CORPUS CHRISTI

Corpus christi a semente na Terra

Na festa de Corpus Christi a liturgia nos apresenta o evangelho da multiplicação dos pães. O texto vem logo em seguida ao regresso dos Doze que foram em missão para anunciar a Palavra. Jesus acolhe as multidões, cura seus males e lhes ensina a Palavra. Sacia os corpos famintos dando-lhe o pão. Ao mesmo tempo Jesus torna-se também o pão da vida que alimenta a vida espiritual do Povo de Deus.

Jesus acolheu as multidões: a iniciativa exclusiva de Jesus que sente compaixão diante da situação do povo que veio ao seu encontro. Vendo as multidões, Jesus se comove não fica somente com boas e belas intenções e sentimentos. Só quem vê, pode se compadecer e então agir para solucionar o problema.

A tarde vinha chegando Lucas entrega aqui as mesmas palavras do relato de Emaús (Lc 24,13-35), onde os dois discípulos pedem: “Fica conosco”. Aqui também o longo do dia está chegando ao fim, só que os discípulos pedem para Jesus mandar embora multidão. Nos dois episódios, Jesus permanece responde abençoando e repartindo o pão.

Despede a multidão, para que vá procurar hospedagem e comida: Os discípulos possuem a mesma mentalidade do sistema: deixar que as multidões se danem: afastá-las, mandá-las para longe, com isso também se afasta o problema e Jesus pode ficar só com eles. Para os discípulos a fome do povo se resolve em comprar e vender. Para Jesus, será o dar e partilhar.

Estamos num lugar deserto: os discípulos não sabem onde buscar pão. No deserto só existe areia e pedras. Esquecem que é do meio deles que deve vir a solução. São aqueles sete pães e dois peixinhos que se transformam em abundância, em fartura que sacia a todos e ainda vai gerar sobras.

Dai-lhes vós mesmos de comer: A solução dos problemas não vem de fora, lá de cima, mas de dentro da comunidade. Jesus envolve os discípulos a participarem da solução do problema.

Só temos cinco pães e dois peixes: Jesus não se impressiona com a quantidade, mas com o que é possível fazer. A soma dos números 5 + 2 produz o número perfeito, que é 7.

Estavam ali mais ou menos cinco mil homens: Este número é também o número da comunidade dos cristãos de AT 4,4. Mas é também a multiplicação de mil para cada pão recebido e partilhado.

Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta: O gesto da idéia de sentar-se à mesa, de acordo com os costumes judaicos. Assim, Jesus não é só quem realiza grandes sinais, mas é quem preside a mesa que reúne a todos. É a mesa comum onde todos cabem. É a mesa circular onde todos podem se ver e escutar a fome dos outros.

Então Jesus abençoou-os, partiu-os e os deu: São gestos que Jesus vai cumprir também na Última Ceia (Lc 22,19), por isso este relato prefigura e anuncia o relato da Eucaristia. Jesus não distribui o pão às multidões, mas o dá aos seus discípulos. Eles devem repartir, partilhar. Aquilo que a multidão ofertou retorna em abundância, em forma de partilha.

Todos comeram e ficaram satisfeitos: foram recolhidos doze cestos, um cesto para cada um dos doze. As sobras dão o sentido de saciedade, mas também podem ser vistas em contraste com o Maná no deserto, que não podia ser armazenado. Este pão que Jesus oferece é maior e é alimento que não se perde, ou seja, feito para a vida eterna.

Jesus nos ensina que devemos estar atentos a fome das multidões e buscar respostas para o problema. A fome não pode esperar. Exige solução, partilha, ações concretas e eficazes. Quando partilhamos, o pouco se torna muito. E quando há partilha, sempre há sobras também, ao contrário, a concentração de alimentos o mundo hoje é um escândalo e por isso tantas pessoas passam fome. Ao mesmo tempo o Evangelho nos mostra que Jesus que se fez Palavra, também se faz pão. Por isso, seu primeiro lugar foi a manjedoura dos animais (Lc 2,7). Ele é a Mesa da Palavra e a Mesa do Pão que alimentam e sustentam a vida da Igreja (DV21).


Eucaristia, lugar da manifestação plena do amor de Deus - Pe. Nelito Dornelas

A Eucaristia é o sacramento da Aliança selada entre Deus e a humanidade. Em cada Eucaristia celebrada, renova-se esta aliança, tornando a comunidade eclesial fonte fecunda de vida divina que se transborda para a criação divina.

O amor esponsal vivenciado na Eucaristia é um amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão das núpcias de Jesus com a humanidade, assumindo-a plenamente a partir de suas mais violentas derrotas, transformando-as e redimindo-as.

Ao exprimir a irreversibilidade do amor de Cristo pela humanidade, compreende-se que tanto na Eucaristia quanto na Igreja estão presentes aquela indissolubilidade a que todo amor verdadeiro é chamado a expressar.

Há, portanto, uma íntima ligação entre a vida de oração (lex orandi) e a vida de fé (lex credendi). A relação entre o mistério acreditado e o mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da adoração.

Ninguém pode comer dessa carne e beber desse sangue, sem antes os adorar. Adorar é o maior gesto de amor. Quem se ajoelha diante do Santíssimo, somente o poderá fazer para expressar seu infinito amor por Jesus, pois Ele mesmo nos advertiu de que não quer ser seguido e adorado, mas amado. Adorá-lo ou segui-lo sem amá-lo é cometer uma heresia, pois seria transformá-lo em um ídolo. Não se pode adorar a um ídolo, mas somente a Deus.

Não os chamo de servos e servas ou escravos e escravas, mas de amigos e amigas, pois tudo o que conheci do coração do meu Pai vos dei a conhecer. O servo não sabe o que pensa o seu senhor (cf João 14).

Portanto, a adoração é o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de expressão de fé da Igreja. Alimentar-se da Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração diante d'Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste, manifestando-lhe nosso amor.

O ato de adoração fora da celebração eucarística prolonga e intensifica o que se faz na própria celebração eucarística, portanto, é uma ação litúrgica e uma celebração do amor.

É por isso que na festa de Corpus Christi, as comunidades manifestam sua fé em Jesus Eucarístico, fazendo-se ornamento e embelezando praças e avenidas, como uma grande expressão de amor e de renovada esperança, reencantando a vida e atualizando as palavras de Jesus: Façam tudo em minha memória1!

Festa de Corpus Christi - José Antonio Pagola.

Não precisamos nos enganar. Não poderemos olhar para o outro lado. Em nosso redor mais ou menos próximo iremos encontrando famílias obrigadas a viver da caridade, pessoas ameaçadas de expulsão, vizinhos lutando pelo desemprego, doentes sem saber como resolver os seus problemas de saúde ou medicação.

Ninguém sabe muito bem como a sociedade irá reagir. Sem dúvida, irão crescer a impotência, a raiva e a desmoralização de muitos. É previsível que aumentem os conflitos e a delinquência. É fácil que cresçam o egoísmo e a obsessão pela própria segurança.

Também é possível que a solidariedade cresça, por outro lado. A crise pode-nos fazer mais humanos. Pode-nos ensinar a partilhar mais o que temos e o que necessitamos. Podem-se estreitar os laços e a mútua ajuda dentro das famílias. Pode crescer a nossa sensibilidade para com os mais necessitados. Seremos mais pobres, mas podemos ser mais humanos.

No meio da crise, também as nossas comunidades cristãs podem crescer em amor fraterno. É o momento de descobrir que não é possível seguir Jesus e colaborar no projeto humanizador do Pai sem trabalhar por uma sociedade mais justa e menos corrupta, mais solidária e menos egoísta, mais responsável e menos frívola e consumista.

É igualmente o momento de recuperar a força humanizadora que se encerra na eucaristia, quando é vivida como uma experiência de amor confessado e partilhado. O encontro dos cristãos, reunidos cada domingo em torno de Jesus, há de converter-se em lugar de consciencialização e de impulso de solidariedade prática.

A crise pode sacudir a nossa rotina e mediocridade. Não podemos comungar com Cristo na intimidade do nosso coração sem comungar com os irmãos que sofrem. Não podemos partilhar o pão eucarístico ignorando a fome de milhões de seres humanos privados de pão e de justiça. É uma piada darmos a paz uns aos outros esquecendo os que ficam excluídos socialmente.

A celebração da eucaristia vai nos ajudar a abrir os olhos para descobrir a quem temos de defender, apoiar e ajudar em momentos como estes. Há de nos despertar da “ilusão da inocência” que nos permite viver tranquilos, para nos movermos e lutar apenas quando vemos em perigo os nossos interesses. Viver cada domingo com fé pode nos fazer mais humanos e melhores seguidores de Jesus. Pode-nos ajudar a viver a crise com lucidez cristã sem perder a dignidade nem a esperança.