassa mais importante da biodiversidade. Produz as águas, a capa verde com a infinita diversidade de plantas, flores e frutos. Produz a diversidade incontável de seres vivos, animais, pássaros e peixes, nossos companheiros dentro da unidade sagrada da vida porque em todos estão presentes os vinte aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas que entram na composição de cada vida. Para todos produz as condições de subsistência, de evolução e de alimentação, no solo, no sub-solo e no ar. Sentir-se Terra é mergulhar na comunidade terrenal, no mundo dos irmãos e das irmãs, todos filhos e filhas da grande e generosa Mãe Terra, nosso Lar comum.


         São estes sentimentos de pertença que nutrimos neste dia da Mãe Terra.


Leonardo Boff escreveu O princípio Terra.A volta à Terra como mátria e pátria comum, Vozes 1995:Opção Terra. Record,RJ 2009.


Teologias de rama num mundo caótico!- Roberto Malvezzi (Gogó)

“Cuidado com essas teologias de rama”, nos dizia um professor de teologia ainda na década de 70. Ele nos alertava sobre essas teologias que fundamentam os movimentos católicos que costumam aparecer vez em quando. Referia-se a teologias desorganizadas, baseadas em textos bíblicos isolados, sem uma hermenêutica segura, sem exegese, com espiritualidades delirantes, distantes dos empobrecidos, mas que movimentam grupos por determinado tempo e depois desaparecem.

Hoje, quando vemos tantas teologias como a da Prosperidade, ou do Domínio, ou do Arrebatamento, me recordo das teologias de rama. Agora elas não estão somente nos grupos católicos fundamentalistas, mas também nos meios evangélicos. É até interessante ver alguns vídeos com pastores subindo literalmente em pilastras, ou no altar, ou dando bicuda na cara do cão, ou dançando um forró amuado com sapato de fogo. Primeiro, se fosse num terreiro de candomblé, iriam dizer que era uma possessão demoníaca. Como acontece em templos evangélicos, é obra do Espírito Santo. A mesma realidade nesses grupos católicos oracionais que desmaiam diante do Santíssimo, falam de forma exaltada, claramente momentos de transe religioso que cada um atribui a quem quiser conforme seus interesses.

A teologia do Domínio é uma dessas teologias de rama, mas que não pode ser desprezada. Ela visa ocupar os cargos no Executivo, no Judiciário e Legislativo, em todos os níveis. Busca controlar a educação, a cultura e a comunicação. Ocupa os conselhos e, sobretudo, as redes sociais. Não tem vergonha e nem escrúpulo em buscar o poder e impor ao restante da sociedade seu viés autoritário. É a ideologia perfeita da extrema-direita no acesso ao controle da consciência dos mais frágeis e necessitados.

O capital é inteligente, ninguém pode negar. Você não vai ver um farialimer subindo pelas paredes num templo evangélico, ou num grupo exaltado de católicos, mas vai ver pastores e padres convencendo suas comunidades que essa ideologia é vontade de Deus. Enfim, onde a ideologia doutrinal da extrema-direita não pode chegar, a religião pode. Como dizia a inteligência dos Estados Unidos ainda na era Reagan: “religião se combate com religião, não com política”. Enfim, essa religião alimenta a extrema-direita nos meios mais pobres, o que a ideologia neoliberal não sabe fazer e não sabe como chegar.

Como já disse o Papa Francisco, “a direita é centrípeta”, isto é, gira ao redor de si mesma e não enxerga o resto do mundo. Num mundo caótico e cada vez mais líquido e inseguro, essas teologias têm muito espaço para crescer e influenciar as pessoas que buscam alguma forma de segurança. Quando uma se esgotar, surge outra no seu lugar. E sempre haverá fiéis para segui-las! Mas, é útil ajudar o povo a pensar um pouco sobre essa realidade!

LEITURA ORANTE 5.º Domingo da Páscoa

Thomas McGrath

A Leitura Orante deste quinto Domingo da Páscoa fala-nos de Jesus como fonte de Vida autêntica. Os discípulos de Jesus, unidos a Ele, recebem d’Ele essa Vida e são capazes de testemunhar por meio de gestos concretos de amor. Somente assim a proposta de Vida nova de Deus possa alcançar o mundo e a vida dos homens.

Vamos nos preparar para celebrar

Em nome do Pai ...

Confesso a Deus ...

Vinde Espírito Santo ...

Oração. Deus de todos os povos, que enviaste teu Filho para nos conduzir a ti e fizeste de nós teus filhos e filhas, guarda-nos com carinho em teu amor para que, ressuscitados com Cristo, tenhamos verdadeira liberdade e vida em plenitude. Por Cristo, nosso Senhor. Amém

Chegou a hora de Deus nos falar por meio da sua palavra

A primeira leitura, relata a inserção de Paulo de Tarso na comunidade cristã de Jerusalém. Houve resistência para a comunidade o aceitar, porque ele, até aquele momento, foi perseguidor dos seguidores de jesus. Com a ajuda de Barnabé, que contou da sua conversão, ele foi aceito.

 Atos dos Apóstolos 9,26-31

26 Saulo foi para Jerusalém e tentou juntar-se aos seguidores de Jesus. Porém todos tinham medo dele porque não acreditavam que ele também era seguidor de Jesus.27 Então Barnabé veio ajudá-lo e o apresentou aos apóstolos. E lhes contou como Saulo tinha visto o Senhor no caminho e como o Senhor havia falado com ele. Barnabé também contou como, em Damasco, Saulo, pelo poder do nome de Jesus, havia anunciado corajosamente o evangelho.28 Depois disso Saulo ficou com eles, andando por toda parte em Jerusalém; e, pelo poder do nome do Senhor, ele anunciava corajosamente o evangelho.29 Ele também conversava e discutia com os judeus que tinham sido criados fora da terra de Israel, mas eles procuravam um jeito de matá-lo.30 Quando os irmãos souberam disso, levaram Saulo até a cidade de Cesareia e depois o mandaram para a cidade de Tarso.

31 Em toda a região da Judeia, Galileia e Samaria, a Igreja estava em paz. Ela ficava cada vez mais forte, crescia em número de pessoas com a ajuda do Espírito Santo e mostrava grande respeito pelo Senhor Jesus.


No trecho do Evangelho de João, Jesus apresenta-se aos discípulos como “a verdadeira videira” e convida-os a permanecerem ligados a Ele para receberem d’Ele Vida. Permanecendo ligados a Ele os discípulos produzirão frutos bons, os frutos que Deus espera. Assim eles serão testemunhas verdadeiras da Vida nova de Deus.

 João 15,1-8

1Jesus disse: — Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador. 2Todos os ramos que não dão uvas ele corta, embora eles estejam em mim. Mas os ramos que dão uvas ele poda a fim de que fiquem limpos e deem mais uvas ainda. 3Vocês já estão limpos por meio dos ensinamentos que eu lhes tenho dado. 4Continuem unidos comigo, e eu continuarei unido com vocês. Pois, assim como o ramo só dá uvas quando está unido com a planta, assim também vocês só podem dar fruto se ficarem unidos comigo.

5 — Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Quem está unido comigo e eu com ele, esse dá muito fruto porque sem mim vocês não podem fazer nada. 6Quem não ficar unido comigo será jogado fora e secará; será como os ramos secos que são juntados e jogados no fogo, onde são queimados. 7Se vocês ficarem unidos comigo, e as minhas palavras continuarem em vocês, vocês receberão tudo o que pedirem. 8E a natureza gloriosa do meu Pai se revela quando vocês produzem muitos frutos e assim mostram que são meus discípulos.

  O que o texto diz para mim, hoje?

  O que falta para vivermos numa comunidade de iguais? 

  É possível que eu permaneça em Jesus sem dar frutos? 

Salmo 22

Refrão: Senhor, sois meu louvor em meio à grande assembleia!

26bSois meu louvor em meio à grande assembleia; / cumpro meus votos ante aqueles que vos temem! / 

27Vossos pobres vão comer e saciar-se, e os que procuram o Senhor o louvarão: / “Seus corações tenham a vida para sempre!” 

28Lembrem-se disso os confins de toda a terra, / para que voltem ao Senhor e se convertam / e se prostrem, adorando, diante dele / todos os povos e as famí lias das nações. / 

30Somente a ele adora rão os poderosos, / e os que voltam para o pó o louvarão. Para ele há de viver a minha alma, / 

31toda a minha descendência há de servi--lo; / às futuras gerações anunciará / 

32o poder e a justiça do Senhor; / ao povo novo que há de vir, ela dirá: / “Eis a obra que o Senhor realizou!


Nossa resposta em oração

 – Cheios de confiança, dirijamo-nos ao Pai, pedindo que Ele atenda nossas preces, e digamos:  – Ouvi-nos, Senhor. 

1. Pai, que a vossa Igreja permaneça unida a Cristo e produza frutos em seu nome. R

2. Pai, ajudai todos os cristãos a promoverem a comunhão entre si para que o mundo creia. R

3. Pai, ajudai todas as nossas famílias a serem sinais do vosso amor fraternal. R

4. Pai, fazei com que a Ceia do Senhor que celebramos nos recorde que sem Jesus Cristo nada podemos fazer. R

(Preces espontâneas) 

 – Pai, sois maior que nossa fraqueza. Sois nossa vida e nossa paz. Sustentai--nos sempre unidos à única videira verdadeira, Cristo Jesus, Vosso Filho Amado. T – Amém.