D.PAULO BELOTO-2011

Data: 4 a 11 de janeiro de 2011.

Local: Casa de Retiros Monsenhor Domingos Pinheiro, Caeté – MG.

Tema: Discípulos missionários de Jesus Cristo, segundo o itinerário espiritual do Irmão Carlos. Pregado por Dom Paulo Beloto, bispo de Formosa, Goiás.

Retiro anual da Fraternidade Jesus+Caritas.

Data: 4 a 11 de janeiro de 2011.

Local: Casa de Retiros Monsenhor Domingos Pinheiro, Caeté – MG.

Tema: Discípulos missionários de Jesus Cristo, segundo o itinerário espiritual do Irmão Carlos. Pregado por Dom Paulo Beloto, bispo de Formosa, Goiás.

1º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: Buscar a Deus no silêncio e na solidão.

Referência bíblica: Mateus 17,1-9.

A cena da transfiguração revela a pessoa de Jesus e sua glória. Ele é o novo Moisés, o Servo de Javé, o Profeta, o Filho amado do Pai. Jesus é o revelador do Reino. Nele, as promessas se cumprem. Em Jesus, a presença divina se realiza.

Para o início do retiro, a cena da transfiguração é significativa: como a Pedro, Tiago e João, Jesus me conduz a um lugar a parte, a “uma alta montanha”. Na Bíblia, a montanha é lugar de encontro com Deus. Na experiência do retiro, contemplo a presença transfigurada do Senhor. É bom fazer esta experiência. Dois apelos são fundamentais: o primeiro do Pai: “Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição; ouvi-o”. O segundo, uma palavra de consolação de Jesus: “Levanta-vos e não temais”.

No retiro quero escutar o que Jesus tem a me dizer. Ele é a minha vocação, o sentido de minha existência.

O retiro é um tempo destinado a uma especial atenção ao Senhor e ao que Ele tem a me dizer. É um tempo de escuta e interiorização, por isso a importância do recolhimento interior e exterior.

Deus fala no profundo do coração. Mas é preciso dispor-se para acolher a sua voz. É preciso silêncio e solidão. Não é evasão nem fuga de nada nem de ninguém. Mas a presença de Alguém. O retiro é para estar com o Senhor. É uma exigência do amor e necessidade de tocar o fundo da minha existência.

O Irmão Carlos tinha desejo pelo deserto, como lugar de despojamento e abertura para a presença de Deus. Lugar de solidão e silêncio. Lugar de tentação, pobreza e dependência só do Absoluto. Orar no silêncio é colocar-se no exercício da oração mais profunda, pessoal, interior e mística. É uma oração simples e pobre, acessível aos simples e pobres.

“Só em Deus repousa, ó minha alma, pois dele vem minha esperança” (Sl 62,6).

O retiro é ocasião para confirmar a vontade de Deus em minha vida. Discernir a sua vontade é buscar, entre tantos apelos, quais os que provêm do Espírito e quais os que a ele se opõem. A sua vontade é o que melhor pode acontecer na minha história. A vontade de Deus coincide com a minha vontade mais profunda e autêntica. Acolher esta vontade é deixar-me conformar com a imagem do Pai, na pessoa e na palavra do Filho, pela ação do Espírito Santo. Fazer a vontade de Deus é fonte de integração pessoal. “Os antigos monges atestam como critério para conhecer a vontade de Deus, o fato dela sempre provocar em mim paz, vida e liberdade... a vontade de Deus é como uma luz que nos ilumina e nos traz claridade interior... ela nos põe em contato com nosso verdadeiro ser, com nossa verdadeira vocação” (Anselm Grün).

Para captar a vontade de Deus preciso cultivar uma atitude de escuta, generosidade e disponibilidade. O discernimento deve ser feito em clima de oração, liberdade, silêncio e obediência.

É bom procurar a solidão de Nazaré. Ali eu recebo Deus e me deixo conduzir por seu amor. Ali encontro a mim mesmo e a minha realidade interior.

“Tenha sossego e compreenda, pois você se perturba e no interior de seu quarto você escurece a luz. O Deus eterno quer brilhar para você, não faça de você um nevoeiro de confusão: tenha sossego dentro de você” (Santo Agostinho).

Somos discípulos missionários de Jesus Cristo, nos lembrou a Conferência de Aparecida. Como discípulo, entro em comunhão com o Senhor. Sem ela a existência humana perde o sentido e o meu coração torna-se inquieto. Sem a amizade com Deus fico às escuras sobre Ele e sobre mim mesmo. Sou missionário de Jesus Cristo, “uma voz que grita no deserto do mundo, portador do verbo, pregoeiro do seu evangelho” (Missal cotidiano).

Ainda o Documento de Aparecida diz que “o povo de Deus sente a necessidade de presbíteros-discípulos: que tenham uma profunda experiência de Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às orientações do Espírito, que se nutrem da Palavra de Deus, da Eucaristia e da oração; de presbíteros-missionários: movidos pela caridade pastoral, que os leva a cuidar do rebanho a eles confiado e a buscar os mais distantes” (DA, 215).

O retiro me ajuda a estar “em tão boa companhia”, como dizia Santa Teresa d’Ávila. É preciso uma intensa e íntima amizade com o Senhor da vida, pois quando celebro este encontro de amor, estou aberto e preparado para a comunhão com os irmãos. A melhor parte é estar com Ele (Cf. Lc 10,42), pois só a experiência de comunhão com Deus me fará portador de uma palavra poderosa para transformar a vida pessoal e social dos homens.

“É absolutamente necessário que vivais com ele, em plena comunhão com ele, e que procureis sempre trabalhar como enviados e pastores que participam da única missão do Filho... Vós não sois nada sem o Senhor que opera em vós e através de vós, não podeis fazer nada senão em obediência e comunhão com o filho”(Enzo Bianchi, prior de Bose).

O retiro quer me ajudar na minha vocação. É uma ocasião de fortalecer a minha opção. Devo ter a convicção de que escolhi a melhor parte. Rezo pedindo esta consciência. Durante esses dias nada mais é importante do que estar com o Senhor e com os irmãos retirantes. Quero viver o momento presente, fazer o melhor retiro, pois é o que Deus colocou em minhas mãos. O “momento presente é o caminho mais simples e mais seguro para chegar à santidade” (Cardeal Van Thuan). “Tu sabes, meu Deus, que para amar-te aqui na terra não tenho outro momento a não ser o dia de hoje” (Teresa de Lisieux).

Considerar:

Quais as razões que me trouxeram para este retiro?

Qual é a minha experiência de discípulo missionário de Jesus Cristo?

O significa a experiência de deserto na minha vocação?


2º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: Acolher o amor de Deus que me santifica e dá sentido à minha vocação.

Referência bíblica: Mateus 3,13-17.

Jesus foi batizado por João. Os quatro evangelhos sinóticos lembram o fato.

O batismo de João fazia parte de um movimento de preparação do povo para a conversão e salvação. Era um rito de purificação e perdão dos pecados e penitência.

A cena do batismo revela a pessoa de Jesus e o sentido da sua missão. Ele é o Messias, o Filho de Deus amado. Jesus sabe-se apossado pelo Espírito por ocasião do seu batismo. Torna-se mensageiro de Deus. Faz a experiência de sua vocação. A sua autoridade repousa sobre o que aconteceu através de João.

A “pomba” lembra a pomba do dilúvio, sinal do mundo novo de reconciliação e paz. Jesus comunica o Espírito para reconciliar o mundo e trazer a paz. Ou pode ser o símbolo da Comunidade da Aliança, que se reúne pela mensagem e pelo Espírito que Jesus comunica. A vida divina se concentra em Jesus.

Uso a imaginação para entrar na cena evangélica. Procuro ver, contemplando cada pessoa da cena. Vejo Jesus se despedindo de Maria e indo até o rio Jordão para o batismo, no meio da multidão pecadora. Como encontrá-lo no meio de tanta gente? Vejo as pessoas, João realizando o rito do batismo. Vejo e toco as águas do rio Jordão. Ouço o seu barulho. Observo o que fazem as pessoas da cena. Participo ativamente. Vejo o céu se abrindo e o Espírito descendo sobre Jesus como uma pomba. Ouço as palavras do Pai: “Este é o meu Filho amado; nele está o meu agrado”.

O Pai proclama que Jesus é o Filho amado. Jesus recebe o dom do Espírito Santo e é proclamado como o Messias, o ungido com o Espírito para realizar a missão do servo. Depois da consagração, pode realizar a salvação e anunciar o Reino. No Batismo, Jesus assina em branco a agenda da sua vida. O Pai se alegra com a sua fidelidade e a sua obediência.

Vejo o meu batismo: com os olhos da imaginação, vejo a Igreja, a pia batismal em que fui batizado e as pessoas que estavam lá. Vejo meus pais, meus padrinhos, o padre. No batismo faço a experiência da remissão dos pecados e da minha consagração ao Senhor e a sua Igreja. A minha vocação brota do batismo.

Vejo o padre realizando o gesto sacramental do batismo, derramando água na minha cabeça. Ouço as palavras: “Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Fui batizado em nome do Pai criador do céu e da terra, e que sustenta e mantém minha vida; em nome do Filho Jesus, pelo qual a humanidade é salva em corpo e alma; em nome do Espírito Santo, que habita em mim. Deixo-me banhar pela gratuidade de Deus, por seu amor sem explicações, pela alegria do Pai, pelo ânimo e solidariedade do Filho e pela unção do Espírito. Ouço a voz do Pai também dizendo a mim: “Este é o meu filho amado; nele está o meu agrado”.

Deus nos ama incondicionalmente, com um amor gratuito. Porque Ele é bom, sou precioso aos seus olhos. Seu amor me santifica e dá sentido à minha vocação. O amor de Deus por mim é a coisa mais bela que tenho e posso oferecer. Em Deus que é amor encontro a verdade da minha vida, que ilumina e torna inteligível o meu ser e o meu caminho. É do seu amor que vivo e é para esse amor que vivo.

“Quão bom sois vós! Como cuidastes de mim! Como me cobríeis com vossas asas, quando eu não acreditava sequer em vossa existência” (Charles de Foucauld).

Com o batismo faço parte de um povo de sacerdotes, profetas e reis. Preciso assumir esta dignidade. “Cristão, reconhece tua dignidade! Já que te tornaste participante da natureza divina, não vivas abaixo de tua dignidade. Pensa nisso, pois és membro do Corpo de Cristo” (São Leão Magno).

O batismo é a base que sustenta todos os ministérios. É a fonte da identidade cristã. Todas as vocações nascem da vocação batismal. Todo batizado recebeu a graça de tornar-se filho adotivo de Deus (Gl 4,4-7), membro de Cristo (1Cor 6,15) e templo do Espírito Santo (1Co 6,19). Pelo batismo somos inseridos na Igreja e fazemos parte do povo eleito de Deus.

Antes de assumir qualquer vocação na Igreja, sou cristão batizado, sou seguidor de Jesus Cristo, sou discípulo. Sou eleito e chamado por Cristo para ser, como cristão, testemunha e protagonista do Reino.

Ser cristão significa seguir a Cristo. Qualquer vocação é conseqüência do caminho. Jesus já nos convida, pelo batismo, à amizade com Ele e ao apostolado. Ele nos convida à santidade. Esta é a primeira vocação do cristão, base para toda e qualquer reflexão sobre as demais vocações. Viver a santidade é viver a filiação divina, é viver a dignidade da imagem e semelhança de Cristo, dando testemunho da fé. A vocação à santidade é uma pertença a Deus. Somos consagrados ao Senhor, prediletos dele, chamados a viver em plenitude.

“Só o amor nos pode tornar agradáveis ao bom Deus... amar é a nossa vocação” (santa Teresa do Menino Jesus).

“O Evangelho mostrou-me que o primeiro mandamento era amar a Deus com todo o coração e que era preciso envolver tudo no amor. Todos sabem que o amor tem, como primeiro efeito, a imitação” (Charles de Foucauld).


3º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: Minha humanidade ferida com o pecado e a misericórdia de Deus que me reintegra.

Referência bíblica: Mateus 6,9-15.

No centro das petições do Pai-nosso encontramos a realidade do perdão. Quando rezamos essa petição declaramos a nossa necessidade de perdão e da misericórdia. Somos pecadores e reconhecemos a nossa miséria, mas confiamos na redenção e remissão dos pecados: confiamos na vitória de Cristo na cruz. Foi Deus “que nos livrou do poder das trevas, transferindo-nos para o reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados” (Cl 1,13-14)

O Evangelho é a boa nova de Jesus de Nazaré que tem o poder de perdoar os pecados. Poder este que estava reservado a Deus e às instituições do sistema judaico. A autoridade de Jesus é a do próprio Deus. O perdão oferecido por Jesus revela a sua bondade, o seu amor e a sua compaixão pelos doentes que se sentiam oprimidos pela Lei e pela mentalidade da época: acreditava-se que as doenças eram castigos de Deus por causa do pecado. Jesus cura a doença física e a doença interior.

Jesus é a encarnação da misericórdia do Pai. Ele vem em busca da humanidade ferida para curar e salvar. Ele vê as nossas necessidades e vem nos resgatar. Quer a nossa salvação e a nossa vida.

O ministério da reconciliação ocupa um lugar fundamental na vida do presbítero. A vida ensina que os cristãos se afastam do caminho de Deus, vítimas do pecado. O pecado é uma realidade presente na vida do ser humano. Estamos naturalmente inclinados ao mal, fechados em nós mesmos, incapazes de corresponder ao amor de quem tanto nos ama.

O pecado exige uma nova iniciativa da misericórdia divina, a conversão do coração e a confissão. O estado de graça é recuperado mediante arrependimento e o perdão.

Jesus nos ensinou um remédio para curar os nossos pecados. Ele não veio “chamar os justos, mas sim os pecadores” (Mt 9,13). Ele quer misericórdia e não sacrifícios.

A consciência do pecado nasce da experiência do amor de Deus por nós. Em sua prática pastoral, São Paulo da Cruz indicava o verdadeiro caminho que leva a Deus: a fuga do pecado. E o melhor meio de fugir ao pecado é a consideração do Amor infinito de Deus concretizado na Paixão e Morte de Cristo.

Deus nos amou e nos escolheu “antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, no amor” (Ef 1,4). Esta descoberta nos leva a reconhecermo-nos pequenos, limitados e pecadores. O reconhecimento de que somos pecadores é uma grande graça de Deus e o princípio da nossa conversão.

Jesus perdoa e nos ensina também a perdoar e a celebrar a nossa reconciliação. Ele confiou a obra da reconciliação do homem com Deus aos apóstolos e àqueles que lhes sucedem na mesma missão (Jo 20,22-23; 2Cor 5,18).

Somos justificados pelo sangue de Cristo, dele recebemos a reconciliação (Rm 5,8-11: Ef 1,7; 1Pd 1,18). A Igreja recebeu de Cristo, na pessoa de Pedro, as chaves do Reino dos céus, para dizer o poder e atar e desatar os pecados. O Bispo é o primeiro responsável pelo ministério da reconciliação. O presbítero, por participar no sacerdócio de Cristo, é sacerdote como o bispo e seu colaborador. Ele tem a chave do coração compassivo de Jesus e deve usá-la para que os pecadores possam acolher a sua misericórdia.

Os sacerdotes são ministros do sacramento da reconciliação. São enviados a chamar os pecadores à conversão e a reconduzi-los ao Pai, mediante o julgamento de misericórdia.

Quem perdoa os pecados é Deus. A Igreja é mediadora da reconciliação. Ela é “depositária e dispensadora do perdão” (João Paulo II). O poder do sacerdote é ministerial. Ele absolve os fiéis “in persona Christi”. Seu poder de perdoar surge do caráter sacerdotal.

Jesus Cristo é o ponto de referência para o padre, ministro da reconciliação. Ele deve olhar Jesus Cristo para melhor imitá-lo em sua solicitude e misericórdia pelos pecadores e em sua acolhida aos arrependidos.

O presbítero precisa identificar-se com o sacramento da reconciliação. Em sua Carta aos sacerdotes, por ocasião da Abertura do Ano Sacerdotal, o Papa Bento XVI, indica São João Maria Vianney como exemplo de amor ao sacramento da reconciliação, procurando de “todos os modos, com a pregação e o conselho persuasivo, fazer os seus paroquianos redescobrirem o significado e a beleza da Penitência sacramental”.

O padre deve exercer seu ministério de reconciliação de tal maneira que todos possam ver em seu rosto o rosto do Bom Pastor. Sua espiritualidade deve centrar-se na transparência da misericórdia de Jesus, manifestada em sua prontidão para o perdão. Transparência dos sentimentos do Bom Pastor, dispensando ao penitente uma acolhida compreensiva e amável.

Como sugere Henri J.M. Nouwen, em seu livro “A volta do filho pródigo”, podemos dizer que todo presbítero possui a vocação de tornar-se como o Pai e exercer no seu dia-a-dia sua divina compaixão: “Tenho que ousar estender minhas próprias mãos numa bênção e receber meus filhos com toda a compaixão, não importa o que eles sintam ou pensem, a meu respeito; uma vez que me tornar o Pai misericordioso é o objetivo final da vida espiritual. Se Deus recebe em casa os pecadores, então certamente aqueles que confiam em Deus devem fazer o mesmo. Se Deus é misericordioso, então com certeza os que amam Deus devem também ser misericordiosos”.

Todo presbítero deve exercer sua paternidade espiritual. Uma paternidade de misericórdia: ser tão generoso como o Pai é generoso.

Como é bom confiar no perdão e na misericórdia de Deus! Só vamos reencontrar a pátria perdida chegando à pobreza. O caminho da libertação vai da riqueza, da auto-suficiência, do orgulho, à pobreza, à confiança e entrega nas mãos de Deus.

Confiar em Deus: o caminho da santidade não consiste na total ausência de falhas e pecados, mas na total confiança e abandono nas mãos de Deus. Ele usa dos nossos pecados para abençoar-nos e purificar-nos do mal. Sem o pecado nunca suspeitaríamos da insondável riqueza da sabedoria e do amor de Deus. Mas somente o pecado reconhecido pode tornar-se um bem.

Como todo o bom fiel, também o presbítero tem necessidade da confissão pessoal e da experiência do perdão. Tal prática fortalece a fé e a caridade com Deus e para com os irmãos. É uma boa coisa para os fiéis saber e dar-se conta de que os seus sacerdotes se confessam regularmente.

Temos um bom exemplo de nosso padroeiro na experiência do perdão. Talvez umas das experiências mais belas de sua vida, quando se encontra com o padre Huvelin, que lhe propõe o primeiro passo no caminho da conversão, a confissão: “Se há felicidade no céu por um pecador que se converte, isso ocorreu quando entrei naquele confessionário. Eu pedi aulas de religião, ele me fez ajoelhar-me e fez que me confessasse” (Charles de Foucauld). O irmão Carlos reencontrou Deus pelo sacramento da confissão, por seu amor infinito e misericórdia sem medida. “Tenhamos esperança, pois quaisquer que sejam os nossos erros, Jesus quer salvar-nos” (Idem). Esse encontro com Deus Pai, com sua infinita misericórdia, marcou o irmão Carlos por toda a sua vida. É assim que Deus nos procura e nos encontra, através das “brechas das nossas fraquezas e miséria”.

Todo presbítero também deve fazer a experiência do retorno à casa do Pai. Como ser ministro do perdão, se não faço a experiência de receber o perdão? Como indicar o caminho da conversão ao penitente se não ando também por ele?

O sacramento da reconciliação revela a paciência que Deus tem para conosco. Ele nos ama com um amor sem limites e também nos pede a prática dessas virtudes. Também o presbítero, em seu ministério, deve praticar a paciência e o amor para com os seus.

Francisco Fernándes-Carvajal apresenta alguns campos onde devemos praticar a paciência. “Em primeiro lugar, com nós próprios, já que é fácil desanimarmos com os nossos próprios defeitos, sempre repetidos, sem conseguir superá-los totalmente”. Devemos saber esperar e nunca desanimar. “Enquanto mantivermos o combate, estaremos amando a Deus”. É preciso confiança. “É necessário temos paciência com todos, mas, em primeiro lugar, com nós próprios” (São Francisco de Sales).

Também devemos ter paciência com as pessoas, com seus defeitos, com o seu mau gênio, com a sua falta de educação, com os seus melindres. “A caridade ajudar-nos-á saber esperar, sem deixar de corrigir quando for o momento mais indicado e oportuno. Esperar um tempo, sorrir, dar uma resposta amável a uma impertinência, são pormenores que podem fazer com que as nossas palavras cheguem ao coração das pessoas, e, de qualquer modo, sempre chegam ao coração do Senhor, que olhará para nós com especial afeto”.

Por fim, devemos ter paciência com os acontecimentos: “a doença, a pobreza, o excessivo calor ou frio..., os diversos contratempos que se apresentam num dia normal: o telefone que não funciona ou a ligação que não se completa, a morosidade no trânsito que nos faz chegar atrasados a um encontro importante, esquecer em casa o material de trabalho, uma visita que se apresenta no momento menos oportuno”. Quantas adversidades podem ocorrer num dia? Às vezes pequenas, mas que nos levam a perder a paciência, o bom humor e a agir sem amor. Como reagir diante delas?

Deus espera o nosso tempo. Tem paciência para conosco e nos pede o mesmo. Por que a contrariedade? Por que o nervosismo e irritabilidade? Por que o descontrole e o desequilíbrio? “No primeiro minuto de tensão produzimos nossos maiores erros” (Augusto Cury).

“Se procuras um exemplo de paciência encontras na cruz o mais excelente. Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado” (Santo Tomás de Aquino).

Precisamos fazer as pazes com os nossos defeitos. Por isso é preciso humildade. Ela é caminho para Deus. Santa Teresa D’Ávila diz que a humildade é o remédio para curar as nossas feridas. Entre as vias da penitência, está a humildade. (São João Crisóstomo).

A experiência do perdão nos ensina a reconhecer a nossa condição humana. “É a condição não apenas para a humanização autêntica, mas também para a verdadeira experiência de Deus” (Anselm Grün).


4º Exercício de Oração: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33).

Referência bíblica: Mateus 6,19-34

O trecho indicado para a oração faz parte do Sermão da Montanha e revela uma das buscas incessantes do Irmão Carlos: a liberdade do coração, que tem somente a Deus como o seu tesouro. Só Deus é o absoluto que liberta o ser humano. A nossa vocação é uma entrega nas mãos de Deus. Na oração do abandono percebe-se essa atitude de despojamento e de confiança plena na graça de Deus: “Não quero outra coisa, meu Deus. Entrego minha vida em vossas mãos, eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque eu vos amo”.

Somente no abandono a Deus encontramos a nossa verdadeira vocação e felicidade. Este caminho foi feito por Jesus Cristo: caminho de obediência e cumprimento da vontade do Pai. Caminho que culmina no completo abandono na cruz: ali acontece o perfeito encontro entre Deus e o homem. No drama da paixão, Jesus fica só com o Pai: só ele conta.

Paulo, num dos hinos mais belos da Bíblia (Fl 2,5-11), apresenta o evangelho de Jesus Cristo. O texto revela a sua pessoa e o seu caminho de libertação. É um caminho com dois movimentos. O primeiro é o rebaixamento. Cristo se esvazia. Tinha a condição divina, mas não se aproveita dessa sua igualdade com Deus. Perde o seu poder divino. Torna-se um homem e escravo. Esvazia-se para servir. É um escravo que serve até a morte e morte de cruz. É o esvaziamento total. Na cruz, o Senhor é reduzido a nada.

Por graça do Pai, após este sacrifício cruento, Cristo faz a experiência da glória. O Pai o exalta por causa de sua obediência. A glória vem depois da cruz. A glória é a revelação de Jesus como Senhor. Torna-se Senhor pelo poder de Deus. Agora diante dele toda a criação se prostra em adoração.

Devemos ter as mesmas disposições pessoais (sentimentos) que havia em Jesus Cristo. Ele livremente despojou-se de tudo. Escolheu o lugar dos escravos, sem privilégios. Este é o preço da encarnação. Jesus se fez servo e foi morto como um bandido, na cruz. Essa foi sua opção de vida.

O despojamento faz parte da ascese. É um exercício para a liberdade interior. É uma renúncia de tudo aquilo que atrapalha seguir Jesus. O despojamento é condição para revestir-nos de Cristo Jesus. É libertação do pecado e liberdade diante dos bens materiais por um bem maior, que é o Reino.

“Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 12,13).

“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não atendais aos desejos e paixões da vida carnal” (Rm 13,14).

“Nós, que somos do dia, estejamos sóbrios e revestidos com a couraça da fé e do amor, tendo a esperança da salvação como capacete” (1 Ts 5,8).

“Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do diabo” (Ef 6,11).

“Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, vesti-vos com sentimentos de compaixão, com bondade, humildade, mansidão, paciência; suportai-vos uns aos outros e, se um tiver motivo de queixa contra o outro, perdoai-vos mutuamente. Como o Senhor vos perdoou, fazei assim também vós. Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição” (Cl 3,12-14).

“Permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24,49).

“O verdadeiro amor consiste em despojar-se de tudo o que não é Deus” (São João da Cruz).

Ao ser despojado de suas vestes, Jesus nos deu o exemplo. Se quisermos agradar ao Senhor, “devemos despojar-nos e reduzir nosso coração à mesma nudez que ele mostrava em seu corpo, despojando-nos de toda espécie de afetos e exigências e não desejando nem amando senão a ele” (São Francisco de Sales). Para o santo, o verdadeiro despojamento passa por três graus: o primeiro é o desejo do despojamento; o segundo grau consiste na resolução causada pelo desejo, uma vez que nos decidimos facilmente para as coisas que desejamos; o terceiro é a prática. Devemos nos despojar de bens exteriores, bens do corpo e bens da alma. Em tudo devemos buscar a glória de Deus. Não é por desprezo das coisas, mas por abnegação e pelo puro amor de Deus.

Santo Inácio de Loyola escreveu os Exercícios Espirituais para ajudar a vencer a si mesmo e ordenar a vida, sem se determinar por nenhuma afeição desordenada. Diante das coisas criadas é necessário fazer-nos indiferentes. Devemos desejar e escolher somente aquilo que nos conduz ao fim para o qual somos criados, que é “louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor”.

“O mundo tem necessidade de reaprender a alegria pura e simples de seu coração pobre, humilde e completamente entregue a Deus e ao amor: não reaprenderá se não nos deixarmos invadir por ela” (René Voillaume).

“Uma pessoa não pode ansiar por Deus a não ser que Deus esteja presente em seu coração. De maneira que a única reação possível a essa provação é o abandono total a Deus e a aceitação da escuridão em união com Jesus” (Madre Teresa de Calcutá).

O despojamento nos torna livres para Deus.


5º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: A espiritualidade que sustenta o meu ministério.

Referência bíblica: Mateus 5,1-11.

O texto bíblico narra o início do Sermão da Montanha. Jesus indica as bem-aventuranças como caminho de espiritualidade e santidade.

A primeira bem-aventurança é uma síntese do texto. Pobre em espírito é a atitude fundamental no seguimento. É depender só de Deus. É identificar-se com Ele na pobreza de coração. É buscar apoio só no Senhor. É vencer a idolatria e ser livre para o Reino.

A aflição nasce da pobreza. Os aflitos encontram consolo em Deus. Ele é o socorro. Os aflitos esperam a justiça do Reino.

Quem é pobre em espírito vive a mansidão, que não é passividade, mas resistência sem violência. Jesus é manso e humilde de coração.

A prática perfeita da vida cristã é a justiça. Jesus é o mestre da justiça. Buscar a justiça é buscar o seu autor, o próprio Deus.

A misericórdia é um sentimento de Deus. É sentir a dor do outro e ser solidário. “A misericórdia é o mais sublime valor espiritual, cuja essência é a compaixão ativa demonstrada a alguém” (Jan Barancewics, FZS).

Ter pureza de coração é praticar a vontade de Deus. É ser íntegro, reto no agir, transparente e simples.

Viver a paz é seguir Jesus no seu caminho. É buscar a harmonia, o bem-estar, o direito e a justiça.

A perseguição é sinal de identificação com Jesus e com o Reino.

A espiritualidade cristã é um compromisso com Jesus e com o Reino.

A espiritualidade do presbítero consiste na vida espiritual vivida naquilo que caracteriza a sua vocação: ser ministro da Igreja de Deus. A espiritualidade do presbítero é a vivência do seu sacerdócio. Em virtude da consagração recebida no sacramento da Ordem, ele é colocado numa relação particular com a Santíssima Trindade e com a Igreja. Do Pai, o presbítero recebe o sacerdócio como dom. Com Jesus Cristo, ele tem uma relação ontológica e apostólica. Na ordenação presbiteral, o sacerdote recebe o selo do Espírito Santo. Ele é um homem assinalado com o caráter sacramental para ser ministro de Cristo e da Igreja.

A espiritualidade sacerdotal brota da identificação do padre com Cristo em seu ser e em sua ação, mediante o tríplice múnus sacerdotal, profético e pastoral. Ele é “sacramento” pessoal de Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor. Contempla, experimenta e vive a sua comunhão com Jesus Cristo, Filho de Deus, modelo do sacerdócio e do culto, servindo-se dos meios de santificação que a dimensão sacerdotal sugere. Acolhe tais meios e oferece-os aos fiéis, como dispensador dos mistérios divinos. O presbítero olha também para Jesus Cristo Profeta, Palavra do Pai, sendo ouvinte fiel, assim como ministro, apóstolo e anunciador da Palavra de Deus. Finalmente, representa Cristo Cabeça e Pastor da Igreja, é guia do povo de Deus, caracteriza-se e se santifica pela caridade pastoral. O presbítero olha para Jesus, encarna a identidade de Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor como única possibilidade de viver a espiritualidade própria do seu ministério. Jesus Cristo é para ele modelo no ministério da palavra, do culto e do serviço da comunidade.

a) A configuração do presbítero a Jesus Cristo Sacerdote.

O padre é “instrumento de Cristo Sacerdote”, pois faz as vezes do próprio Cristo (PO, 12). Há uma analogia ontológica entre o ser sacerdotal de Cristo e o ser sacerdotal do presbítero. Toda a sua vida é uma consagração ao Senhor e uma identificação a Ele.

Meios para uma espiritualidade presbiteral na dimensão sacerdotal.

O presbítero tem uma relação pessoal com Jesus Cristo, de cujo sacerdócio participa. O seu coração está centrado em Cristo, pois há entre ele e o Senhor uma identificação sacramental. De sua relação com Cristo se seguirá para o presbítero uma especial configuração com Ele. A amizade com o Senhor afeta o presbítero no seu íntimo e desabrocha em amor a Ele acima de tudo e em vida e entusiasmo pelas suas coisas. A relação pessoal do presbítero com o Senhor está em função de sua integração e da importância de seu apostolado.

O presbítero vive a relação pessoal com Jesus Cristo através da oração. O seu coração foi feito para estar em comunhão com o Senhor. Em razão do seu ministério apostólico e em razão de sua especial consagração, o presbítero precisa cultivar a vida interior e a prática da oração pessoal.

O sacerdócio ministerial tem uma relação estreita com a Eucaristia. “Trata-se de dois sacramentos que nasceram juntos e cujas sortes estão indissoluvelmente ligadas até ao fim do mundo” (João Paulo II).

O presbítero é ministro do sacramento da reconciliação. Ao exercer esse ministério assume o rosto do Bom Pastor que acolhe, perdoa, devolve a graça, a cura e a paz aos fiéis penitentes.

Além de ter um bom diretor espiritual, o presbítero deve se formar para compreender as exigências, as tarefas e as atitudes de um diretor espiritual, pois muitas pessoas o procuram para o aconselhamento e a direção na vida de oração.

Ao recitar a Liturgia das Horas, sem o peso de uma norma canônica ou mera repetição, cada presbítero encontra nela uma fonte de piedade e alimento de sua oração.

Há uma relação essencial entre Maria e o sacerdote, derivante daquela que há entre a maternidade divina e o Sacerdócio de Cristo. Nesta relação se enraíza a espiritualidade mariana do presbítero. Como a João aos pés da cruz, a cada presbítero é confiada Maria como mãe (Jo 19,26-27). Com ela, aprendemos: a descobrir o rosto amoroso do Pai; a ter uma experiência evangélica centrada na pessoa de Jesus Cristo; a ser dócil e disponível ao Espírito; a “arte da oração”; a ser fiel à Palavra de Deus; a amar a Igreja; a viver a santidade; a cultivar as virtudes da fé, da esperança e da caridade; a viver a gratidão e os conselhos evangélicos. A dimensão materna do presbítero nasce da maternidade de Maria.

Por fim, quando falamos de espiritualidade presbiteral, uma importante indicação é a tradição espiritual da nossa Igreja. Qualquer espiritualidade deve beber da fonte dos grandes mestres do espírito.

b) A configuração do presbítero a Jesus Cristo Profeta.

“Em virtude do sacramento da Ordem - os presbíteros - são consagrados para pregar o Evangelho” (LG, 28). É missão do padre anunciar a palavra.

Meios para uma espiritualidade na dimensão profética.

O presbítero é sacramento pessoal de Jesus Cristo profeta. O Espírito Santo lhe confere a missão de anunciar e explicar a palavra de Deus.

O presbítero vive a missão profética, primeiramente, sendo “homem de palavra”, dando testemunho de vida, de pessoa com honradez, responsável, integrada, madura, com virtudes cristãs e valores humanos. Ele é também homem “ante à palavra”, antes de ser proclamador, é ouvinte. Por fim, o presbítero é “homem da palavra”, é ministro, apóstolo e dispensador, ensinando pela palavra para que todos conheçam o Senhor e a sua vontade.

c) A configuração do presbítero a Jesus Cristo Pastor.

O presbítero é chamado a “prolongar a presença de Cristo, único e sumo pastor, atualizando o seu estilo de vida e tornando-se como que a sua transparência no meio do rebanho a ele confiado” (PDV, 15).

Meios para uma espiritualidade presbiteral na dimensão pastoral.

Sendo sacramento de Cristo, bom pastor, o presbítero deve buscar no Senhor a fonte, a inspiração e a razão de ser de suas atitudes e atividades pastorais.

A comunhão e a fraternidade sacerdotal. A configuração a Cristo mediante a consagração sacramental, define o presbítero no mistério da Igreja e no seio do povo de Deus. O presbítero está unido a uma Igreja particular ou a uma Congregação. Ela é a sua família e lugar privilegiado para viver a sua identidade, espiritualidade e missão.

Os conselhos evangélicos de obediência, pobreza e castidade são expressões radicais do seguimento do Mestre. São entendidos a partir da consagração e da missão.

A virtude a ser cultivada pelo padre tem que ser a caridade pastoral. O serviço na comunidade é a principal característica da espiritualidade do sacerdote. A verdadeira espiritualidade do presbítero brota da configuração a Jesus Cristo Pastor, que tinha uma sensibilidade, uma compaixão, um amor e um serviço contínuo e especial em favor do rebanho.

A eficácia do ministério presbiteral é condicionada pela autenticidade e pela fidelidade como é vivido: “o que fazeis como presbíteros é parte integrante de vossa vida espiritual e é determinante para a vossa santificação: vivendo plenamente o vosso ministério vós vos realizais plenamente como homens espirituais e por conseqüência vos santificais, ou melhor, acolheis as energias de santidade que Deus doa a quem aceita” (Enzo de Bose). É o ministério presbiteral que deve plasmar a vida do sacerdote e forjar a sua santidade. “Seria terrível se uma espiritualidade particular configurasse a vida espiritual do presbítero mais do que o exercício do seu ministério: disto brotariam uma grave desarmonia e uma falta de unidade no nível pessoal” (Idem).

“Amo Nosso Senhor Jesus Cristo, embora com um coração que gostaria de amar mais e melhor, mas, enfim, eu o amo e não posso suportar viver uma vida diferente da sua, uma vida doce e honrada quando a dele foi a mais dura e desdenhada que jamais houve” (Charles de Foucauld, Carta a H. Duveyrier, 24.4.1890).


6º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: Eucaristia, centro da vida presbiteral.

Referencia bíblica: Mateus 26, 26-29.

“A experiência de Deus na vida do irmão Carlos foi tão marcante que ele compreendeu que não poderia viver a não ser para Deus. Estar junto de Deus seria uma atitude lógica e coerente se não fosse antes de tudo uma atitude de amor e amizade. Jesus é muito real para o irmão Carlos. Ele nutre por seu Bem-Amado Senhor Jesus uma amizade afetiva que o leva a querer estar junto dele, em sua presença” (Celso Pedro da Silva e José Bison, em Meios para uma espiritualidade presbiteral).

A vocação ao sacerdócio supõe um permanente viver em Cristo. É uma oração que nos coloca em sintonia com o Senhor. A missão e o apostolado não acontecem sem a comunhão com o Senhor. “O tempo para estar na presença de Deus na oração é uma verdadeira prioridade pastoral” para o presbítero (Bento XVI).

O presbítero imita o Cristo que reza. Se Jesus considerou o “estar a sós com o Pai” necessidade fundamental em sua missão, muito mais o presbítero, pobre criatura, frágil e carente da graça e da força do Espírito deve buscar a comunhão com o Senhor.

É na intimidade da oração, na escuta silenciosa, no recolhimento que aprendemos e nos reabastecemos para o apostolado. A ação vem após a meditação e a oração. Ela brota de Deus. É no silêncio e na solidão do deserto que penetramos no profundo de nossa vocação.

O nosso coração foi feito para estar em sintonia e unidade com o Senhor. A oração é o alimento do nosso coração e o meio de se cultivar a comunhão com Deus. Depois da escuta, o discípulo tem o que oferecer. Não é possível nenhum serviço a Deus sem o cultivo da vida interior e a prática da oração pessoal. Sem a vida interior e sem a oração não há eficácia pastoral e fiel consagração. A experiência de Deus nos capacita para a missão. “Toda obra de arte é gerada no silêncio: antes de explodir no exterior, ela explodiu no íntimo do coração de alguém” (Frei Patrício Sciadini).

Deus ama o presbítero e o tem como pessoa especial e íntima. Daí a necessidade de sua correspondência exterior e interior. Exteriormente, o presbítero corresponde com o seu ministério pastoral. Interiormente, com uma relação nova com Deus. Sem a vida de oração, isto não é possível.

Enzo Bianchi constata “que muitas vezes a oração não é prioridade na vida presbiteral e que nem sempre ela é feita na sua forma autenticamente cristã”. Devido às intensas atividades, o presbítero “corre o risco de não reservar à oração o tempo devido, de não vivê-la como fonte do seu sentir e do seu agir”. A oração é utilizada de “forma funcional”: medita-se “em vista da homilia ou de uma conferência”. Segundo o autor, além de rezar pouco, os presbíteros “oram mal, sem reconhecer ou viver o estatuto da oração cristã”, que é escutar Deus. “É a escuta – segue Enzo Bianchi – a forma essencial e fundamental da oração cristã”. Como o padre preside a comunidade do Senhor, “deve antes de tudo pedir a Deus um coração que escuta”, pois “o ato de escutar é o primeiro exercício da oração cristã”. “Quem tem um coração que escuta a Deus, também possui um coração para a escuta dos homens”. Da escuta dos homens, “nasce a oração como intercessão”. Rezando assim, “o presbítero se torna ministro da compaixão” e exercita o seu “ministério de pastor”. O autor lembra o valor da adoração, como “um ato extremamente elementar e simples, mas talvez o mais esquecido dentro da oração. Ela consiste no estar diante de Deus, em oferecer-se a própria presença”. Essa comunhão de vida é um caminho que o padre deve percorrer, pois “para ele a oração é eloqüência de seu ministério”.

Em razão de sua eficácia apostólica – de sua missão – em razão de sua relação especial com Jesus Cristo – de sua consagração -, e porque seu Divino Mestre foi um orante, o presbítero deve ser também pessoa de profunda e intensa vida de oração.

“Deus gosta de que trateis familiarmente com Ele. Tratai com Ele dos vossos assuntos, dos vossos projetos, dos vossos trabalhos, dos vossos temores e de tudo o que vos interesse. Fazei-o com confiança e com o coração aberto, porque Deus não costuma falar à alma que não lhe fala” (Santo Afonso Maria de Ligório).

Além dos momentos pessoais de oração, o lugar para a espiritualidade e a oração do presbítero é o seu dia-a-dia e as coisas mais elementares que fazem parte do seu ministério. O “lugar” onde encontramos Jesus é tudo o que está escondido na partilha da condição de pobre, agüentar o trabalho cotidiano com todas as suas experiências, alegrias e durezas; conviver com os nossos dons e talentos, mas também com as nossas dificuldades e limitações. Nem tudo é glamour, a vida é marcada por belezas e contratempos. Nossa vida de oração e nossa espiritualidade devem brotar das coisas corriqueiras, de nós mesmos, daquilo que “nós pensamos e sentimos, através do nosso corpo, de nossos sonhos, e ainda através de nossas feridas e de nossas supostas fraquezas” (Anselm Grün). O que me abre para Deus são as coisas da vida, pois ali Ele está. O que me leva para Ele são as minhas fraquezas, as minhas decepções e feridas. Quando chego ao fim de minhas possibilidades estou aberto para uma relação pessoal com Deus e só nele posso encontrar força, esperança e luzes para seguir o meu caminho. Caminho de humildade, coragem de aceitar a verdade sobre mim mesmo.

A “solidão de Nazaré” nos ajuda a rezar assim: é uma vida sem brilhos, sem honras e sem privilégios. É santificar-se no ordinário e no silêncio. A solidão afina a sensibilidade da pessoa para captar a voz de Deus e as pulsações mais profundas do próprio eu. Ela justifica-se por Deus. Ali eu o recebo e me deixo conduzir por seu amor. Ela é uma exigência do amor e necessidade de tocar o fundo de nossa existência.

“Por teu ministério o sacrifício espiritual dos fiéis atinge a plenitude, unindo-se ao sacrifício de Cristo, que por tuas mãos é oferecido sobre o altar ao celebrares os sagrados mistérios. Toma consciência do que fazes e põe em prática o que celebras, de modo que, ao celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor, te esforces por mortificar o teu corpo dos vícios, para viver uma vida nova” (Ritual de Ordenação).

O sacerdócio ministerial tem uma relação estreita e íntima com a liturgia. É na liturgia que o presbítero “é e se mostra no grau máximo como ministro de Cristo e administrador dos mistérios de Deus” (Enzo Bianchi). Ali se renova a vida da comunidade, o seu crescimento na graça e na santidade. Se a liturgia não tiver centralidade na vida do presbítero, “todo o seu ministério irá sentir as conseqüências e se esvaziará” (Idem).

Na liturgia, a Eucaristia tem o seu cume. Ela é o principal meio e fim do ministério sacerdotal. É o centro da espiritualidade do presbítero, é a razão de ser do sacramento da Ordem. Jesus instituiu ambos os sacramentos no Cenáculo.

“O presbítero é desde a Eucaristia e para a Eucaristia: nela o Espírito santifica a Igreja, mas também santifica o presbítero”. Por isso, quando o presbítero celebra a mais humilde das eucaristias, se celebra com a “devida tensão e com sinceridade e com convicção, partilhando o pão da Palavra e participando do único pão eucarístico”, edifica a Igreja e participa “da obra do Pastor dos pastores, Jesus Cristo” (Idem).

Na Eucaristia o padre encontra o seu refúgio e o seu melhor repouso. No altar, ele se une espiritualmente e afetivamente a Jesus Cristo, experimenta-se cercado por Ele, que se deixa tocar por suas mãos e se comunicar com a assembléia por sua voz.

É fundamental ao presbítero vivenciar as diversas dimensões da Eucaristia, de modo especial o “memorial sacrifical de Cristo”. Eucaristia é doação e entrega, sacrifício visível na qual se atualiza o sacrifício de Cristo na cruz. No altar e na cruz é o mesmo sacerdote e a mesma vítima. Jesus faz de sua vida uma oblação, um serviço de amor que é celebrado na Ceia e culmina na Cruz. Ali temos uma teologia de como deve se comportar o presbítero. A sua vida é uma eucaristia. Ele é na Igreja e no mundo um sacrifício vivo, uma eucaristia com Jesus.

“A causa do relaxamento do sacerdote é porque não presta atenção à Missa! Meu Deus, como é de lamentar um padre que celebra como se fizesse uma coisa ordinária” (São João Maria Vianney).

“Há dois anos morreu um sacerdote que era pároco de um povoado do norte da Itália. Tinha um tumor que o reduzira à condição de Jesus sobre a cruz. A isso se somava uma cegueira quase total. Encontrei-o quando ia celebrar uma de suas últimas missas, assistido por um jovem sacerdote. Ele me disse: “Padre, há muito tempo, num retiro, o senhor nos aconselhou a dizer, também em nosso nome, as palavras da consagração: tomai e comei, este é o meu corpo”. Naquele momento, não cheguei a compreender isso completamente, mas agora sim. É tudo o que me resta dar à minha gente. Eu o digo, sabe, digo-o sempre: “Este é o meu corpo oferecido por vós...” E enquanto me dizia isso, corriam-lhe as lágrimas por causa da enfermidade nos olhos. Naquele momento entendi a secreta grandeza da vida de uma sacerdote: dar o corpo e o sangue com Cristo pelos irmãos” (Raniero Cantalamessa).


7º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: a caridade pastoral, eixo que integra a vida do presbítero.

Referência bíblica: Mateus 18,19-20.

Mateus 18 é um dos discursos de Jesus. Trata da vida comunitária. São ensinamentos de Jesus sobre o valor da comunidade. Ela é o lugar da identidade cristã, lugar de encontro de irmãos. O que sustenta e legitima a comunidade é o amor, o perdão, a correção fraterna, a prática da justiça.

“A vida em comunidade é essencial à vocação cristã” (DA, 164). “Não há discipulado sem comunhão” (Idem, 156). Os ministros ordenados são os primeiros responsáveis pela experiência de comunidade. “A Igreja necessita de sacerdotes e consagrados que nunca percam a consciência de serem discípulos em comunhão” (Idem, 324). Ser discípulo é uma vocação comunitária. Ser ministro ordenado é ser servo da comunhão eclesial.

Uma das marcas da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas é a vida fraterna. No caminho de santidade para os presbíteros está o compromisso de comunhão e de amor fraterno. Vivendo em fraternidade, cada padre torna-se testemunha da caridade pastoral.

O padre é escolhido por Deus, consagrado e enviado para a missão. Por isso, as virtudes a serem cultivadas são: a fraternidade, a caridade e a comunhão. São virtudes que integram a sua vida, a sua missão e espiritualidade.

A configuração a Jesus Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor é um dom, fruto da bondade de Deus. Mas também é abertura, disponibilidade e generosidade daqueles que se colocam no caminho do Mestre. Não se procura poder, prestígio, fama e compensações no sacerdócio. A única autoridade vem de Deus e do seu amor. A força do presbítero está Naquele que o ama até o fim. A sua coragem está no amor que se entrega e serve.

O presbítero, a exemplo de Cristo Bom Pastor, vive a caridade pastoral, inserindo-se na vida do povo, sendo sensível à dor humana, tendo compaixão e sendo solidário com aqueles que sofrem.

Uma missão que tem a caridade pastoral como principio culmina na comunhão íntima e profunda com o Pai, no silêncio do coração, na oração e no diálogo com o Transcendente. Esta experiência traz harmonia interior, serenidade, coragem, auto-valorização, ajuda a superar o medo e a acreditar mesmo diante dos desafios.

A comunhão e a fraternidade presbiteral.

Pistas:

a) O presbítero diocesano está unido a uma Igreja particular e ali exerce o seu ministério. Na comunidade que lhe foi confiada ele é pastor e guia.

b) A Igreja, mistério de comunhão.

A Igreja é mistério, pois está embebida da presença de Deus. Na Trindade ela encontra sua fonte e sua identidade. Ela não existe sem o amor do Pai, sem a graça de Jesus Cristo e sem a comunhão do Espírito Santo.

A Igreja é comunhão. Ela é Corpo Místico de Cristo, congregado na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O nosso desafio é “fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão” (João Paulo II, NMI, 43).

A comunhão é o princípio, o ponto de partida e o objetivo de toda a forma de relacionamento existente na Igreja. Os ministros ordenados são os primeiros responsáveis por essa comunhão.

c) A comunhão sacerdotal.

A comunhão do presbítero realiza-se com o Pai, origem última de todo o poder, com o Filho, em cuja missão redentora participa, e com o Espírito Santo, que lhe dá a força para viver e realizar a caridade pastoral. Da comunhão com a Trindade deriva, para o presbítero, a sua comunhão-relação no interior do mistério da Igreja.

d) A comunhão com a hierarquia.

O presbítero diocesano está unido a uma Igreja particular. Ela é a sua família e o lugar privilegiado para viver a sua identidade, espiritualidade e missão. Na Igreja particular, o primeiro responsável pelo serviço presidencial é o Bispo. O presbítero é representante, conselheiro e colaborador da ordem episcopal, no ofício de ensinar, santificar e apascentar o povo de Deus.

A relação bispo-presbítero é sacramental, fraterna e hierárquica. É uma unidade de consagração e missão, pois tanto um como o outro participam do único sacerdócio de Cristo.

e) A fraternidade sacerdotal.

O presbítero tem relação com os outros presbíteros, com eles partilha sua realidade ontológica de caráter sacerdotal e sua missão com a comunidade, para cujo serviço foi conferido o seu sacerdócio. Deve haver “íntima fraternidade sacramental” (PO, 8) entre os presbíteros.

Pelo sacramento da Ordem se cria uma especial comunhão entre todos os que participam do sacerdócio ministerial de Jesus Cristo. Há uma comum ordenação sacramental e uma comum missão (LG, 28). Os presbíteros pertencem a uma família: o presbitério.

O presbitério é o lugar privilegiado para o sacerdote poder encontrar os meios específicos de santificação e de evangelização e ali viver a comunhão fraterna, a amizade sacerdotal e a vida comum. A unidade com o bispo e com os irmãos no presbitério é o caminho para formar a “família sacerdotal diocesana”. “Não se pode ser servo da comunhão na comunidade cristã sem se exercitar continuamente nesta arte de comunhão dentro do presbitério” (Enzo Bianchi).

f) Indicações para a comunhão e a fraternidade presbiteral.

Não se deve procurar um presbitério ideal. Devemos amar aqueles que Deus pôs ao nosso lado. É com eles que devemos criar a unidade e viver a fraternidade.

A Igreja recomenda que se fomente algum tipo de vida comunitária entre os sacerdotes. A vivência comunitária revela minhas fraquezas e meus limites, mas também pode ser lugar de purificações, libertação e crescimento.

A fraternidade e a comunhão de vida se manifestam na ajuda aos irmãos no presbitério: devem se concretizar na colaboração mútua, tanto espiritual como material, tanto pastoral como pessoal; nas reuniões, comunhão de bens, no trabalho, na caridade.

O presbitério deve cuidar, com preferência, dos sacerdotes que enfrentam dificuldades na vida espiritual. Cuidar daqueles que enfrentam a tentação de abandonar o ministério ou não encontram mais ânimo e entusiasmo para viver a missão. Deve trabalhar para ajudar os sacerdotes que não estão integrados no presbitério. É muito importante a preocupação com os presbíteros que iniciam o ministério: os padres novos precisam encontrar um presbitério fraterno, uma verdadeira família diocesana. Família que saiba também cuidar dos presbíteros doentes e idosos.

O presbítero é um animador vocacional. Um presbitério fraterno sabe despertar, acolher, discernir, incentivar, cultivar e acompanhar todas as vocações.

A comunidade presbiteral nasce da fé porque vemos no outro um filho de Deus e um irmão que partilha conosco do único sacerdócio de Cristo e colabora na missão da mesma Igreja. O outro é meu irmão, é a possibilidade de encontrar, servir, amar o próprio Senhor no sacramento do irmão. Isto só é possível a partir da fé, que cresce em clima de oração.

A correção fraterna entre os irmãos sacerdotes é uma das maneiras mais urgentes de se viver a “íntima fraternidade sacramental”. Há necessidade de correção, mas que seja com amor. Podemos fazer o irmão tomar consciência de suas limitações e dos seus erros, mas ao mesmo tempo ajudá-lo a encontrar a força para superar e descobrir suas capacidades de amor e de bondade.

Também o perdão é fundamental no presbitério. As limitações humanas alcançam todos os homens, também os padres. O perdão é uma abertura para o amor. Quando se professa que Deus enviou Jesus, não para nos julgar, nem condenar, mas para nos curar, nos salvar e nos guiar pelos caminhos do amor; quando se proclama que ele veio para nos perdoar, porque ele nos ama na profundidade do nosso ser, então é possível aceitar os outros e perdoar.

Não criticar, não julgar e não condenar um irmão no sacerdócio. Temos que nos esforçar para não deixar a língua livre. Quando aceitamos os nossos defeitos é mais fácil aceitar os defeitos dos outros.

Na diocese, cada um deve aceitar seu cargo, com modéstia, generosidade, alegria e liberdade, sem ciúmes, disputas ou rivalidades.

As relações dos sacerdotes dentro do presbitério devem ter como ponto de partida o amor fraterno. Devemos compreender e aceitar o outro como ele é.

O padre necessita de um ambiente de plena confiança na família diocesana. Confiar e abrir-se ao outro suas inquietudes, preocupações, dúvidas, crises, alegrias, enfim, tudo o que há no seu interior. Os melhores amigos têm que ser os irmãos no sacerdócio. O presbitério é constituído de padres com suas riquezas e fraquezas, por isso, muito mais do que a perfeição, a confiança e a humildade são o seu fundamento.

A vivência da fraternidade sacramental, expressada na comunhão de bens e na comunhão de vida, é de capital importância para boas relações no seio do presbitério diocesano. A ajuda mútua e a comunhão fraterna no presbitério são sempre em função de um melhor serviço ao Povo de Deus. É como um sinal coletivo da presença do Bom Pastor, que dá a vida pelos homens.

Enfim, somos homens celibatários, com dons e fragilidades, renunciamos tantas coisas pelo Reino e para responder melhor aos apelos de Jesus e do Povo de Deus, por isso precisamos de um ambiente de ternura para viver a nossa vocação na alegria. O presbitério diocesano deve ser um lugar seguro e de amor. Nele encontramos um equilíbrio afetivo, uma família que respeita o nosso coração e as necessidades que temos.

O relacionamento fraterno no presbitério exige um ultrapassar a nós mesmos. Se não temos o alimento espiritual necessário, curvamo-nos na comodidade, na segurança, ou nos refugiamos em outras coisas. Precisamos da graça de Deus.

“Falar e rir juntos, trocar afetuosas cortesias, ler juntos alguns bons livros, estar juntos de modo alegre e ao mesmo tempo com dignidade, discordar, às vezes, sem rancor, como alguém faz consigo mesmo, e com as mesmas raras desavenças temperar os muitos consensos, aprender juntos alguma coisa e ensinar algo um ao outro. Experimentar a saudade impaciente de quem está longe e a festiva acolhida de quem retorna. Todos estes e outros semelhantes sinais de corações enamorados um pelo outro, expressos pela boca, pela língua, pelos olhos e de mil gestos agradáveis, são chamas que fundem os espíritos como num único fogo e de muitos fazem uma só coisa” (Santo Agostinho).


8º EXERCÍCIO DE ORAÇÃO: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra” (Lc Mt 11,25).

Referência bíblica: Mateus 11,25-30

Ao encerrar o meu retiro espiritual, rezo um dos textos mais belos do evangelho de são Mateus. Jesus louva ao Pai pelos pequenos e pobres que acolhem e aceitam a promessa do Reino. Ele se apresenta como a fonte da vida, o novo princípio enquanto é pobre e manso de coração. O seu jugo é suave porque revela a justiça do Reino. O seu fardo é leve porque sua lei é o amor.

O apostolado é a principal característica da espiritualidade do sacerdote. O seu ministério está em sintonia com a missão de Jesus Cristo, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28). “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo” (Fl 2,6-7).

O padre é escolhido por Deus, consagrado e enviado para a missão. Por isso, a virtude a ser cultivada é a caridade pastoral. Ela é o eixo que integra a sua vida, a sua missão e espiritualidade. O que se pede de um padre é o cuidado pastoral da comunidade. Ele deve amar aqueles que Deus colocou em suas mãos.

Jesus quer que façamos como ele fez. O ministério presbiteal é um serviço. A configuração a Jesus Cristo Sacerdote, Profeta e Pastor é um dom, fruto da pura bondade de Deus. É também abertura, disponibilidade e generosidade daqueles que se colocam no caminho do Mestre. Não se procura poder, prestígio, fama e compensações no sacerdócio. A única autoridade vem de Deus e do seu amor. A força do presbítero está Naquele que o ama até o fim. A sua coragem está no amor que se entrega e serve.

Jesus é o “supremo pastor” (1 Pd 5,4) que se compadece do povo, é a encarnação da misericórdia, bondade e compaixão de Deus que nos inspira na caridade pastoral. O presbítero, a exemplo de Cristo Bom Pastor, preocupa-se com as necessidades do povo de Deus. “Faz-se pessoalmente presente no mundo dos pobres, solidário nas situações de sofrimento e de conflito social” (CNBB, Carta aos presbíteros).

O presbítero, sacramento de Cristo, Bom Pastor, não pode excluir ninguém da sua caridade pastoral. Mas há setores que necessitam de cuidados especiais, como os pobres, as famílias, as crianças, os jovens, os idosos. O Documento de Aparecida apresenta “novos” rostos sofredores que devem doer em nós: são as pessoas que vivem nas ruas das grandes cidades, os migrantes, os enfermos, os dependentes de drogas, os detidos em prisões (DA, 407-430). A verdadeira espiritualidade presbiteral brota da sensibilidade, da compaixão e do serviço para com os pobres.

A caridade pastoral requer inserção do presbítero, que é muitas vezes uma presença silenciosa; requer conversas e comunhão com a cultura popular, compreensão do modo de se comunicar do povo simples, compreensão do seu comportamento, maneira de pensar e agir. Requer visitas gratuitas, participação nas festas, nos momentos de lazer, no trabalho, nos momentos de perdas, dores e sofrimentos, nas refeições comuns. Essas práticas são fundamentais para se viver uma pobreza sacerdotal e se inserir na vida do povo.

Uma missão que tem a caridade pastoral como princípio culmina na comunhão íntima e profunda com o Pai, no silêncio do coração, na oração e no diálogo com o Transcendente. Esta experiência traz harmonia interior, serenidade, coragem, auto-valorização, ajuda a superar o medo e a acreditar mesmo diante dos desafios.

Encerro o meu retiro acreditando que a experiência do Deus da vida me faz acreditar sempre. Quem encontrou Jesus encontrou um tesouro, sente-se nova pessoa, pois só Ele liberta. Essa é a minha missão como presbítero: levar cada pessoa a experimentar a força do Evangelho. A vida segundo o Evangelho é vida orientada pelo Espírito. Viver a caridade pastoral no meu ministério é anunciar uma novidade capaz de ser fermento de liberdade e amor.

Encerro o meu retiro meditando as palavras do Papa Bento XVI dirigidas aos sacerdotes na abertura da V Conferência de Aparecida: “Se o sacerdote fizer de Deus o fundamento e o centro de sua vida, então experimentará a alegria e a fecundidade da sua vocação. O sacerdote deve ser antes de tudo um “homem de Deus”; um homem que conhece a Deus “em primeira mão”, que cultiva uma profunda amizade pessoal com Jesus, que compartilha os “sentimentos de Jesus”. Somente assim o sacerdote será capaz de levar Deus – o Deus encarnado em Jesus Cristo – aos homens, e de ser representante do seu amor”.

Encerro o retiro, renovando o meu compromisso com o carisma do Irmão Carlos, na imitação da vida simples de Jesus de Nazaré, na opção pelos mais pobres.

“É preciso ir não onde a terra é a mais santa, mas onde as almas têm maior necessidade” (Charles de Foucauld)

“Não esmoreçamos na prática do bem, pois no devido tempo colheremos o fruto, se não desanimarmos. Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, principalmente aos da família da fé” (Gl 6,9-10).