RETIRO 2007- D. EUGÊNIO

RETIRO DE 2007- DOM EUGÊNIO RIXÈN – DE GOIÁS-GO.

2007, aconteceu no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, Imaculada Conceição, sob a orientação de Dom Eugênio Rixèn, Bispo de Goiás, GO. Participaram 52 pessoas, sendo 40 presbíteros. Como de costume, publicamos as reflexões do retiro.

1. JESUS E A SAMARITANA (Jo 4,5-42)

- A samaritana era 4 vezes rejeitada:

• Por ser mulher: a sociedade judaica era bem machista. Só a mulher podia ser

condenada no caso de adultério.

• Por ser pecadora: o meio-dia não é horário para buscar água.

• Por ser estrangeira: os samaritanos eram considerados como bastardos, mistura de raças.

• Por ser pobre: ela mesma foi buscar água no poço.

- Jesus: cansado, se senta na beira do poço de Jacó.

A. A saída do círculo vicioso marcado pela tradição e as forças coletivas (v. 7-9).

• “Você um judeu... eu, uma samaritana”.

Jesus disse: “Dá-me de beber!” A reação da mulher é de surpresa:

“Como sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana”.

• A mulher está insegura porque Jesus quebra um tabu. Um judeu não ia humilhar-se para pedir uma ajuda a uma pecadora, só se este estivesse na pior.

• É o confronto com a nossa miséria que nos leva à conversão.

• A mulher estranha a atitude de Jesus porque já tinha incorporado a tradição:

judeu e samaritano não se falam;

• Ela aceita seu papel, sua “Persona” (máscara) em função do que os outros esperam dela.

• Jesus quebra o seu papel de judeu e obriga a mulher a se questionar na sua situação de samaritana. Jesus não vê nela simplesmente uma “samaritana”.

B. O dom de Deus: “água viva” – Oferta de uma nova vida (v.10).

• Jesus propõe uma água que corre, não mais uma água parada. É isso o dom de Deus.

• O dom de Deus é o próprio Jesus.

• A intervenção de Jesus marca um salto qualitativo. Jesus quer que a mulher descubra que ele não é simplesmente um judeu, mas o dom de Deus capaz de dar água viva.

• Isso a mulher não consegue entender.

C. Rompeu com a tradição: “Você é maior que o nosso pai Jacó” (v.11-14 c 5-6).

• Jacó é considerado o pai dos samaritanos. Ele representa a tradição. O poço indica a descida na profundeza da origem religiosa. Por isso, a mulher pergunta se Jesus é maior do que o pai Jacó.

• O poço, a água são símbolos materiais e representam a origem.

• Em todas as culturas “os pais” significam a Lei, a Ordem, a Consciência.

• A pergunta da mulher: “Você é maior que o nosso pai Jacó”, revela a crise de valores sentida por ela.

• Não é por acaso que o encontro se realiza no poço de Jacó que representa para a mulher a fonte dos valores que ela tinha até agora. Ela se questiona: “Será que este judeu é uma nova fonte da qual posso viver?”

• Por isso, os versículos 13-14 respondem bem ao que preocupa a mulher. “Aquele que bebe desta água (Jacó) terá sede novamente; mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhes der, tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna”.

D. Desejo da nova fonte de vida (v. 15)

• A samaritana começa a alimentar o desejo de uma água (de uma fé) capaz de satisfazer plenamente. A água (a fé) do poço de Jacó não conseguiu satisfazê-la porque precisava tirá-la todos os dias e necessitava de esforço.

• A mulher pede nesse versículo 15, o que Jesus tinha proposto que pedisse no versículo 10.

• Assim termina a 1ª parte. A samaritana descobre que precisava sair do seu “egocentrismo”, da sua “persona”, do seu papel no qual estava trancada para descobrir seu verdadeiro “ego”.

• É dentro de nós, que encontramos o caminho do místico.

E. A mudança na metade da vida: a sexta-hora (v. 6,16-19).

• C.G. Jung escreve que e a primeira parte da nossa vida é orientada pela ação, enquanto a segunda leva para a interioridade.

• Quando Jesus disse: “Vai, chama teu marido”, ele provocou a mulher para reconhecer o lado escuro da sua vida. Ela o reconhece, no entanto, só parcialmente quando disse: “Não tenho marido”, escondendo que já teve 5 maridos. Jesus a questiona para obrigá-la a reconhecer toda a verdade.

• Só quem aceita reconhecer e confessar o seu lado escuro é capaz de fazer a experiência da água viva. Não adianta esconder alguma coisa a si mesmo ou ao confessor.

• O reconhecimento do lado escuro da nossa personalidade é o inicio da cura e o primeiro passo para a “individuação”.

• A mulher não vê mais em Jesus um judeu, mas um profeta (v. 19) e mais tarde o messias (v.25) e finalmente o salvador (v.42).

• O segundo passo para a individuação é o reconhecimento da anima para o homem e do animus para a mulher. O fato que a mulher reconhece Jesus como profeta e que ela aceita exercer ela mesma este papel para com os samaritanos, prova que começa a descobrir no seu caminho para a “individuação” seu lado masculino feito de iniciativa.

F. O encontro com Deus (v. 20-26): o símbolo unificado

• Deus se encontra no mais interior de si mesmo.

“ Deus interior íntimo” como disse S. Agostinho.

• Só pode encontrar Deus quem para de apresentar aos outros e a si mesmo uma “persona”.

• A mulher só foi capaz de fazer uma pergunta sobre Deus, após ter aceito seu lado escuro. A descoberta de Deus se faz a partir do conhecimento do seu ego mais profundo.

• A partir do v. 20, a mulher começa a ter iniciativa do diálogo. Pela primeira vez, ela faz uma pergunta e a resposta é no mesmo nível.

• Agora a mulher é capaz de se confrontar com sua própria tradição.

• No versículo 25, a mulher manifesta o desejo de encontrar Cristo, aquele que não somente lhe revelou seu lado escuro, como o fez Jesus, mas aquele que é capaz de revelar “tudo”.

• A mulher ainda pensa de maneira dualista: adorar em Jerusalém ou em Garizim? Jesus fala que precisa rezar em espírito e verdade. Ele acaba deste jeito com qualquer dualismo. Refaz a unidade entre o humano e o divino, entre o espírito e a carne.

• Quando Jesus diz: “Sou eu, que falo contigo”, isso significa, para a mulher samaritana, o encontro com Cristo na sua plenitude e a realização plena na sua personalidade.

G. Mensageira para o povo (v. 28-30 c 42)

• A mulher abandona sua jarra, porque descobriu uma outra “água”.

• A água do poço (religião de Jacó) já não a satisfaz mais. Ela descobre a água viva: Jesus é o Messias.

• A volta para a cidade, mostra uma mulher bem diferente. Agora, não é mais uma mulher que segue um papel coletivo, mas alguém que tem sua própria personalidade.

CONCLUSÃO

• Na metade de sua vida, uma mulher experimenta uma mudança radical na qual o seu passado se torna consciente e na qual seu futuro se orienta radicalmente para Cristo.

• O texto da samaritana é um texto de revelação (e não de moral), no qual Jesus vai se revelando. A conversão é o resultado concreto deste encontro.

• Enquanto a religião se resume simplesmente a formas externas e a função religiosa não leva a uma experiência íntima de Deus, não acontece nada de fundamental. Quem não compreende isso, pode ser doutor em teologia, mas de religião não entende nada e menos ainda de educação.

Textos: Salmos 42 (41) e 63 (62)

O ENCONTRO PESSOAL COM JESUS

 “A Paixão, o Calvário, são uma suprema declaração de amor. Não foi para resgatar-nos que sofreste tanto, ó Jesus... O menor dos teus gestos tem um preço infinito, pois é o ato de um Deus e teria bastado, mais do que bastado, para resgatar mil mundos... É para nos levar, nos atrair a te amar livremente, porque o amor é o meio mais poderoso de atrair o amor, porque amar é o meio mais poderoso de fazer amar... Como ele nos fez assim sua declaração de amor, imitemo-lo fazendo-lhe a nossa... Não nos é possível amá-lo sem imitá-lo, amá-lo sem querer ser o que ele foi, fazer o que ele fez, sofrer e morrer nos seus tormentos; não nos é possível amá-lo e querer ser coroado de rosas quando ele foi coroado de espinhos” (MSE).

 “Rezar é permanecer com Jesus”.

 “A conformidade ao Bem-Amado é uma premente necessidade do coração” (OE 602).

 “Achar tempo para uma leitura de algumas linhas dos santos evangelhos... impregnar-nos do espírito de Jesus lendo e relendo, meditando e re-meditando, sem cessar, suas palavras e seus exemplos; que façam em nossas almas o efeito de uma gota d’água que cai sem cessar sobre uma laje, sempre no mesmo lugar”(CLM).

 “Imitemos Jesus por amor, contemplemos Jesus por amor, ajamos em tudo por amor de Jesus” (MSE).

 “Quanto ao amor que Jesus tem por nós, ele o mostrou suficientemente para que creiamos nele sem o sentir: sentir que nós o amamos, seria o céu. O céu não é, exceto raros momentos e raras exceções, para este mundo”.

 “Estou tão frio que não tenho coragem de dizer que amo, mas queria amar” (27-02-1903).

Textos: João 4,5-42; Salmos 42,43 e 63.

2. FONTES DA ESPIRITUALIDADE

Fundamentalmente a espiritualidade necessita de:

1º Uma profunda experiência de Deus.

a) Precisamos intensificar a sede de Deus:

“Minha alma tem sede de Deus: minha carne te deseja com ardor como terra seca, esgotada sem água” (Sl 63).

“Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando voltarei a ver a face de Deus” (Sl 42).

Na vida, podemos, às vezes, ter a experiência da ausência de Deus, mas não podemos perder o desejo de encontrar Deus.

b) Moisés descobre Deus na sarça ardente, o fogo que queima sem se consumir, símbolo do amor de Deus que se espalha cada vez mais. Mas este Deus se revela como alguém que está presente na história dos homens, especialmente no sofrimento:

“Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias” (Ex. 3,7).

c) Jeremias tem esta frase admirável:

“Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste” (Jr 20,7).

d) Paulo

“Não sou mais eu que vivo. É Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

“Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12,9).

“ Para mim viver é Cristo e morrer é lucro” (Fl 1,21).

“Tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele, eu perdi tudo e tudo tenho como lixo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo a justiça da Lei, mas a Justiça que vem de Deus, apoiada na fé... Conformando-me com ele na sua morte, para ver se eu alcanço a ressurreição entre os mortos. Não que eu já o tenha alcançado ou que já seja perfeito, mas vou prosseguindo para ver se o alcanço, pois que também já fui alcançado por Cristo Jesus (Fl 3,8-12).

2º Esta experiência não pode ser confundida com uma emoção passageira.

a) Sta. Tereza de Ávila:

“Sim, o amor de Deus não consiste em ter lágrimas, nem tão pouco nesses gestos e ternuras que geralmente desejamos e com os quais nos consolamos, mas em servir a Deus com justiça, fortaleza de ânimo e humildade”.

b) Com justiça

“Eu odeio, eu desprezo as vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos... não me agradam as vossas oferendas... Que o direito corra como a água e a justiça como um rio caudaloso” (Am 5,21-24).

“Ainda quando multipliqueis a oração não vos ouvirei. As vossas mãos estão cheias de sangue: lavai-vos, purificai-vos”!

“Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal. Aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor! Fazei Justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1,15-17).

c) Com fortaleza de ânimo

ânimo = entusiasmo, paixão, vivacidade, energia

“Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras” (Lc 24,32).

“Então isto era dentro de mim como um fogo devorador” (Jr 20,9).

d) Com humildade

“A humildade nada mais é do que a verdadeira compreensão e percepção que o homem tem de si, ou seja, como ele é realmente” (Nuvem do Não Saber – idade média).

“O modelo de humildade se encontra na oração do publicano: “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador” (Lc 18, 9-14).

“Uma maior proximidade de Deus nos dá um maior conhecimento do nosso pecado”.

“A humildade se recebe olhando o amor que Deus tem para conosco” (autor da idade média).

“Procuramos, pois, olhar sempre as virtudes e coisas boas que notarmos nos outros e encobrir seus defeitos com os nossos pecados! Este modo de proceder, embora no principio não seja com perfeição, dar-nos-á uma virtude excelente, qual a de termos todos por melhores que nós” (Tereza de Ávila).

A humildade é uma virtude teologal. “Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário. Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim apresentou-se como simples homem” (Fl 2,6-7).

“Nada nos afasta mais de Deus do que o orgulho!

O ABSOLUTO DE DEUS

 “Tão logo acreditei que havia um Deus, compreendi que não poderia ter outra atitude que não fosse a de viver somente para ele: minha vocação religiosa data do mesmo instante que minha fé: Deus é tão grande! Há uma grande diferença entre Deus e tudo o que não é ele” (CHC 96).

 “Os olhos mais doces que jamais vi, os sorrisos que mais me consolaram, os seres que mais encantam, tudo isso nada mais é que um pouco de tua beleza, que querias me fazer ver para que, vendo-a, dissesse a mim mesmo: isso vem de Deus ... Meu Deus, como és bom por ter me mostrado tua beleza, nas criaturas! Dá-me a graça de só ver a ti, só a ti nas criaturas... (UL 38-39).

 “Cada vez que abro a janela ou a porta, contemplo, cheio de admiração, os picos que me cercam e que domino, é uma vista maravilhosa, mas uma bela solidão. Como é bom, nessa calma grandiosa, nessa linda natureza, tão atormentada e estranha, elevar o coração ao Criador e ao Salvador Jesus” (CMB 200).

 “Confesso: o islamismo produziu em mim uma profunda mudança... a visão dessa fé, dessas almas vivendo na contínua presença de Deus, fez-me entrever algo de maior e de mais verdadeiro do que minhas ocupações mundanas” (CHC 86).

 “Seca e escuridão, tudo me é difícil: santa comunhão, prece, oração, tudo, tudo, mesmo dizer a Jesus que o amo. É Necessário que me agarre à vida de fé. Se ao menos sentisse que Jesus me ama! Mas nunca me diz nada” (Nazaré 06-06.1897). “Estou tão frio que não tenho a coragem de dizer que eu amo, mas queria amar” (27-02-1903 a Mgr Guérin).

Textos: Jeremias 18, 1-6; 20, 9; Oséias 2,16-22

3. REAÇÃO DOS DISCÍPULOS DIANTE DA CRUZ (Frei Carlos Mesters)

Os discípulos seguem Jesus. Pensam que já o conhecem mas, aos poucos, descobrem que em Jesus havia um mistério maior. Ele fala, aconselha e decide diferentemente do que eles esperavam ou imaginavam. O mesmo acontece conosco em relação com outra pessoa. Você pensa que a conhece e, cada vez de novo, ela surpreende, reagindo de um modo diferente do que se esperava ou imaginava. E quantas vezes acontece que julgamos até conhecer as reações de Deus. E depois nos damos conta de que Deus é totalmente diferente do que imaginávamos, e de que estávamos apenas manipulando Deus a nosso favor.

Mesmo assim, apesar do desencontro crescente com os discípulos, Jesus não rompe nem desiste de acolhê-los. Pelo contrário, começa a instruí-los para que vençam a cegueira e percebam a causa do desencontro. Começa a falar abertamente sobre a Cruz e sobre o Messias Servo que vai sofrer e morrer.

Na época de Marcos, o problema não era só a Cruz de Jesus mas também a cruz que os cristãos carregavam por causa de sua fé em Jesus: perseguições, brigas com irmãos judeus, incertezas, conflitos internos; havia alguns que queriam abafar o grito dos pobres (cf 10,48). E as cruzes de hoje? Fome, desemprego, falta de saúde, exclusão. Tantas cruzes!

Marcos procura iluminar a estrada para eles e para nós. Convida-nos a acompanhar Jesus que sai da Galiléia e começa a caminhada à Jerusalém. Os discípulos “seguem Jesus” e enquanto caminham para o calvário, recebem uma longa instrução sobre a Cruz. A instrução está entre duas curas do cego. No inicio, a cura de um cego anônimo (8,22-26). No fim, a cura de Bartimeu (10,46-52). As duas são símbolo do que se passava entre Jesus e os discípulos, pois “tinham olhos e não enxergavam” (8,18). Jesus os levou para “fora do povoado”, fora das Galiléia, e fez todo o possível para romper o impasse e ajudá-los a recuperar a visão.

Na 1ª cura, o cego não enxergou logo tudo. Só numa 2ª vez, Jesus o curou. O mesmo acontecia com Pedro e com tantos outros. Confessando que Jesus era o Messias, Pedro era como o cego de meia visão. Reconhecia em Jesus o Messias, mas Messias sem a cruz!

Na 2ª cura, o cego Bartimeu, como Pedro, reconhecia em Jesus o Messias, pois gritava: “Jesus, filho de Davi”. Este título não era muito bom e foi criticado pelo próprio Jesus (12, 35-37). Bartimeu, porém, não se agarrou ao título e teve fé em Jesus: “Tua fé te salvou”! E no mesmo instante recuperou a vista e seguia Jesus no caminho. Bartimeu não fez as exigências de Pedro, mas soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. Ele se tornou o discípulo modelo para todos os que querem “seguir Jesus no caminho” em direção a Jerusalém.

Entre estas duas curas está a longa instrução sobre a Cruz através de palavras. Parece uma pequena cartilha, uma espécie de catecismo feito com frases do próprio Jesus. Fala sobre a cruz na vida do discípulo e da discípula de Jesus Crucificado. O gráfico apresenta o esquema da instrução:

Cura de um cego

1º anúncio

Instruções aos discípulos sobre o Messias Servo

1-Transfiguração

2- Ensino sobre Elias

3- Sobre a fé em Jesus

2º anúncio

Instrução aos discípulos sobre a conversão

1-Não são donos de Jesus

2- Caridade e escândalo

3-Igualdade homem/mulher

4- Jesus e as crianças

5- Perigo das riquezas

6- Partilha e Comunidade

3º anúncio

Cura do cego Bartimeu

8,22-26 8,27-38 9,1-29 9,30-37 9,38 a 10,31 10,32-45 10,46-52

para Jerusalém

A instrução consta de três anúncios da paixão, entre os quais há uma série de ensinamentos que ajudam a entender Jesus como Messias Servo. Esclarecem também a conversão que deve ocorrer na vida dos que aceitam caminhar com Jesus. O conjunto da instrução tem como pano de fundo a caminhada de Jesus (8,27;9,30-33;10,32) para Jerusalém, onde será preso e morto. O contexto é a Cruz na vida de Jesus e na vida dos discípulos.

Os três anúncios da Cruz

Em cada um dos três anúncios, Jesus fala da sua paixão, morte e ressurreição como sendo parte do projeto de Deus (8,31;9,31;10,33). A expressão “deve” indica que a Cruz já tinha sido anunciada nas profecias (cf Lc 24,26). Cada um dos três anúncios é acompanhado de gestos ou palavras de incompreensão por parte dos discípulos. No 1º Pedro critica Jesus, que o repreende severamente chamando de Satanás, isto é, aquele que o desvia do caminho de Deus (8,32-33). No 2º, os discípulos não entendem, têm medo e cada um quer ser o maior (9,32-34). No 3º, eles estão assustados e querem promoção (10,32;35-37). É porque nas comunidades para as quais Marcos escreve havia gente como Pedro: não queriam a cruz! Eram como os discípulos: não entendiam a cruz ou queriam ser o maior; viviam assustados e queriam promoção.

Em cada um dos três anúncios Jesus corrige a falta de compreensão dos discípulos e ensina como deve ser o comportamento deles. No 1º, ele exige: carregar a cruz e segui-lo, perder a vida por causa dele e do Evangelho e não ter vergonha dele e da sua Palavra (8,34-38). No 2º, exige: fazer-se servo de todos, receber os pequenos como se fossem ele mesmo (9,35-37). No 3º, exige: beber o cálice que Ele vai beber, não imitar os poderosos que exploram, mas sim o Filho do Homem que veio para servir (10,35-45). Três vezes Jesus pede silêncio aos discípulos. O povo não tinha condições de aceitar um condenado à cruz como o Messias, pois a ideologia dominante só divulgava a imagem do Messias glorioso: rei, juiz, doutor, sacerdote, general! Só o seguimento poderia abrir o entendimento da mensagem sobre a cruz.

As conseqüências da Cruz na vida dos discípulos

Entre o 1º e o 2º anúncio, há três complementações que ajudam os discípulos a corrigirem suas idéias erradas sobre Jesus:

1- A transfiguração (9,2-10) é uma confirmação clara de que Jesus veio realizar as profecias (Is. 42,1; Dt 18,15). Ele é o Messias glorioso, mas o caminho para a glória passa pela Cruz.

2- Instrução sobre a volta do profeta Elias (9,11-13) concretizada no testemunho e na morte violenta de João Batista.

3- Instrução sobre a necessidade da fé (9,14-29) aos discípulos que não conseguiam expulsar um demônio. Só a oração fortalece a fé do discípulo a ponto de ele ser capaz de expulsar o demônio e de corrigir as idéias erradas sobre o Messias. Pois “Tudo é possível àquele que crê” (9,24).

Entre o 2º e o 3º anúncio há seis complementações sobre as mudanças que devem ocorrer na vida dos discípulos a partir dos vários níveis do relacionamento humano.

1- No relacionamento com os que não são da comunidade, o máximo de abertura: Quem não é contra nós é a nosso favor” (9,38-40).

2- No relacionamento com os pequenos e excluídos, o máximo de acolhimento. Acolher os pequenos por serem de Cristo e não ser motivo de escândalo para eles (9,41-50).

3- No relacionamento homem-mulher, o máximo de igualdade: Jesus elimina o privilégio que o homem tinha com relação à mulher e proíbe mandar a mulher embora (10,13-16).

4- No relacionamento com as crianças e suas mães, o máximo de ternura: acolher, abraçar, abençoar, sem medo de contrair alguma impureza (10,13-16).

5- No relacionamento com os bens materiais, o máximo de abnegação: “Só uma coisa te falta: vai vende tudo o que tens e dá aos pobres” (10,17-27).

6- No relacionamento entre os discípulos, o máximo de partilha: quem deixar irmão, irmã, pai, mãe, filhos, terra por causa de Jesus e do evangelho, terá cem vezes mais (10,28-31).

Estar sempre a caminho e não parar nunca

Desde o começo até o fim desta longa instrução, Marcos informa que Jesus está a caminho (8,27; 9,30-33). Discípulo é quem segue Jesus nesta caminhada para Jerusalém. É o caminho da entrega, do abandono, do serviço, da disponibilidade, da aceitação do conflito, sabendo que haverá ressurreição. A cruz faz parte deste caminho. Pois num mundo, organizado a partir do egoísmo, o amor e o serviço só podem existir crucificados! Quem faz de sua vida um serviço aos outros, incomoda os que vivem agarrados aos privilégios.

A compreensão plena do seguimento de Jesus só se obtém no compromisso prático, caminhado com Ele. Quem insiste em manter a idéia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem cruz, nunca chegará a ser verdadeiro discípulo. Mas quem souber fazer a “entrega de si” (8,35), quem aceitar “ser o último” (9,35), quem assume “beber o cálice e carregar a cruz” (10,38), este, como Bartimeu, mesmo tendo idéias não inteiramente corretas, conseguirá enxergar e “seguirá Jesus no caminho” (10,52).

A cura de Bartimeu esclarece o ponto de chegada da instrução sobre a cruz. Ele é pobre e cego: um excluído. Não pode participar da procissão que acompanha Jesus. Mas ele grita e incomoda aos que vão na procissão: “Muitos o repreendiam para que se calasse, mas ele gritava mais ainda”. Jesus escuta o grito de Bartimeu, para e manda chamá-lo. Ele larga tudo o que tem (apenas um manto!) e vai até Jesus. Ele tinha invocado Jesus com idéias pouco exatas, porém, acreditou mais em Jesus que o chamou, do que nas idéias que ele mesmo tinha sobre Jesus. Converteu-se, largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário (10,52).Nesta certeza de caminhar com Jesus está a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz. Pois a cruz não é uma fatalidade, nem uma exigência de Deus. Ela é a conseqüência do compromisso assumido com Deus de servir aos irmãos e de recusar o privilégio.

• Você se reconhece na reação dos discípulos diante da cruz?

• Como a cruz se manifesta na minha vida e na vida da minha comunidade? Como nós enfrentamos a cruz hoje?

ESPIRITUALIDADE DA CRUZ

 “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46) ...é a última prece do nosso Mestre, do nosso Bem-Amado... Possa ser nossa... E que seja, não somente a do nosso último instante, mas a de todos os instantes: “Meu Pai, me entrego em tuas mãos; meu Pai, confio-me a ti; meu Pai, eu me abandono em ti; meu Pai, faze de mim aquilo que quiseres, o que quer que faças de mim, eu te agradeço; obrigado por tudo; estou pronto a tudo; aceito tudo; agradeço-te por tudo. Desde que se faça tua vontade em mim, meu Deus, desde que se faça tua vontade em todas as criaturas, em todos os teus filhos, em todos aqueles que teu coração ama, nada mais desejo, meu Deus; entrego minha alma em tuas mãos, eu a dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque te amo e porque me dar é uma necessidade de amor, colocar-me sem medida entre tuas mãos; entrego-me em tuas mãos com uma infinita confiança, pois tu és meu Pai ...” (1896 Ej 88-89).”

 “Ele nos ama porque é bom, não porque sejamos bons – as mães não amam seus filhos delinqüentes?” (CLM 206).

 “O amor é o meio mais poderoso de atrair o amor, porque amar é o meio mais poderoso de se fazer amar” (MSE).

Textos: Mc 8,22 e 10,52

4. POBREZA E AS BEM AVENTURANÇAS (Mt. 5,3-12)

I- FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA

 “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz”!

 Por isso Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, de modo que, ao nome de Jesus, se dobre todo o joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra e, para a glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor” (Fl 2,6-11).

 “Ele sendo rico, se tornou pobre por causa de você” (2Cor 8,9).

II- AS BEM-AVENTURANÇAS

 O texto das “Bem-Aventuranças” é certamente o texto do Novo Testamento que mais deve orientar nossa prática. Jesus nos promete a felicidade. Nos propõe sete caminhos de felicidade. As “Bem-Aventuranças” de Mateus devem ser lidas em conjunto com aquelas de Lucas (Lc 6,20-26).

A - Bem aventurados os pobres em espírito.

 Os pobres são os despojados e os oprimidos

- são os sem-terra e os sem-moradia

- são os pequenos e os últimos

 Em Mateus são aquelas que se sabem totalmente dependente de Deus, que sabem que sem Ele nada são.

 Os pobres materialmente têm mais facilidade para seguir esta BEM-AVENTURANÇA porque Jesus se identificou com eles. Os ricos, pelo apego aos bens materiais, encontram bem mais dificuldades.

 São Bernardo escreve:

“Quando, porém, eu me calasse, os pobres, os desnudos, os famintos se levantariam para gritar: “Dizei-me, pontífices, que faz o ouro nos freios de vossos cavalos? Enquanto nós padecemos, miseravelmente frio e fome, por que tantas roupas de reservas estendidas nas vossas perchas ou dobradas em vossos guarda-roupas? Nós somos irmãos e é da porção dos vossos irmãos que vós olhais assim com avidez. Tudo o que se acrescenta às vossas vaidades é um delito cometido contra nossas necessidades”.

B - Bem aventurados os mansos.

 São aqueles que não pagam o mal com o mal, a violência com a violência.

 É preciso vencer o mal com o bem e não o mal com o mal. “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12,21).

 “Procuremos, pois, olhar sempre as virtudes e coisas boas que notarmos nos outros e encobrir seus defeitos com os nossos pecados! Este modo de proceder, embora no principio não seja com perfeição, dar-nos-á uma virtude excelente, qual a de termos todos por melhores que nós” (Santa Tereza D’Ávila).

 O amor ao inimigo é a grande novidade do Evangelho: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,44).

C - Bem aventurados os aflitos.

 Nossas lágrimas têm como origem:

- nossa própria miséria

- o sofrimento dos outros

 Os místicos falam do “dom das lágrimas”

- elas nascem da nossa consciência de pecador, da nossa negligência.

- “choro ainda porque vejo como o Senhor ama os homens e como os homens são duros, insensíveis e sem amor por Ele e pelo próximo” (Santa Teresa D’Ávila).

 “Não precisa confundir estas lágrimas com as que vêm da nossa sensibilidade ou da má tristeza, segundo o mundo. Choramos porque nos foi tirada esta ou aquela coisa vã, ou porque nossos projetos não se realizam ou ainda porque nosso orgulho foi ferido” (Santa Teresa D’Ávila).

 Que a humildade e o amor de Cristo mudem os nossos olhos de pedra em fontes de água viva. Não há nada de mais horrível na vida religiosa que a dureza e avidez de coração. É uma coisa terrível entrar no convento com um coração de carne e deixá-lo no dia da própria morte com um coração de pedra, endurecido pelo orgulho, pelos hábitos, pela indiferença.

 A oração nos deixa cada vez mais sensível ao pecado e ao sofrimento.

 Puebla nos convida a olhar o mundo com os olhos dos pobres, dos oprimidos.

D - Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça.

 Jesus insiste: não somente “torcer” pela justiça, mas ter fome e sede de justiça.

 Não são aqueles que dizem: “Senhor! Senhor” que entrarão no Reino de Deus, mas aqueles que praticam a vontade do Pai.

 O jejum que agrada a Deus:

- romper os grilhões da iniqüidade

- soltar as ataduras do jugo

- pôr em liberdade os oprimidos (Is 58, 6-11).

E - Bem aventurados os misericordiosos

 “Perdoai-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6.12).

 “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”, disse Jesus na cruz.

 “Não julgueis para não serdes julgados” (Mt 7,1).

 “São Mateus diz: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste (Mt 5,48) e São Lucas: “sede misericordiosos como é misericordioso o vosso Pai” A perfeição é a misericórdia. Toda perfeição que não tende à misericórdia e ao amor dos inimigos é uma imperfeição. Pela sua misericórdia e pela sua paciência, você será “Deus” no meio dos irmãos”.

F - Bem aventurados os puros de coração

 A pureza é a transparência. Só quem é transparente é capaz de ver a Deus.

 Adão e Eva, depois de ter pecado, se esconderam, tiveram vergonha da sua nudez. O pecado impede a transparência.

 “A coisa não padece dúvidas: o coração fútil põe no corpo a marca de sua vaidade. Vestes efeminadas indicam a falta de energia da alma: não tereis tanto cuidado com o corpo, se não tivésseis negligenciado o cuidado por vossa alma” (São Bernardo de Claraval).

G - Bem aventurados os que promovem a paz.

 A paz não é a ausência de conflitos. Seria a paz dos cemitérios. Mas é saber aceitar opiniões diferentes e reconhecer que o que nos une é mais forte que aquilo que nos divide.

 A paz consigo mesmo é a aprofunda aceitação de si mesmo. Saber que sou amado por Deus não por causa dos meus méritos, mas pela sua bondade.

 A paz com os outros é a aceitação da diferença. A verdadeira paz brota da justiça (Paulo VI).

H - Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça.

 Existem hoje muitas pessoas que são perseguidas por causa da luta pela justiça.

Viver as Bem-Aventuranças:

- É olhar a realidade a partir do oprimido.

- É solidarizar-se com o oprimido.

- É desapegar-se dos bens materiais.

- É compartilhar os nossos dons.

- É “ser” mais do que “ter”.

POBRE COM JESUS

 “Meu Senhor Jesus, como logo será pobre aquele que, amando-te de todo o coração, não possa suportar ser mais rico do que seu Bem-Amado! ...Meu Senhor Jesus, como será logo pobre aquele que, refletindo que tudo aquilo que se faz a um desses pequenos, é a ti que o faz, que tudo o que não se lhes faz, não se faz a ti, possa aliviar todas as misérias ao seu alcance! ...como será logo pobre aquele que receber com fé tuas palavras: se quiserdes ser perfeitos, vendei aquilo que tendes e dai-o aos pobres... bem-aventurados os pobres...”.

 “Pois não posso conceber um amor sem uma necessidade, uma necessidade imperiosa de conformidade, de semelhança... Ser rico, ao meu gosto, viver alegremente dos meus bens, quando tu foste pobre, atribulado, vivendo duramente de um rude trabalho! Isso eu não posso, meu Deus... não posso amar assim...”(UL).

 “Ele sempre desceu: desceu ao se encarnar, desceu ao se fazer criança, desceu ao obedecer, desceu ao se fazer... pobre, abandonado, exilado, perseguido, supliciado, colocando-se sempre no último lugar” (VN).

 “Tenhamos como Jesus essa pobreza que consiste em viver como os pobres, em não ter como habitação, alimento, vestimenta e bens materiais de todo tipo mais do que o necessário, como têm os pobres. Tenhamos uma pobreza que não seja convencional, mas a pobreza dos pobres” (MSE).

Textos: Mateus 5, 1-7,29

5. O FILHO PRÓDIGO (Lc 15,11-32)

I – O desejo de auto-realização: Dá-me a parte que me pertence” (v. 11b – 12a).

- Com outras palavras: “estou descontente de nada possuir. Desejo fazer o que quero. Não pretendo mais depender do meu Pai”.

- O filho tem a impressão de que o pai o impede de ser livre. Ele quer decidir sobre seu próprio futuro.

- O filho é histérico. Uma das características deste tipo de pessoas é a constante vontade de mudar, de ser livre e o medo das leis, das tradições.

- O filho não quer ser simplesmente uma cópia do pai, mas reivindica a auto-realização. O texto não fala da tristeza ou alegria do Pai, mas supõe que este concorda com seu filho por que lhe dá a parte dos seus bens.

II – O desejo de auto-realização: frustração: “Ele dissipou seus bens” (v. 13)

- “poucos dias depois”: indica a pressa com que o rapaz dissipou seus bens. Isto indica bem seu caráter histérico.

- “a região longínqua”: indica a distância entre a vida atual e a antiga. O filho se liberta radicalmente do mundo conhecido até agora e troca seu “mundinho” ao lado do pai pelo mundo grande, cheio de possibilidades.

- A imagem subjetiva que os dois filhos tem do pai é idêntica (servir e obedecer v.29), mas o primeiro foge e o segundo se submete.

- O filho mais jovem nega seu passado, suas origens. Não quer reconhecer as suas limitações.

- Ele vive num mundo imaginário. Vive das aparências.

- “Sobreveio nesta região uma grande fome e começou a passar privações”. O mundo dos sonhos acaba. Pior, a nova situação escraviza ainda mais.

- “Foi então, empregar-se com um dos homens da região, que o mandou para os campos cuidar dos porcos”.

O filho foi obrigado a vender-se. A situação dos porcos parecia melhor do que a sua;

O histérico precisa confrontar seus sonhos com a realidade, onde existem leis.

III – Conversão e conhecimento de si: “Ele caindo em si”.

- O filho mais jovem precisava confrontar-se com a realidade. Isso só era possível caindo em si. O discurso do filho se torna agora mais pessoal: “Pai, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados.”

- O filho não acusa causas externas, o sistema, a sociedade pela situação na qual se encontra, mas a si mesmo, na hora de sua partida, o filho se deixou simplesmente orientar pelo princípio do prazer. A sua volta é uma decisão madura de alguém que se encontrou, que tem agora uma visão de sua realidade psicológica interna e da realidade física externa.

IV – Encontrar-se a si mesmo: um presente: “Seu pai correu”.

- O pai abraça o filho antes que este faça sua confissão.

- O pai representa a lei, o laço, a autoridade, a moral. Agora, no encontro, o pai se manifesta como alguém que dá proteção, segurança.

- Enquanto o filho esperava ser considerado empregado – era assim que ele se considerava antes – o pai o trata com toda dignidade de um filho.

- O pai dá ao filho exatamente o que ele procurava na sua fuga: o reconhecimento: “Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, pondo-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho cevado e matai-o; comamos e festejemos”.

- O filho encontra na própria “casa”, o que ele estava procurando fora de si.

V - A raiva do justo: “Ele ficou com muita raiva”.

- O pai vai também ao encontro do filho mais velho, mas nele encontra resistência.

- Quando o filho mais velho acusa seu irmão de ter gastado seu dinheiro com prostitutas, ele projeta seus desejos inconscientes.

- O lado negativo da nossa personalidade que não aceitamos em nós, nós o projetamos nos outros.

- Geralmente pessoas muito duras consigo mesmas, combatem nos outros tendências ruins que não querem aceitar dentro de si. Como a agressividade não se volta contra eles mesmos, se volta contra os outros.

- O filho mais velho deveria ter confiança no Pai, reconhecer suas próprias tendências ao mal e agradecer ao pai por ter vivido sempre na comunidade. A conversão dele deveria ser um novo relacionamento com o Pai, relacionamento feito de confiança.

CONCLUSÃO

Deus não é um concorrente da liberdade humana e da realização pessoal. Suas ordens não são feitas de constrangimentos aos quais o homem deve submeter-se ou fugir delas. A graça de Deus e a sua misericórdia não são para vergonha do homem, mas para sua dignidade.

A MISERICÓRDIA DE DEUS

 “Uma só alma tem mais valor do que a Terra Santa inteira e do que todas as criaturas sem razão reunidas. É preciso ir, não onde a terra é mais santa, mas lá onde as almas têm mais necessidade... aonde Jesus iria: ‘à ovelha mais desgarrada, ao irmão de Jesus mais doente, aos mais abandonados... aos mais perdidos’” (SCD 80-83).

 “As principais características dos pequenos irmãos do Sagrado Coração são: primeiramente, o cuidado de imitarem sem cessar nosso Senhor Jesus, de modo a serem imagens fiéis dele...; o zelo das almas: a regra de verem em todo ser humano uma alma a salvar, e devotar-se à salvação das almas como seu Bem-Amado, a ponto de a palavra ‘salvador’ resumir suas vidas como ele expressa a dele” (rs 103-104).

 “Pregar o Evangelho aos tuaregues? Não creio que Jesus o queira, nem de mim, nem de ninguém”.Uma alma a salvar: mas a primeira não é a nossa? Se falamos de conversão, não seria primeiro a nossa?

 “Como, partindo do trinômio ‘amar, imitar, fazer companhia’ chega-se à equação fundamental ‘amar o Cristo é imitá-lo, ser salvador como ele?’ Todo padre De Foucauld está aí: sua mística mais profunda e toda sua história” (Peyriguère).

 Meu apostolado deve ser o apostolado da bondade. Vendo-me, as pessoas devem dizer: “Já que este homem é bom, a sua religião deve ser boa”. Se alguém me pergunta por que sou bom, devo dizer: “Porque sou servidor de alguém que é bem melhor do que eu. Como é bom meu Mestre Jesus. Gostaria de ser tão bom para que se possa dizer: ‘Se tal é o servo, como deve ser o bom Mestre?” (1909).

 “Continuo sendo pecador... É uma das coisas que contribuiu para me impedir, durante muito tempo, de buscar-te em mim mesmo para te adorar... estava assustado de te sentir tão dentro de mim, tão perto de minhas misérias, tão perto das minhas imperfeições numerosas... Perdão, socorre-me... pertenço-te, meu corpo, minha alma, tudo o que tenho te pertence: ‘Que não seja mais eu quem vive, mas tu que vives em mim, ó Jesus; continua em mim tua vida... para a maior glória de Deus, Amém.” (CFA 526,528).

Textos: Lc 15,1-32; Salmos 6,32,38,51,130,102,143.

6. OBEDIÊNCIA

1 – OBEDIÊNCIA A DEUS

 Obedecer tem a mesma etimologia que a palavra “escutar”.

 Jesus veio para obedecer.

• “Cristo se fez obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8).

• “O meu alimento é fazer a vontade do Pai” (Jo 4,34).

• “Desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade de quem me enviou” (Jo 6,38).

• “O mundo saberá que amo o Pai se faço como o Pai me ordenou” (Jo 14,31).

• “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como Tu queres”.

 A obediência de Jesus é antes de tudo: escutar o Pai.

 São Pedro prefere obedecer a Deus do que aos homens:

• “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens” (At 5,29).

 Como ouvir a voz de Deus?

• Conformando minha vida à vida de Cristo.

• Meditando a Palavra de Deus.

• Sendo fiel à Palavra da Igreja.

 Um orientador espiritual pode me ajudar a discernir entre o que é a vontade de Deus e a procura de mim-mesmo.

2- CONFLITO ENTRE O PROJETO DE DEUS E A MINHA VONTADE

 Jacó lutou a noite toda com o anjo (Gn 32, 23-33).

 Jesus disse a Saulo no caminho de Damasco: É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão” (At 26,14).

 Moisés resiste contra Deus: Perdão, Senhor, eu não sou um homem de falar... pois tenho a boca pesada e pesada a língua” (Ex 4,10).

 Jeremias se queixa porque a sua missão é difícil demais: “Não me lembrarei dele, já não falarei em seu Nome...” (Jr 20,9).

 E o próprio Jesus no jardim das Oliveiras: “Pai, afaste de mim este cálice”

(Mc 14,16).

3- O PODER COMO SERVIÇO

• Após o pedido de Tiago e João

• “Sabeis que aqueles que governam as nações as dominam, e os grandes as tiranizam.

Entre vós não deverá ser assim: ao contrário, aquele que, dentro de vós, quiser ser grande, seja o vosso servidor e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja servo de todos” (Mc 10,35-45).

• “Jesus repete a mesma coisa no lava-pés:

“Se, portanto, eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13, 1-17).

“Se compreenderdes isto e o praticardes, felizes sereis” (Jo 13,17).

4- TEM AUTORIDADE, NÃO NECESSARIAMENTE AQUELE QUE TEM PODER

• Jesus falava com autoridade, sem ter poder (cf Lc 4,22).

• Tem autoridade aqueles que vivem o que falam:

“Aconteceu que ao terminar Jesus estas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu ensino, porque as ensinava com autoridade e não como os escribas” (Mt 7,29).

5- A OBEDIÊNCIA TEM UM CARÁTER COMUNITÁRIO (Cf. Pastor Dabo Vobis)

• Obediência apostólica: o presbítero ama e serve à Igreja na sua estrutura hierárquica. A Igreja é como nossa mãe, mesmo se ela erra muito... A crítica tem que ser feita com amor.

• A obediência vivenciada pelo presbítero o ajuda a exercer com evangélica transparência a autoridade que lhe é confiada.

• O presbítero está profundamente inserido num presbitério e não se prende demasiadamente às suas próprias preferências.

• O sacerdote é como que devorado pelas necessidades e exigências do povo.

6- DESOBEDIÊNCIA COM VIRTUDE

• O próprio Jesus desobedeceu diante do legalismo dos seus (Mc 3,1-6; 2,23-27).

• Jesus desrespeitou as autoridades: os vendedores expulsos do Templo (Mc 11,15-19 e 27-33).

• Obedecer nem sempre é uma virtude!

FAZER A VONTADE DE DEUS

 “A obediência é o ultimo, o mais alto e mais perfeito dos graus do amor, aquele onde deixamos de existir, onde nos aniquilamos, onde morremos como Jesus morreu na cruz, onde devolvemos ao Bem-Amado um corpo e uma alma sem vida, sem vontade, sem movimento próprio, do qual pode fazer tudo o que quiser, como de um cadáver. Eis aí, certamente, e sem dúvida alguma, o mais alto grau do amor: grau que contém todos os outros, superando-os. É transcendente, acima de tudo, superando tudo...” (CIT 149).

 “A perfeição do amor é a perfeição da obediência” (CIT 150).

 “Obedecer é amar, o ato de amor é o mais puro, o mais perfeito, o mais elevado, o mais desinteressado, o mais adorativo, se posso assim expressar: obedecer produz, sobretudo no começo, não poucos atos de mortificação; ao fim de um certo tempo, começa-se a ver as coisas por seu verdadeiro ângulo, a se desapegar de tudo” (CIT 145).

 “A primeira de todas as obras do amor é a obediência, como nosso Senhor mostrou por mil palavras e pelo exemplo de sua vida. ‘Não vim fazer minha vontade, mas sim daquele que me enviou’. ‘Aquele que me ama observa meus mandamentos’. Aquele que obedece perfeitamente a todo momento, ama perfeitamente a todo momento” (MSE nº 518).

 “Deus nos leva por caminhos inesperados! Como tenho sido conduzido, sacudido, há seis meses! Argélia, Roma e agora o desconhecido. Somos a folha seca, o grão de poeira, o floco de espuma. Sejamos fiéis e deixemo-nos levar com grande amor e com grande obediência para onde nos leva a vontade de Deus... até que um último sopro de veto abençoado nos leve ao céu” (CFT 153).

 “A presença do futuro se faz, às vezes, freqüentemente, quase sem cessar, por nós, mas nunca a partir de nós mesmos...nunca porque temos em vista essa preparação, sempre porque temos em vista, unicamente, a realização da vontade de Deus no momento presente (OE 156).

 “A permissão de cada tentação é uma graça! Pelo combate sem cessar sustentado pelo amor de Deus, ele fortalece nosso amor – ele vos faz humildes, ele vos instruiu, ele vos faz prudentes entre vós, indulgentes com os outros”.

Textos: Fl 2,5-11; 1 Rs 19, 1-18; Lc 22,39-46.

7. EUCARISTIA E REALIZAÇÃO DE SÍ

I – EUCARISTIA COMO SACRIFICIO

O conceito de sacrifício foi, muitas vezes, mal utilizado. Ele se tornou materialista demais, como se nós pudéssemos agradar ou satisfazer Deus com os nossos sacrifícios.

A - Nas origens, sacrifício significava: levar uma coisa profana ao mundo do divino. Nossa visão das coisas é mundana na maioria dos casos. Esta vida mundana é levada na Eucaristia no mundo de Deus. Isso acontece na “elevatio”, na hora da preparação das oferendas. O pão e o vinho são símbolos da nossa vida. O pão simboliza todo o nosso trabalho; o vinho as alegrias e o amor. A “elevatio” significa a elevação no espiritual. Pela encarnação de Jesus Cristo se torna visível que o mundo foi levado no domínio de Deus.

B - O sacrifício pode também significar: aprendizagem no tornar-se pessoa humana. Sacrifício significa sacrifício de si mesmo. Isso necessita conhecimento de si mesmo. Por isso o tiro da transubstanciação é precedido pelo reconhecimento do pecado. Nós oferecemos no pão e no cálice o que está separado, espalhado dentro de nós.

À medida em que seguimos, na Eucaristia, o caminho de Jesus, acabamos de nos encontrar cada vez mais como nós mesmos, porque Jesus é a plena realização do ser humano.

Existem vários caminhos que levam ao conhecimento de si mesmo:

- Métodos psicológicos: pelo conhecimento do nosso passado, das nossas sombras.

- Métodos meditativos e contemplativos: isso passa pelo presente e o futuro.

Quatro atitudes importantes:

1º.

- RECEBER: isso acontece na Liturgia da Palavra,

- ACOLHIDA: pela qual nós nos recebemos mutuamente.

- ATO PENITENCIAL: me coloco diante de Deus como sou: com os acertos, minha culpabilidade. É o momento da verdade diante de Deus, A culpabilidade é sempre ligada a nossa divisão interna. Sei o que é bom para mim, mas faço outra coisa. No pedido de perdão sabemos que nós somos recebidos por Ele do jeito que somos.

- A LITURGIA DA PALAVRA: nos diz quem nós somos.

- Cuidado com o discurso moralista: o importante não é o fazer, mas o ser.

- Cuidado com o discurso utópico: idealista, fora da realidade.

Nas leituras, Deus quer nos dizer quem nós somos, que somos amados por Ele, que Ele habita em nós.

2º.

- DEIXAR: a vida toda consiste em deixar: a infância, a adolescência, a juventude, a vida adulta. O homem precisa estar aberto para o novo. O homem só consegue o “Self” quando renuncia ao Ego. O ego é a pessoa consciente que quer realizar tudo sozinha. O homem chega ao Self quando ele abandona as pretensões do Ego e se entrega a Deus. Nós temos medo de deixar nosso “Ego”. Jesus na eucaristia quer nos tomar pela mão, para nos introduzir no seguimento da sua doação total. A morte de Jesus é o sinal radical da sua entrega. Na cruz, Ele perde até sua dignidade de Filho de Deus. A morte de Jesus na cruz questiona nossa maneira de enxergar Deus.

- A eucaristia nos convida a seguir o caminho de Jesus.

- Quando o sacerdote estende a mão sobre as oferendas, na hora da Epíclese, isso significa comprometer-se com a morte de Cristo. Morte que leva à ressurreição.

- Celebrar a Eucaristia é aceitar a cruz, a vida que nasce da cruz.

- Conta um monge da Igreja primitiva; quando uma mulher o procura:

“Como podemos ser salvos, nós que estamos preocupados com coisas deste mundo?”

- O ancião lhe disse:

- Havia uma mulher com uma criancinha na roça. Tinha nozes num cântaro. A criança disse: Mamãe, dá-me nozes! Ela disse: Pega algumas no cântaro. Quando ela tinha colocado a mão e não conseguia mais tirá-la, disse a sua mãe: Minha mão não consegue mais sair. Ela disse: Baixinho, larga o que você tem e ela sairá.

- É assim que acontece conosco. Se nós não deixarmos as coisas deste mundo, não poderemos ser salvos, disse o ancião.

Na missa, nós entregamos a Deus tudo o que faz parte de nossa vida, para que ele a transforme (transubstanciação, transfinalização, transignificação).

Pelo Espírito Santo, o pão e o vinho se transformam no corpo e sangue de Jesus. Estes simbolizam a morte de Jesus, que na consagração se torna presente no nosso meio. A materialidade do pão é transformada na vida de Deus.

Obs: O Self é o processo desenvolvido pelo individuo em interação com seus semelhantes e através do qual se torna capaz de tratar a si mesmo como objeto, isto é, observar-se, considerando seu próprio comportamento do ponto de vista alheio.

3º.

- UNIR-SE: acontece na hora da comunhão. Comungando o corpo e sangue de Cristo, nós nos tornamos um com Jesus Cristo e entramos na Comunhão da Santíssima Trindade. Pela comunhão, a vida de Deus penetra no mais intimo de nós, até nos lugares mais escuros da nossa personalidade.

Se Deus me aceita como sou, eu também posso me aceitar!

A Eucaristia é o casamento de Deus com o homem (Bodas de Cana). Deus transforma nossa vida mundana (água sem gosto) numa vida divina (vinho).

Mas a comunhão tem também um significado comunitário. Comungo do mesmo Pão que os outros. Além das nossas diferenças, brigas, tem alguma coisa mais profunda que nos une. O que nos une vai além dos nossos sentimentos ou nossa razão.

A comunhão não elimina nossos conflitos ou nossa incompatibilidade, mas nos faz viver isso de maneira diferente.

Finalmente pela comunhão nós nos tornamos um com a Criação. O pão e o vinho são dons da natureza.

4º.

- TORNAR-SE NOVO (renovar)

Com Cristo nós nos tornamos um pelo seu espírito.

Pela Ressurreição. Ele quebrou os limites da nossa existência. Ele nos torna capazes de sairmos do nosso comodismo, nossa tristeza, nosso medo. O novo existe dentro de nós e nos faz criativo, cheio de imaginação. A psicanálise procura nos curar revivendo o passado e isso é certo, importante, mas a fé faz olhar para frente, para o novo, capaz de dinamizar a nossa vida. Olhando o novo, a gente se liberta do velho.

EUCARISTIA

 “Que alegria! Deus conosco. Deus em nós. Deus no qual nós nos movemos e somos, Deus que está a dois metros de mim no tabernáculo, ó meu Deus, de que mais precisamos? Como somos felizes! Emanuel, ‘Deus conosco’, eis, por assim dizer, a primeira palavra do Evangelho... ’Estou com vocês até a consumação dos séculos’, eis a última. Como somos felizes! Como é bom...” (MSE).

 “A eucaristia é Jesus, é todo o Jesus!... Na santa eucaristia estás inteiro, vivo, meu Bem-Amado Jesus tão plenamente como estavas na casa da Santa Família de Nazaré..., como estavas entre os apóstolos. Assim também estás aqui, meu Bem-Amado e meu Tudo” (1897, MSE).

 “Estás aí, Senhor Jesus... Como estás perto, meu Deus! Meu Salvador! Meu Jesus, meu irmão, meu esposo, meu Bem-Amado... É muita loucura acreditarmos que há algo melhor para sua glória do que nos ajoelharmos a seus pés... Amemo-lo o mais possível, isso é tudo o que precisamos, no tempo e na eternidade... Quando se ama, não se acredita que se está bem, que está perfeitamente empregado todo o tempo passado perto daquele que se ama? Não é esse o tempo mais empregado, exceto aquele em que a vontade, o bem do ser amado nos chama para outro lugar?” (1897, UL).

 “Que devoção não devemos ter para os corpos e as almas de todos aqueles entre os cristãos que, pela santa comunhão, foram tão intimamente unidos a Jesus... foram suas esposas, seus templos de maneira maravilhosa! Como essas almas e esses corpos devem nos ser caros, preciosos e sagrados” (PIJ 67).

 “Como a santa eucaristia deve tornar-nos ternos, bons para todos os homens, isso aparece também: a língua que tocou Deus dirá outra coisa que não sejam palavras dignas da caridade divina; a alma que recebeu Deus conceberá pensamentos que não sejam conformes à bondade de Deus?” (1897, AMI, 93-94).

Texto: João 6,1-71

8. “VEJAM COMO ELES SE AMAM!”

VIDA FRATERNA – Irmão Universal

Vida em comum e vida fraterna

- A vida em comum requer estruturas. Ela não é uma necessidade absoluta. Valoriza o outro na sua diferença. Favorece a ajuda mútua. Pede atitudes de renúncia para o bem do outro.

- A vida fraterna não exige necessariamente a vida em comum, mas requer relações de amor fraterno. Ninguém consegue viver sem relações de amor: amar e ser amado.

Realização de si e exigência do amor

- Nossa realização pessoal nem sempre facilita a vida fraterna. O objetivo da Fraternidade é a realização de cada um no amor.

- “Vejam como eles se amam”!

Algumas atitudes fundamentais para viver a vida fraterna:

1) Ser capaz de escutar

a) Precisamos escutar Deus

- “Ouve”, ó Israel. Iahweh nosso Deus é o único Iahweh! Portanto, amarás a Iahweh teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força” (Dt 6,4-5).

- Fala, Iahweh, que o teu servo ouve! (1Sm, 3,20).

- “Vou ouvir o que Iahweh Deus diz: porque ele fala de paz ao seu povo, a seus fiéis” (Sl 85,9).

- Quem ouve a minha palavra, tem vida eterna (Jo 5,24).

- Quem tem ouvidos, ouça o que o “Espírito diz” (Ap 2,7).

b) Para escutar, é necessário fazer silêncio.

- Bernardo de Claraval: “Do silêncio vem toda força. No silêncio afundamos no seio do Pai e caminhamos com sua palavra eterna. A paz de Deus pacifica tudo”.

Alguém veio um dia queixar-se de nunca ter sentido a presença de Deus, apesar das numerosas orações. O santo respondeu: “A próxima semana, você não precisa mais rezar, mas você vai sentar-se simplesmente ao mar e experimentar o silêncio”. Após algum tempo, ele voltou e disse ao santo: “É estranho! Quando eu falava a Deus, não sentia nada; mas agora que experimentei o silencio, aí encontrei a presença Dele!” (padres da Igreja).

- Cipriano de Cartago: “Como tu podes exigir que Ele te escute, quando tu nem escutas a ti mesmo”?

c) Deus nos fala no mais íntimo de nós mesmos

- Deus nos fala lá onde a gente encontra com nossa nudez, nossa sombra, nosso pecado. A humildade é o único caminho que nos abre o caminho de Deus.

Jó após longa experiência de sofrimento: “Somente através do ouvir dizer é que eu te conhecia, agora meus olhos te contemplaram. Por isso eu te chamo e respiro de novo, na poeira e nas cinzas” (Jo 42,5-6).

d) Quem escuta a Deus se dispõe a escutar os irmãos

- Ouvir a Deus prepara para acolher o pobre, o sofredor, o marginalizado. Saber escutar é a primeira atitude para valorizar os outros e não esmagá-los com os nossos conhecimentos. Geralmente o outro não precisa de nossos bons conselhos, mas simplesmente ser ouvido.

- Escutar é valorizar os outros”... cada um considerando o outro como mais digno de estima (Rm 12,10).

- “... mas com humildade, julgando cada um os outros superior a si mesmo...”

2) Uma profunda compaixão pelo povo.

a) Jesus é o modelo que inspira a vida espiritual. Não precisamos imitar Jesus no que ele fez - isso seria impossível – mas nos seus sentimentos: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo” Neste sentido a espiritualidade deve ser cristocêntrica.

b) Nosso olhar dever estar fixado no Invisível... Moisés andava “como se visse o Invisível:”(Hebreus 11,27). Somos chamados a ver Deus agindo nas pessoas, especialmente os mais pobres: “Eu tive fome, sede, estava nu, preso, doente...” (Mt 25,31-46).

c) Vamos ver alguns sentimentos de Jesus para com o povo:

Compaixão

Antes da multiplicação dos pães:

“Jesus viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por ela, pois estavam como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34).

Após ter feito várias curas:

“Ao ver a multidão, teve compaixão dela porque estava cansado e abatido como ovelhas sem pastor” (Lc 9,36).

Ternura

• Cheio de respeito com a samaritana que veio buscar água e a quem Jesus revela sua verdadeira identidade. “...Quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede” (Jo, 4,1-42).

A FRATERNIDADE

 “Quero habituar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus e idólatras, a ver-me como seu irmão universal. Eles começam a chamar a casa de ‘ a Irmandade’ e isso me enternece” (1902, OE 39).

 “Somos todos filhos do Altíssimo! Todos... o mais pobre, o mais repugnante, um recém-nascido, um velho decrépito, o ser humano menos inteligente, o mais abjeto, um idiota, um louco, um pecador, o maior pecador, o mais ignorante, o ultimo dos últimos, aquele que mais repugna no aspecto físico e moral é um filho de Deus, um filho do Altíssimo...” (1897, OE 88-89).

 ...Não há, creio, palavra do evangelho que tenha exercido sobre mim mais profunda impressão e transformado mais minha vida do que esta: “Tudo o que fizerdes a um destes pequeninos é a mim que o fazeis”. Quando se pensa que essas palavras são aquelas da Verdade incriada, aquelas da boca que disse ‘este é o meu corpo, este é o meu sangue’, com que força somos levados a buscar e amar Jesus nesses pequenos, nesses pecadores, nesses pobres, empregando todos os meios materiais para aliviar suas misérias temporais... (1916, CLM 210).

 “Ser amigo de todos, bons e maus, ser o irmão universal” (CB 115).

 “Todos, o pobre turco e o bispo, todos, todos, ao recebê-los, recebe-se a Jesus”

(PIJ 37).

 “Aqui, cuidando dos doentes, eu o vejo, eu o toco, tenho a impressão física de tocar o corpo de Cristo. É uma graça extraordinária!” (Peyriguère).

 “Para chegar ao amor de Deus, pratica o amor dos homens: em todo ser humano, vê um filho de Deus, um irmão de Jesus... Nada conduz melhor ao amor de Deus do que a caridade para com seus filhos em vista dele” (CLM 127-197).

 “O meio de saber se acreditas, se estás progredindo no amor divino e em todas as virtudes, é ver se acreditas no amor do próximo e em humildade... Se acreditas nessas duas coisas, eis a prova cabal de que crês com toda perfeição” (MSE, meditação n. 267).

 “Vendo os homens, fechemos os olhos do corpo, vejamos neles o que são, não o que possam parecer, olhemos como Deus os olha” (QRP,41).

Textos: Lucas 18,9-14; Mateus 25,31-36.

9. “DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS...” (Mc 10,4).

1- Deus presente nos pequeninos:

- “Todo o que recebe a uma destas crianças em meu nome, a mim é que recebe” (Mc 9,37).

- “Quem me procura, me encontrará nas crianças. É nelas que me revelarei” (Palavra de Jesus segundo Hipólito).

- Deus sempre privilegia o que é pequeno, rejeitado: as crianças, as mulheres, os doentes, os pecadores, os estrangeiros...

- “Todas as vezes que fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizeste” (Mt 25,40).

- “Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21).

2- Confiança: característica dos pequeninos

- Jesus nos convida a nos tornarmos como as crianças por causa da sua grande capacidade de confiar.

- A criança só cresce feliz quando os pais confiam nela. A desconfiança leva ao medo. E o medo leva a auto-destruição.

CONFIANÇA EM DEUS:

Deus é fiel no seu amor. Ele nunca decepciona.

- “Para vós, Senhor, elevo minha alma, meu Deus, em vós confio, não seja eu decepcionado” (Sl 24, 1-2).

- “Nossos pais puseram sua confiança em vós; eles esperaram e os livrastes. A vós clamaram e foram salvos; confiaram em vós, e não foram confundidos” (Sl 21,5-6).

A CONFIANÇA EM DEUS NOS CURA DO PECADO E DA ANGÚSTIA

- “Tua fé te salvou” (Lc 7,50) disse Jesus à pecadora.

- “Onde está a vossa fé (confiança)” (Lc 8,25) perguntou Jesus após ter acalmado o mar.

As preocupações do dia-a-dia não devem nos afogar. Devemos saber relativizar os problemas, voltando-nos para o essencial.

- “Não vos aflijais, nem digais: ‘Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos?’ São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,31-34).

CONFIANÇA EM SI MESMO

- Devemos nos aceitar, sabendo que nós somos amados por Deus, não por causa de nossos méritos, mas por sua infinita gratuidade.

- Só pode confiar nos outros quem confia em si mesmo.

- “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).

CONFIANÇA NO OUTRO

- Só crescemos quando encontramos em volta de nós pessoas que acreditam em nós.

- Confiar não depende em primeiro lugar das nossas palavras, mas da nossa maneira de nos comportar, de ser.

- Jesus confiou na pecadora (Lc 7,36-50), na mulher adúltera (Jo 8,1-11), nos primeiros discípulos (Jo 1,35-51). Esta confiança provocou a conversão e o seguimento.

- Kahlil Gibran escreve: “Vossos filhos não são vossos filhos. Vós podeis lhes dar o vosso amor, mas não vossas idéias”.Vós podeis tentar ser semelhante a eles, mas não procurem que eles sejam semelhantes a vós.Vós sois arcos, a partir dos quais os vossos filhos, como flechas, vão ser enviados”.

3- Confiar é saber arriscar

- Facilmente nós nos acomodamos por medo de ser diferentes, de ser criticados, de perder prestigio ou vantagens materiais. Ficamos parados, ou, às vezes, olhamos para trás.

- Jesus nos convida a segui-lo, sem segurança, arriscando!

“Vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu: depois vem e segue-me” (Lc 18,22).

- “Não leveis coisa alguma para o caminho, nem bordão, nem mochila, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas” (Lc 9,3).

“Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o reino de Deus” (Lc 9,62).

- A nossa única segurança é Jesus:

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.

- Somente uma grande confiança em Deus é capaz de vencer a angústia da insegurança.

“Vinde a mim, vós que estais cansados e eu vos aliviarei”.

- Quem faz as coisas por medo de perder a segurança, acaba se destruindo e se afasta cada vez mais de Deus.

- Confiar é a verdadeira energia que é capaz de nos fazer viver.

4- Confiar é deixar o outro livre

- Deus nunca impõe, mas propõe.

“Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me” (Lc 9,23).

“Se alguém me quer servir, siga-me; e onde eu estiver, estará ali também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará” (Jo 12,26).

- Por isso devemos ajudar o outro a arriscar o novo.

“Até uma certa idade somos o que os outros fizeram de nós, agora devemos ser o que nós queremos ser” (Sartre).

- “Têm dependências que libertam, têm outras que escravizam”.

Toda a dependência baseada num amor desinteressado liberta! A aceitação da dependência amorosa com Deus é fonte de liberdade e criatividade.

A independência como também a dependência interessada não conseguem libertar verdadeiramente as pessoas, pelo contrário acabam escravizando ainda mais o ser humano.

A PEQUENEZ - A CONFIANÇA

- “Tua vida de Nazaré pode ser vivida em todos os lugares: vive-a no lugar mais útil ao próximo” (CT 46-47).

- “Não estou sequer semeando: preparo a terra, outros semearão, outros colherão. ...Deus sabe quando, talvez daqui a séculos” (CHC 156,182).

- “...para nos salvar misturou-se a nós, viveu conosco no contato mais familiar e mais estreito.”

- “O grande desejo de amizade que se deve ter em relação a todos os seres humanos, união a eles simplesmente porque são amados e porque disso se quer dar-lhes testemunho gratuito, quer dizer, sem esperar nenhum reconhecimento, nem resultado... mesmo de apostolado” (Irmã Madalena).

- “Faze-se o bem não na medida daquilo que se diz e faz, mas na medida do que se é, na medida da graça que acompanha os nossos atos, na medida em que Jesus vive em nós, na medida em que nossos atos são atos de Jesus agindo em nós e por nós... A alma faz o bem na medida de sua santidade: que esta verdade esteja diante dos nossos olhos” (RD 646).

- “Toda nossa existência, todo nosso ser deve gritar o Evangelho sobre os telhados: toda nossa pessoa deve respirar Jesus, todos os nossos atos, toda a nossa vida, deve gritar que somos Jesus, devem apresentar a imagem da vida evangélica; todo nosso ser deve ser uma pregação viva, um reflexo, um perfume de Jesus, algo que exclame Jesus, faça ver Jesus, que brilhe como uma imagem de Jesus” (MSE meditação n. 314).

- “A descida para a pequenez, não é masoquismo, uma necessidade de punir-se ou desvalorizar-se. Não é motivado pelo medo ou timidez. Não se trata de contra cultura em revolta contra a sociedade. Nós o fazemos atraídos por Deus. Somos chamados a isso para um encontro de amor, para um encontro de coração a coração com Ele e com os outros. Não se trata de fuga do mundo, mas de uma nova maneira de ser no mundo” (Jean Vanice).

Textos: Fl 2,6-11; Sl 21; Mt 6,31-34.